sexta-feira, 31 de março de 2006

AS MULHERES NA POLÍTICA

Quando em Portugal (e noutros países) se aprovam leis para fixarem a obrigatoriedade do cumprimento de quotas e paridades na formação de listas eleitorais, eis que me deparo com esta notícia no COURRIER INTERNATIONAL sobre o factor de mudança e esperança que as mulheres já constituem na vida política africana.

Comparações e argumentações à parte, não qualquer existe sombra de dúvida que o continente africano é aquele onde persiste uma maior tradição na relevância do papel da mulher na sociedade. Não será por acaso que foi neste continente que as sociedades do tipo matrilinear conheceram uma existência mais duradoura e onde a mulher continua muito associada à produção de bens essenciais e à gestão dos interesses familiares.

Talvez afinal as sociedades naturais, baseadas na família e no clã, não se encontrassem tão “atrasadas” como sempre nos têm querido fazer crer nos programas escolares a que gerações e gerações de ocidentais “civilizados” têm sido submetidas.

Seguramente ninguém negará que o motor de desenvolvimento da espécie humana não foi o homem, mas sim o Homem!

quinta-feira, 30 de março de 2006

DUAS ELEIÇÕES, DOIS RESULTADOS A MESMA POLÍTICA

Conhecidos os resultados e as primeiras reacções às eleições legislativas em Israel, é chegado o momento de confirmar o que de antemão se conhecia.

A vitória do recém-criado Kadima de Ehud Olmert (Ariel Sharon está “morto” há já muito tempo) terá desenhado um sorriso amarelo em muitos rostos, pela sua reduzida expressão. Não só os 28 lugares alcançados no Knesset (parlamento judaico) são manifestamente poucos, como os 22% dos votos dificilmente poderão ser reivindicados como uma validação à proposta política de Sharon.

Facto notável foi a elevada abstenção (cerca de 43%) e a relegação do Likud para o lugar de quarta força política. A cisão de Sharon e Olmert fez profundos estragos e até o Israel Beitenu (extrema direita) conseguiu alcançar mais lugares (13 contra 12) no parlamento.

Tanto quanto os meios de comunicação noticiam, Olmert já iniciou o processo de negociações (por enquanto limitado ao interior do seu próprio partido) com vista à constituição do próximo executivo que deverá incluir os trabalhistas de Amir Peretz e os extremistas do Israel Beitenu, indispensáveis para alcançar uma maioria tangencial.

Fruto desta correlação de forças, como aconteceria com qualquer outra, as relações com a Autoridade Palestiniana e os territórios ocupados deverão continuar a pautar-se pela aplicação da política judaica do «QUERO, POSSO e MANDO» de que aliás Olmert nunca fez segredo durante a campanha eleitoral. A este propósito refira-se que a esta última campanha foi a primeira onde o tema central não foi o relacionamento com os palestinianos (segurança) mas sim questões de natureza económica e social; desconheço se o motivo se encontra na progressiva desvalorização do problema palestiniano (talvez a esmagadora maioria dos judeus já dê o problema como resolvido, ou pelo menos significativamente atenuado com a subida ao poder do Hamas, na Palestina), se em crescentes dificuldades originadas pela estagnação da economia mundial que não deixará de afectar (por muito pouco que seja) os poderosos e ricos financiadores do Estado de Israel. Seguro é quem qualquer caso o Estado de Israel não vai deixar de contar com o apoio dos EUA, pelo menos enquanto houver uma crise (real ou imaginária) no Médio Oriente, enquanto as economias ocidentais dependerem do petróleo e enquanto existir qualquer espécie de ameaça (real ou imaginária) sobre o estado judaico.
Nesta perspectiva (que é a que tem vigorado desde a implantação de Israel nos territórios Palestinianos) estarão reunidas todas as condições para a manutenção do processo de expulsão ou genocídio dos Palestinianos dos territórios que o futuro governo judaico (ou qualquer outro que lhe suceda) entender como necessários à sua segurança.

Nos territórios ocupados o Hamas, vencedor das recentes eleições palestinianas, apresentou o seu governo que hoje mesmo prestou juramento ao presidente Mahmud Abbas. Tudo poderá parecer normal, excepto o facto de parte do novo executivo se ter visto obrigado a recorrer a um sistema virtual para proceder à cerimónia de tomada de posse por se encontrar sequestrado numa parte do território (Faixa de Gaza ou Cisjordânia) em virtude do governo de Telavive impedir a circulação dos membros do Hamas entre as diferentes zonas do território palestiniano.

Quando perante um cenário desta natureza a comunidade internacional, com os EUA e a UE à cabeça, exige ao partido que legitimamente governa os territórios palestinianos o reconhecimento do Estado de Israel (o mesmo que constrói muros de separação e encerra estradas impedido a livre circulação entre os territórios de pessoas e bens) tudo que se pode concluir é que quem tanto reivindica a aplicação dos princípios de igualdade de tratamento e oportunidades tem um conceito perfeitamente enviesado de liberdade. Contrariamente ao que pretendem George W Bush & friends a LIBERDADE não é fazermos o que queremos, mas sim não fazermos aos outros o que não queremos que nos façam a nós.

quarta-feira, 29 de março de 2006

O DILEMA DOS JOVENS OU DOS OUTROS?

Enquanto continua a crescer o número de participantes nas manifestações, levadas a cabo um pouco por toda a França, mantém-se a intransigência do governo liderado por Dominique de Villepin em não abandonar ou suspender a aplicação do CPE - Contrat de Première Embauche (contrato de primeiro emprego).

Ontem, qualquer coisa entre um milhão e três milhões de franceses (conforme a fonte de informação) manifestou-se nas ruas de várias cidades contra a proposta do governo de impor um período experimental de dois anos nos contratos de trabalho para os jovens até aos 26 anos. Esta grande movimentação apenas foi conseguida com a entrada nas fileiras dos sindicatos e do apelo, bem sucedido, a greves parcelares.

Com o engrossar dos protestos estão também a ocorrer situações de aproveitamento por grupos mais radicais, estando a polícia francesa a tentar separar os manifestantes dos provocadores de desacatos. A este cenário que se vive nas ruas e que alguma imprensa procura aproximar ao registado em Novembro de 2005, há que juntar aquele que atravessa os partidos políticos e principalmente o do governo (UMP), traduzido na “luta” entre o primeiro-ministro Villepin e o ministro e presidente do UMP, Nicolas Sarkozy, ambos potenciais candidatos à sucessão do presidente Jacques Chirac.

No que respeita à origem da onda de protestos, o CPE, os seus principais opositores criticam-no por entenderem que constitui um convite à precariedade do emprego dos mais jovens, asserção que o governo rejeita por entender que a proposta constitui uma excelente forma de combater o desemprego entre a população mais jovem e com menores habilitações.

Neste extremar de posições entre partidários e críticos da proposta e quando grassam ventos de cariz particularmente liberal de outros estados membros da UE (vejam-se os comentários oriundos de Londres e Bona que dão particular ênfase ao facto de nos respectivos países as regras de emprego serem ainda mais liberais) parece-me inevitável a intervenção de Jacques Chirac no sentido de proporcionar uma base de diálogo que permita a ultrapassagem desta crise.
Mesmo ficando por esclarecer se a mera liberalização das regras laborais será suficiente para ajudar a reduzir o desemprego em França, a abertura de canais de diálogo é indispensável sob pena de se assistir à radicalização da contestação e de simultaneamente Villepin estar a proporcionar fortes argumentos a Sarkozy na sua pretensão à corrida ao Eliseu.

Esta situação é igualmente paradigmática de como um diplomata de carreira (Villepin), habituado a delicados processos de negociação, parece ter esquecido o essencial quando se pretende fazer passar uma solução menos consensual – conquistar, com argumentação inteligente e válida, os potenciais opositores. Quando Villepin pretende impor uma medida que, por melhor intencionada que possa ser, parece não merecer aceitação dos seus principais destinatários, há que praticar uma hábil estratégia de recuo que possibilite a consolidação da iniciativa e quiçá a conquista de segmentos dos seus opositores. Fechando-se numa posição irredutível o que Villepin e Chirac se aprestam a obter é uma situação cujo último beneficiário será Nicolas Sarkozy, a conhecida «alma gémea» de Charles Pasqua (ex-ministro do interior de má memória).

Não me parece que a juventude francesa receie (com maior ou menor grau de razão) um processo de liberalização do mercado de trabalho (como pretendem os comentadores ingleses e alemães) mas sim a introdução de critérios de pura arbitrariedade com a dispensa de fundamentação para o despedimento, até porque se a verdadeira razão para o governo francês pretender aplicar esta medida é a de reduzir o desemprego entre os jovens, porque não estendê-la ao conjunto de todos os trabalhadores?

Ou será que os tecnocratas franceses também partilham o princípio de «liberalizar sim, mas não tanto...», até porque isso poderia provocar uma sublevação de todos os sindicatos.

terça-feira, 28 de março de 2006

CUIDADO COM OS VENCIMENTOS DOS ADMINISTRADORES

O JORNAL DE NEGÓCIOS noticiou hoje que os administradores da PORTUGAL TELECOM viram as suas remunerações acrescidas em 18% no último ano.

Para o cidadão comum (e distraído...) que terá visto o seu salário aumentado de uns míseros 2%, poderá parecer difícil de entender esta notícia sem uma completa leitura da mesma.
Continuando a ler, ficar-se-á a saber que na realidade os administradores da PT apenas foram aumentados 2% (como qualquer outro cidadão nacional respeitador dos princípios de equilíbrio orçamental e combate contra a inflação, determinados pelo governo); porém além do vencimento “normal” aqueles gestores de topo (e que topo) são ainda remunerados numa percentagem dos dividendos, ou seja dos lucros da empresa.

Assim, nada mais natural que serem recompensados pelos bons resultados obtidos e verem a componente variável dos seus vencimentos aumentada em 37%.

Independentemente da inegável valia e da respectiva capacidade de organização e liderança da empresa que os administradores (veja aqui quem são) possam revelar, certo é que quem na realidade gerou aqueles lucros foram: 1) os consumidores dos serviços de comunicação (telefone fixo, móvel, internet, TV por cabo, etc.) que pagam cada vez mais caros os respectivos serviços e 2) os trabalhadores das empresas do grupo PT que asseguram com os seus baixos salários funções que nos restantes países da EU são remuneradas por valores muito superiores.

Além desta questão de natureza moral (que os trabalhadores da PT sentem mensalmente nos bolsos) existe ainda uma outra razão para manifestar a minha indignação perante o conteúdo da notícia.

Quem não se lembra do que aconteceu em finais de 2001 nos EUA com uma empresa de distribuição de energia eléctrica – a ENRON – cuja falência afectou milhares de trabalhadores e pequenos accionistas e que aconteceu tão-somente por durante vários anos os seus administradores terem falsificado as contas de exploração de forma a aumentarem os lucros da actividade e as respectivas remunerações a eles indexadas.

Governos houve, incluindo o americano, que na altura manifestaram a necessidade de introdução de novas regras de forma a evitar este tipo de situações, porém, entre nós tudo continua como se nunca nada tivesse acontecido e enquanto estes senhores continuam a viver cada vez melhor, nós vemos acrescido o risco de qualquer dia constatarmos que se calhar a PT não vale o pouco que a SONAE se propõe pagar por ela.

Este exemplo hoje relatado pela imprensa económica nacional recorda-me um outro, também publicitado na época, quando em 2004 foi noticiado um aumento da ordem dos 38% sobre os custos que a CGD (empresa de capitais públicos) suportava com os seus órgãos sociais (veja aqui quem são), chegando mesmo a referir-se o facto de um dos administradores recentemente nomeado (ex-ministro) vir a receber mensalmente mais do dobro do que auferia na anterior função.

segunda-feira, 27 de março de 2006

DIA MUNDIAL DO TEATRO

Que melhor poderá haver para assinalar esta data que anunciar a estreia no próximo dia 1 de Abril (não é mentira, não senhor…) da nova peça do Grupo de Teatro NARIZES PERFEITOS.

Naquela data pelas 16h horas o grupo de jovens almeirinenses que integram aquele grupo de teatro, vão apresentar o seu mais recente trabalho, levando à cena a peça PETER PAN. Numa adaptação livre do grupo e sob a direcção de Fernanda Narciso (figura sobejamente conhecida do meio artístico escalabitano) vão-nos recontar a história do menino que se recusava a crescer…

O resto ficará para os que quiserem aparecer no Cine Teatro de Almeirim, naquela data, ou no dia seguinte às 21 horas e 30 minutos.

A avaliar pelos anteriores trabalhos do grupo estou seguro que pequenos e grandes não iremos dar por mal empregue o tempo, e assistindo aos espectáculos estaremos a contribuir para que se mantenha viva a chama do TEATRO na nossa cidade.


PS - Não posso deixar de aqui saudar a reabertura, anunciada para esta data, do renovado Teatro MARIA MATOS. Parabéns aos lisboetas que voltaram a ter à disposição uma sala de teatro.

domingo, 26 de março de 2006

O FIM DOS PROBLEMAS EM EUSKADI?

Na semana que agora terminou a organização paramilitar basca ETA (Euskadi Ta Askatasuna) decretou unilateralmente um cessar-fogo. Após cerca de quatro décadas de acções de guerrilha, o movimento que reivindica a independência de Euskadi (País Basco) parece apostado, à semelhança do que ocorreu com o IRA irlandês, em iniciar uma nova etapa na sua história e na da nação que representa.

Esta declaração está a ser recebida em Madrid com muitas cautelas, demasiadas até, se tivermos em conta notícias ontem publicadas pelos jornais EL PAÍS e EL MUNDO que afirmam que esta iniciativa resultou de conversações mantidas entre a ETA e socialistas bascos, as quais foram promovidas por activistas, membros do Sinn Fein irlandês, anteriormente envolvidos em idêntica operação com o IRA e as autoridades britânicas.

Se a esta notícia adicionarmos o facto de há quase dois anos não se verificar qualquer morte provocada por atentados perpetrados pela ETA, então talvez seja expectável que a opinião pública espanhola entenda a necessidade de pôr definitivamente cobro a esta situação de conflito latente. Outra razão não menos importante será a recente aprovação do estatuto catalão que confere a esta região do reino espanhol o título de nação.

Mesmo sem ser um profundo conhecedor das realidades nacionalistas no vizinho reino espanhol, sempre recordo aqui o facto deste ter resultado de um processo de sucessivas ocupações militares e dele fazerem parte regiões com profundas diferenças culturais.

Se em Portugal é habitual estabelecerem-se comparações e diferenças entre as suas diversas regiões, cujas origens enquanto espaço sob a mesma orientação política remontam ao século XIII (data das últimas conquistas territoriais aos muçulmanos), mas cujo núcleo data do século anterior, no caso de Espanha, cujo processo de formação apenas se concluiu no século XV e comporta no interior das suas fronteiras não menos de quatro dialectos diferentes, este tipo de comparação é ainda mais evidente. Uma rápida observação de alguns episódios históricos, como é o caso do movimento de que resultou a restauração da independência portuguesa no século XVII, que foi igualmente ensaiado sem sucesso na Galiza e na Catalunha, ou os acontecimentos que rodearam a própria Guerra Civil Espanhola no século XX, onde a grande resistência à facção nacionalista (fascista) pelas forças republicanas foi baseada na Catalunha e em Euskadi, são reveladores dos fortes sentimentos nacionalistas das regiões que apresentam como principal símbolo distintivo a língua.

Ao longo de séculos o estado espanhol foi dominando sucessivas revoltas contra a sua autoridade política, baseando-se invariavelmente na força (como fizera no processo de génese do país) facto que longe de resolver os diferendos os foi alimentando em sucessivas vagas de fulgor independentista. Exemplo disto, veja-se o que aconteceu na Catalunha e em Euskadi, onde o regime franquista proibiu o uso e aprendizagem das respectivas línguas naturais, a par do uso de outros símbolos (quem não recorda os tempos da ditadura franquista em que nos estádios de futebol da Catalunha era proibida a exibição de bandeiras e onde, sem qualquer inocência, as cores do clube de Barcelona são as da Catalunha).

É óbvio que existem diferenças importantes entre a Catalunha e Euskadi, a começar pelo facto de parte do território deste se estender além Pirinéus, pelo sudoeste francês. Esta pode bem ser uma das razões pelas quais a opção pela luta armada foi frutuosa durante o regime franquista (o estado francês não se mostrou particularmente cooperante com o seu congénere espanhol na perseguição aos militantes “etarras” (nome pelo qual ficaram conhecidos os membros da ETA), permitindo-lhes a manutenção de “santuários” naquela parte do seu território) e se foi progressivamente desgastando após o restabelecimento da monarquia constitucional e da entrada de Espanha na União Europeia.

A luta desenvolvida alternou períodos de maior pendor militar (principalmente durante o franquismo) que culminou em 1973 com o atentado contra Carrero Blanco (chefe do governo ditatorial de Franco) e fases de maior pendor político, oportunidade para a actuação do Herri Batasuna (ilegalizado por decisão judicial de Madrid em 2003), mas conheceu sempre uma forte e igualmente violenta oposição de Madrid, sendo principal exemplo desta o célebre “Processo de Burgos”, que em 1970 condenou 6 membros da ETA à pena de morte, e nos anos 80 com a actuação dos GAL (Grupos Antiterroristas de Liberación), constituídos por elementos das forças policiais e apoiados por elementos do PSOE (Partido Socialista Obrero Español), nomeadamente o ministro do interior do governo de Filipe Gonzalez.

Paralelamente com alguns esforços de negociações (principalmente as que tiveram lugar no final dos anos 80 na Argélia) foram-se registando algumas movimentações de sinal contrário, de que é paradigma a decisão do governo madrileno de retirar os “etarras” presos em Euskadi e distribui-los por outras regiões de Espanha.

Com este anúncio do cessar-fogo, a participação experiente no diálogo de personalidades ligadas a idêntico processo na Irlanda e a indispensável boa vontade do governo espanhol, será possível admitir que o processo de luta pela independência basca venha a conhecer uma fase distinta e que com ela sejam alcançados passos significativos para a paz. A resposta está agora do lado do governo de Zapatero que terá de ultrapassar a resistência dos conservadores do PP, embora em Euskadi já se comecem a ouvir vozes que lamentam a falta de um gesto significativo, por exemplo a libertação dos presos políticos bascos, por parte daquele, mantém-se vivo o grito: “GORA EUSKADI” (Viva o País Basco).

sábado, 25 de março de 2006

SERÁ JARDIM APENAS UM “SEMIDEMOCRATA”?

Das notícias que hoje li gostava de ressaltar o artigo de opinião de António Costa Pinto hoje publicado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, onde aborda a fraca qualidade da democracia na Região Autónoma da Madeira.

A propósito do mais recente episódio revelador de uma total ausência de sentido democrático (sobre o qual já me pronunciei aqui), o autor remete o caso madeirense para um conceito que começa a fazer escola, o da existência de “semidemocracias”. Conceito que consiste na graduação dos regimes do tipo democrático com base na apreciação prática de parâmetros como o maior ou menor respeito pelas constituições, a rotatividade dos partidos políticos pelo poder, a existência, ou não, de formas de coação por parte do poder e que conduz o autor à conclusão de que após 30 anos de um regime «…de monopólio deixaram na Madeira uma marca tão durável de clientelismo político que, mesmo que um discípulo do mestre fundador comece a mudar algo o risco de ficar tudo na mesma é grande».

Sem desmerecer do trabalho realizado e do aparente esforço para alertar sobre a situação que se vive naquele arquipélago, parece-me que o Prof. Costa Pinto é no mínimo brando, quando conclui que a ausência de independência daquela região do país comporta em si grandes vantagens. Esta conclusão é tanto mais óbvia quanto continuamos a ser nós, os contribuintes do continente, a suportar os custos de um regime de tipo “bonapartista” que Alberto João Jardim e os seus sequazes instalaram na ilha.

Para confirmar esta asserção note-se que ao “pequeno chefe” não tem faltado sequer o aparato de algumas importantes batalhas (na ausência de campo militar o futebol tem representado um digno sucedâneo) nem a prática de uma política local do tipo “TUDO POSSO, QUERO E MANDO” que na ausência de um total poder autocrático tem sido assegurado pelo estreito controlo das benesses financeiras que o governo central tarda em eliminar (sobre este assunto ver o que aqui propus) e que Alberto João Jardim tem usado em benefício próprio, para assim se manter no poder.

Tempos virão em que as reais razões para a sobrevivência política de semelhante personagem chegarão ao conhecimento público. Para já tenho como certo que não é apenas o suporte do aparelho nacional do PSD o responsável por esta situação, nem a “excepcional qualidade do trabalho que tem desenvolvido em prol do crescimento e bem-estar das populações madeirenses”, havendo então que procurar a explicação noutro lugar, quiçá nos meandros das poderosas famílias insulares…

sexta-feira, 24 de março de 2006

A CULTURA NO DIA DO ESTUDANTE

Num calendário cada vez mais cheio de efemérides, convencionou-se dedicar o dia de hoje ao estudante.

Mais do que falar das iniciativas que normalmente assinalam esta data, muitas das quais se resumem (mal) aos muros das escolas, quero hoje deixar aqui registo de duas notícias muito ligadas à situação e cultura de ser estudante.

A primeira tem a ver com a reabertura, marcada para hoje, do Café Âncora d’Ouro, no Porto. Para muitos isto nada significa, porém para os portuenses e os estudantes em especial a reabertura do seu «CAFÉ PIOLHO» é mais do que uma data a assinalar – é um marco de relevo para a preservação de um certo tipo de cultura de bases. Para quem o ignore, informo que o «CAFÉ PIOLHO» sempre foi por tradição um local popular, frequentado por todo o tipo de clientela, mas também um local de tertúlia para os muitos estudantes, intelectuais e políticos do Porto.

A segunda prende-se com as recentes notícias chegadas de Paris que dão conta de um aparente recuo do primeiro-ministro Villepin sobre a aplicação do CPE (contrato de primeiro emprego), consequência mais que provável das manifestações de estudantes e sindicatos um pouco por toda a França. Independentemente dos fenómenos de violência associados às manifestações (lamentáveis mas quase inevitáveis) a juventude francesa está a dar à Europa e ao Mundo uma importante lição de vontade e organização.

Porque muito do que se passa no Mundo resulta da forma como cada um de nós “cresceu” e ajuda a “crescer” os outros é que a cultura (o que fica depois de esquecermos tudo o que aprendemos) continua a ser a pedra essencial para o futuro da Humanidade e se quisermos contribuir para o seu crescimento há que multiplicar locais como o «CAFÉ PIOLHO» e manifestações de vontade e querer como as ocorridas em França.

quinta-feira, 23 de março de 2006

DESBUROCRATIZAÇÃO E DEPENDÊNCIA

Depois da implementação de um conjunto de medidas especificamente orientadas para o universo empresarial, nomeadamente as destinadas acelerar os procedimentos necessários para a constituição de empresas, da introdução de novas vias de comunicação com a máquina fiscal (algo que poderemos designar por analogia com o e-comerce pelo e-fisco, que além das declarações de IRS, IRC e IVA, inclui a polémica nova forma de liquidação do Imposto Municipal sobre Veículos), eis que hoje foi notícia a apresentação na próxima segunda-feira, pelo governo de José Sócrates, de um pacote orientado para os particulares.

Entre o leque das medidas (das poucas já tornadas públicas) destaque-se as orientadas para:
- a simplificação dos procedimentos da matrícula escolar;
- concentração de todos os procedimentos envolvidos no processo de aquisição de habitação numa única entidade que realize a escritura, os registos (incluindo a conversão dos registos provisórios em definitivos) e também sirva de intermediário para o pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT);
- ampliação do leque de funcionalidades já disponíveis na área fiscal, permitindo o processamento informático (via Internet) de reclamações e a consulta “on line” da respectiva situação processual;
com as quais o executivo pretende facilitar o dia-a-dia dos seus cidadãos.

Aparentemente este leque de novas medidas insere-se no âmbito do processo de modernização administrativa (vulgo combate contra a burocracia), mas estaríamos todos a ser ingénuos se não vislumbrássemos algo mais que isso.

As constantes propostas de resolução de problemas por via informática leva-me a pensar que esta estratégia foi devidamente conjugada com a que determinou a recente visita a Portugal de Bill Gates (o todo-poderoso dono da Microsoft), uma vez que todo este processo de “modernização” tem subjacente a omnipresença dos “produtos” fabricados por aquela multinacional americana. Não tenho nada a apontar à tentativa de modernização, salvo os seguintes aspectos:
- parece-me estar-se a construir um pouco o edifício pelo telhado, uma vez que como é do domínio público os índices nacionais de penetração da Internet e do uso de computadores domésticos revelam que ainda estamos muito longe que conseguir que este tipo de solução conheça um rápido sucesso (um bom teste para esta realidade vai ser a análise do número de declarações do IRS entregues por via informática);
- as razões para esta reduzida penetração são de duas naturezas distintas: o elevado nível de infoexclusão da população portuguesa (reduzida ou nula formação nessa área) e o elevado custo dos equipamentos informáticos, do software e do serviço de ligação à Internet;
mesmo sem dispor de dados reais, a minha experiência em alguns contactos com a máquina administrativa nacional levam-me a antever como morosa e difícil a adaptação de parte significativa do corpo de funcionários públicos à nova realidade que se pretende implementar.

Sem querer parecer ave de mau agouro, estou em crer que as medidas já anunciadas e as com anúncio marcado poderão constituir um importante passo no sentido da modernização e flexibilização da máquina administrativa, mas não a curto prazo nem de forma milagrosa. Muito trabalho haverá a fazer no âmbito da formação da grande massa de funcionários públicos que há dezenas de anos têm funcionado sob o régio primado da máxima soberana de qualquer bom burocrata, que quando questionado por qualquer principiante arrogante e desavergonhado sobre os porquês das tarefas a executar responde invariavelmente do alto da sua sabedoria de largos anos de experiência: «SEMPRE SE FEZ ASSIM!»

Por último gostava de saber quanto nos está a custar (e quanto ainda há-de custar) equipar a máquina da administração com sistemas operativos e software da Microsoft, ou será que o benemérito Bill Gates “ofereceu” aquele equipamento porque espera que o Estado Português nos venha a obrigar a comprar-lhe o sistema operativo e o software para podermos beneficiar da desburocratização que o governo nos promete?

Porque é que o governo não optou por instalar sistemas baseados no linux (sistema operativo GPL (General Public License) sem custos para os utilizadores), agora que até temos em Portugal um centro de desenvolvimento? (para informação adicional aceda aqui)

quarta-feira, 22 de março de 2006

A REPÚBLICA NA TERRA DAS BANANAS

Que na democracia portuguesa continuam a pulular figuras que em outras partes do mundo já se encontrariam atrás das grades de uma prisão, não é, infelizmente notícia para ninguém.

Que entre os autarcas que governam a vida política e económica das localidades onde vivemos abundam figuras de muito duvidosa reputação, não é, infelizmente novidade para ninguém.

Que há demasiados anos, na Madeira, o poder regional é ocupado por uma figura que oscila entre o ridículo de um “clown” de Carnaval e um candidato a ditador de uma qualquer república das bananas, é uma verdade cada vez mais gritante!

Depois de anos a insultar os seus opositores, os seus correligionários de partido, a realizar mais assombrosas piruetas políticas (como foi o caso da que efectuou com Cavaco Silva a quem há cerca de um ano apostrofou de Senhor Silva, de forma manifestamente desprezível, por ele ter tecido algumas críticas aos governo de Santana Lopes, mas que há uns meses passeou pelo seu território durante a campanha presidencial), ei-lo que vem agora, por interposta figura, propor o fim da sessão comemorativa do 25 de Abril.

Quem acompanhou ao longo dos anos o percurso político (o mais correcto seria falar do percurso oportunista) de Alberto João Jardim não estranha que este tenha escolhido precisamente este momento para lançar mais um desafio à República Portuguesa. Crendo-se de “costas quentes” com Cavaco em Belém, eis que Alberto João redescobre a sua costela mais primária e revanchista – para este ano elimina-se a sessão comemorativa, para o ano talvez o feriado na região e no seguinte o dia no calendário.

Como se não bastasse o despropósito (quase me apetecia escrever a estupidez) da iniciativa, ainda a faz apresentar pelo mais inqualificável dos seus sequazes – o inefável Jaime Ramos – que se não vir a proposta do “chefe” aprovada por unanimidade talvez proponha que todos os parlamentares da oposição (e se não tiverem e cuidado e não andarem na linha, até alguns do seu próprio partido) sejam submetidos a exames médicos a fim de apurar da respectiva sanidade mental.

Este tipo de atitudes de Alberto João & Cª não me espantam por aí além, o que francamente me espanta é que até esta data os poderes estabelecidos da República ainda não tenham posto cobro, de forma definitiva, à existência política desta pandilha de energúmenos.

SELO OU NÃO SELO… SÓ PELA INTERNET!

A polémica instalada em torno da forma obrigatória de pagamento do Imposto de Municipal sobre Veículos (vulgo “selo”) é um perfeito espelho da forma como funciona o nosso país. O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que divulgou hoje a informação, diz que o Governo se prepara para aprovar o pagamento obrigatório pela Internet, enquanto o Ministério das Finanças diz que ainda nada está decidido.

De uma forma ou outra parece-me que continuamos a funcionar na base da “fuga de informação” para ver como é que a “malta” reage – processo de criação e desenvolvimento nacional que substitui a clássica forma da sondagem e com evidentes vantagens ao nível dos custos (não é preciso pagá-la) – e depois logo se decide o que fazer; pelo menos é o que parece da forma como a notícia foi divulgada (e não estou a pôr em causa a honestidade do jornalista), dando como dado adquirido a solução e sem questionar a respectiva aplicabilidade prática, e as “nuances” que ao longo do dia têm vindo a ser conhecidas (a TSF já noticiou que a entrada em vigor da nova forma de pagamento só ocorrerá em 2007).

Paralelamente parece-me igualmente importante reter um ou outro aspecto que esta polémica tem revelado. Primeiro, no sistema em vigor os intermediários (papelarias, quiosques e repartições de finanças) são, directa ou indirectamente, remunerados pela sua intervenção – 3% para os dois primeiros e um valor não especificado para o terceiro; segundo, a proposta é muito mais radical que a utilizada para o cumprimento de outras obrigações fiscais, como é o caso da entrega das declarações do IRS – já está disponível uma opção informática, mas mantém-se em vigor a hipótese de entrega física; terceiro, se as autarquias recebem o montante do imposto cobrado deduzido de uma “comissão”, parece-me da mais elementar justiça que essa “poupança” seja transferida para os contribuintes que recorram ao processo de pagamento electrónico.

Sabendo-se a baixa taxa de penetração da Internet no nosso país (aliás em perfeita consonância com os baixos níveis de escolaridade da população e os reduzidos rendimentos disponíveis - alguém lembrou hoje, muito a propósito, aos microfones da TSF que seria boa ideia o governo oferecer-lhe o computador para poder proceder ao pagamento do imposto) e os elevados custos que a mesma comporta (assunto que já abordei aqui), não me parece exequível a entrada em vigor de uma opção tão radical.

Por outras palavras, acho que o que deverá acontecer será a entrada em vigor, neste ano ou no próximo, de um sistema de pagamento misto (por via informática ou pela via habitual) o qual deverá ser acompanhado de medidas de diferenciação da taxa em função da forma de pagamento utilizada (com a via informática a custar 3% menos que a habitual), uma vez que se o Estado paga esse valor a quem presta o serviço físico, eu, sinto-me no direito de receber idêntico pagamento por utilizar uma via mais rápida e menos onerosa (eu, poupo nas horas de trabalho que gastava nas filas para “comprar o selo”, e o Estado, no tempo de trabalho do funcionário público que me atendia e agora pode executar outra tarefa sem recurso a horas extraordinárias).

terça-feira, 21 de março de 2006

QUANDO SEREMOS TODOS IGUAIS?

O DIÁRIO DIGITAL inseriu ontem uma notícia sobre um desproporcionado aumento do número de pensões de montantes mais elevados.

De acordo com a notícia, entre 2000 e 2004 o número de pensões de reforma pagas a beneficiários da CGA (Caixa Geral de Aposentações), de montante mensal superior a 4.000 euros, aumentou 168%. Em termos práticos isto significa que o número de funcionários públicos aposentados, com pensões superiores àquele montante, quase triplicou.

O que se me afigura particularmente grave nesta situação, não é o número de ex-funcionários superiores (juízes, inspectores-gerais, professores catedráticos, etc.) que terão, completado período da sua vida activa alcançado o direito à sua aposentação, mas sim o facto de entre estes se contarem governantes, ex-governantes, ex-deputados, ou quejandos que se mantém no exercício das suas funções acumulando os respectivos vencimentos com as referidas pensões de reforma.

Pode-se discutir os mecanismos que conduziram as referidas figuras às funções que desempenham, mas em caso algum se pode discutir duas coisas:
- o direito a uma pensão de reforma pelo tempo de serviço prestado, quando atingida a idade de reforma;
- a injustiça de permitir que figuras públicas (sujeitas a processos eleitorais) adquiram o direito a receber uma pensão de aposentação antes de atingida a idade de reforma.

O que me insurge é a existência de duas categorias de cidadãos neste país: os que trabalham e pagam os seus impostos e descontos para a aposentação, e os que, mercê de uma posição de privilégio, se arrogam o direito de legislar em benefício próprio.

Exemplos desta total imoralidade pululam por todo o país, desde as mais altas magistraturas do Estado até ao nível das Autarquias Locais, e compõem a elite daqueles que pomposamente surgem nos jornais, rádios e televisões a invocar a necessidade dos outros fazerem sacrifícios e agitando o permanente risco da insolvência do sistema nacional de segurança social.

Como mero exercício, deixo aqui o desafio a que consultem neste endereço, os nomes de políticos (governo e autarquias) aposentados desde meados de 2004 e confirmem a veracidade do que afirmei.

segunda-feira, 20 de março de 2006

A INVASÃO DO IRAQUE (Parte III – QUE FUTURO?)

Cumpre-se hoje o terceiro ano de ocupação militar do Iraque. Lançado em 20 de Março de 2003 o assalto àquele território, que não contou com qualquer mandato da ONU nem o apoio da UE (pese embora o lamentável apoio de países como Grã- Bretanha, Espanha, Itália e Portugal), foi fundamentado pela administração de George W. Bush sob o argumento do risco que representava o regime de Saddam Hussein, devido ao seu apoio às actividades terroristas da Al Qaeda e à existência de armas de destruição em massa.

Três anos volvidos os EUA não conseguiram apresentar qualquer prova das armas químicas (salvo das que eles próprios utilizaram), nem das ligações à Al Qaeda (fenómeno particularmente difícil dadas as características do antigo regime iraquiano: o mais laico de todos os regimes árabes), nem convencer o mundo que a acção militar que empreenderam produziu quaisquer benefícios para as populações iraquiana e americana (excepção serão os ganhos arrecadados por um reduzido número de “empresários” que sempre lucram com qualquer guerra).

Num cenário que muitos não hesitam em classificar como de guerra civil (veja-se a entrevista do ex-primeiro-ministro iraquiano, Iyad Allawi, à BBC) o presidente americano insiste em querer convencer a opinião pública americana e mundial que aquele país se encontra em melhor situação que antes do ataque (ver notícia da BBC).

Embora apenas tenha sido incluída entre as finalidades da ocupação depois de constada a impossibilidade de provar as acusações iniciais, a administração americana não tem perdido uma oportunidade para realçar a importância da democratização do Iraque, apesar de continuar por resolver o impasse na formação do governo resultante de eleições realizadas há cerca de 3 meses e o número de mortos apresentar a impressionante contagem de cerca de 34 mil civis iraquianos e cerca de 2 mil polícias da mesma nacionalidade, enquanto entre as forças de ocupação as baixas já ultrapassam os 2.500 soldados.

Os atentados perpetrados por grupos de resistentes começaram por ser dirigidos às forças de ocupação, mas pouco a pouco foram sendo reorientados para outro tipo de alvos, originando uma crescente tensão entre as duas principais comunidades religiosas – os xiitas, confissão muçulmana maioritária no território, e o sunitas, minoritários e tidos como principais apoiantes de Saddam. Após o atentado de 22 de Fevereiro de 2006, que teve como alvo o mausoléu do Imã Ali, em Samarra, as represálias exercidas pelos xiitas sobre templos e populações sunitas e a resposta destes, pode bem ser definido como um verdadeiro clima de guerra civil, particularmente mais acesso nas regiões onde se verifica alguma convivência entre as duas comunidades.

Sendo verdade que a rivalidade e o confronto entre estas duas correntes do islão não resultam da intervenção americana, não é menos verdade que a gestão desastrada que foi aplicada pelos americanos, quer durante o consulado de Paul Bremer (comissário americano encarregue pela administração Bush da governação do Iraque até às primeiras eleições constituintes), que se notabilizou pela aplicação de uma política de limpeza sectária da corrente sunita da administração, exército e polícia, quer sob a gestão de Iyad Allawi (xiita secular, líder de um dos partidos oposicionistas de Saddam e fonte ocidental de informação sobre as armas de destruição em massa).

Esta prática foi prosseguida pelo seu sucessor, Ibrahim Al Jafaari (xiita, líder de um dos principais partidos xiitas, o Dawa). Como seu resultado os movimentos de guerrilheiros terão registado grande afluência de sunitas, dos quais muitos com formação militar, transformado-se progressivamente em potenciais rivais de idênticas organizações paramilitares xiitas. Destas destaca-se o exército do Mahdi, liderado pelo clérigo Moqtada Al Sadr, que foi alvo do primeiro cerco a Fallujah.

Para além das consequências já relatadas, outras houve de grande repercussão com a invasão americana. Logo nos primeiros dias da entrada em Bagdad das forças de ocupação, órgãos de comunicação ocidentais reportaram o saque que foi perpetrado sobre as enormes riquezas arqueológicas que se encontravam guardadas nos museus locais. Sabe-se hoje que o próprio FBI chegou a deslocar para o local equipas de investigação, facto que poderá indiciar que este saque foi em parte executado por ocidentais, e cujos resultados permanecem por divulgar.

Igualmente preocupante, pelo menos à luz do direito internacional, é o julgamento de Saddam Hussein por um tribunal especial iraquiano, sob a acusação de crimes contra a humanidade. Esta opção é tanto mais estranha quanto os próprios americanos se encontram empenhados no julgamento, por um tribunal internacional, de outros criminosos acusados de idênticas práticas (como é o caso do julgamento dos crimes de que são acusados altos dirigentes sérvios), opção que será garantia de uma maior imparcialidade no processo, salvo se existirem receios que do acto venham a resultar revelações comprometedoras.

Fazendo fé nas declarações de responsáveis e analistas de vários quadrantes, a situação actual no Iraque é duplamente preocupante, uma vez que o risco de generalização de um clima de guerra civil é muito grande e que este poderá mesmo estar a ser fomentado pelos principais responsáveis pelo processo de democratização do território que ocuparam.

Se não vejamos (há semelhança do que aqui fiz):
- quem apresenta particular interesse numa rápida retirada das tropas estacionadas no Iraque?
- quem tem vindo a aumentar a pressão sobre o actual primeiro–ministro, Ibrahim Al Jafaari, e os partidos iraquianos para a resolução da crise em torno da constituição do próximo governo?
- quem, repetindo argumentos já utilizados para a invasão do Iraque, afirma que existem sérios riscos para a comunidade internacional oriundos do vizinho Irão?

Os recentes desenvolvimentos da crise iraniana, a que não é seguramente estranha a situação criada com o afastamento de Saddam Hussein, não pressagiam nada de particularmente tranquilo ou seguro para aquela região do globo. Sabendo a administração americana as dificuldades registadas em 2005 para manter o ciclo de renovação das suas tropas (desde a Guerra do Vietname, nos anos 60 e 70 do século passado, que os EUA não registavam semelhantes dificuldades na incorporação de novos militares), facto que inviabiliza a manutenção de duas frentes de guerra distintas e os crescentes sinais do anseio dos “falcões” da administração de George W. Bush de lançarem uma ofensiva sobre o Irão (tema que já abordei aqui) não será de estranhar que venham a pretextar o clima de guerra civil para retirarem o grosso das suas tropas do Iraque.

Num cenário desta natureza o futuro governo iraquiano arrisca-se a ter que assumir uma atitude idêntica à do seu congénere afegão (refugiado num qualquer “bunker” em Bagdad e fortemente protegido pelas poucas tropas americanas no local) o que transformará o Iraque em mais um país abandonado à sua sorte em nome dos interesses primários e imediatos do Império Americano.

domingo, 19 de março de 2006

A INVASÃO DO IRAQUE (Parte II – BALANÇO MILITAR E POLÍTICO)

A acreditar nas declarações do presidente George W. Bush, no dia 1 de Abril de 2003, a guerra no Iraque estaria concluída.

Nada de mais ilusório, conforme previsto por bom número de analistas, militares e de outras origens, a tarefa de pacificação do território iraquiano tem-se revelado longa e não isenta de contratempos. Após as primeiras manifestações de alegria pelo derrube do regime de Saddam Hussein, não tardaram que surgissem os primeiros focos de revolta e resistência. A crer na propaganda ocidental tratar-se-iam de fanáticos seguidores do antigo ditador que, logo que este fosse capturado, desistiriam de mais iniciativas. Sucede porém que Saddam viria a ser capturado no dia 13 de Dezembro de 2003, em Tikrit, mas as acções de guerrilha, contra as forças de ocupação e outros alvos, ainda se encontram longe de cessar.

Ao longo do tempo as forças americanas foram lançando várias operações militares de grande envergadura para, diziam, acabar com os focos de “insurgência”. Entre estas acções contaram-se o primeiro cerco e assalto a Fallujah, que teve lugar em Abril de 2004 para desalojar as forças (o exército do Mahdi) do clérigo xiita Moqtada Al Sadr que no início se opôs à presença de tropas estrangeiras no Iraque. Fontes oficiais referiram na altura a morte de 600 iraquianos (membros do exército do Mahdi ou civis) e 28 soldados ocidentais. Novo assalto ocorreria em Novembro de 2004 e do qual resultou (segundo fontes americanas) a morte e captura entre 2.500 e 3.500 iraquianos e a morte de apenas 80 soldados da coligação, mas esqueceram de mencionar os milhares de desalojados resultantes das duas acções (a cidade tinha uma população de cerca de 300.000 pessoas), estimando-se que após a destruição registada mais de 200.000 ainda vivam em campos improvisados próximo da cidade.

Já no final do ano passado surgiram notícias na imprensa ocidental sobre o emprego pelas forças ocupantes de armas químicas (na altura abordei o assunto aqui e aqui), traduzido no bombardeamentos com bombas de fósforo branco.

A par com estas acções militares de maior envergadura, outras de menor dimensão se realizaram na zona conhecida como o triângulo sunita. Agora mesmo decorre uma importante acção militar visando, ainda e sempre, anular as bases de apoio dos grupos que persistem em afrontar as forças de ocupação e lutar contra a sua presença no território iraquiano. Desta feita o alvo é a cidade de Samarra e as poucas notícias até agora conhecidas referem que se trata de uma acção conjunta entre tropas americanas e iraquianas.

Para complicar ainda mais a posição americana, surgiram notícias sobre a forma de tratamento e abusos praticados sobre prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib, sob administração e controle americanos, as quais debilitaram ainda mais as razões enunciadas para a ocupação, uma vez que uma delas era a de o regime anterior não respeitar os direitos humanos.

Entretanto esforços iam sendo feitos para procurar normalizar um novo governo iraquiano. Após um período em que as forças ocupantes dispuseram de um comissário na pessoa de Paul Bremer, em Junho de 2004 foi nomeado um primeiro-ministro interino, Iyad Allawi, na sequência da aprovação em Março de uma constituição provisória.

Este documento foi alvo de múltiplas críticas, nomeadamente do influente líder religioso xiita, o ayatollah Ali Al Sistani. O período que se viveu até à eleição de uma Assembleia Constituinte, em Janeiro de 2005, foi de constantes disputas entre as múltiplas facções de oposicionistas ao regime de Saddam Hussein, mas também entre as diversas facções étnicas e religiosas. Apesar disso a assembleia constituinte elegeu, em Abril, Jalal Talabani (de etnia curda), para a função de presidente e Ibrahim Al Jafaari (xiita) para o cargo de primeiro-ministro.

O território iraquiano congrega no seu interior três grandes grupos populacionais:
- os xiitas (que constituem uma das duas grandes seitas do Islão, criadas com o cisma que dividiu os fiéis após a morte do profeta Maomé; literalmente, a palavra significa "partidários de Ali", o genro do profeta Maomé, que estes acreditam ser o seu verdadeiro sucessor, tendo tido durante séculos uma influência decisiva sobre o Islão, apesar da sua posição minoritária);
- os sunitas (grupo maioritário do Islão, que domina quase continuamente desde o ano 661, onde representa cerca de 90 por cento dos fiéis, reconhecem de boa vontade a liderança de qualquer califa ou dinastia de califas desde que proporcione o exercício apropriado da religião e mantenha a ordem no mundo muçulmano; afirmam representar a continuação do Islão tal como foi definido através das revelações de Maomé e da vida do profeta e o seu nome deriva de "suna" - palavras e acções do profeta Maomé – pelo que se consideram a interpretação ortodoxa e correcta do Islão, enquanto os restantes grupos se desviam desta interpretação);
- os curdos são uma etnia de origem indo-europeia (e não árabe como os xiitas e os sunitas), partilham com os vizinhos xiitas e sunitas a religião islâmica e ocupam a parte norte do território iraquiano, o sul da Turquia e algumas áreas na Síria, Irão, Arménia e Azerbeijão, território também designado por Curdistão e por cuja independência há muito se batem, sendo a maior etnia no mundo sem estado próprio;
o que de per si é suficiente para criar uma instabilidade que deflagra ao mínimo incidente.

Esta tensão, agravada pela presença de forças ocupantes, e pela desastrada política aplicada pelos administradores americanos que afastaram indiscriminadamente de todas as posições potencialmente importantes os membros do grupo sunita (tipo pelos americanos como apoiantes de Saddam Hussein), conduziu a que estes tivessem boicotado as eleições para a primeira assembleia constituinte. Este órgão, maioritariamente xiita, produziu uma Constituição que viria a ser submetida a referendo nacional em Outubro de 2005, que por pouco não foi rejeitada (uma das regras era a necessidade de aprovação num dos três círculos sunitas), e que norteou as eleições legislativas que se realizaram em Dezembro de 2005.

O clima de insegurança, mas principalmente a grandes divergências entre etnias (curdos e árabes) e facções religiosas (xiitas e sunitas) está a provocar uma situação de quase ingovernabilidade do território. Atente-se que há cerca de três meses que se arrastam as conversações e negociações para a formação do novo governo iraquiano, isto enquanto a administração americana vai revelando cada vez menor disposição para assegurar uma permanência muito longa no território (a esta opção não é seguramente estranho o agravar da crise em torno do enriquecimento de urânio por parte do vizinho Irão).

Para agravar ainda mais este cenário, rebentou no passado dia 22 de Fevereiro mais um foco de tensão entre xiitas e sunitas quando foi destruído um santuário xiita – a mesquita do imã Ali - na cidade de Samarra. A este acto seguiram-se represálias sobre locais de culto sunita, agravadas a ponto de se falar abertamente num clima de guerra civil.

Esforços de contenção do conflito, preconizados pelo ayatollah Ali Al Sistani, pelo primeiro-ministro Ibrahim Al Jafaari ou mesmo pelo clérigo xiita Moqtada Al Sadr, parecem ainda não ter resolvido completamente a situação.

Numa fase de crescente necessidade de libertação das suas tropas no terreno (até porque 2005 foi o primeiro ano em que os EUA não lograram renovar os seus efectivos militares com o número suficiente de novos recrutas) a administração Bush parece desesperada para demonstrar a capacidade operacional das tropas iraquianas, algo que se poderá revelar desastroso, uma vez que continuam por esclarecer e resolver as constantes acusações que pendem sobre os corpos militares e militarizados, predominantemente integrados por xiitas, de liquidações sumárias de membros da comunidade sunita, e mesmo contraproducente num clima que sem exagero se pode definir de pré-guerra civil.

Tudo indica que os EUA se preparam para abandonar o Iraque (ver notícia de ontem do DIÁRIO DE NOTÍCIAS) durante o corrente ano enquanto se mantêm por resolver a crise política revelada não só pela dificuldade na formação do novo governo, mas também pelo funcionamento do novo parlamento, cuja sessão inaugural realizada no passado dia 16 foi suspensa 30 minutos após o início.

sábado, 18 de março de 2006

A INVASÃO DO IRAQUE (Parte I – AS RAZÕES)

Quando se apresta a concluir-se o terceiro ano da invasão do Iraque e as tropas de ocupação americanas lançaram uma nova ofensiva contra a resistência no chamado “triângulo sunita”, importa começar a analisar esta situação pelas causas próximas e distantes que ditaram o início daquela operação.

Após os atentados de 11 de Setembro 2001 nos EUA, rapidamente a administração americana apontou a responsabilidade da Al Qaeda e de Bin Laden e deu início a uma operação de caça ao homem que conheceria na invasão do Afeganistão, em 7 de Outubro do mesmo ano, o seu ponto culminante.

Para além da estranheza na montagem demasiadamente rápida daquela operação militar (normalmente algo que deveria demorar vários meses, a menos que o atentado e os autores já fossem conhecidos e a operação militar já estivesse pronta para ser executada), não foi de espantar que o poderoso exército americano tenha eliminado rapidamente a resistência das forças taliban e substituído o regime do mullah Omar por um outro mais adequado às suas pretensões; espantoso é que até esta data os americanos ainda não tenham logrado capturar Ossama Bin Laden.

Rapidamente encerrado o ciclo afegão, pese embora se mantenham tropas americanas e da ONU no território e este continue muito longe da estabilidade política e militar que normalmente se lhe quer atribuir, os EUA de pronto começaram a agitar o espectro de outra “encarnação do mal”. Depois de Bin Laden (ex-aliado americano na guerra afegã contra a ocupação soviética) era agora a vez de outro ex-aliado (este na guerra contra o Irão), o presidente do Iraque, Saddam Hussein, que a administração americana acusava de apoio à Al Qaeda, da disponibilidade de arsenais de armas de destruição em massa e de violação dos direitos humanos.

Após um período de troca de inflamadas acusações e de fracasso na aprovação de uma resolução pelo Conselho de Segurança da ONU, que condenasse o Iraque e fundamentasse a invasão já preparada, no dia 20 de Março de 2003 as tropas americanas e inglesas iniciaram o assalto ao Iraque, contra a opinião da generalidade dos países europeus e da opinião pública mundial.

Anulada a resistência das tropas iraquianas, ocupada a capital, Bagdad, no dia 9 de Abril de 2003 e posto em fuga Saddam Hussein, George W Bush declarou no dia 1 de Maio o fim das operações militares. Porém, desde essa data que a sistemática realização de atentados (principalmente mediante recurso a bombistas suicidas) contra colunas militares e outros alvos e acções de “limpeza” militar e efectuadas por grupos radicais já terão provocado a morte de mais de 30.000 civis (Fonte: www.iraqbodycount.net/).

Entre as muito faladas acções bombistas (e uma das primeiras a ocorrer) foi perpetrada no dia 19 de Agosto de 2003 contra as instalações da ONU em Bagdad, tendo vitimado, entre outros o Representante Especial de Koffi Anan, Sérgio Vieira de Melo, que procurava instalar um sistema de apoio e auxílio às populações iraquianas.

Apesar dos esforços das tropas no terreno e das centenas de “observadores” enviados, até esta data nunca foram localizadas as armas de destruição em massa nem encontradas quaisquer provas que ligassem o laico regime de Saddam Hussein a grupos de militantes islamitas nem à Al Qaeda.

Caída por terra a grande razão para a invasão a administração americana passou a centrar o seu discurso na importância da instalação de um regime democrático no Iraque.

sexta-feira, 17 de março de 2006

UM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

A proposta de reestruturação da Administração Central que o governo de José Sócrates tem sobre a mesa para decidir aponta para a redução de cerca de 120 organismos. Talvez se insira no pressuposto de que “menos Estado é melhor Estado”, mas vem acompanhada de uma hipótese (necessidade) de redução de cerca de 75 mil funcionários.

Nesta perspectiva o projecto já poderá representar “menos Estado, mais Encargos”, algo que nos tempos que correm – os tais de necessidade de contenção orçamental e de falência da segurança social – se reveste de contornos politicamente muito pouco correctos…

Os problemas continuam quando se constata que da tal proposta resultará uma redução de cerca de 70% nos cargos de chefia – designação um pouco vaga que já levou um representante sindical a chamar a atenção para o perigo de reduzir os lugares preenchidos por profissionais para engrossar o número e as funções dos dirigentes de topo da administração, que de imediato recordou serem preenchidos em função de filiações ou simpatias partidárias – e a necessidade de submeter os funcionários envolvidos neste processo a uma “avaliação especial”.

Ao ler isto fiquei de sobremaneira preocupado uma vez que, como já aqui o expressei, tenho uma péssima opinião sobre os métodos e os sistemas de avaliação profissional usados entre nós. Assim, tudo indica que entre os funcionários serão dispensados todos os que não cumpram os requisitos de “servilismo”, “subserviência” e capacidade de “reprodução fiel” dos valores e modelos que os “senhores” que têm conduzido a função pública nacional ao estado em que se encontra tanto prezam e que tudo farão para os verem reproduzidos nos novos organismos (ou nos antigos após a reestruturação).

Por esta via teremos garantido que burocratas e “partidocratas” terão a vida facilitada na administração pública que a intenção de reestruturação pretenderia nova. É bem verdadeira a máxima que diz que por vezes é preciso mudar para que tudo continue na mesma!
Já que parecem soprar ventos de mudança por este país, talvez o governo de José Sócrates pudesse adoptar também o modelo do CPE francês (nem era preciso mudar a sigla), mas com a introdução de um melhoramento (nestas coisas da modernidade há que introduzir sempre melhoramentos) que sugiro seja o alargamento da idade máxima para o despedimento de jovens sem necessidade de qualquer justificação até aos 35 anos (não é essa a idade até à qual se é jovem agricultor neste país?) e, ao fim e ao cabo, ainda vão poder beneficiar de mais 35 a 40 de trabalho onde lhes será garantido o direito a alguma estabilidade (conquanto a empresa ou serviço público onde trabalhem não venha a falir ou a ser novamente reestruturado).

A conjugação desta medida com o efeito de que resultará da aplicação dos critérios de avaliação que todos conhecemos, resultará na constituição de uma nova massa de assalariados submissos e que para cúmulo votarão alegremente nos que os submeteram, sempre que para tal forem convocados, e originarão novas gerações de assalariados que espera-se se revelem cada vez mais submissos. Este processo de selecção que em nada envergonharia os que há muito sonham com um admirável mundo novo, poderá mesmo vir a guindar o nosso país aos píncaros da fama mundial.

Quem sabe?

quinta-feira, 16 de março de 2006

NÃO PODEMOS CALAR!

Não tinha pensado abordar, para já, os recentes acontecimentos em Jericó. Não porque estes não tenham importância ou não sejam reveladores daquela que é (tem sido ao longo do tempo de existência do estado de Israel) a estratégia dos sucessivos governos israelitas e o incondicional apoio, de que sempre tem disposto, de americanos e seus aliados, porém um artigo assinado por Ruben de Carvalho e hoje publicado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que passo a transcrever

«A nudez e as armas

Os jornalistas não se enganaram: os jornais de todo o mundo preenchem as primeiras páginas com as fotos dos presos palestinianos de Jericó.

Para o universo das sociedades que viram estas fotografias, a nudez tem referências idênticas: é simultaneamente símbolo de pureza, de afirmação do corpo humano, de beleza admirada e transgressora, tal como é a imagem mesma da vulnerabilidade, do despojamento da mais simples protecção - a roupa que disfarça ou protege a vulnerabilidade do corpo. A justificação para a exigência dos soldados protagonistas da agressão israelita - evitar que os presos trouxessem explosivos disfarçados nas roupas - é de um ignóbil e fantasioso marketing: homens presos, encerrados numa prisão, claro que devem ter nas suas celas quilogramas de dinamite!

A agressão é, de resto, especialmente revoltante: as guarnições que teriam a obrigação de defender e guardar a prisão - americanos e ingleses - retiram-se antes. Os bravos soldados israelitas têm à sua frente um "inimigo" constituído por homens por definição desprovidos de qualquer defesa - estão presos. A foto do DN de ontem é particularmente brutal: os presos em humilhantes cuecas contrastam com os completamente equipados militares de Israel, ao mesmo tempo que a violenta nudez da pele e da carne contrasta com a violência, tecnológica e metálica, do blindado em segundo plano. É obscena a justificação de toda esta operação: não passa, afinal, de uma mesquinha iniciativa de propaganda eleitoral que conceda a um candidato enfraquecido pelo desaparecimento de Ariel Sharon uma imagem de dureza que satisfaça os ultras sionistas. Na democracia israelita as eleições não se ganham com cartazes e ideias, mas com soldados e violência. Os presos de Jericó eram indivíduos que a sociedade palestiniana considerava passíveis de condenação pelos seus actos - ou cumprindo já penas por eles. Depois das fotos criadas pela acção israelita, passaram a ser o quê para qualquer palestiniano? Réus? Condenados? Não. Palestinianos apenas. Nus. Vítimas de mais uma humilhação.

Israel é uma sociedade doente. Que vive na violência e no ódio, gera cada dia mais ódio num doentio contágio insensato e grotesco. Ussama ben Laden não exigiria mais. Isto chega-lhe.

Ruben de Carvalho [rubencarvalho@mail.telepac.pt] – Jornalista»

fez-me mudar de ideias e optar por deixar já aqui o meu repúdio por mais uma acção gratuita de humilhação.

Ao que tudo indica a acção israelita foi devidamente consertada com americanos e ingleses (nações de origem dos responsáveis pela segurança da prisão de Jericó, nos termos de acordos firmados entre palestinianos e israelitas) e ocorreu pouco após estes terem abandonado as instalações por alegada falta de segurança (hipocritamente nenhum daqueles governos mencionou a origem das ameaças e dos perigos), deixando os poucos guardas palestinianos e os seus presos à mercê do assalto que se seguiria.

Mais do que a violência envolvida na operação, ficou patente à comunidade mundial a dura realidade de um presidente palestiniano, Mahmud Abbas, com a sua capacidade de manobra da cada vez mais reduzida (muito por opção e responsabilidade dos israelitas) e a imagem de debilidade e abandono do povo palestiniano, perfeitamente traduzida na sobranceria com que Ehud Olmert, primeiro-ministro israelita, se vangloriou do facto de nenhum estado ter criticado ou condenado a acção militar que ordenara.

A propósito de imagens, como refere e bem Ruben de Carvalho, as que foram divulgadas falam por si da desproporção de meios, do quase total abandono a que a comunidade internacional tem votado o povo palestiniano e da revolta que vai gerar.
Não é admissível que assistamos, impávidos e serenos, à destruição lenta, sistemática e organizada de um povo regularmente acossado até que se revolte, justificando novas “acções punitivas”) e cujo único crime parece ser o de existir no local e no tempo errados.

Não há petróleo ou holocausto judaico que justifique este processo de lenta asfixia moral, cultural e física de um povo a que sobreviventes daquele holocausto e seus descendentes sem vêm entregando perante o silêncio cúmplice de todos nós. Quando tiverem liquidado o último palestiniano qual o povo que passará a ser o alvo desta moderna máquina de extermínio?

quarta-feira, 15 de março de 2006

DIA MUNDIAL DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Vou-me dispensar de abordar a questão da importância (ou da utilidade) da existência de uma data em que é suposto recordarem-se os direitos dos consumidores.
Além da óbvia intenção de aliviar consciências, este tipo de efemérides deveria ser utilizada para que todos (porque todos somos consumidores) reflictamos sobre as pesadas barreiras e outros entraves que as modernas sociedades de consumo criaram aos consumidores.

Contra-senso, não é? Chamar de consumo a uma sociedade onde o que impera são os direitos dos produtores e dos vendedores e na qual pululam teóricos e políticos que defendem a primazia da livre iniciativa mas continuam a limitar o conceito de direitos fundamentais dos consumidores àqueles que John F. Kennedy propôs ao congresso norte-americano na década de 60 e que foram: o direito à saúde e à segurança, o direito à informação, o direito à escolha consciente e o direito à representação e à auscultação.

Para não ir demasiado longe nesta observação veja-se onde está o nosso direito à saúde, quando os governos que temos conhecido optam por:
- encerrar maternidades (por alegadamente não disporem das melhores condições, em vez de as dotas das condições que lhes faltam);
- aumentar as taxas moderadoras dos serviços de saúde, como forma de reduzir os encargos no OGE;
- reduzir as comparticipações nos medicamentos, mas se recusam a actuar a montante do negócio farmacêutico;

onde está o nosso direito à informação, quando o governo Sócrates opta por alterar a legislação por forma a penalizar jornalistas pela divulgação de matérias confidenciais, em vez de agir de forma a assegurar a minimização da fuga de informação;

onde está o nosso direito à segurança, quando o actual governo e outros que o antecederam não actuam sobre o sistema judicial, por forma a melhorá-lo e credibilizá-lo.

Mas, infelizmente, não é tudo no que respeita ao desleixo em que vivem os direitos dos consumidores portugueses. Além da proverbial falta de informação e cultura para garantir o exercício desses direitos, temos ainda situações por demais gravosas quando entramos em mercados específicos como o financeiro.

Quem nunca se confrontou com problemas resultantes de cláusulas redigidas em letra miúda nos contratos de crédito, de depósitos e de apólices de seguros?

Quem, entre os milhões de casais “obrigados” à aquisição de uma habitação própria (devido à escassez ou inexistência de habitações para arrendamento) pode garantir conhecer o teor das mais elementares cláusulas do contrato dos seus financiamentos?

Quem, no governo ou nalgum dos seus organismos especializados, levantou a voz para alertar os consumidores para os riscos do sobreendividamento durante o período de euforia da descida das taxas de juro?

Quem, no governo ou nalgum dos seus organismos especializados, se propôs combater os previsíveis efeitos do sobreendividamento actuando mediante a publicação de legislação que refreasse a ânsia de ganho de vendedores e bancos através da simples aplicação de regras mais restritivas no cálculo da capacidade de endividamento das famílias e co-responsabilizando as empresas (comércio e bancos) que as violassem?

Era tudo isto que eu gostava de ver hoje, amanhã e sempre, ponderado e corrigido, para que no futuro a comemoração do DIA MUNDIAL DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR não passasse de uma reminiscência dos tempos em que aos interesses colectivos (de bem estar e equilíbrio das famílias) se sobrepuseram os privados (traduzidos no crescimento exponencial e irresponsável dos ganhos de uns quantos).

terça-feira, 14 de março de 2006

QUEM QUER COMPRAR UM BANCO?

Após o fracasso no processo de privatização do banco romeno Banca Comerciala Romana, o BCP formalizou ontem, pela voz do seu presidente, Paulo Teixeira Pinto, uma OPA sobre o BPI.

Há muito que analistas financeiros e do mercado de capitais apontavam o BPI como alvo preferencial numa acção deste género; na sua posição de quinto banco no ranking nacional o BPI já havia sido alvo de anteriores tentativas, nomeadamente uma do BES que tentou um acordo de fusão que falhou já na recta final.

Esta estratégia do BCP também não se apresenta como grande novidade, uma vez que já no tempo da gestão de Jardim Gonçalves este havia crescido por via da tomada da maioria do capital de outros bancos, como o BPA, o Mello e o SottoMayor, alcançando assim a dimensão julgada necessária à sua manutenção como unidade independente.

Conhecedores dos terrenos que pisam os estrategas do BCP oferecem um preço interessante para a aquisição da totalidade do capital do BPI, cuja administração, liderada por Fernando Ulrich, está agora colocada numa posição delicada e esperará por sinais dos seus principais accionistas. Entre estes contam-se o banco brasileiro Itaú e o espanhol La Caixa, com 16% do capital cada um, os quais poderão opor-se, ou não, à iniciativa do BCP.

Enquanto o mercado aguarda as reacções sempre vou lembrando que outros potenciais “rivais” do BCP podem surgir no horizonte. Não sendo de esperar que o Grupo Espírito Santo avance qualquer iniciativa, já os espanhóis do BBVA, do Banco Popular e até do Santander, poderão entender esta como uma oportunidade para entrar no mercado português ou para aumentar a quota de mercado que já possuem.

Duas notas finais sobre esta realidade. O BPI vê fortemente ameaçado o seu futuro enquanto empresa independente (quem quer que o venha a comprar não deverá manter a marca) e o BCP, caso se concretize a OPA que lançou, poderá constituir um alvo ainda mais apetecível para um banco de maior dimensão, europeu ou de outra origem.

Como se vê não faltam dúvidas sobre o desenrolar desta proposta, nem sobre os acontecimentos ocorridos nos últimos dias na bolsa nacional, quando sem qualquer razão aparente os títulos do BPI começaram a registar movimento e valorização inesperadas. Com o anúncio da OPA do PCP ficou claro que “alguém” com conhecimento prévio daquela intenção começou a actuar com vista à obtenção de ganhos extraordinários (este tipo de actuação, baseada em informação privilegiada, é o que normalmente se designa por “inside trading”), o que constitui violação a regras e normas de funcionamento dos mercados de capitais que tem que ser apurada de imediato e o(s) seu(s) autor(es) pronta e exemplarmente punidos.

segunda-feira, 13 de março de 2006

ESTARÁ PRÓXIMA UMA GRANDE CRISE MUNDIAL?

No post anterior abordei a candente questão do dossier nuclear iraniano que esta semana será motivo de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU. Apesar de continuar por provar que o Irão estará a desenvolver um programa nuclear com outros objectivos que não os previstos no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (a serem verdadeiras as asserções ocidentais há várias décadas que o Canadá também já disporia daquele tipo de armamento) e de aparentemente todos os intervenientes continuarem a falar no recurso à via diplomática para a resolução desta crise, existem razões de sobra para que o seu desfecho possa ser diferente.

Numa questão desta natureza e no actual estado das relações internacionais (e em especial nas que respeitam a uma zona tão sensível como o Médio-Oriente) ninguém poderá deixar de pensar na hipótese de outros desenvolvimentos que conduzam a uma escalada, como na passada semana muito bem referiu o ministro dos negócios estrangeiros português, Freitas do Amaral, que há TSF admitiu «…a existência de «dois pesos e duas medidas» por parte do Ocidente no caso do conflito do Médio Oriente».

Este receio é aliás partilhado por outras personalidades e organizações que a nível mundial reflectem sobre problemas geopolíticos e governância. Entre estes conta-se o LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE (LEAP) que recentemente difundiu um trabalho que alerta para a forte probabilidade de ocorrência de uma grande crise mundial, de dimensão comparável à que ocorreu em 1989 com a queda da Cortina de Ferro.

Fundamentando esta hipótese avançam a concretização próxima de dois acontecimentos:
1- a entrada em funcionamento no próximo dia 20 de Março em Teerão de uma bolsa de cotação de produtos petrolíferos denominada em Euros;
2- a decisão da Reserva Federal americana (FED) de cessar no próximo dia 23 de Março a publicação do agregado monetário M3 (o indicador mais fiável sobre o volume de dólares em circulação no mundo por incluir informação sobre os dólares emitidos, depositados em contas bancárias à ordem e a prazo, em certificados de depósitos e as reservas em eurodólares e na maior parte dos outros países) perdendo-se assim a informação sobre o volume de dólares existente.

Para melhor se entender a dimensão destas medidas recorde-se que com a possibilidade de negociar contratos sobre produtos petrolíferos noutra moeda que não o dólar, este tenderá a perder importância enquanto divisa internacional e valor no mercado cambial, algo que nenhuma administração americana aceitará de forma passiva. Já a decisão de suspensão de publicação do M3 servirá para esconder o aumento de moeda americana em circulação (fenómeno já em curso e que se aproxima de uma situação de monetarização da enorme dívida americana, i.e. o FED estará já a financiar a economia americana através do aumento de notas de dólar em circulação), facto que também tenderá a traduzir-se na respectiva desvalorização.

A este cenário económico-financeiro preocupante haverá ainda que somar a possibilidade do Irão vir a produzir um arsenal nuclear, facto que os EUA não estarão dispostos a deixar que aconteça (apesar de tal possibilidade poder estar a anos de distância e de as respectivas quantidades dificilmente poderem ser consideradas ameaçadoras para a dimensão dos arsenais nucleares americano e israelita), seja por necessidade de protecção a Israel, seja por necessidade de afirmação e de subjugação do Irão (note-se que neste momento o regime dos ayatollah está a jogar em três tabuleiros simultaneamente: o económico, com a criação da bolsa denominada em Euros, o militar, com a possibilidade de vir a tornar-se uma potência nuclear, e o diplomático, quando mantém abertos os canais de diálogo e vai fazendo lembrar a sua importância no fornecimento de petróleo às economias emergentes da China e da Índia).

Se a este intrincado cenário adicionarmos o facto de há pelo menos dois anos o Pentágono dispor de planos tácticos e estratégicos que prevêem a utilização de armamento nuclear táctico em situações de guerra preventiva (como passaram a ser conhecidas sob a administração de George W Bush as acções de intervenção militar americanas), do esforço que tem vindo a ser desenvolvido para persuadir a opinião pública de que aquele tipo de armamento é seguro e quase inócuo e das recentes declarações do presidente francês, Jacques Chirac que deixaram subentendida a hipótese de utilização do seu arsenal nuclear, parecem estar a ser criadas condições para as opiniões públicas aceitarem um possível cenário de conflito.

Sendo certo que as inflamadas declarações dos líderes iranianos também não ajudam, com particular destaque para as do presidente Mahmud Ahmadinejad, convém não deixar de as entender em duas dimensões distintas: a forma discursiva floreada e arrebatada própria da sua cultura e a necessidade de mobilização das populações perante um “inimigo” externo que ajude a suportar as suas difíceis condições de vida. A repetição de discursos contra os EUA e Israel e o apoio iraniano a movimentos guerrilheiros, como o Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano, tem também sido habilmente explorado por americanos e judeus para justificar a necessidade de acções militares.

Contrariamente ao ocorrido há cerca de 3 anos aquando da preparação da operação contra o Iraque, os “falcões” Cheney e Rumsfeld parecem dispor de apoio tácito ou implícito da NATO, restando agora esperar para conhecer os desenvolvimentos que resultarão da próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU.

Em qualquer caso a probabilidade dos EUA verem, mais tarde ou mais cedo, aprovados os seus plano de bombardeamentos cirúrgicos, com armamento nuclear táctico é suficientemente elevada para ser contemplada e merecer toda a atenção possível, bem como uma muito cuidadosa avaliação uma vez que a abertura de hostilidades contra o Irão será seguramente seguida de resposta directa (seja mediante retaliação contra Israel e posições americanas no Médio-Oriente) ou indirecta, a qual poderá assumir a forma de escalada dos atentados no Iraque, ou mediante recurso ao Hezbollah, ao Hamas, ou a outros grupos que poderão visar alvos e interesses norte-americanos nas mais diversas partes do mundo.

domingo, 12 de março de 2006

O DOSSIER NUCLEAR IRANIANO

Na próxima semana o “dossier” nuclear do Irão será discutido no Conselho de Segurança da ONU por proposta da IAEA (Agência Internacional de Energia Atómica.

Este processo tem registado nos últimos meses uma escalada acentuada, resultante de dois factores principais: as iniciativas fracassadas da troika europeia (França, Grã-Bretanha e Alemanha) e da Rússia de alcançarem um acordo com o regime iraniano de forma a assegurar que o seu programa nuclear não dispõe de uma vertente militar e os discursos, cada vez mais inflamados do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

A questão das pretensões nucleares iranianas não é recente (na realidade remonta aos anos 60 do século passado, quando a administração americana da época apoiou o regime do Xá Reza Pahlevi nesse projecto) e a crise actual não pode ser desligada do contexto que vive o Médio Oriente.

Numa conjuntura em que a ocupação militar americana do Iraque continua a registar forte resistência, em que as tensões entre sunitas e xiitas crescem de tom não é de estranhar que as pretensões nucleares iranianas assumam proporções dominantes. Após um período em que o alvo da contestação foi a Coreia do Norte (de repente parece que este país já não dispõe de tecnologia nuclear para fins militares) é agora o Irão que centra as preocupações internacionais.

Para complicar um pouco mais este cenário e contrariar quem aponta os riscos da escalada no armamento de islâmicos, na região já existe um estado com armamento nuclear – Israel – sobre o qual a comunidade internacional, com os americanos à cabeça, nunca ameaçou aplicar sanções e o Irão não será o primeiro país islâmico a integrar o “clube nuclear”, uma vez que o Paquistão há anos que dispõe de arsenais nucleares.

Descrito de forma muito simplista é este o enquadramento do problema sobre o qual o Conselho de Segurança da ONU se irá debruçar. Para complicar as previsões dos especialistas o volume de informação e de contra-informação que tem circulado é proporcional à respectiva dimensão.

Após o anúncio do fracasso da troika europeia, que pretendia que o Irão abandonasse toda a actividade susceptível de alcançar a produção de armamento nuclear, com este a sustentar que o objectivo do projecto é apenas a produção de energia, avançou a Rússia propondo uma solução de compromisso que passaria pelo enriquecimento do urânio (fase processual indispensável ao funcionamento de qualquer central nuclear) em território russo, assumindo este país o papel de controlar que o urânio enriquecido fornecido ao Irão não era susceptível de uso para fins militares (a diferença tem a ver com o nível de concentração de isótopos). Tal como a intenção europeia, também a russa esbarrou na intransigência iraniana de querer controlar todo o processo de produção, ainda e sempre sob o argumento de que o seu projecto não tem fins militares.

Com as negociações neste ponto de impasse a IAEA, baseando-se na falta de informação que confirmasse as alegações iranianas decidiu remeter o assunto ao Conselho de Segurança.

Neste momento em que se aguarda a reunião daquele órgão da ONU muitas são as dúvidas e as alternativas de rumo para esta situação, mesmo considerando os recentes rumores que apontam para um acordo entre europeus e americanos no sentido de fixar um novo prazo de 15dias para o Irão suspender as suas actividades no campo nuclear. Esta opção terá sido escolhida em prejuízo de uma proposta russa que pretendia alargar o grupo de negociadores aos EUA e à China.
Certo é que o regime iraniano parece determinado em levar avante o seu programa nuclear e que os países ocidentais se mostram dispostos a dificultar tal intenção.

Se a este cenário adicionarmos a envolvente geopolítica da região, traduzida na existência de um estado judaico fortemente armado e indefectivelmente apoiado pelos EUA, uma população palestiniana que continua à espera de ver efectivado um estado palestiniano cujos territórios Israel persiste em ocupar, uma multiplicidade de estados árabes divididos entre si pelas reservas petrolíferas e por questões de natureza religiosa, uma população curda, distribuída entre diferentes países e que não enjeitará qualquer oportunidade separatista, a crescente necessidade de petróleo originada pela industrialização de grandes territórios como a China e a Índia, a ocupação americana do Iraque e a crescente tensão entre as suas comunidades xiita e sunita.

Sem esquecer que entre os países com assento permanente no Conselho de Segurança se contam a Rússia e a China, ambos com direito de veto, cujos interesses específicos não são obrigatoriamente coincidentes com os dos EUA, tudo parece convergir para que num primeiro tempo não se consiga alcançar um entendimento mínimo que garanta uma decisão final. Embora de forma não declarada o Irão espera alguma complacência de russos, apesar das notícias resultantes da recente visita do ministro dos negócios estrangeiros russo a Washington que dão conta de um acordo firmado que garante o apoio dos EUA à candidatura russa à Organização Mundial do Comércio, e chineses, muito interessados em garantir os fornecimentos de petróleo, em quantidade e preço, indispensáveis ao crescimento da sua economia.

De incerteza em incerteza, o tirânico regime dos “ayatollahs” vai logrando algum campo de manobra e ganhando protagonismo no mundo árabe e islâmico, facto que não deve de modo algum ser encarado de forma displicente num período de grandes convulsões no Médio Oriente e na “nação islâmica”.