sábado, 28 de março de 2015

HORA LEGAL?

Vamos muito em breve voltar a repetir um processo de reajustamento horário. Na próxima madrugada por essa UE fora vão voltar a adiantar-se os relógios (no Outono cumpre-se o ritual inverso, atrasando os relógios para a hora solar) sem que na realidade a maior parte das pessoas tenha a mínima ideia da justificação para esta distinção entre hora solar (a que corresponde ao chamado horário de Inverno) e hora legal (a do horário de Verão).

Bastará uma rápida vista de olhos para os países e regiões que usam e não usam este sistema para perceber a dificuldade na sua explicação.


A maioria dos países não usam esta prática de mudança da hora; quase todos os equatoriais (a excepção é o Brasil) nunca a usaram, pelas óbvias razões de pouco sentirem a variação da duração do dia ao longo do ano. Quase só o continente norte-americano e a Europa é que mantém esta prática de duvidosa utilidade.

Historicamente atribui-se a ideia a Benjamin Franklin que propôs a deslocação do “relógio” para fazer coincidir o dia solar com os horários de laboração a fim de se obterem ganhos com os custos da iluminação; a ideia apenas conheceria a primeira aplicação prática na Alemanha,em 1916, precisamente no pico da I Guerra Mundial e com a justificação da poupança de carvão.

Na Europa, a medida, ganhou especiais adeptos depois da crise petrolífera de 1973 (sempre com o famoso pressuposto da poupança de energia) e tem-se mantido sem que se tenha registado grande debate, nem se lhe reconheça verdadeira necessidade.

Salvo o muito agradável facto de parecer prolongar o dia (o simples facto do pôr-do–Sol ocorrer mais tarde transmite uma natural sensação de maior tempo de fruição depois do trabalho), nada mais parece justificar o que cada vez mais se assemelha a algo que se faz por simples inércia ou aparente desinteresse.

Muda-se a hora “porque sim”, chama-se-lhe “legal” por ser legalmente imposta, do mesmo modo que se repetem regularmente tantas outras tarefas cujo sentido há muito se perdeu, ou pior, talvez nunca se tenha conhecido.

Até a recorrente explicação de que a mudança de horário serve para facilitar a vida dos jovens em idade escolar, perdeu todo o sentido desde que as escolas passaram a funcionar em horário desdobrado (uns alunos de manhã e outros de tarde), pois os do turno da manhã saem de casa antes do nascer do Sol e os do turno da tarde regressam com ele já posto.


Este é talvez um exemplo de que muito continua por acertar e que se tal ocorre é apenas por persistirem os que entendem que “não há nada a fazer”...

segunda-feira, 23 de março de 2015

BURRAS CHEIAS

De há muito tempo que o discurso político nacional se tornou redundante, algo que não raramente é pior que ser redutor; a redundância é evidente e bacocamente repetida pelos actores políticos que diariamente proliferam nas notícias, até por aqueles que, de quando em vez, se esforçam por parecer diferentes.

Talvez no caso destes até acabe por ser mais grave, pois além de não o conseguirem transmitem afinal uma imagem de mais pobre e triste atavismo.

Vem isto a propósito da mais recente “boutade” da Srª Swapp que a par com o convite aos mais jovens para que se multipliquem, não se esqueceu de afirmar que o «País tem "cofres cheios"»…

É claro que a “senhora ministra” estava a falar para jovens correlegionários (daqueles que aspiram a enxamear os “corredores do poder” e cujo principal contributo será sempre o do inefável apoio e concordância com o “chefe” do momento) a quem importa confortar e proporcionar uma visão com futuro (que mais não seja para compor as plateias), num país a quem o mesmo futuro tem sido aviltantemente negado, o que é já um claro sintoma de atavismo.

Em si mesmo o atavismo não se traduz numa qualidade simplesmente boa ou má, mas nas “mãos” desta gentinha consegue ganhar foros e contornos inauditos. O descabido da intervenção foi tal que até os mais indefectíveis comentadores criticaram a oradora; Marques Mendes disse que «“Maria Luís Albuquerque esteve mal”» e o putativo candidato presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa, que a «Ministra das Finanças “falou um bocadinho de mais”».

Por outro lado, se o apelo à multiplicação dos “jotinhas” até é entendível (afinal a oradora falava na sessão de encerramento dumas jornadas da JSD, oportunamente intituladas “Portugal nas tuas mãos”, ciente da importância de ver reproduzidos os modelos e neste capítulo o essencial é multiplicar os seguidores), já a referência aos cofres apresenta uma inegável referência bulionista[i] e uma tristíssima consonância salazarenta, que não pareceu afectar muita gente, nem sequer por revelar uma completa sobranceria a respeito dum dos grandes debates que há anos divide a comunidade académica e que se traduz na questão de saber se «“O PIB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena”».

Salvo as tradicionais reacções políticas e os chistes e as caricaturas (de sucesso garantido entre nós)...


…poucos foram os comentários que apontassem o ridículo das afirmações e, ainda pior, o falacioso. É que, como bem pudemos comprovar durante a vigência do Estado Novo, existe um fosso enorme entre as finanças públicas e as das famílias e quando as primeiras se vangloriam das suas burras[ii] cheias fazem-no seguramente a expensas dos rendimentos e do bem-estar das segundas.



[i] Recorde-se que o bulionismo, modelo de mercantilismo que preconizava a acumulação de metais preciosos em detrimento do investimento, foi a forma mais primitiva de mercantilismo que conheceu ainda as variantes comercial (usada pela Inglaterra) e a francesa (também conhecida como colbertismo, do ministro francês Jean-Baptiste Colbert) que assentava na produção manufactureira.
[ii] Burra foi um forma antiga de designar baú ou arca usada para guardar valores, que por extensão originou a forma popular de designar o acto de enriquecer como “encher as burras”.

quinta-feira, 19 de março de 2015

O LABIRINTO DE DAVID

Embora raramente reconhecido é muitas vezes referido o facto dos processos e das campanhas eleitorais se pautarem por debater o acessório em lugar do essencial. Os últimos anos têm sido fartos nessa matéria, mas talvez um dos exemplos mais gritantes tenham sido as últimas eleições em Israel.

Independentemente do resultado eleitoral, quer Netanyahu forme novo governo ou não, a questão central, para os eleitores israelitas, ficou por debater e ainda mais por resolver. A ocupação israelita dos territórios árabes eterniza-se, as sucessivas medidas para fomentar a sua colonização (ilegal ao abrigo do direito internacional e à revelia das decisões da ONU) continuam a inviabilizar a mínima hipótese da constituição de jure dum estado palestiniano, enquanto o próprio estado israelita se afunda num crescente isolamento internacional e no seu próprio labirinto.


Já não são apenas os revezes do reconhecimento à Autoridade Palestiniana da qualidade de observador na ONU ou o reconhecimento do estado palestiniano por países europeus, é principalmente o crescente afastamento da matriz democrática que se vive em Israel.

Tradicionalmente apontada como a única democracia no Médio Oriente, a persistência numa estratégia de isolamento imposta pelos pequenos partidos religiosos ortodoxos e pelos “falcões” duma direita, em tempos vista como alternativa a sucessivos governos trabalhistas, tem minado não apenas a sociedade judaica mas principalmente os seus próprios alicerces.

Numa sociedade onde o laicismo perde terreno para uma visão sionista ortodoxa e messiânica (não esqueçamos que a questão que originou estas eleições foi a recusa de dois ministros, Tzipi Livni e Yair Lapid, em votarem um projecto de lei que excluía os não judeus dos direitos de cidadania) pode começar equacionar-se o fim da democracia.

É claro que para o cidadão israelita médio talvez o agravamento da situação económica, ditada pelo efeito de contágio da crise global, seja verdadeiramente importante, a ponto de fazer esquecer que a questão palestiniana e a solução dos “dois estados” será afinal bem mais relevante que a azáfama diária deixa antever. Disso mesmo se fez recentemente eco o escritor e jornalista Amos Oz – co-fundador do movimento pacifista israelita Shalom Akhshav (Peace Now) quando nas páginas do jornal HAARETZ deixou a ideia que «…se aqui não houver rapidamente dois estados, haverá um. Se aqui houver apenas um estado, será um Estado árabe…» e disso também será reflexo que, em resultado das eleições a terceira força política passou a ser a Lista Árabe Unidaconstituída por partidos árabes e englobando judeus como o ex-presidente do Knesset, Avraham Burg – cuja campanha se centrou na defesa da igualdade de direitos entre judeus e árabes no Estado de Israel.

Esta preocupação que parece alastrar entre sectores menos dogmáticos e mais esclarecidos da população judaica, não constitui novidade nem representa um qualquer corte radical, antes uma adaptação a uma realidade – a solução um estado-dois povos – a que já tinha aludido no “post” «NOVAS IDEIAS PARA A PALESTINA?», em Julho de 2007.

quinta-feira, 12 de março de 2015

TODOS AO MESMO NÍVEL

Os meios de comunicação formal e informal estão inundados de notícias e comentários sobre a situação contributiva dum cidadão nacional. Fosse este um caso normal e vivendo nós num estado dirigido pelos mais impolutos e zelosos curadores e, ao abrigo das regras em vigor, há muito aquele cidadão teria visto o vencimento ou a habitação penhorados.

Sucede, porém, que o pobre incumpridor é, nem mais nem menos, que o chefe de fila dos questores (cobradores dos impostos imperiais) que nos calharam em sorte e um dos mais férreos defensores do “pagaremos doa o que doer”, pelo que, zeloso, logo procedeu à liquidação da dívida tão presto soube que a imprensa se aprontava a denunciar o caso.

Todos temos acompanhado o rol de justificações, meias-verdades, ou paráfrases sobre o caso; todas desmentidas ou corrigidas de seguida, adaptadas às circunstâncias ou mais prosaicamente remetidas para o limbo duma memória que se espera (e deseja…) curta, ou não grassasse no País e na elite política que o tem dirigido uma inquietante falta de valores.Conforme os interlocutores e os espectadores se perfilem do lado dos questores ou dos críticos, assim se sucedem as justificações ou as condenações, a maioria das quais já atiradas para o esquecimento. É claro que as primeiras que se fizeram ouvir foram as dos zelosos defensores que de pronto saíram a terreiro em defesa do probo primeiro-ministro, dizendo que a dívida já estava saldada, que era questão do foro pessoal e de pequena monta, etc., etc., etc…, e culminando com Luís Montenegro, o líder parlamentar do PSD, a assegurar que «Passos é o "mais bem preparado" para primeiro-ministro».

Muita gente concordará com aquele argumentário; achará a questão despropositada e mais adequada à chicana política que à ponderada gestão da coisa pública (como o fez Cavaco Silva) e a crer, até António «Costa considera estar “tudo esclarecido” sobre contribuições de Passos».

É claro que face à enormidade dos problemas que assolam o País, esta é uma questão de pormenor, mas são os pormenores que revelam a verdadeira essência e a verdadeira natureza dos Homens. Assim, neste recôndito canto onde os princípios éticos continuam sem encontrar esteio, ninguém esperaria (em seu perfeito juízo) que do incidente resultasse a demissão do faltoso ou sequer um mero e hipócrita pedido de desculpas.

Numa república presidida por um aposentado que em tempos afirmou, com prosápia e mal contida soberba, que “nunca se engana e raramente tem dúvidas”, seria impensável assistirmos à demissão dum governante por coisa tão mesquinha; noutro país dessa Europa a que dizem pertencermos, o «Ministro da Justiça da Holanda demite-se por mentir ao Parlamento», mas entre nós o nível é outro: tão reles e baixo que os intervenientes se julgam acima que qualquer reparo ou dúvida.


O sentimento que campeia entre a elite política nacional é aquele que o ministro da Segurança Social (o que tutela o organismo que Passos Coelho fraudou impunemente) se apressou a transmitir quando nas primeiras reacções à notícia veio a terreiro afirmar que Passos foi "vítima de erros" da administração, crucificando os funcionários que dirige e deveria prestigiar… se também ele tivesse outros valores além dos da sobrevivência a qualquer custo!

quinta-feira, 5 de março de 2015

LEALDADES

Há muito tempo que em política o “vale tudo” passou a ser moeda corrente. Desde o longínquo século XVI, quando Nicolau Maquiavel deu ao prelo o seu “O Príncipe”, obra que muitos referem como exemplo do pragmatismo político, que se começou a insinuar a ideia que em política os fins justificam os meios.

Temo-lo confirmado em múltiplas ocasiões, mas talvez nunca de forma tão desbragada como na actualidade. Já não é apenas a “conspiração” ou a mera “maquinação” com vista à obtenção de ganhos políticos imediatos, mas também o recurso ao argumento que atribui uma conotação conspirativa a qualquer crítica. Exemplos disto pululam no nosso dia-a-dia, vão desde as mais espúrias desculpas para infracções e outras malfeitorias (sempre praticadas no mais completo desconhecimento das regras ou total ausência de consciência da infracção) ou à completa contradição entre o que se afirma no estrangeiro ou dentro de fronteiras, até à mais clara e despudorada mentira.

Serve este intróito a propósito do mais recente facto político norte-americano: o discurso no Congresso norte-americano dum chefe de governo estrangeiro, na situação de demissionário e candidato à reeleição, a convite do líder da maioria para criticar a política oficial de Washington sobre a questão do programa nuclear iraniano, o que pode traduz um minar das relações entre americanos e israelitas.


A questão do programa nuclear iraniano constitui há muito fonte de preocupação para muitos governos e a posição israelita de total desacordo com aquele tipo de programa é sobejamente conhecida quando ainda perduram na memória as ameaças militares sobre as centrais iranianas, quando Netanyahu anunciou «Israel preparado para "agir sozinho" contra o Irão», posição especialmente interessante quando vem dum país que sempre negou a sua condição de potência nuclear e que, com o beneplácito norte-americano, sempre recusou submeter o seu programa nuclear a qualquer controlo pela AIEA (a agência internacional que regula e controla o uso da energia nuclear).

A oposição israelita a qualquer acordo com o Irão é conhecida há muito tempo, pelo que  a presença em Washington de Benjamin Netanyahu, em pleno período de campanha eleitoral israelita, apenas se poderia saldar por um discurso crítico contra as negociações nucleares com o Irão e onde «Netanyahu diz que acordo “abre caminho” a bomba nuclear iraniana».

Esta manobra do partido republicano (força política que detém a maioria nas duas câmaras do Congresso mas não na Casa Branca) para torpedear a iniciativa do executivo de Obama com vista a alguma forma de acordo com o Irão, já mereceu deste o comentário de que discurso de Netanyahu "Não ofereceu alternativas viáveis", posição que não agrava mas também não desanuvia a ideia que o «Discurso de Netanyahu no Congresso tem efeito “destrutivo” nas relações com os EUA».

Três factos parecem ter contribuído para chegarmos a esta situação. Primeiro, é a comprovação de estarem os «Aliados históricos em desacordo sobre programa nuclear iraniano»; Segundo, é a confirmação da crescente necessidade de mediatismo que Benjamin Netanyahu tem revelado nos últimos tempos (basta recordar a forma com este impôs a sua presença em Paris depois que a «França pediu a Netanyahu para não participar na marcha contra o terrorismo») e que não prenuncia nada de bom para o futuro do Médio Oriente, pois a sua presença em Washington parece-se muito mais com uma acção de propaganda interna (sinal da sua fragilidade política) que com uma ponderada iniciativa para fazer valer o ponto de vista israelita sobre a questão do programa nuclear iraniano, o que pressagia uma ainda maior aproximação com os grupos judaicos mais radicais, inevitavelmente acompanhada dum aumento da tensão com os palestinianos e com os vizinhos árabes. Igualmente relevante e não menos grave, é a conduta do Partido Republicano que no afã de apoucar o presidente Obama não revela o mínimo sentido político e expõe, por conveniência meramente táctica, as relações israelo-americanas a um desgaste evitável quando estas atravessam uma fase de grande fragilidade.

segunda-feira, 2 de março de 2015

NEM OK NEM KO!

Foi intencionalmente que deixei passar alguns dias sem abordar a recorrentemente candente situação europeia. Não tanto para deixar assentar a poeira sobre o inevitável acordo de extensão do programa de apoio à Grécia, mas principalmente para reflectir sobre o teor dos comentários que se lhe seguiriam.

Foi inegavelmente construtivo apreciar a acomodação que as duas principais correntes (defensores e opositores da solução da “austeridade expansionista”) têm vindo a realizar face à evolução que vais chegando de Bruxelas. Foi pois interessante ver os críticos mais assanhados e menos crédulos noutra solução que não um rápido afastamento da Grécia da Zona Euro, virarem agora o teor do discurso para considerandos de natureza comiserativa e extrapolando o que designam como o fracasso da dupla Tsipra/Varoufakis para o conjunto das forças políticas europeias que se têm manifestado em sua defesa.

É assim que, esforçando-se por confundir o acessório com o essencial, consideram toda e qualquer concessão do governo grego como uma abdicação. Claro que só os mais utópicos (e desconhecedores da eurocracia) poderão alguma vez ter pensado que a viragem da política europeia ocorreria de imediato e sem resistência, visão que os mais críticos aproveitam para empolar, realçando assim o que chamam de fracasso.


É evidente que se a “austeridade expansionista” não foi definitivamente derrotada nem por isso deixou de sair beliscada deste primeiro confronto formal. Os gregos cederam em muitas das suas intenções, abandonando para já a ideia de aumentos salariais e de total suspensão do programa de privatizações, mas terão conseguido um resultado que os panegiristas do austeritarismo se esforçam por desvalorizar ou até negar: o debate das soluções passou para a esfera política e o desenho das medidas deixou de ser incumbência de tecnocratas.

O fim da sobrevalorização dum conjunto de instituições – a designada “troika” constituída pelo FMI, BCE e FEEF – e a sua substituição por responsáveis eleitos, longe de representar «O fim das ilusões da esquerda» poderá significar que, isso «Sim, a troika morreu» e com ela o fim das políticas sem alternativa ou aplicadas custe o que custar.

Ao contrário do que alguns tentam fazer crer os povos europeus não estão KO. Estarão longe duma situação OK, mas as situações evoluem e caso se confirme uma boa utilização do espaço de manobra política criado pela existência dum governo não complacente com as ideias e a praxis ordoliberal, talvez a seu tempo vejamos alguns resultados que a semântica em uso ainda esconde.