quarta-feira, 28 de novembro de 2012

TITÂNICAS CONFUSÕES


A quantas mais cimeiras europeias e outras inconclusivas reuniões de alto nível iremos assistir até que se alcance a conclusão de que continuamos a ser dirigidos por pessoas desprovidas das condições mínimas para o exercício daquelas funções?

Quando até já entre os analistas mais moderados cresce o número dos que alertam para os perigos duma estratégia exclusivamente centrada em políticas restritivas (como é o caso de Paul de Grauwe, o «Economista belga aconselha Vítor Gaspar a “não exagerar” na austeridade» ou a também recente afirmação do prémio Nobel Joseph Stiglitz, a uma publicação espanhola, de que «Com as actuais políticas em Espanha e na Europa não há luz ao fundo do túnel»), parece cada vez mais evidente que o real objectivo dos líderes europeus há muito deixou de ser a Europa; para uns tratar-se-á de mera estratégia de sobrevivência política, mas para outros poderá até ser algo ainda menos nobre e representar apenas a defesa dos seus interesses pessoais.

Com a gestão da coisa pública entregue a políticos profissionais (atribuindo-se aqui ao qualificativo profissional o significado daquele que nunca se provou capaz de exercer outra actividade), com o desinteresse dos eleitores (resulte este de um comportamento racional ou de mera reacção às condicionantes e às estratégias desenhadas para os desmotivar), a ascensão dos menos capazes passou a estar assegurada e o seu enfeudamento a objectivos contrários ao do interesse geral cada vez mais facilitado.

As limitações técnicas e intelectuais estão bem patentes em afirmações do género da que não existem alternativas ou de que desobedecer aos credores significaria a bancarrota e a incapacidade de pagamento de salários à função pública. A incapacidade argumentativa é substituída pela estratégia da aterrorização das populações e estendida agora até ao orçamento da UE, que se pretende enredar nas mesmas peias idiossincráticas e aplicar-lhe a mesma lógica suicidária.


A prova da completa subversão dos mais elementares princípios éticos revela-se quando a discussão sobre o novo orçamento comunitário se realiza entre defensores e opositores do seu aumento mas, anacronismo máximo, entre os defensores se encontram alguns dos mais férreos praticantes da austeridade orçamental nos estados que dirigem (caso de Passos Coelho), sob o argumento de que a austeridade interna necessita das medidas de compensação que o orçamento comunitário deve proporcionar.

Como se não bastasse a incongruência pessoal dalguns dos intervenientes, o debate é tanto mais absurdo quanto se está agora a tentar subverter os princípios estruturantes da UE – a solidariedade e a coesão – num orçamento que, à semelhança dos congéneres nacionais, se pretende transformar num exercício contabilístico de redução cega de despesas. É que a prevalência das teses do equilíbrio orçamental a qualquer preço e a sua extensão ao conjunto da UE, precisamente quando dão cada vez mais evidentes os sinais de abrandamento das principais economias (leia-se Alemanha e França), apenas poderá resultar no alastramento da catástrofe que com toda a evidência já se abate sobre os países periféricos, de pouca consolação podendo servir o facto dos “capitães” se virem a afundar com a nau.

sábado, 24 de novembro de 2012

O BOM CAMINHO


Ouça-se os membros do governo de Passos Coelho falarem sobre a situação do País e ficar-se-á com a ideia que, contra ventos e marés, o «Programa português “continua no bom caminho”»; sobre os reais problemas duma economia onde o «PIB português cai 3,4% e agrava queda desde o início da crise» e sobre o facto de se saber que os «Salários em atraso mais que duplicaram até Setembro», pouco ou nada adiantam as figuras que afirmam conduzir os destinos do País.


Já não restam dúvidas que o abismo que se abre aos pés dos cidadãos é uma realidade cada vez mais perceptível e nem as já gastas declarações de apoio ao Estado Social (regularmente desmentidas pela prática e pelo anúncio de sucessivas medidas restritivas  parecem capazes de atenuar o sentimento de desânimo que invade a esmagadora maioria dos portugueses.

Sentimento que ainda se agrava mais quando se observa o comportamento das instituições (partidos políticos) que supostamente representam e defendem os interesses das populações. Sem idealismos bacocos, nem outras ilusões, como interpretar a manchete do DN de 20 de Novembro que afirma que «CDS PROPÔS AO PSD CORTES QUE CHUMBOU AO BLOCO»?

Com os partidos responsáveis pela governação a assumirem comportamentos deste jaez, ainda será estranho o descrédito que de gozam junto das camadas mais jovens da população? Será igualmente estranho que os mais jovens constituam o núcleo que tem engrossado os movimentos inorgânicos que mais claramente têm dado voz ao sentimento de revolta e indignação?

Duvido que o caminho mais adequado passe pela manifestação de jovens de rostos escondidos, tanto mais quanto as suas razões são fundadas e comuns à generalidade dos cidadãos, e tudo devemos fazer para que aqueles que assim se manifestam entendam que os problemas (e as crises) se enfrentarão bem melhor com ideias estruturadas e propostas consistentes, mas sempre de cabeça erguida e descoberta porque quem de vergonha a devia cobrir eram os que se anunciam como detentores da verdade absoluta e senhores da solução única.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MÍSSEIS E VOTOS


A iminência de nova invasão israelita do território palestiniano de Gaza traz à memória não apenas a sensação de “déjá vu” (esta será a terceira vez – a primeira ocorreu em 1996 com a primeira invasão do Líbano, a segundo há apenas quatro anos e também orientada contra Gaza – que a aproximação dum acto eleitoral israelita é precedido, qual pré campanha política, duma campanha militar contra territórios vizinhos) mas também uma flagrante situação de abuso da força.


Outras opiniões sustentam que o reacender do conflito israelo-palestiniano deve ser encarado como um aviso (mais um) ao Irão (potência regional que apoia o Hamas, movimento palestiniano que governa o território de Gaza) e um ensaio para aquilatar as reacções dos vizinhos estados árabes (maioritariamente sunitas e em oposição ao regime xiita iraniano) e da reeleita administração Obama, preparando um eventual ataque directo às instalações nucleares iranianas. Outra hipótese liga-se à recente notícia de que a «Autoridade Palestiniana pede estatuto de estado observador às Nações Unidas», opção tomada face ao insucesso da tentativa de reconhecimento pleno ensaiada há um ano, situação que, por dispensar intervenção do Conselho de Segurança, não se deverá agora repetir e que abrirá as portas a novas vias de pressão diplomática sobre Israel, sem esquecer que do lado israelita prossegue a política de colonização dos territórios ocupados – como refere a notícia do início deste mês de que «Israel vai construir mais 1.200 casas para colonos» em Jerusalém Oriental – continua à revelia das regras internacionais que proíbem a ocupação permanente de territórios militarmente ocupados.

É claro que a justificação israelita para o recrudescimento das hostilidades é sustentável – o seu território continua a ser flagelado por meio de rudimentares rockets de fabrico palestiniano – e constitui ainda um importante argumento no debate político interno, mas de modo algum pode ser comparável ao poder de destruição dum Tsahal (o exército israelita) armado e municiado com o mais sofisticado que existe no ramo. Não deve porém esquecer-se que um dos primeiros alvos selectivos a ser abatido foi Ahmed Jabari, chefe da ala militar do Hamas que, apresentado pelo governo de Netanyahu como um terrorista, desempenhava a importante tarefa de controlar os ímpetos dos grupos armados mais radicais e assim assegurar o respeito da trégua firmada com Israel (isto mesmo é afirmado pelo jornalista israelita Aluf Benn no seu artigo «Israel killed its subcontractor in Gaza», publicado no HAARETZ).

Não deixa de ser curioso que a mais antiga e bem estruturada democracia no Médio Oriente (assim o proclamam aos quatro ventos judeus e americanos) sinta regular necessidade de recorrer ao uso da força para se sustentar e, ironia das ironias, nem sequer a exerce sobre o seu povo, mas sobre os povos vizinhos, tudo isto enquanto mantém abertas todas as alternativas (e as acções militares, pois na última noite «Israel volta a bombardear uma centena de alvos em Gaza») mal se soube que o «Hamas anuncia acordo para o cessar-fogo mas Israel avisa que “ainda não chegámos lá”», embora um pouco mais tarde tenha sido anunciado que a mediação egípcio-americana terá alcançado um «Acordo para cessar-fogo em Gaza» de efeito e duração duvidosa uma vez que não contemplará os problemas resultante do bloqueio militar que Israel continua a impor àquele território.

Os próximos dias dirão da durabilidade de mais um acordo e dos reais efeitos, na região e no mundo, de mais este episódio.

sábado, 17 de novembro de 2012

MOBILIZAÇÃO CONTRA A AUSTERIDADE


Poderia muito bem ser o título de qualquer notícia sobre a mais recente iniciativa europeia, que culminando com uma greve geral em Portugal e Espanha, contou com manifestações e greves parciais em vários países europeus.

É claro que múltiplas e fundadas são as razões que levaram àquela mobilização, mas o que ressalta da leitura da maioria dos cabeçalhos nacionais é o relato da violência que ocorreu nas vizinhanças da Assembleia da República e que o DN trouxe para uma sua primeira página, sob o título «Violência contra a austeridade chegou a Portugal», o destaque do PUBLICO para «Confrontos junto à AR», ou o de O PRIMEIRO DE JANEIRO, que escreve a toda a largura da primeira página «Luta endurece – Graves confrontos em Portugal e Espanha». Sobre as substantivas razões para o descontentamento generalizado pouco mais se lê (ou ouve) que as habituais banalidades, enquanto comentadores como João Lemos Esteves, escreve no EXPRESSO que «Greve Geral: o PCP e o BE aliaram-se a Passos Coelho!» confundindo as razões da greve – contestação das políticas recessivas do actual governo – com os efeitos dos confrontos que encerraram as manifestações em Lisboa.


Por identificar e explicar ficam a crescente degradação da situação económica nacional, o visível fracasso da “receita” da “austeridade expansionista” e o agravamento da divergência entre a economia nacional e as dos nossos parceiros comunitários, tanto mais que no próprio dia da greve se ficou a saber que «PIB português cai 3,4% e agrava queda desde o início da crise» e que «Taxa de desemprego bate novo recorde e chega a 15,8%». Enquanto se dá voz as presidenciais banalidades, como a de afirmar que a «Da minha parte não deixei de trabalhar», ou de canhestras tentativas de atemorização colectiva, como a taxativa afirmação de que a «Violência veio de “pessoas que querem destruir a sociedade”», continuam a primar pela falta de espaço na imprensa nacional as opiniões daqueles que pugnam por soluções verdadeiramente alternativas ou até dos que apenas denunciam o anacronismo da realidade.

Não bastam vozes, como a de José Vítor Malheiros, que denunciem que «A greve geral não é suficiente» e que com maior ou menor responsabilidade dos meios de comunicação a generalidade da indignação erra o alvo. Num artigo reservado a assinantes da sua edição on-line (razão pela qual o endereço é duma página da edição francesa do COURRIER INTERNATIONAL), escreve aquele jornalista do PUBLICO que a generalidade dos cidadãos, ao alimentar processos de mera denúncia de privilégios onde «…algumas centenas de ingénuos se indignam contra os salários dalgumas estrelas televisivas, nada dizem sobre os juros cobrados a Portugal a título de “ajuda exterior”, do escândalo do BPN (banco privado que à beira da falência foi nacionalizado em 2008 e depois socorrido pelo Estado com 5,1 mil milhões de euros, antes de ser vendido por 40 milhões a um banco angolano) e das Parcerias Público-Privadas (que era suposto aliviarem a dívida pública mas que ao contrário ajudaram a agravá-la), bem como das vantagens escandalosamente acordadas aos bancos, das isenções fiscais às grandes empresas, da legalizada evasão fiscal dessas mesmas empresas que deslocalizam a sua sede social, das transferências de dinheiro para os paraísos fiscais ou ainda da ausência de imposto sobre os rendimentos de capital», está a embarcar numa estratégia de contra informação que apenas beneficia os promotores das políticas de aniquilação do Estado Social.

Além deste aviso, outros devem ser feitos, nomeadamente a denúncia frontal de afirmações absurdas como a da inexistência de alternativas a uma política que não visa o fim anunciado – redução da dívida e dos desequilíbrios orçamentais – antes serve claramente uma agenda político-económica de aumento da concentração da riqueza nacional num número ainda menor de beneficiados. A isto importa contrapor iniciativas de claro interesse nacional, como a da auditoria à dívida tendo em vista a sua redução pedagógica (separando a dívida legítima, merecedora de amortização, da ilegítima), a renegociação de prazos e taxas de acordo com a capacidade de produção de riqueza de cada Estado, enquanto no plano europeu se desenvolvem esforços para a implementação de políticas que reformulem o modelo de funcionamento do BCE (convertendo-o naquilo que sempre devia ter sido: o financiador directo dos estados-membros) e anulem os privilégios de acesso a liquidez abundante e barata de que o sector financeiro tem sido exclusivo beneficiário.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

MERKIAVEL


Em especial quando decorre na Europa uma importante contestação às políticas de austeridade eleitas como solução no espaço europeu para o combate à crise económica e financeira que ameaça subverter o modelo de estado europeu construído após a II Guerra Mundial e quando (para o melhor e o pior) a actual figura política de proa é a chanceler alemã, importa alargar as perspectivas de análise da figura e das suas políticas e outros sectores (e outras opiniões) que nem sempre encontramos na comunicação social nacional.

Veja-se o abjecto trabalho realizado pela generalidade dos canais televisivos sobre uma visita de estado que mais pareceu uma inspecção efectuada por um qualquer senhor feudal e à qual nem sequer faltaram as devidas bajulações e demais salamaleques.


Afora, como escreveu Mário Soares no DN, a percepção de que «…o povo português não gosta da senhora Merkel nem a chanceler do nosso povo…» e a habitual troca de piropos políticos (com especial destaque para o que assegura que «Merkel diz que quer Portugal feliz» ou o de que «Merkel elogia Portugal por cumprimento “excelente” do memorando») entre “recados”, como o de que «Merkel diz não ver razões para renegociar com a “troika”», que nova dimensão trouxe a visita da senhora?

Procurando contribuir para um melhor e mais diversificado conhecimento da personagem que muitos apontam como a “condutora” da Europa, aqui deixo uma tradução dum artigo publicado esta semana no LE MONDE; da autoria do filósofo e sociólogo alemão Ulrich Beck:

«Angela Merkel, a nova Maquiavel

Muitos são os que vêem na chanceler alemã a rainha sem coroa da Europa. Quando fazemos a pergunta de onde vem o poder de Angela Merkel, é referida uma das características que definem sua maneira de ser: uma habilidade maquiavélica.

De acordo com Nicolas Maquiavel (1467-1529), o primeiro pensador a teorizar sobre a natureza do poder, o príncipe só deve manter sua palavra da véspera se isso lhe trouxer benefícios. Se transpuséssemos esta máxima para a situação actual, daria: é possível fazer-se o oposto do que se disse ontem, se isso aumentar as hipóteses de ganhar as próximas eleições. As afinidades políticas entre Merkel e Maquiavel - o famoso modelo Merkiavel, como eu lhe chamo – assentam em quatro basicamente componentes projectados para se complementar uns aos outros.

1. A Alemanha é o país com o mais rico e economicamente mais poderoso da União Europeia. Na actual crise financeira, todos os países endividados dependem da boa vontade dos alemães estarem dispostos a oferecer as garantias aos créditos necessários. O maquiavelismo da chanceler assenta no facto se abster de tomar partido no conflito virulento que opõe os arquitectos da Europa e os separatistas - ou melhor, ela está aberta para as duas opções.

Ela não se solidariza co os europeus (nem Alemanha nem no exterior) que em clamor exigem garantias alemãs, e não suporta a fracção de eurocépticos que se opõem a qualquer ajuda. A Srª Merkel prefere - e esta é a ironia de sua postura maquiavélica – fazer depender a disposição da Alemanha em conceder créditos à disposição dos países endividados para aceitarem as condições da política alemã de estabilidade. Este é o primeiro princípio de Maquiavel: quando se trata de ajudar os países endividados com dinheiro alemão, a posição de Angela Merkel não é um sim sincero nem um não definitivo, antes um “nim" entre os dois.

2. Como é que é possível passar esta posição paradoxal para a prática política? Segundo Maquiavel, conviria aqui fazer prova de virtude, misturando energia política e combatividade. E aqui colocamos nós o dedo doutra forma de ironia: o poder de facto de Merkiavel baseia-se no desejo de não fazer nada, na sua tendência para não agir ou agir mais tarde, na hesitação. A arte da procrastinação selectiva, mistura de indiferença, de rejeição da Europa e do empenho europeu está na origem da posição de força da Alemanha numa Europa atingida pela crise.

Certamente, há muitas razões por que hesitar - a situação global é tão complexa que ninguém é capaz de lidar com ela, muitas vezes não há escolha entre alternativas cujo risco não podemos medir. Mas essas razões justificam ao mesmo tempo, a política de procrastinação como uma estratégia de poder. Angela Merkel tem levado a um ponto de perfeição a forma de soberania involuntária legitimada pela crença na austeridade.

O novo poder alemão na Europa não é, portanto, baseado, como foi o caso no passado, na violência, como "ultima ratio". Ela não precisa usar nenhuma arma para impor a sua vontade aos outros estados. É por isso que é absurdo falar de "Quarto Reich". A nova potência baseada na economia é muito mais flexível e mais móvel: está presente em todos os lugares, sem a necessidade de lançar as tropas.
3. É desta forma que pode ser feito o que parecia ser a quadratura do círculo: reunir numa única pessoa a capacidade de ser reeleita no seu próprio país e de se fazer passar por um arquitecto da Europa. Mas isso também significa que todos os passos necessários para salvar o euro e a União Europeia devem passar primeiro o seu teste de aptidão dentro das fronteiras alemãs - se eles são compatíveis com os interesses da Alemanha e da posição de força da chanceler.

Quanto mais os alemães se mostram críticos da Europa, mais eles se sentem cercados por países povoados de devedores que não querem senão a carteira dos alemães, e mais difícil será manter essa grande diferença. Merkiavel respondeu a este problema, jogando a cartada da "Europa alemã", que é um verdadeiro trunfo, dentro e fora das fronteiras da Alemanha.

Na política interna, a chanceler tranquiliza os alemães, que temem pelas suas pensões, pela sua bandeira e pelo milagre económico, enquanto defende a política de rigor protestante do “não” - bem equilibrada - ao mesmo tempo que aparece como o mestre-escola só ele capaz de dar lições à Europa. Ao mesmo tempo, ela desenvolve, nos assuntos externos, a sua "responsabilidade europeia", incorporando os países europeus numa política do mal menor. A sua oferta tem que também vale como isco resume-se na seguinte fórmula: mais vale o euro ser alemão que não haver euro nenhum.

Neste sentido, Merkel continua a ser um bom aluno de Maquiavel. "Vale mais ser amado do que temido?" questiona-se este em «O Príncipe». "A resposta é que é preciso uma coisa e a outra, mas como é difícil conciliar as duas, é muito mais seguro ser temido do que amado, se for preciso abdicar duma delas. " A chanceler alemã usa este princípio selectivamente: quer ser temida no exterior e amada no seu país - talvez por ter ensinado os outros países a temer. Neoliberalismo brutal no exterior, consenso matizado de social-democracia no interior: tal é a fórmula que permitiu a Merkiavel consolidar a sua posição de força e da Europa alemã.

4. Angela Merkel quer prescrever e até impor aos seus parceiros até mesmo o que passa por ser uma fórmula mágica na Alemanha, a o nível económico e político. O imperativo alemão é o seguinte: Economizar! Economizar ao serviço da estabilidade. Mas, na realidade, esta política económica mostra que é principalmente sinónimo de cortes nas pensões, na educação, na investigação, nas infra-estrutura, etc. Estamos a lidar com um neoliberalismo de extrema violência, que vai ser agora integrado na Constituição Europeia sob a forma dum pacto orçamental - sem respeitar uma opinião pública europeia muito fraca para resistir.

Estes quatro componentes do merkiavelismo – a ligação feita entre soberanismo e liderança da construção europeia, a arte da procrastinação como uma estratégia para o alinhamento, a primazia dada às manobras eleitorais e, finalmente, a cultura alemã da estabilidade – apoiam-se mutuamente e constituem o núcleo duro da Europa alemã.

E há ainda em Merkel um paralelo com o que Maquiavel chamou “necessita”, essa emergência a que o príncipe deve ser capaz de reagir: a Alemanha como “hegemonista simpático”, posição alardeada por Thomas Schmid, director do diário Die Welt, vê-se forçada a colocar o que resulta dum perigo sobre o que é proibido pela lei. Para estender a toda a Europa, de forma impositiva, a política de austeridade da Alemanha, as normas democráticas podem, segundo Merkiavel, ser flexibilizadas ou mesmo ignorada.

É certo que assistimos actualmente à aparição duma frente de oposição constituída por todos os que pensam que a rápida avançada da europeização prejudica os direitos do Parlamento alemão e é contrária à lei fundamental o equivalente da Constituição. Mas, numa hábil manobra Merkel consegue instrumentalizar esses bastiões da resistência, incorporando-os na sua política de domesticação pela procrastinação. Mais uma vez, ela ganha de duas maneiras: mais poder na Europa e maior popularidade no interior, enquanto recolhe o apoio dos eleitores alemães.

Pode ser, no entanto, que o método Merkiavel se aproxime gradualmente dos seus limites, porque deve ser reconhecido que a política de austeridade alemã não registou ainda qualquer sucesso. Pelo contrário, a crise da dívida ameaça também agora a Espanha, a Itália e talvez em breve a França. Os pobres ficam ainda mais pobres, as classes médias estão ameaçadas de desmantelamento e continua sem se ver o fim do túnel.

Neste caso, esse poder poderia levar ao surgimento dum contrapoder, tanto mais que Angela Merkel perdeu um de seus mais fortes aliados na pessoa de Nicolas Sarkozy. Desde que François Hollande chegou ao poder, o equilíbrio foi alterado. Os representantes dos países endividados poderiam associar-se com os promotores da Europa em Bruxelas e Frankfurt para desenvolver uma alternativa para as políticas de austeridade da Chanceler alemã, tantas vezes populistas, essencialmente centradas apenas nos interesses alemães e motivadas pelo medo da inflação, e repensar o papel do Banco Central Europeu, reorientando-a para a política de crescimento do banco central dos EUA.

Outro cenário é igualmente possível: pode haver um duelo entre Angela Merkiavel, a europeísta hesitante, e Peer Steinbrück, candidato do SPD contra Merkel em 2013, entusiasta do xadrez que descobriu uma vocação à Willy Brandt a nível europeu. Se a fórmula vencedora deste último era a "mudança através da aproximação" [entre o Oriente e o Ocidente], a fórmula de Steinbrück poderia ser: mais liberdade, mais segurança social e mais democracia através da Europa. Poderíamos, então, assistir a uma disputa entre dois pró-europeus. Ou Peer Steinbrück consegue levar Merkiavel ao tapete a nível europeu; ou Merkiavel vence porque descobriu a importância estratégica do pensamento europeu, e será convertida na fundadora dos Estados Unidos da Europa.

De uma forma ou de outra, a Alemanha enfrenta a grande questão da Europa ser ou não ser. Tornou-se demasiado poderosa para suportar o preço de não tomar uma decisão.

Ulrich Beck»

A importância do texto ultrapassa o facto de revelar que até no interior do seu país de origem existem apreciações críticas, por se tratar duma opinião dum cidadão alemão que nunca perde de vista a sua posição de cidadão europeu e porque a crise das dívidas denominadas em euros só poderá ser resolvida através duma estratégia europeia que urge definir e implementar mas que o fundamentalismo dos neoliberais, as gincanas políticas de Angela Merkel e o servilismo dalguns dos seus parceiros europeus, comprometem irremediavelmente.

sábado, 10 de novembro de 2012

MERKEL KLAPPE! [1]


É quase incontornável que nas vésperas duma visita oficial da chanceler alemã e duma greve geral ibérica (acontecimento nunca visto) que por decisão da CES (Confederação Europeia de Sindicatos) será acompanhada por acções de solidariedade (greves, manifestações, concentrações, etc.) em todo o espaço europeu, se retome a permanentemente adiada questão do modelo de funcionamento (e de financiamento) europeu, tanto mais que nesta semana o presidente do BCE, Mario Draghi, fez soar o alarme quando afirmou que os «Efeitos da crise chegam à economia alemã».

De forma mais clara afirmou, segundo esta notícia do PUBLICO, que os «…acontecimentos financeiros na Alemanha são o espelho dos acontecimentos financeiros no resto da zona euro. E isto significa que as medidas para assegurar a estabilidade da zona euro no seu conjunto também beneficiarão a Alemanha…», cujo PIB é em boa medida (40%) resultado do comércio com os restantes parceiros europeus de quem depende para obter 65% do investimento estrangeiro directo.


Esta realidade que constitui a forte interdependência entre os diferentes estados-membros da UE, que muitos persistem em negar, deveria ter marcado desde a primeira hora a agenda e o processo para enfrentar a questão das dívidas públicas denominadas em euros. Lembre-se, a propósito, que no biénio 2008-2009, quando esteve no auge a necessidade de recursos a fundos públicos para o financiamento dum sector financeiro descapitalizado em resultado das estratégias especulativas e absurdamente arriscadas a que as agências de “rating” deram a maior cobertura, foram injectados biliões de unidades monetárias nos bancos e nas seguradoras “too big too fail” não se fizeram ouvir as vozes dos “adoradores do equilíbrio orçamental”, apenas quando os encargos passaram para a responsabilidade dos contribuintes é que começou a ser agitado o espantalho dos défices públicos.

É evidente que tudo isto só atingiu as actuais proporções graças à cada vez mais reconhecida inépcia dos responsáveis políticos, nacionais e europeus, e à sua intransigência na introdução de alterações aos mecanismos de financiamento da moeda única. Esta questão continua a marcar a actualidade europeia e tem sido cada vez mais utilizada pelos críticos do euro para apelarem ao fim deste modelo de União Económica e Monetária, de que é exemplo um recente artigo de opinião da autoria de João Ferreira do Amaral publicado no ECONÓMICO, onde o autor defende o regresso às moedas nacionais como única via para que os Estados recuperem o indispensável poder de criação de moeda, esquecendo a hipótese tantas vezes aqui defendida de alteração dos estatutos do BCE para permitir que este financie directamente as necessidades monetárias dos estados-membros. Esta solução, além de bem mais simples de aplicar que um sempre delicado regresso a 17 moedas nacionais, teria ainda a virtualidade de reduzir significativamente o poder que o sector financeiro hoje detém sobre os Estados mantidos reféns dum mau acordo.

Não contentes com a defesa da verdadeira aberração que encerra o Tratado da União, os defensores do virtuosismo orçamental ainda se arrogam a prerrogativa de tratar os opositores aos seus dogmas ideológicos como perdulários merecedores das flagelações austeritárias com pretendem resolver a chamada crise das dívidas soberanas.

É nesta linha dogmática que se insere a actuação e o discurso da chanceler alemã, como se pode comprovar pelas notícias sobre a sua intervenção num Congresso regional do seu partido (CDU) que teve lugar no passado fim-de-semana e onde, fazendo tábua rasa da realidade que a rodeia e que já é caracterizada como a «Europa do desemprego rasteja na economia e afoga-se na dívida», se ouviu que «Merkel pede à Europa austeridade e esforços durante mais cinco anos».

Perante os medonhos (talvez até já ireparáveis) danos que dirigentes manifestamente incompetentes, com Angela Merkel à cabeça, têm infligido ao processo europeu e aos seus povos resta-me um único apelo: Cala-te Merkel!


[1] Tradução para alemão da expressão «Cala-te Merkel!», adaptando a celebrizada pelo rei de Espanha quando interpelou o presidente venezuelano durante uma conferência ibero-americana com um exaltado «Por qué no te callas?».

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O FUTURO SINO-AMERICANO


Não deixa de ser curioso que na mesma semana sejam conhecidos os novos governantes das duas principais economias mundiais (EUA e China), mesmo quando os processos de escolha/nomeação possam parecer diametralmente opostos.

Encerrados os dois circos – mais mediático o norte-americano, mais opaco (para usar a definição deixada por Bernardo Pires de Lima na crónica «Dois modelos, três ‘impérios’») o chinês – resta aos “espectadores” prepararem-se para enfrentar as agruras e as incertezas do dia-a-dia que nem um nem o outro pretendem realmente alterar. Do lado da ainda maior, mas cada vez mais frágil, economia norte-americana, as contradições próprias dum sistema financeiro que continua à beira da implosão (não esqueçamos que por opção própria e concordância dos poderes políticos permanecem por resolver os sofisticados contratos de derivados cujos valores totais permanecem desconhecidos) e dum sistema económico exclusivamente orientado para o lucro duma minoria, continuam a avolumar-se os sinais de deterioração das condições de vida das populações enquanto do lado da economia chinesa é cada vez mais evidente o esgotamento do modelo grandemente baseado nos baixos custos salariais.

O reeleito Obama ou os seguramente nomeados Xi Jinping e Li Keqiang (os actuais vice e já designados futuros presidente e primeiro-ministro do governo chinês para a próxima década) terão que enfrentar um mundo diferente daquele que terão imaginado (e desejariam), no qual a desagregação das estruturas produtivas poderá nem sequer constituir o principal desafio, face às previsíveis convulsões sociais – a resistência da classe média americana à sua extinção e o desejo de maior protagonismo político e social da sua congénere chinesa – que deverão enfrentar.


É que se Xi Jinping, o futuro presidente chinês, se deverá preparar para enfrentar a grande fonte de descontentamento popular, que é o aumento das desigualdades sociais, ou até um crescendo na “guerra” de informação fomentada pelo Ocidente em vésperas do XVIII Congresso do Partido Comunista da China (como é claro exemplo as recentes notícias sobre a «Fortuna escondida do primeiro-ministro chinês» ou a de que a «China censura notícia do NYT sobre fortuna do primeiro-ministro»), o reeleito Obama terá pela frente a delicada tarefa de agradar aos grandes conglomerados empresariais e a uma evanescente classe média em resultado das políticas que continuam a privilegiar a concentração da riqueza num número cada vez menor de actores sociais.

E se o equilíbrio já se advinha difícil, imagine-se como será quando dentro em breve as “instruções de uso” vierem escritas em mandarim.

sábado, 3 de novembro de 2012

OUTRAS VISÕES DA TRAGÉDIA


A gravidade da situação que atravessa a UE e em especial o grupo dos países do Sul recomenda o conhecimento da sua realidade. Porque, ao contrário do que pretende o discurso oficial dos países do Norte, as raízes do problema estão muito além dum simples processo de esbanjamento colectivo e porque ao contrário do que sucede entre nós ainda há países onde a imprensa vai fazendo eco doutras análises, aqui deixo um artigo bem antigo (tem quase um ano de publicação) do FINANCIAL TIMES, onde Misha Glenny, o jornalista e autor de obras sobre a região dos Balcãs e sobre o crime organizado, expõe uma perspectiva diversa sobre:

«A verdadeira tragédia grega - os oligarcas gananciosos

Por Misha Glenny

Caprichoso, não confiável e ideológico, foram alguns dos epítetos mais imprimíveis lançados contra George Papandreou durante a sua última semana como primeiro-ministro grego. Devemos olhar para os motivos dos seus detractores antes de aceitar tais críticas como válidas. Envolvido em titânicas lutas políticas no país e no exterior, foi tentando combater discretamente uma das causas mais profundas da tragédia grega - o crime e a corrupção.

Enquanto tenta convencer a Europa da sua determinação em reduzir um sector público inflacionado, o novo governo grego tem de decidir se quer enfrentar a ameaça interna real para a estabilidade da Grécia: a rede de famílias oligarcas que controlam grande parte da economia grega, do sector financeiro, dos meios de comunicação e, na realidade, dos políticos.

Desde que o Sr. Papandreou se tornou primeiro-ministro, o seu governo foi tentando reprimir a habitual evasão fiscal. Ele deixou claro num discurso ao Parlamento na sexta-feira quão profundas são as suas preocupações sobre as actividades mais duvidosas de alguns bancos da Grécia. Podemos apenas esperar que a auditoria BlackRock, encomendada pela troika, seja suficientemente profunda para descobrir o que realmente está a acontecer no sistema financeiro.

No mesmo discurso, Papandreou revelou também dados dramáticos sobre uma operação pan-balcânica de contrabando de combustível que poderá custar à Grécia uma estimativa anual de 3 mil milhões de euros. Ele explicou claramente quão prejudiciais têm sido tais actividades criminosas, mas sem nomear os envolvidos.

Os oligarcas têm respondido de duas maneiras. Primeiro, acelerando a sua prática habitual de fuga de capitais. No ano passado, só o mercado imobiliário de Londres registou um grande aumento de aplicações de origem grega.

Segundo, fomentando notícias histéricas na imprensa de que são proprietários, a fim de denunciar e prejudicar Papandreou em cada oportunidade, cientes de que ele é o menos flexível entre a elite política da Grécia.

O seu objectivo é claro – preparam-se para atacar os bens do Estado que, sob os vários planos de resgate, o governo grego deve privatizar. Com a economia doméstica em queda livre, o preço das acções de entidades extremamente valiosas, tais como a rede eléctrica e a lotaria nacional, foi-se degradando progressivamente ao longo dos últimos dois anos. A participação de 10 por cento na OTE, a operadora de telecomunicações grega, foi vendida ao longo do verão à Deutsche Telekom por cerca de 7€ por acção, 75% abaixo do seu preço de três anos antes.

Os conglomerados oligarcas esperam comprá-los até menos de um quinto do seu valor real - um fraco retorno financeiro para o Estado, mas um grande negócio a um prazo de 5-10 anos para os compradores. Alguns apostaram na hipótese da Grécia sair do euro, para que possam usar os milhares de milhões de euros contrabandeados para fora do país para comprar os activos por preços duma dracma desvalorizada.

Se as crises na Grécia e Itália nos ensinam alguma coisa, é que a União Europeia tem tolerado a corrupção generalizada, a criminalidade e a governação maligna não apenas nos países pobres do leste da Europa, mas em alguns de seus principais membros europeus ocidentais. Enquanto nós, europeus damos lições ao mundo sobre a importância dos valores europeus – transparência, boa governação e concorrência – fechamos muitas vezes os olhos ao monopólio de Berlusconi na informação, à influência da Camorra na política de Campania e ao compadrio crónico na economia grega (sobre a qual os governos britânico e alemão, para citar apenas dois, estão plenamente informados).

Se a catástrofe que hoje ameaça a Europa pode servir para alguma coisa que seja para erradicar esta corrupção generalizada. Caso contrário, a Grécia e a Itália nunca se verão livres da esclerose institucional que permite que o uso dessas práticas para prosperar. Antes de suspirarmos por uma resposta do norte da Europa, lembremos os milhares de milhões de dólares em subornos de que empresas alemãs, como a Siemens e a Ferrostaal, foram condenadas de pagar aos seus interlocutores gregos. Estes foram pagos para garantir os contratos lucrativos financiados pelos gregos decentes que ganham relativamente pouco e que, ao contrário dos super-ricos do país, pagam os seus impostos.

Para a Grécia, a grande questão é se, após Papandreou, o país possui o talento e a visão política necessários para introduzir as reformas profundas para reconstruir as instituições em estado comatoso e para deter a pilhagem da economia grega pelos seus cidadãos mais ricos e poderosos. Isto é algo que os credores internacionais do país também podem querer ponderar.

O meu palpite é que provavelmente não e que os esforços de Papandreou virão a ser considerados como a última tentativa séria para salvar o país.»

No texto o autor transmite uma perspectiva bem diversa da que circulou na imprensa, na época em que Papandreou propôs a realização dum referendo a propósito do resgate, questão ainda mais candente, quando se noticia que a «Grécia agrava previsão de recessão para 2013», enquanto permanecem imutáveis algumas das razões para o prolongamento da crise na Europa.


Sendo a sua principal virtude a de chamar a atenção para algo mais prosaico, mas nem por isso menos destruidor, como as ligações entre a corrupção e as oligarquias europeias.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

EXEMPLOS DE FORA…


Os tempos que atravessamos recomendam um acréscimo de cuidado no tratamento da informação que nos disponibilizam. Assim, a leitura aparentemente consensual da notícia de que «Subsistemas de saúde em Portugal não vão acabar, mas vão ser reformados», pode e deve ser “temperada” por uma outra publicada na mesma data pelo mesmo jornal dando conta que «Na Grécia já há 600 mil pessoas abandonadas pelo sistema de saúde».


Digam o que disserem os membros do governo de Passos Coelho, os políticos dos partidos da coligação governativa ou os da oposição, uma coisa é certa: pelas costas dos outros vemos as nossas!

A gravíssima situação dos desempregados gregos deve ser encarada como um forte aviso daquilo que nos espera… se nada fizermos para inverter o processo de destruição económica e social em que o governo de Passos Coelho parece claramente apostado.