quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2015

A aproximação de um novo ano há muito deixou de ser garantia de renovações optimísticas.

Confrontados com sucessivos cenários de conflitos de origem nebulosa e fim incerto, abalados com a persistência duma crise financeira global que continua sem dar claros sinais de retrocesso ou esmagados pelo torniquete duma austeridade aplicada em exclusivo benefício dos mesmos interesses financeiros que levaram à eclosão da crise, continuamos numa Europa dirigida sem chama nem fulgor.


Apesar da imprensa se desmultiplicar em notícias e comentários logo que se confirmou que a «Grécia falha eleição de Presidente e vai ter legislativas antecipadas a 25 de Janeiro», a verdade é que estamos perante um cenário que nada de novo augura (salvo a repetição dos mesmos erros pelos mesmos intérpretes), pois, segura e eficientemente, os poderes instalados nas capitais europeias saberão manipular os eleitores por forma a garantir a manutenção do “status quo”.

A comprová-lo, o partido do «Primeiro-ministro Samaras quer fazer das eleições gregas “referendo” sobre a Europa», como se essa fosse a grande questão para os eleitores; a estratégia para aterrorizar os incautos começou antes de ser conhecido o insucesso na eleição do candidato apresentado pelo governo de coligação entre os conservadores da Nova Democracia e os socialistas do PASOK e liderado por Antonis Samaras, que embora muito preocupado como o facto que as «Eleições antecipadas empurram Grécia para escolha que preocupa a Europa» não revelou a mínima capacidade para apresentar um candidato que reunisse maior consenso que o conservador Stavros Dimas (ex-comissário europeu com Prodi e Durão Barroso e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros governo de tecnocratas dirigido por Lucas Papademos), com a notícia que o «FMI suspende ajuda à Grécia até tomada de posse de novo Governo» e continua na diária conotação do Syriza (segundo partido mais votado nas últimas eleições e que segundo as sondagens é o principal candidato à vitória) com a extrema-esquerda, prontamente apoiada pelos ataques especulativos sobre a dívida pública quando os «juros da dívida passam barreira psicológica dos 10%».

Mas nada do descrito constitui verdadeira novidade nesta Europa ordoliberal onde o conceito de solidariedade foi há muito proscrito e o da livre escolha dos cidadãos passou a ser encarado como ameaça à “ordem estabelecida”, ou não teria Wolfgang Schauble, o todo-poderoso ministro das finanças alemão, declarado a quem o quis ouvir que a «Grécia deve cumprir reformas seja qual for o resultado das eleições», em mais uma clara manifestação de ingerência e desrespeito pela vontade dos Povos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

E ESTA?!

Contrariando a ideia dominante de que a sua passagem pela Sala Oval não representaria marco significativo, Barack Obama terá tirado um verdadeiro “coelho da cartola” com o anúncio da normalização das relações com Cuba.


Fracassadas quase todas as “boas intenções” com que foi alcandorado à Casa Branca, laureado com um Nobel da Paz que ninguém entendeu, eis que num dos seus piores períodos (eleição dum Congresso maioritariamente Republicano e vivendo um perigoso recrudescimento na tensão racial) Obama realiza o impensável e abandona um bloqueio económico que infernizou a vida de milhões de cubanos e pouco mais terá conseguido que solidarizá-los com o regime castrista.

Pese embora 2014 não tenha sido um ano parco em acontecimentos (desde a epidemia do Ébola à crise ucraniana) e tudo ainda esteja demasiado fresco, a reaproximação EUA/Cuba merece bem ser considerada como o acontecimento do ano.

sábado, 27 de dezembro de 2014

E PUR SI MUOVE!

Passados tantos meses a vituperar o governo Passo Coelho/Portas e a sua subserviência aos ditames da “troika” parece que teremos hoje de reconhecer que afinal não terá faltado o brio nem o patriotismo de os vermos resistir (ainda e sempre) ao “invasor”; pelo menos é o que se poderia inferir da notícia que «Passados seis meses, Bruxelas está desiludida com o Governo».

A situação será tanto mais merecedora de destaque (e de evidente congratulação nacional) quanto é já conhecido que «Bruxelas queixa-se de falta de colaboração do Governo durante a última avaliação», claro sinal de que afinal a prosápia de Paulo Portas sobre o “protectorado” e a “recuperação da independência” não eram palavras vãs, nem a mais recente iniciativa para a  reinstituição do feriado do 1º de Dezembro (a data que, no longínquo ano de 1640, assinalou o fim da hegemonia espanhola e a restauração da independência) uma simples manobra eleitoral.

Tal como no século XVII, quando Galileu se viu forçado pela Inquisição a renegar a sua teoria heliocêntrica lá terá murmurado entre dentes “e pur si muove”, também agora os nossos convictos governantes sempre foram resistindo às mais hediondas medidas contra os interesses nacionais que foram obrigados a implementar. Não tardará muito a saber-se que foi contra a sua vontade que foram cortadas as reformas dos pensionistas, os salários dos trabalhadores da função pública e do sector empresarial do Estado (tanto mais que idêntico procedimento sobre os vencimentos dos administradores foi liminarmente recusado), que foram reduzidas as verbas para o ensino, a saúde e a segurança social, que foi sob o mais vivo protesto que Vítor Gaspar deu início ao mais brutal dos aumentos de impostos ou que foram vendidas empresas públicas rentáveis como a ANA e os CTT, ou simplesmente estratégicas como a EDP e a REN.


Bem diz o Povo que a verdade é como o azeite e não tardará que aos impolutos defensores do bem público e do interesse geral que nos têm governado venha a ser reconhecido um estatuto idêntico ao de todos os bravos patriotas que ao longo de séculos verteram suor e sangue na defesa dos interesses da Pátria (não recordo já onde li isto, pelo que não refiro a origem da citação) e assim dentro em pouco veremos um Passos Coelho comparado àquele alferes quinhentista que defendeu a bandeira com os dentes, Vítor Gaspar e a Srª Swapp comparados ao soldado milhões e, por último, o irrevogável Paulo Portas comparado ao indefectível Martin Moniz, ou não estivesse ele sempre disponível para se deixar trucidar entre os seus próprios batentes.

Camões cantou um dia a Pátria que tão ditosos filhos tinha; fora hoje e não pouparia laudatórios a tão probas personagens que seguramente augurarão muitos e ditosos anos às gerações actuais e às vindouras, se para tanto lhes dermos o espaço e o tempo…

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

OS VOTOS POSSÍVEIS

A ascensão da Igreja católica levou à progressiva substituição das festas do Solstício de Inverno – entre as quais se destacou no período romano a Saturnália – pela celebração natalícia, época habitualmente consagrada à família e à formulação de votos para o novo ano que se avizinha. Lamentavelmente, é com um misto de tristeza e amargura que não vejo qualquer razão para os cidadãos-contribuintes deste país partilharem o optimismo que há dias expressou a ministra das Finanças.

Entendo perfeitamente as razões que levarão qualquer membro da “nomenklatura” governativa nacional a formular a previsão que «“O ano de 2015, vejo-o como claramente melhor do que 2014”», mas essas não são compartilháveis com a esmagadora maioria dos cidadãos (em especial dos trabalhadores por conta doutrem, dos pequenos empresários e dos reformados) e ainda menos pelos cerca de 2 milhões de desempregados e de jovens à procura do primeiro emprego.

Desde que se começou a acentuar a convicção que a hipocrisia se transformou no sentimento dominante numa sociedade desumanizada pela ânsia do lucro a qualquer custo e por políticas como a da “austeridade expansionista”, que perdeu sentido a difusão daquelas cândidas imagens associadas ao defunto espírito natalício. Não se estranhe pois que os humoristas desenhem já outras realidades:


e que não arrisque a formulação doutro voto que não um próximo aquele que o saudoso Raul Solnado popularizou: “Façam o favor de tentar ser felizes…”

sábado, 20 de dezembro de 2014

E AGORA PAQUISTÃO?

A notícia de que um recente «Ataque talibã a escola em Peshawar deixa 141 mortos e um país em choque» correu célere e chocou a opinião pública mundial. Outro título refere que «Ataque talibã a escola deixa Paquistão de luto e indigna o Mundo», mas mais correcto, porque mais consentâneo com a realidade local, é afirmar que «Massacre talibã em escola militar no Paquistão faz pelo menos 141 mortos, a maioria crianças».

Sem esquecer a barbaridade que se traduz na morte gratuita de mais duma centena de jovens (mortes que as notícias não esclarecem se ocorreram apenas por intervenção dos atacantes ou também em consequência do fogo cruzado quando o exército paquistanês reocupou o controlo das instalações), importa inserir o atentado na intrincada conjuntura paquistanesa, facto que não foi esquecido na reivindicação do ataque pelo grupo Tehreek-e-Taliban Pakistan (Movimento Taliban do Paquistão), quando explicou que visou atingir o Exército, que responsabiliza pela morte de familiares dos talibans, no seu ponto mais frágil.


A ideia que este atentado, pensado para deixar uma mensagem forte ao governo de Nawaz Sharif, poderá constituir uma oportunidade para a aproximação entre as facções que oscilam entre o apoio e a contestação ao movimento taliban e, quiçá, um passo importante para a sua erradicação, talvez não resista a uma observação mais atenta da realidade paquistanesa. Recordar que o país resultou duma divisão com uma Índia maioritariamente não-muçulmana e com a qual não aceitou conviver, que desde a sua fundação sempre elegeu este vizinho como “origem de todos os seus males” e que tem tido no Exército a origem de grande número dos seus governantes, ajudará a compreender o porquê da difícil relação que há muito mantém com o movimento taliban,que teve na sua génese um forte apoio dos EUA.

A sua vizinhança com o Irão e o Afeganistão, em resultado da ascensão do regime iraniano dos ayatollahs e da invasões soviética e americana do Afeganistão, colocou-o na área de influência (e dos interesses) dos EUA, factor que terá reforçado ainda mais a animosidade com uma Índia que persistia numa certa forma de não-alinhamento e reforçado o papel e a importância duma estrutura militar formada e equipada a partir do EUA.

A ambivalência no seu relacionamento com o fragmentado Afeganistão (território que não deixa de querer influenciar através do seu apoio aos talibans) e com a Índia (país com o qual além da mal resolvida separação em 1947 mantém uma “corrida” ao armamento nuclear) não deverá ficar aplacada nem agora quando, Narendra Modi, o «PM indiano critica "cobarde ataque terrorista" contra escola no Paquistão», tão profundas são as dissensões entre paquistaneses e indianos. Mesmo quando nos dois estados pontificam governos conservadores permanecem evidentes as diferenças religiosas (no Paquistão pontifica um partido muçulmano enquanto a Índia é dirigida por um partido de matriz nacionalista hindu) e uma animosidade que nem o facto de ambos os países disporem de armamento nuclear tem atenuado.

Envolvido num complicado jogo de interesses regionais e internacionais, muitas vezes percepcionado como apoiante pouco discreto dos talibans e outras tantas apontado como importante vector no combate a esses mesmos extremistas, atormentado pelo ancestral receio da vizinha Índia e com uma classe dirigente permanentemente sob suspeitas de corrupção e nepotismo, o Paquistão não logrará resolver com eficácia o problema do extremismo islâmico com iniciativas desgarradas – como o pronto anúncio de que vai acabar com moratória da pena de morte para casos de terrorismo – nem enquanto não resolver definitivamente a sobrevalorização dos militares na vida política e não normalizar as suas relações com a Índia.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

MANIFESTAÇÃO DE CIDADANIA

Muito comentado na blogosfera, mas quase ignorado nos meios de comunicação nacionais (as excepções que encontrei foram este artigo do I e um artigo de opinião de Rui Tavares no PUBLICO), foi a acusação formulada por um tribunal luxemburguês contra um cidadão francês pela divulgação de informação sobre o sistema de acordos para-fiscais firmados entre o governo luxemburguês e um elevado número de multinacionais.

Este “affaire”, popularizado sob a designação de LuxLeaks (em clara homenagem ao WikiLeaks) tem no seu centro uma personagem bem conhecida dos cidadãos europeus: Jean-Claude Juncker, o actual presidente da Comissão Europeia, que durante anos foi primeiro-ministro e ministro das finanças do Luxemburgo.


A ignomínia da acusação contra um cidadão que denunciou a existência dum esquema altamente lesivo dos contribuintes comunitários, patrocinado por um dirigente que ajudou a impor condições draconianas aos pequenos estados para cujo desequilíbrio financeiro contribuiu activamente, é apenas o resultado dum generalizado sentimento de impunidade que grassa entre as oligarquias económicas e políticas. Tudo isto possível graças às políticas de terror – redução de salários e pensões, cortes nas despesas sociais com saúde e educação, aniquilação do Estado Social, etc. – implementadas a pretexto da indispensabilidade do reequilíbrio das finanças públicas que foram depauperadas e esbulhadas de receitas em benefício das grandes empresas e dos lucros dos seus accionistas.

Louvar o espírito de cidadania de Antoine Deltour – um jovem que passou uma temporada a trabalhar na PricewaterhouseCoopers (provavelmente num estágio mal remunerado e desprovido de quaisquer perspectivas de futuro), uma das quatro grandes empresas de consultoria e auditoria do mundo especializadas na prestação de serviços de planeamento fiscal agressivo (o eufemismo que designa o recurso a todo o tipo de subterfúgios para minimizar a imposição fiscal das grandes empresas) – e fomentar todo o tipo de manifestação de repúdio contra a sua acusação será o pouco que resta aos cidadãos minimamente íntegros, mesmo sabendo que as hipóteses de sucesso serão remotas.

sábado, 13 de dezembro de 2014

...IDEIAS POUCAS

Não é habitual que a humildade e a capacidade de reconhecer os erros cometidos (com a consequente inversão de estratégias) seja apanágio dos líderes que nos têm calhado em sorte, pelo que ninguém estranhará verdadeiramente que a sua a incapacidade de ouvir e entender as críticas seja regularmente confundida como convicção, persistência ou até resiliência; jamais teimosia, mera impreparação ou pura incapacidade e nunca associada à verdadeira origem da desadequação para a tomada de decisões.


Não se estranhe pois que Passos Coelho tenha afirmado recentemente que «Apesar da crise, "quem se lixou não foi o mexilhão"». Incapazes, como se têm revelado, de entenderem a situação do País que pretendem governar, da UE que asseguram querer acompanhar e do Mundo que os rodeia, os nossos dirigentes desdobram-se em declarações tão desajustadas quanto irrealistas enquanto repetem os inevitáveis mantras da eficácia dos mercados (leia-se: a submissão aos interesses financeiros), da superioridade da iniciativa privada (leia-se: a aceitação do sacrossanto princípio do lucro pessoal a expensas do interesse geral) e da maravilha que é o seu mundo ideal.

Para quem, como eles, elegeu uma solução baseada no dogma do equilíbrio financeiro a qualquer custo e no empobrecimento generalizado (que não total, pois em meados deste ano foi notícia um estudo do BCE segundo o qual «Um quarto da riqueza de Portugal está nas mãos de 1% da população», valor que assume contornos bem mais definidos quando clarifica que «[e]ntre os nove países da zona euro analisados, Portugal é o terceiro país com uma maior concentração da riqueza, apenas atrás das Áustria e da Alemanha») não se estranha a limitação ao entendimento das críticas; assim, auto-congratulam-se e exibem duvidosas afirmações, como a de que a «Taxa de desemprego recua para 13,1%», mesmo quando o próprio Banco de Portugal admite, cautelosamente, que a «Economia está a criar menos emprego do que diz o INE».

Só um completo vazio de ideias, associado ao dogmatismo ordoliberal, pode justificar que o mesmo Passos Coelho tenha afirmado recentemente que «"Não há esquerda nem direita, há bom governo e mau governo"», como se a formulação de opções políticas se resumisse a um credo único e à obediência cega em postulados de duvidosa consistência técnica e clara refutação prática, como o da disciplina orçamental. Na incapacidade de elucubrar qualquer réstia de pensamento próprio ou de formular outra argumentação salvo a que assenta na crendice, toma-se a parte pelo todo e recua-se aos tempos da medieva panaceia para todos os males.

Quem se revela incapaz de formular ou sequer entender outra argumentação, agarra-se, agora como então, à receita que levou a sangrar até à morte milhões de pacientes, com a diferença que a existência na actualidade de melhores e mais rápidas formas de difusão da informação e das ideias conduz à rápida denúncia deste tipo de estreiteza de pensamento, que apenas a surdez intelectual os impede de entender.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

ORELHAS MOUCAS...

Pese embora o número crescente de comentários e análises críticas da solução da “austeridade expansionista”, os poderes estabelecidos persistem num perigoso autismo.


Esta atitude, que nada tem de novo pois repete o consagrado modelo do “posso, quero e mando” tão do gosto daqueles que se sentem incapazes de entender a realidade ou de debater alternativas, consagra o tradicional imobilismo das elites possidentes que a pusilanimidade dos dirigentes políticos não belisca.

Esta realidade – elites económicas dependentes de modelos rentistas e dirigentes políticos incompetentes e subservientes àqueles interesses – estende-se, infelizmente, muito além dos limites nacionais. Basta ver o que continua a ocorrer numa UE onde o ineficaz Durão Barroso foi substituído por Jean-Claude Juncker, um fiel colaborador com créditos firmados no mundo dos subterfúgios e da sobrevalorização dos interesses individuais a expensas do interesse geral.

O fracasso do modelo que a dupla Passos Coelho/Paulo Portas impôs a coberto do acordo com a “troika”, está a revelar-se não apenas na deterioração do dia-a-dia dos cidadãos, bem evidente quando se constata que a «Actividade económica volta a cair e consumo desacelera» ou quando é anunciado que o «Ritmo de crescimento da economia abranda no terceiro trimestre», mas principalmente quando se comprova que «Portugal sai da recessão mais devagar do que em 2003 e 2009» e que, contrariamente à prometida redução das despesas públicas, se confirma afinal que as «Gorduras do Estado aumentam mil milhões entre 2007 e 2015».

Quando se constata que ao desempenho medíocre das economias da Zona Euro (o ECONÓMICO anunciava em finais de Novembro que a «Actividade económica na zona euro desliza para mínimos de 16 meses») se associam notícias de que a «Economia japonesa entra em recessão após contracção inesperada no terceiro trimestre» e que a todo-poderosa «Economia chinesa continua a dar sinais de forte desaceleração», tudo se conjuga para a formação de mais um “tempestade perfeita” que deitará por terra as previsões mais optimistas, como aquelas onde se assegura que o «Consumo vai aguentar a economia no próximo ano, prevê o Banco de Portugal».

Claro que perante estes sinais só os mais indefectíveis poderão continuar a fazer orelhas moucas aos avisos e aos apelos para uma mudança de estratégia, que já virá tarde e cujos efeitos demorarão cada vez mais a fazer-se sentir, mas que é imprescindível.

sábado, 6 de dezembro de 2014

O RECONHECIMENTO DA PALESTINA

Embora as negociações israelo-palestinianas se mantenham num impasse – situação habitual que há muito deixou de espantar quem quer que seja – a Palestina tem vindo a obter algumas pequenas vitórias noutros “tabuleiros”. Depois de nos finais de 2012 ter visto reconhecido o estatuto de observador pela ONU e de em Outubro último a Suécia ter sido o primeiro estado da UE a reconhecer a Palestina como estado independente, verifica-se agora uma tendência para ver vários parlamentos europeus manifestarem-se no mesmo sentido.

Depois do Reino Unido, Irlanda e Espanha, foi agora (2 de Dezembro) a vez do parlamento francês aprovar uma moção recomendando o mesmo procedimento ao governo de Manuel Valls. Quando a estratégia israelita de persistente bloqueio negocial e a persistência na política de construção de novos colonatos começam a ser sistematicamente criticadas pela diplomacia internacional, poderão não estar abertas novas perspectivas para a região mas são cada vez mais evidentes os erros e as limitações da solução dois “povos-dois estados”, tão querida dos EUA e demais indefectíveis apoiantes de Israel.

A iniciativa sueca, à revelia da estratégia definida pela UE, teve o condão de reactivar o debate, em especiala pós a notícia que também o «Parlamento francês aprova moção para reconhecimento da Palestina»; mesmo que este possa não resultar numa alteração da estratégia europeia está a tornar-se evidente que o “status quo” de que Israel tem beneficiado desde o despoletar da crise israelo-árabe começa a ser contestada e que factos concretos como o sistemático desrespeito de várias resoluções da ONU e a injustificável política de ocupação de territórios começam a ser referidos na imprensa e a merecer outras reacções que não a dum silêncio comprometido.

É claro que muitas (e fundadas) serão as dúvidas sobre a viabilidade dum estado palestiniano dirigido por uma estrutura tão heterogénea e tão flagrantemente inoperacional como a Autoridade Palestiniana, mas manda a verdade que se diga que boa parte desses defeitos resultarão das limitações que o Ocidente lhe tem imposto a pretexto do seu passado terrorista – como se do lado israelita nunca tivessem ocorrido atentados, nem as origens do Tsahal (as forças armadas judaicas) não remontassem a uma organização terrorista como a Aganah, criada para lutar contra a ocupação inglesa –, entre as quais se conta o facto anacrónico dos territórios palestinianos dependerem do vizinho estado de Israel para a cobrança de impostos…

Esta e outras imposições, na sua maioria profundamente limitadoras da soberania e humilhantes para os dirigentes palestinianos, têm contribuído para minar aquela autoridade aos olhos dos próprios palestinianos. Se a isto somarmos o facto de Israel continuar a ocupar a maioria dos territórios onde se localizam os poucos aquíferos da região e a erguer muros que impedem a circulação de pessoas e bens, estaremos a descrever o quadro da vida quotidiana dum território onde a potência ocupante condescende num simulacro de funcionamento dum estado fantoche. Os territórios palestinianos, transformados na prática em bantustões (territórios reservados pelo governo racista sul-africano à população negra, durante o regime do "apartheid", de acordo com sua etnia), dificilmente poderão almejar mais que uma existência no limiar da sobrevivência e enquanto esta servir os interesses dos ocupantes.


Submetido num simulacro de autonomia desenhada a contento do ocupante, o povo palestiniano tem ainda de enfrentar as limitações resultantes da sua dependência da ajuda internacional (distribuída à Autoridade Palestiniana a troco da sua subordinação aos interesses judaicos) agora agravada com a notícia de que «Israel aprova lei que marginaliza minorias». Ao consagrar Israel como o Estado Nacional do Povo Judeu, Netanyahu deu um passo no sentido agradar à extrema-direita mas, paradoxalmente, também contribuiu para refutar a tradicional afirmação de que Israel é a única democracia do Médio Oriente.

É certo que esta deriva ultra-ortodoxa do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, contestada pela UE, os EUA e a Autoridade Palestiniana e apontada como mais um obstáculo ao processo de paz, já lhe custou o fim da coligação que dirigia mas nada garante que as eleições que se seguirão dêem origem a um governo diferente ou que os acomodados líderes palestinianos encontrem a motivação para capitalizarem esta situação a favor do seu povo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

PRÁTICAS…

A decisão de não levar a julgamento o polícia indiciado pela morte dum jovem desarmado, na localidade norte-americana de Ferguson, reacendeu a contestação e a polémica numa sociedade que recusa a evidência dos seus problemas raciais. Mesmo sem abordar as questões de natureza jurídica e processual que envolveram a decisão dum grupo de jurados que na presença de informações contraditórias e abandonado à sua sorte por um promotor público que assim julgou ultrapassar um possível conflito de interesses (o pai, agente da polícia, foi morto por um negro) demitindo-se de qualquer participação nas deliberações.

A morte do jovem Michael Brown, no passado mês de Agosto, já correu mundo e foi objecto das mais variadas interpretações; porém, meses volvidos muitas coisas permanecem por explicar e outras tantas por esclarecer. Por exemplo o número exagerado de projécteis com que foi atingido, situação que parece apontar mais para uma reacção de pânico ou de mero acto de vingança que para a anunciada resposta a uma tentativa de resistência à detenção.

Será que a recorrente ocorrência de mortes de cidadãos negros às mãos de agentes da polícia (invariavelmente brancos) se deve apenas ao lamentável desenho dos alvos usados para treino? ou as razões são bem mais prosaicas, mas politicamente incorrectas?


Apesar de claramente exagerada, a leitura dos acontecimentos feita a partir de Moscovo, cujo Ministério dos Negócios Estrangeiros assegura que os «Tumultos em Ferguson ilustram massivos problemas internos», não deixa de apontar uma direcção que obviamente ninguém na Casa Branca subscreverá: os EUA continuam a debater-se com uma situação de delicado equilíbrio racial.

Depois dos conturbados anos de luta pelos direitos da maioria negra e quando o país até exibe um presidente negro, eis que o anúncio da ilibação do agente Darren Wilson está a servir de rastilho para a contestação e enquanto a «Indignação de Ferguson alastra aos quarto cantos dos Estados Unidos» parece cada vez mais evidente que o mal-estar existe e é claramente percepcionado por uma comunidade que se sente desprotegida.

Há pouco mais de meio século a comunidade negra norte-americana uniu-se, lutou e conseguiu ver abolidas as leis de segregação racial que ainda imperavam, desde então esta mudança social parece ainda não ter sido assimilada pelas estruturas policiais, continuando por efectuar, na prática, a indispensável mudança de mentalidades nos diferentes escalões de comando, algo perfeitamente exequível se tivermos em conta a experiência de “democratização” das forças de segurança nacionais após a queda do Estado Novo.