quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A INDIGNAÇÃO VIVA


Morreu esta madrugada Stéphane Hessel.


Insatisfeito com o seu papel de ex-resistente francês, de colaborador de De Gaulle, de diplomata (foi redactor da Declaração Universal dos Direitos do Homem), legou-nos, aos 93 anos de idade, um fenómeno editorial com o livro «Indignai-vos!» que constitui um poderoso grito contra a apatia e o laxismo dos cidadãos face à arbitrariedade dos poderes que nos governam.

Rapidamente adoptado como o manifesto do movimento dos “Indignados” tem ajudado a mobilizar vontades tão jovens quanto a sua, que espera-se agora se mostrem dignas do seu mentor!

domingo, 24 de fevereiro de 2013

ISLÂNDISAÇÃO


Ainda a poeira das notícias sobre a recapitalização do BANIF, como a que informa que o «Governo injecta 1.100 milhões no Banif», não assentou completamente e já é notícia que o «Santander prevê aprovar em Março fusão com Banesto e Banif», o que, reforça a imagem de quais os verdadeiros “ganhadores” em mais uma negociata com fundos públicos.

Para não variar, o caso do BANIF (como anteriormente o do BPN) traduz-se afinal numa mera operação de nacionalização dos prejuízos, pois a concretizar-se aquela fusão serão os accionistas do BANIF (os 700 milhões de acções especiais que fazem parte do pacote dos 1.100 milhões subscritos pelo governo deverão ficar de fora desse acordo, tal como ficam de fora da gestão do banco) a encaixar os ganhos com as novas acções do SANTANDER.

Será então de estranhar que continue a haver quem relembre o caso dos bancos islandeses e a recusa dos cidadãos daquele país nórdico em suportarem os prejuízos?


Desde o eclodir da crise global que a questão do resgate do sistema financeiro com dinheiros públicos se converteu em tema de debate de crescente importância, principalmente entre as correntes de pensamento que se opõem ao modelo neoliberal e os sectores da cidadania que contestam o dogma da inexistência de alternativas a um modelo económico que se traduz no empobrecimento da generalidade das populações.

A ideia da recusa do pagamento da crise financeira pelos fundos públicos ganhou um número crescente de adeptos com as notícias que vão chegando da terra dos vulcões e não se pense que o conceito de repúdio da dívida se resume aos sectores mais contestários ou radicais, pois recentemente o próprio governo irlandês lançou uma iniciativa para “limpar” parte significativa da dívida pública que resultou do resgate e nacionalização do Anglo Irish Bank e do Nationwide. Isso mesmo noticiou há dias o LA TRIBUNE (jornal económico francês on-line), num artigo assinado por Romaric Godin descrevendo «Como a Irlanda se livrou do fardo bancário numa noite»:

«Como a Irlanda se livrou do fardo bancário numa noite

Dublin viveu uma noite louca para resolver o seu problema bancário. Um movimento que levou o país a obrigar o BCE a aceitar as suas condições.

Por Romaric Godin

Nessa noite houve um perfume de crise da dívida em Dublin. O governo irlandês lançou um processo acelerado para a liquidação do Irish Bank Resolution Corporation (IBRC), entidade que reúne os restos dos bancos Anglo Irish Bank e Nationwide, que foram nacionalizados em 2009 e 2010.

Uma noite para agir

Cerca das 17 horas de quarta-feira, as agências Reuters e Bloomberg começaram a adiantar uma eventual liquidação do banco. Michael Noonan, o ministro irlandês das Finanças receia o pior. Se esta notícia se espalha, os depositantes do IRBC vão liquidar as suas contas e os detentores de obrigações emitidas pelo IRBC vão procurar vender as suas posições. O valor do banco pode entrar em colapso e o projecto de liquidação suave, iniciado em Setembro, pode falhar.

Ao início da noite, Michael Noonan acelera o processo que deve ser concretizado antes da abertura dos balcões e dos mercados. No início da noite, os administradores do IRBC são despedidos e o controle do banco é confiado à consultora KPMG. Cerca das 8h30, um projecto de lei de 52 páginas é apresentado ao Conselho de Ministros; nele se prevê a transferência de todos os activos do IRBC para o banco público NAMA e a emissão de obrigações por este último para pagar os credores. O projecto é apresentado de urgência ao Seanad, o Senado irlandês, que o adopta, depois, cerca das três horas é apresentado ao Dail, a Assembleia Nacional, que também o aprova. Não é aceite nenhuma alteração. Cerca das seis horas, o Presidente da Irlanda Michael Higgins, chegado de urgência de Roma, promulga a lei. O IRBC deixou de existir.

A disputa com o BCE

O assunto não fica por aqui. Nessa tarde, o governo anuncia que chegou a um acordo com o BCE sobre a resolução do "reconhecimento de dívida" (notas promissórias) de 30 mil milhões de euros aceites pelo Estado irlandês ao IRBC em 2010 para que este se pudesse refinanciar junto do BCE. Aquelas notas promissórias obrigavam Dublin a reembolsar, em Março de cada ano, 3 mil milhões de euros ao IRBC para que este pudesse em seguida, pagar os recursos obtidos no BCE. Obviamente, uma vez liquidado o IRBC, surge a dúvida sobre este pagamento. Na realidade, Dublin forçou claramente o BCE a alcançar um acordo que este recusava há meses concluir.

O acordo com o BCE põe termo ao pagamento anual dos 3 mil milhões de euros. O reconhecimento da dívida do Governo irlandês originada no IRBC é substituído pelo pagamento directo ao BCE através de títulos públicos com uma maturidade de 40 anos e uma taxa de juros de 3%. Segundo o Taoiseach (primeiro-ministro irlandês) Enda Kenny, isto vai poupar mil milhões de euros por ano ao orçamento. "Vão ser impostos e cortes orçamentais a menos", disse o Taoiseach.

Fim de um dossier envenenado

Com este movimento precipitado Irlanda termina com um dossier que envenenou o seu regresso aos mercados. Agora, o ex-"Tigre Celta" pode encarar o futuro com mais confiança, tanto mais que o relatório da “troika”, publicado na quinta-feira, não poupa elogios ao país. Restam, porém, duas questões. Primeiro, a economia irlandesa continua frágil. Baseando-se exclusivamente nas exportações, a procura interna permanece fraca com a construção de novas casas a atingir o nível mais baixo desde 1970. Nada garante que a Irlanda possa ser um modelo para o resto da Europa. Em segundo lugar, o acordo alcançado com o BCE é problemático, pois este não deve comprar dívida emitida directamente pelos Estados da Zona Euro. É certo que no caso se trata duma conversão da dívida bancária, mas isso parece-se muito a um financiamento directo. É verdade que os líderes europeus e o BCE tinham dito há algumas semanas que "a Irlanda foi um caso especial"… tal como a Grécia. Assim, a Europa converte-se cada vez mais num somatório de "casos especiais" que permitem aos dirigentes europeus evitar os seus próprios compromissos. A principal lição deste "dia louco" é a de que, pela primeira vez desde o início da crise, um país tem que vergar os seus credores e o BCE num movimento rápido e original. Esta é talvez o maior sucesso da Irlanda.»

Quando até já em Portugal o dogmático Vítor «Gaspar agrava recessão para cerca de 2% em 2013» e se assume publicamente que o «Risco de depressão força Vítor Gaspar a pedir mais um ano a Bruxelas», parece mais que nunca necessário alargar o debate do problema da dívida a outros interlocutores, que não apenas os que ouvimos diariamente nos últimos anos, e admitir que um dos cenários viáveis já foi experimentado recentemente e com razoável sucesso na Islândia, país que está a ensaiar um modelo de participação popular mais directa nas decisões sobre a condução dos seus destinos e que despoletou a ideia da recusa do pagamento público dos ruinosos negócios bancários, tanto mais que são crescentes os sinais de novo agravamento da crise global que no limite conduzirá a uma progressiva inversão da actuação dos poderes públicos na defesa a qualquer preço do sistema financeiro.

A revisão em baixa das perspectivas para as principais economias, ditará a prazo (talvez bem mais curto que muitos admitem) que os governos venham a assumir a sua incapacidade para continuar a alimentar financeiramente a solução tão do agrado dos “banksters” e que em breve comecem a surgir regularmente notícias sobre novas falências no sector financeiro, traduzindo assim o início dum processo de islândização da crise.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

TEMPOS ESTRANHOS


Ao invés do que o título possa sugerir não vou voltar a abordar a situação político-económica que a Europa e o Mundo atravessam; proponho-vos antes uma breve reflexão sobre alguns acontecimentos e outras leituras recentes.

No plano internacional, ao que dizem os comentadores e outros grandes entendidos na matéria, há quase seiscentos anos que a Humanidade não assistia à resignação dum Papa; mas isso aconteceu na semana passada, na mesma semana em que o primeiro-ministro foi mimado no Parlamento ao som da Grândola Vila Morena…


…quase em simultâneo com a passagem do asteróide 21012DA14 e a queda na Rússia dum «Meteorito provoca prejuízos de milhões de euros» e mais de um milhar de feridos; com o fenómeno dos protestos a repetir-se em ocasiões posteriores, nomeadamente na última sessão do Clube dos Pensadores com «Relvas interrompido por “Grândola Vial Morena”» ou ontem quando «Estudantes obrigam Relvas a abandonar conferência» para assinalar o vigésimo aniversário da TVI que decorria no ISCTE.

Ao que dizem os comentadores e outros grandes entendidos na matéria, há quase seiscentos anos que a Humanidade não assistia à resignação dum Papa; ao que parece o mundo católico não ruiu, mesmo quando alguns menos recatados (ou mais ávidos de agitação) vão lembrando que poucas horas depois do anúncio caiu um raio sobre a cúpula da Basílica do Vaticano (como se houvesse aqui alguma semelhança com os intrépidos bárbaros gauleses, imortalizados por René Goscinny, que a única coisa que receavam era que o céu lhes caísse na cabeça), o que sucedeu é que o assunto rapidamente se transformou em mote para os mais variados comentários.

Entre estes destaque-se a crónica de Ricardo Araújo Pereira na edição 1041 da VISÃO, «Precisa-se pregador», onde retomando o agora muito actual e católico acto da resignação recomenda ao ministro das finanças que siga tão elevado exemplo e que em caso de recalcitração ou excessivo apego à sua fé nos “mercados” lhe seja enviado um pregador, convincente conversor de almas, escolha que no caso vertente o autor recomenda deveria recair em personalidade católica, douta e versada em questões económicas, como João César das Neves.

Entendendo perfeitamente o peso e a substância da proposta de Ricardo Araújo Pereira e até eu que estou longe, muito longe, de me contabilizar entre os fiéis seguidores de César das Neves, reconheço as imensas qualidades da figura; o problema é que não sei se o apego deste aos “mercados” não será igual ou maior que o seu afã católico, qualidade que, podendo prejudicar o seu proselitismo, o deveria levar a recusar a incumbência… mas todos sabemos bem como a ética anda arredia dos que calcorreiam os corredores do poder e seus arredores!

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A EUROPA CONGELADA


De forma mais ostensiva ou mais discreta, as notícias sobre a aprovação do orçamento da UE para 2014/2020 lá foram enchendo as páginas dos jornais e os noticiários televisivos e radiofónicos. Depois das cautelas como os líderes dos 27 se foram pronunciando antes da última reunião do Conselho Europeu e da ameaça do veto britânico, os chefes de governo europeus lá chegaram a um acordo sobre um documento da importância dum orçamento de médio prazo sem que tenha sido dado conhecimento público do mínimo debate sobre as principais linhas estratégicas que o terão norteado, facto que nos deve levar a crer que este não terá existido por as ideias e o seu debate estarem “congelados” ao serviço do monolitismo ideológico a que os seus interpretes devem obediência.


Enredados nas suas múltiplas contradições, chefes de governo e burocratas comunitários acabaram por apresentar um documento que preservará o essencial das suas convicções e das suas necessidades, mas em caso algum as dos cidadãos dos estados europeus. A confirmá-lo veja-se que num período de turbulência económica e de crescente incerteza geral, um orçamento que representa uns meros 1% do PIB europeu não poderá apresentar qualquer efeito contra cíclico significativo, facto que não parece ter preocupado os intervenientes, a ponto de termos ouvido que «Passos Coelho expressa satisfação com resultado final das negociações do Orçamento europeu» por termos perdido menos que os outros…

Dirigida sob um signo miserabilista a UE vai continuar a assistir ao avolumar da catástrofe económica e à submersão dum estado após outro aos interesses do capital financeiro global, sentimento que nem sequer a anunciada perspectiva de que o «Parlamento Europeu ameaça bloquear orçamento» mitiga, porque o problema não se limita ao orçamento mas á forma como se encontra estruturado todo o funcionamento do modelo comunitário, começando pelo excessivo privilégio do sector agrícola (razão para a ameaça do veto britânico e para o apoio francês a um orçamento que não promove o crescimento económico) e pela manutenção duma burocracia centralizadora, desproporcionada e forte consumidora de recursos, que em nada contribui para a resolução das actuais dificuldades.

Não se estranhe pois que da amálgama estrutural personificada num Conselho Europeu, onde campeiam as rivalidades nacionais com a insignificância duma presidência (Van Rompuy) de duvidosa utilidade, numa Comissão Europeia, eivada de comissários de nomeação sem suporte eleitoral nem peso político e presidida por um Durão Barroso sem carisma nem convicções, e num Parlamento Europeu que embora eleito nunca logrou assumir-se como o efectivo pólo de poder que deveria ser, nada resulte de particularmente eficaz na construção e na afirmação duma Europa capaz para enfrentar os desafios actuais e os que se perspectivam, correspondendo ao seu peso económico e não apenas ao do somatório dos seus principais estados. Ao contrário, emergem os pequenos líderes nacionais que, mais preocupados em contentar as suas clientelas políticas nacionais que em cuidar do interesse geral dos cidadãos europeus, proclamam aos quatro ventos as suas pequenas vitórias, invariavelmente obtidas a expensas dos vizinhos e parceiros, quando não recorrem às mais descaradas mentiras – como volta a acontecer em Portugal com a publicação dos últimos dados estatísticos pelo INE, revelando que a «Recuperação da economia em 2013 é cada vez mais improvável», prontamente desvalorizados quando o «PSD diz que dados mostram “ligeiríssimo desvio” e estão em linha com economia europeia», como se contrair mais que a média comunitária não constituísse mais um passo no agravamento do fosso que nos separa da EU – para esconderem a indisfarçável realidade que constitui a absoluta incapacidade derivada das abordagens dogmáticas (as únicas de que parecem capazes) a que insistem recorrer.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

INJECÇÕES LETAIS


Nos últimos tempos têm surgido regularmente notícias sobre ataques de grupos radicais islâmicos contra técnicos de saúde envolvidos em processos de vacinação. A BBC noticiou no dia 10 que três médicos estrangeiros foram mortos no nordeste da Nigéria (território onde tem estado activo o grupo Boko Haram, que defende a instalação dum estado islâmico no norte do país e ao qual foram atribuídas mais de 600 assassinatos em 2012), dois dias após uma outra onde refere a morte de 9 voluntárias, na mesma região, e duma terceira notícia onde refere o sentimento de insegurança no Paquistão, país onde se terá registado um balanço de 19 mortos de operacionais no combate à poliomielite desde Julho passado.


O recrudescimento da perseguição às equipas de vacinação coincide com notícias que referem o adiamento da declaração da erradicação total da poliomielite que deveria ter ocorrido no final de 2012, por permanecerem focos em três países – Afeganistão, Paquistão e Nigéria – onde por coincidência, ou não, operam movimentos radicais islâmicos.

Sem querer minorar o empenho e a importância da acção da UNICEF, de ONG’s, como o Rotary International ou a Fundação Gates e de muitos governos (países muçulmanos incluídos), sempre recordo que aquelas reacções (disparatadas e inexplicáveis na acepção ocidental) deverão ser inseridas numa perspectiva mais adequada e que, infelizmente, as notícias não costuma incluir. É sabido que nas regiões em causa impera um modo de organização social com profundas raízes tribais onde a aquiescência dos anciãos é um passo indispensável para o sucesso de qualquer tipo de interacção e dela dependem, de igual modo, os voluntários das ONG’s e os radicais islâmicos; assim, é bem possível que o insucesso ocidental – e o associado cortejo de mortes – se devam mais a uma inobservância destas regras que a um qualquer sentimento anti-ocidental das populações, apesar de episódios como o do uso pela CIA duma pretensa campanha de vacinação para cobertura duma operação de localização de Bin Laden nada ajudar na construção dum clima de confiança.

A gravidade dum eventual fracasso na luta pela erradicação da poliomielite, uma doença altamente incapacitante cujo retrocesso dos resultados actuais será uma possibilidade a ter sempre em conta enquanto existirem núcleos a partir dos quais a propagação do vírus se possa reactivar, é hoje comparável aos resultados do diálogo prometido pela iniciativa Aliança das Civilizações, promovida pela ONU, que após um arranque mais ou menos prometedor salda-se hoje por resultados ainda pouco consistentes, tanto mais que o que continua a fazer manchetes na imprensa ocidental são os confrontos e a desconfiança, não os diálogos.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

VERMELHO DE VERGONHA


Quando ainda paira no ar o pó da chamada ao Governo dum dos administradores responsáveis pela gestão do famigerado BPN, que tudo indica irá custar cerca de 7 mil milhões de euros aos contribuintes portugueses, quando muito pouco se informa a opinião pública relativamente ao resgate do BANIF (aos mil cento e cinquenta milhões de euros em garantias somam-se os recente mil e cem milhões de aumento de capital) e acabou de ser exibido na SIC um trabalho jornalístico sobre o “caso BPN”, constituirá contributo positivo para a melhor compreensão possível das pesadas responsabilidades do sector financeiro na actual crise global recordar o caso recentemente divulgado dum banco italiano (ver a notícia original do LA STAMPA) que entre nós o ECONÓMICO descreveu como «Um BPN à italiana?» e que se traduz num escândalo de grandes proporções pelo uso de derivados financeiros, envolvendo os anteriores administradores, a supervisão do banco central (então dirigido por Mario Draghi, o actual presidente do BCE) e o Deustche Bank, responsáveis pela ocultação de informação e empréstimos fraudulentos.


O banco italiano em causa, o Banco Monte dei Paschi di Siena (MPS), é indicado como o banco em actividade mais antigo do Mundo (foi fundado em 1472, ou seja, é anterior à descoberta do Novo Mundo e trezentos anos mais velho que a unificação italiana) e encontra-se hoje enredado numa volumosa teia de especulação com produtos derivados financeiros, dívidas que ascenderão a quase 4 mil milhões de euros e crescentes dúvidas sobre a transparência do negócio de aquisição em 2007, ao grupo SANTANDER, do Banco Antonveneta, por 9 mil milhões de euros (quando quase na mesma data o SANTANDER comprava o ABM AMRO por 6,6 mil milhões).

A história do descalabro pode, segundo a referida notícia do LA STAMPA, recuar a 1995, ano em que foi decidido converter a sociedade de tipo mutualista numa sociedade por acções e que Roberto Barzanti, o muito respeitado ex-autarca do PCI (Partido Comunista Italiano) descreve assim: «Os habitantes de Sienas têm tido dificuldade em aceitar a separação entre as actividades filantrópicas do "Monte" e as do próprio banco, que devia ter sido concretizada através da criação por um lado, duma fundação, e pelo outro, dum banco de capital aberto. As coisas mudaram, quando finalmente o passo foi dado, mas tudo foi feito para que nada realmente mudasse», situação de compadrio entre política, negócios e benemerência que se arrastou até há pouco mais de um ano quando se descobriu a fragilidade do sistema e as populações foram confrontadas com profundas reduções nas subvenções ao futebol (Siena Calcio), ao localmente muito amado clube de basquetebol (Mens Sanna) ou ao ex-libris mundial que é o famoso Palio.

Plenamente inserido na lógica financeira global, o MPS cedo se envolveu nos “negócios” próprios da pura lógica financeira e após a aquisição de dois bancos regionais (Banca Agricola Mantovana e Banca del Salento) de pronto se abalançou ao Antonveneta, decisão quase certamente justificada na óptica da criação de massa crítica, enquanto iniciava a actividade no “interessante” mercado dos produtos derivados. Desta actividade, desenvolvida especialmente com os bancos Nomura e Deutsche Bank e numa vertente puramente especulativa (e para a qual nem sequer apresentava aptidão histórica), resultaram os primeiros prejuízos, estimados em mais de 700 milhões de euros que os administradores do MPS começaram por disfarçar com um empréstimo de 1.500 milhões de euros junto do… Deutsche Bank.

Como é bem sabido, aos primeiros prejuízos ocultados outros se sucederam e após aquele empréstimo em 2008, o MPS viu-se obrigado a pedir novo resgate no ano seguinte; desta vez obteve-o junto do governo italiano e no montante de 1.900 milhões, a que se somaram mais 500 milhões em 2010, com a agravante de só em 2011 ter tornado público os primeiros 1.500 milhões de resgate.

Com dívidas a rondarem os 4 mil milhões de euros e o recurso a um mecanismo de ocultação em tudo idêntico ao que a Goldman Sachs montou para ocultar a dívida grega (recurso a operações de curto prazo com produtos derivados, porque acreditavam que a crise agravada em 2008 com a falência do Lehman Brothers seria um sobressalto passageiro e nunca o cataclismo que abalou profundamente a essência dum sistema financeiro global, cheio de activos tóxicos e manobrado como se duma economia de casino se tratasse), o velho e respeitável MPS viu o seu valor reduzir-se em quase 90% e enfileirar entre os menos respeitáveis “banksters[1] da actualidade.

Este caso deixa claro os efeitos da promiscuidade entre a finança (em especial a especulativa), a política e outos hemisférios tantas vezes nebulosos (como o do desporto) dificilmente pode resultar noutro final que o acumular de prejuízos, com a agravante, nos casos italiano e português (a comparação é tanto mais válida quanto as origens do problema – uma estratégia de crescimento a qualquer preço –, a dimensão dos números, a promiscuidade com decisores políticos e o envolvimento com actividades lúdico/desportivas são idênticas), de se persistir na ideia que devem ser os contribuintes em geral a suportar os desmandos que deveriam deixar os responsáveis (quer os que praticaram os actos, quer os que os silenciaram) vermelhos de vergonha.


[1] A designação “bankster” remonta ao período da Grande Depressão e resulta da aglutinação dos vocábulos banker (banqueiro, em inglês) e gangster, numa clara alusão à idoneidade da actuação dos responsáveis pelo sector financeiro; no seu livro «Labirintos da crise financeira internacional», José Manuel Rolo define assim o termo: «Em inglês, bankster é um neologismo derivado da fusão dos substantivos banker e gangster duas palavras que denominam profissões/actividades que, ao longo dos tempos, não raras vezes mostraram ter demasiadas e inesperadas afinidades». 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

FRANQUELIMSTEIN


Bem tentou o chefe do Governo desvalorizar o processo de substituição de meia dúzia de Secretários de Estado quando afirmou que «Mexidas no Governo “não têm significado político particular”» e talvez até o tivesse conseguido se os nomeados não reparos de maior. Porém, quando a lista integra um antigo alto responsável pela gestão do grupo SLN (a “holding” ex-proprietária do BPN), compreende-se perfeitamente as razões que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a afirmar que «Passos não devia ter escolhido quem levanta o “fantasma do BPN”».


Comentário perfeitamente entendível num período em que, internamente, ainda não foram esquecidos o recurso a financiamentos públicos para o resgate de bancos como o BCP, o BPI e o BANIF, a recente condenação do ex-homem forte do BCP, Jardim Gonçalves, por crimes de manipulação de mercado e de falsificação de documentos e o envolvimento do presidente do BES, Ricardo Salgado, num pouco claro processo de perdão fiscal, quando externamente ganhou foros de destaque o escândalo que envolve o banco italiano (por acaso o mais antigo do mundo em actividade) Banca Monte dei Paschi di Siena, factos que – a par doutros que ainda aguardam decisões judiciais, como sejam o do BPN, personificado em Oliveira e Costa, e do BPP, dirigido por João Rendeiro, o envolvimento em práticas de ética duvidosa de banqueiros como João Tomé (BANIF), José Maria Ricciardi (BESI) e Amílcar Pires (BES) – e que levaram, há dias, Nicolau Santos a questionar-se se «Os nossos banqueiros são de confiança?».

A nomeação de Franquelim Alves – um ex-administrador do grupo SLN que declarou perante a comissão parlamentar de inquérito ao BPN que conhecia a situação daquele banco – só pode se entendida como um anúncio de que o «Governo reabilita SLN», tanto mais que, segundo o EXPRESSO, o próprio Passos Coelho terá afirmado que «Franquelim Alves é uma "boa escolha"».
A questão, de tão grave que é, nem se prende tanto com a omissão ou não no seu currículo da passagem pela SLN/BPN (facto que a confirmar-se revelará até a importância subconsciente atribuída), mas principalmente pelo reacender duma polémica perfeitamente evitável, quando o próprio «Ministro da Economia elogia Franquelim Alves por ajudar a “desmascarar fraude do BPN”» citando uma carta de denúncia deste ao Banco de Portugal que, segundo aquela notícia do PUBLICO, foi afinal escrita dor Abdul Vakil, o sucessor de Oliveira e Costa na administração do banco.

Tudo considerado, não restará a menor dúvida que a nomeação tem um profundo sentido político e que, a atestar pela afirmação do Primeiro-Ministro de que aquele gestor “agiu sempre de forma correcta”, este esperará dele o mesmo zelo no seio da equipa que dirige: um silêncio cúmplice a tudo o que o rodeie!

Aliás, cumplicidades é o que parece não faltar no seio daquele grupo, pois desde os primeiros sinais de desentendimento entre os dois partidos que integram a coligação que esse parece ser o único cimento que continua a segurá-lo… ou será outro, que de tão negro até torna apetecível arrostar com mais este Franquelimstein?

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O RESGATE EUROPEU


Apesar do evidente cuidado com que a imprensa nacional tem tratado a situação económica interna, não perdendo uma oportunidade para acentuar a ideia de que a opção austeritária constitui a única via enquanto silencia quase todos os que lhe contrapõem alternativas, a realidade externa lá obriga a uma ou outra abertura. Foi assim que esta semana ficámos a saber que o tribunal da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) decidiu que na sequência da falência do Icesave, uma delegação online do banco islandês Landsbanki, a «Islândia não tem de reembolsar Reino Unido e Holanda».

A importância da decisão prende-se com o facto de ter sido a acção popular dos islandeses que impediu os seus governantes de aceder às exigências dos congéneres inglês e holandês que prontamente ressarciram os respectivos clientes nacionais do Icesave. A decisão do tribunal, mais que confirmar a justeza daquela acção popular, vem dar, queira-se ou não, uma força renovada aos activistas que continuam a desenvolver esforços e a formular alternativas ao modelo de resgate europeu preconizado pela tríade BCE-UE-FMI, cujos resultados desastrosos são tão evidentes que até já o «Banco Mundial prevê recessão económica na Zona Euro em 2013».


A desinformação que rodeia a questão não é igual em todos os países nem em todos os meios de comunicação; aqui ou ali lá vão surgindo notícias ou artigos de opinião refutando as teses neoliberais, de que é exemplo um artigo publicado na página do LE MONDE DIPLOMATIQUE, assinado por Alexis Tsipras, o porta-voz do SYRIZA grego, onde sob o título «A nossa solução para a Europa» expõe a alternativa proposta pelo seu partido.

Pela sua actualidade e por não se encontrar traduzido na página nacional daquela publicação (http://pt.mondediplo.com/), aqui fica a minha tradução…
«A nossa solução para a Europa

Fevereiro de 1953. A República Federal da Alemanha (RFA) afogada em dívidas ameaça arrastar todos os países europeus para uma crise. Preocupados com a sua própria salvação, os seus credores - incluindo a-Grécia – apercebem-se dum fenómeno que surpreendeu os liberais: a política de "desvalorização interna", ou seja, a redução de salários, não garantiu o reembolso dos montantes devidos, pelo contrário.

Reunidos em Londres, durante uma cimeira especial, 21 países decidem reavaliar as suas exigências em função das capacidades reais do seu parceiro para cumprir as suas obrigações. Reduzem em 60% a dívida nominal acumulada pela RFA e concedem-lhe uma moratória de cinco anos (1953-1958) bem como um prazo de 30 anos para o reembolso. Introduzem ainda uma "cláusula de desenvolvimento" permitindo que o país não consagre ao serviço da dívida mais de um vigésimo das suas receitas de exportação. A Europa acaba de arrepiar o caminho definido no Tratado de Versalhes (1919), lançando as bases para o desenvolvimento da Alemanha Ocidental depois da guerra.

Isto é precisamente o que a Coligação da Esquerda Radical Grega (SYRIZA) agora propõe: contrariar os pequenos Tratados de Versalhes impostos pela chanceler alemã, Angela Merkel, e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, aos países europeus endividados, e inspirar-nos com um dos momentos de maior clarividência registado na Europa do pós-guerra.

Os programas de "resgate" dos países do Sul da Europa falharam, cavando poços sem fundo que os contribuintes são convidamos para tentar preencher. Nunca foi tão urgente alcançar uma solução abrangente, colectiva e definitiva do problema da dívida. É inaceitável que semelhante objectivo seja escamoteado por forma a garantir a reeleição da chanceler alemã.

Nestas condições, a ideia proposta pelo SYRIZA da realização duma conferência europeia sobre a dívida, no modelo daquela de Londres sobre a dívida alemã em 1953, representa, em nossa opinião, uma solução realista e benéfica para todos: uma resposta global à crise de crédito e à constatação do fracasso das políticas conduzidas na Europa.

Eis o que pedimos para a Grécia:
  • Uma redução significativa do valor nominal da dívida pública acumulada;
  • Uma moratória sobre o serviço da dívida, de modo que as quantias libertadas sejam afectadas à recuperação económica;
  • A instauração duma "cláusula de desenvolvimento" para que o pagamento da dívida não asfixie a recuperação económica;
  • Que as somas destinadas à recapitalização dos bancos não sejam incluídas na dívida pública do país.
Estas medidas devem ser apoiadas por reformas que visem uma distribuição mais equitativa da riqueza. Acabar com a crise implica uma ruptura com o passado que ajudou a criá-la: trabalhar para a justiça social, para a igualdade de direitos, a transparência política e fiscal, em resumo, pela democracia. Semelhante projecto não pode ser implementado senão por um partido independente da oligarquia financeira, esse punhado de empresários que tomaram o Estado refém, esses armadores de solidariedade mútua e - até 2013 - isentos de impostos, de proprietários dos meios de comunicação e banqueiros de pacotilha (e falidos) que têm a responsabilidade pela crise e procuram manter o status quo. O Relatório Anual de 2012 da organização não-governamental (ONG) Transparency International designa a Grécia como o país mais corrupto da Europa.

Esta proposta constitui, em nossa opinião, a única solução, para obviar o aumento exponencial da dívida pública na Europa, onde já ultrapassa, em média, 90% do produto interno bruto (PIB). Isto é o que nos torna optimistas: a nossa proposta não poderá ser rejeitada, porque a crise corrói já o núcleo da zona do euro. A procrastinação não tem outro resultado senão o de aumentar os custos económicos e sociais da actual situação, não só para a Grécia, mas também para a Alemanha e para os restantes países que adoptaram a moeda única.

Durante doze anos, a zona euro – inspirada nos dogmas liberais - funcionou como uma união monetária sem equivalente político e social. Os deficits comerciais dos países do Sul eram o reverso dos excedentes registados no Norte. A moeda única também serviu especialmente a Alemanha, "esfriando" a sua economia após a onerosa reunificação de 1990.

Mas a crise da dívida veio perturbar esse equilíbrio. Berlim respondeu exportando a sua receita de austeridade, o que agravou a polarização social nos estados do Sul e as tensões económicas no coração da zona do euro. Aparece agora num eixo Norte-credores/Sul-devedores, uma nova divisão do trabalho orquestrada pelos países mais ricos, onde o Sul se irá especializar em produtos e serviços de elevada procura de mão-de-obra barata e o Norte, numa competição para a qualidade e a inovação, com salários mais elevados, para  alguns.

A proposta do Sr. Hans-Peter Keitel, presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), numa entrevista na página Internet do Der Spiegel, para transformar a Grécia em "zona económica especial" [«BDI-Chef Griechenland zur Sonderwirtschaftszone machen», Spiegel Online, 10 de Setembro de 2012, www.spiegel.de] revela o verdadeiro objectivo do memorando [Acordo assinado em Maio de 2010, que institui a austeridade em Atenas, em troca do seu "resgate" financeiro]. As medidas previstas no seu texto, cujo alcance se estende pelo menos até 2020, saldou-se num fracasso retumbante, agora reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas para os seus criadores, o acordo tem a vantagem de impor uma tutela económica à Grécia, que a relega para a categoria de colónia financeira da área do euro.

O seu cancelamento é, portanto, o pré-requisito para qualquer saída da crise: o medicamento é que é mortal, não é a dose, como sugerem alguns.

É igualmente necessário interrogarmo-nos sobre as outras causas da crise financeira na Grécia. As que conduziram ao desperdício de dinheiros públicos não mudaram: o mais elevado custo de construção de estradas por km na Europa, por exemplo, ou a privatização de auto-estradas como um "pré-pagamento" de novos eixos... cuja construção foi interrompida.

A extensão da desigualdade não pode ser reduzida a um efeito secundário da crise financeira. O sistema fiscal grego reflecte a relação de clientelismo que une as elites do país. Como numa peneira, é cheio de isenções e direitos de passagem sob medida para o cartel oligárquico. O pacto informal que, desde a ditadura, une o patronato e a hidra bicéfala do bipartidarismo - Nova Democracia e do Movimento Socialista Pan-helénico (PASOK) – mantém-se intacto. Esta é uma das razões pela qual o Estado renunciou à obtenção dos recursos necessários através dos impostos, preferindo a contínua redução dos salários e pensões.

Mas o establishment - que sobreviveu por pouco às eleições de 17 de Junho [Com 29,66% dos votos, a Nova Democracia (direita) foi forçada a formar uma coligação com o PASOK (12,28% dos votos) e Esquerda Democrática (6,26%). No segundo lugar, o Syriza registou uma votação de 26,89% (mais 10 pontos que nas eleições de Maio de 2012) e o partido neo-nazi Aurora Dourada, 6,92% (inalterado desde Maio de 2012)], espalhando medo sobre uma possível saída da Grécia da zona do euro - vive sob assistência respiratória de um segundo pulmão artificial: a corrupção. A difícil tarefa de quebrar o conluio entre os círculos políticos e económicos - um problema que não é exclusivo da Grécia - constituirá uma das prioridades dum governo popular liderado pelo Syriza.

Por isso nós reclamamos uma moratória sobre o serviço da dívida para mudar a Grécia. Caso contrário, qualquer nova tentativa de consolidação fiscal fará de nós Sísifos fadados ao fracasso. Só que desta vez, o drama diz respeito não só à antiga cidade de Corinto, mas à Europa como um todo.

por Alexis Tsipras»

…com a qual espero contribuir para erradicar o mito da inexistência da alternativas.