domingo, 30 de julho de 2006

…NÃO PODEMOS IGNORAR

Pois é! É mesmo impossível ignorar que o agora ocorre no Médio Oriente, contrariamente ao que muita gente quer fazer crer, não surgiu por causa de uns soldados israelitas capturados pelos palestinianos ou pelo Hezbollah.

O QUE NOS TEM DITO A COMUNICAÇÃO SOCIAL

Embora os meios de comunicação ocidental continuem a esforçar-se para alimentar essa tese, basta juntar algumas pontas de informação solta e dispersa para repararmos que as peças do “puzzle” já não encaixam.

Além da estranha coincidência do ataque ao posto fronteiriço israelita ter ocorrido precisamente no dia em que seria assinado o acordo entre a Fatah e o Hamas (como já o referi aqui) que deveria permitir o levantamento das sanções económicas impostas pelos EUA e UE sobre o governo palestiniano liderado pelo Hamas, em resultado das eleições realizadas em finais de Janeiro, importa ainda recordar que aquele acto seguiu a uma acção do Tsahal (exército israelita), que na véspera penetrara na Faixa de Gaza para capturar dois palestinianos militantes do Hamas (ver entrevista de Noam Chomsky em DEMOCRACY NOW e o artigo de Jonathan Cook em GLOBAL RESEARCH).

Estes dois acontecimentos muito próximos no tempo são perfeitamente reveladores da muita desinformação que por aí circula. Enquanto a primeira violação do território palestiniano foi pura e simplesmente esquecida pelos meios de comunicação, a segunda foi prontamente difundida e elevada à categoria de «escalada na violência» embora não tenha passado do que se poderia designar por uma acção militar típica – ataque a um posto militar de um país estrangeiro que controla indevidamente as fronteiras do país vizinho – e o seu resultado, a captura de um soldado, foi transformado num rapto.

Contrariamente ao soldado capturado, cujos captores anunciaram de pronto uma proposta para a sua troca por mulheres e crianças palestinianas prisioneiras em Israel, desconhece-se completamente qualquer informação sobre os dois palestinianos aprisionados por este.

O governo israelita emitiu um pronto ultimato para a entrega do seu soldado capturado e logo que este expirou deu início aos ataques militares à Faixa de Gaza; como tem sido largamente noticiado alguns dias depois foi o Hezbollah libanês a proceder de forma idêntica, capturando dois soldados israelitas em território libanês que aquele movimento considera ocupado por Israel. Tal como sucedera com os palestinianos, logo que expirou o ultimato Israel iniciou o bombardeamento aéreo de alvos em território libanês e, tal como sucedera na Faixa de Gaza, também aqui os alvos escolhidos incluíram infraestruturas básicas como aeroportos, estradas, pontes e edifícios que Israel alega serem utilizados pelo Hezbollah.

Mas o cúmulo do cinismo advém do facto da aviação israelita ter lançado panfletos a apelar às populações para abandonarem as zonas que iria bombardear e iniciar esses mesmos bombardeamentos pela destruição das vias de comunicação. Entretanto os meios de comunicação ocidental, fazendo-se principalmente eco da informação de origem israelita, revelam-nos diariamente o número e os resultados dos mísseis disparados sobre território judaico, paralelamente com os resultados dos bombardeamentos sobre o Líbano, mas raramente comentam que o número de baixas registado é da ordem de 1 israelita para 10 libaneses e que o número de refugiados neste país (800.000 segundo os dados de há um ou dois dias) representa cerca de ¼ da população daquele país.

Esta breve apreciação da forma como a imprensa ocidental tem vindo a informar-nos sobre o que se está a passar no Líbano não pode ficar completa sem algum esclarecimento sobre as razões desta desinformação. Uma das razões (e talvez das de maior peso) é que os jornalistas ocidentais sentirão maior afinidade com Israel, mas fundamentalmente terá a ver com uma facilidade linguística (muita da informação difundida em Israel é-o em língua inglesa); outra é que os jornalistas presentes no Líbano acabam por relatar mais o que vêem (a destruição e os desalojados) que o que se passa e a reacção das populações (ainda e sempre por dificuldades linguísticas), mas outra razão importante prende-se com o fraco conhecimento das realidades da zona e da sua história recente.

Assim, quando por exemplo Israel acusa o Hezbollah de ter violado a fronteira para «raptar» dois dos seus soldados (incidente que classifica como “muito grave”), para o Hezbollah a fronteira fica alguns quilómetros mais à frente, na medida em que considera aquele território como indevidamente ocupado por Israel na sequência da ocupação ocorrida em 1982.

A HISTÓRIA RECENTE DA PALESTINA

Desde finais do século XIX que movimentos e organizações judaicas vinham pugnando pela criação de um estado judaico e iniciaram um processo de aquisição de terras e da respectiva colonização na Palestina. Com a I Guerra Mundial em que os ingleses ocupam a Palestina na sequência da retirada do Império Otomano este movimento intensifica-se a ponto de ter originado conflitos entre judeus, árabes e ingleses (é o período da constituição de uma organização judaica de natureza defensiva, a “Haganah”, e de outras de natureza guerrilheira como o “Irgun” e o “Stern”, das quais viria a resultar o actual Tsahal)

A nova ordem internacional estabelecida com o final da II Guerra Mundial e a crescente oposição judaica à presença e administração inglesa levará este país a abandonar a região e a entregar à ONU a gestão de um território composto pela Palestina e pela Transjordânia. Esta organização internacional, sem qualquer consulta prévia aos interessados (árabes) vota uma resolução, em 1947, que cria dois estados: um judaico e outro árabe e uma zona de administração internacional – a cidade de Jerusalém.

As facções judaicas mais radicais e os árabes (incluindo os palestinianos) rejeitam a resolução da ONU que distribuíra o território na proporção de 55% para os judeus e 45% para os palestinianos e em 1948 é unilateralmente constituído o Estado de Israel. Na sequência desta acção os estados árabes vizinhos (Egipto, Jordânia, Síria e Líbano) abrem as hostilidades com o novo estado; a guerra terminará em 1949 com Israel a ocupar agora 75% do território da Palestina, incluindo Jerusalém Ocidental que era território sob administração da ONU.

As guerras entre Israel e os vizinhos estados árabes sucederam-se quer por razões intrínsecas quer por mero oportunismo, como foi o caso em 1956 quando aproveitando a Crise do Canal do Suez Israel atacou o Egipto, bem como as ocupações de novos territórios. Assim, em 1967 na sequência da Guerra dos Seis Dias Israel ocupa o Sinai (Egipto), a Cisjordânia e a Faixa de Gaza (território palestiniano), os Montes Golan (Síria) e Jerusalém Leste (ONU).

Com a ocupação da totalidade dos territórios palestinianos intensificam-se as acções de guerrilha (principalmente as da Fatah, liderada por Yasser Arafat), é criada a OLP (Organização de Libertação da Palestina) e sucedem-se novos conflitos declarados com o Egipto e a Síria (Guerra do Yom Kipur) que terminam sem significativas mudanças na partilha de territórios locais, mas com a primeira crise do petróleo quando a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) boicota o fornecimento aos países apoiantes de Israel.

A este período mais agitado sucede-se outro onde a comunidade internacional tenta introduzir alguma moderação e a negociação de um acordo de paz. Sucede assim o Acordo de Camp David pelo qual Israel (Menachem Begin) e o Egipto (Anwar Al Sadat) põem termo às hostilidades e Israel devolve o território ocupado do Sinai.

Este acordo bilateral é rejeitado pelos restantes países árabes e a tenção volta a recrudescer na região, até que em 1982, ano em que se conclui a entrega ao Egipto do Sinai, Israel invade o Líbano sob a alegação de pretender liquidar a OLP, ocupa a capital Beirute mas um acordo prévio possibilita a retirada atempada daquele movimento; Israel mantém a ocupação do Líbano sucedendo-se a eleição de um presidente favorável ao ocupante, rapidamente assassinado e os massacres nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, perpetrados por milícias libanesas pró-israelitas (com o beneplácito de Ariel Sharon, então comandante militar na zona) como represália pelo assassinato do recém eleito presidente Bachir Gemayel.

À retirada da OLP sucede-se a criação do Hezbollah (movimento libanês xiita) e iniciam-se as acções de guerrilha, principalmente no sul do território, contra o exército israelita. Com a retirada israelita em 1985, mas mantendo sob ocupação uma faixa fronteiriça retoma-se um período de acesa guerra civil no Líbano (iniciado em 1975) que só se acalmará com a entrada naquele país do exército Sírio.

Em 1987 eclode a Primeira Intifada (revolta das pedras) nos territórios palestinianos que de pronto o Tsahal procura reprimir. A brutalidade da reacção israelita (avanço de forças blindadas contra uma população armada de pedras) acaba por conduzir a opinião pública internacional a uma posição de maior simpatia pela OLP, o que não impede os EUA de fornecerem sofisticado equipamento militar a Israel durante a I Guerra do Golfo (sistemas de mísseis anti-míssil “Patriot”) e assim assegurarem a sua defesa contra os ataques dos “Scud” iraquianos.

Resolvida a crise iraquiana, motivada pela invasão do Koweit pelo Iraque, com Yitzhak Rabin como chefe do governo, Israel negoceia em 1993 com a OLP de Arafat um acordo de paz (Acordo de Oslo) e em 1994 com a Síria. O Acordo de Oslo que previa uma progressiva transferência de poderes de Israel para a então criada Autoridade Palestiniana sobre os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, rapidamente começou a ser posto em causa por atentados organizados pelo Hamas (movimento palestiniano xiita que os serviços secretos israelitas ajudaram a criar para minar a implantação da Fatah), servindo de pretexto para sucessivos adiamentos na implantação dos Acordos de Oslo e para sucessivas incursões militares israelitas nos territórios palestinianos.

Com o assassinato de Rabin em 1995, por um extremista israelita, sucede um governo do Likud dirigido por Benjamin Netanyahu e intensificam-se os diferendos com a Autoridade Palestiniana.

Em 2000 e com Ehud Barak na chefia do governo israelita, retoma-se uma tentativa de acordo (o Acordo de Camp David, sob a iniciativa do presidente americano Bill Clinton) que não resulta quando os palestinianos recusam ver reduzida a sua área da Cisjordânia em mais 10%. Na sequência deste fracasso e da visita provocatória de Ariel Sharon (então candidato do Likud) à Esplanada das Mesquitas, área situada em Jerusalém Leste e reivindicada pelos palestinianos, eclode a Segunda Intifada ou Intifada de Al Aqsa, sob a direcção de Marwan Barghouti.

Após o assassinato de Rafik Hariri, primeiro-ministro libanês, e sob pressão internacional a Síria retira em 2002 do Líbano, deixando assim espaço para a reimplantação do Hezbollah no sul daquele território. Embora integrante do actual governo libanês o Hezbollah sempre pareceu apresentar uma agenda e objectivos próprios, entre os quais sempre referiu a recuperação da faixa a sul do território, ainda sujeita a ocupação israelita, e a libertação dos prisioneiros libaneses detidos em Israel. Na Cisjordânia intercalam-se os períodos de alguma acalmia com o recrudescer dos confrontos, com acções de guerrilha palestiniana a sucederem-se a acções militares israelitas, que chegaram a cercar o quartel-general de Yasser Arafat em Ramallah, ou vice-versa.

Poucos antes da morte de Arafat em 2004, por pressão israelita e da comunidade internacional o governo da Autoridade Palestiniana foi dividido entre este e uma recém criada figura de presidente, cargo que actualmente é ocupado por Mahmud Abbas. Se até àquele momento Israel ia alegando que era impossível negociar com Arafat, fosse por este apoiar o “terrorismo”, fosse pela divisão entre a Fatah (a principal força da OLP) e o Hamas (movimento de orientação xiita, mais radical e que vinha ganhando cada vez maior apoio popular) para adiar a aplicação dos termos dos Acordos de Oslo. Com a reeleição de Ariel Sharon em 2003, o prolongamento da Intifada de Al Aqsa e alguma pressão internacional, aquele resolve iniciar um plano de retirada de tropas da Faixa de Gaza. Executado no verão de 2005 é acompanhado do reforço de medidas de segurança dos colonatos judaicos na Cisjordânia, traduzidas no início da construção de um muro em betão armado que, a pretexto de garantir a segurança das comunidades judaicas, funcionará como método de clausura para os palestinianos e inviabilizará a já muito periclitante economia palestiniana.

Apesar de retirada militar da Faixa de Gaza em momento algum Israel deixou de realizar acções militares (eufemisticamente designadas por «assassinatos selectivos») em qualquer dos dois territórios palestinianos, tomando como alvos quer militantes do Hamas quer da Fatah. Nem sequer deixou de interferir activamente na política interna palestiniana.

E AGORA…

Quando na sequência das eleições realizadas em Janeiro deste ano os palestinianos deram uma clara maioria ao Hamas, logo Israel veio reclamar contra a eleição de “terroristas”, encerrar as fronteiras com a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e apelar à comunidade internacional para boicotar o novo governo. Como se não tivesse bastado a existência de dois pólos de poder, um governo liderado pelo Hamas e um presidente afecto à Fatah, que esteve à beira de originar um conflito interno, Israel cedo contou com o pronto apoio norte-americano e da UE para suspender o apoio financeiro à Autoridade Palestiniana. Confrontada com um boicote financeiro o governo teve que se virar para alguns dos estados árabes (Arábia Saudita, Síria e Irão) e para a Rússia para tentar obter os meios mínimos e simultaneamente tentar inverter a posição ocidental.

Sem tempo prático para mostrar a sua capacidade o governo palestiniano dividido entre os dois territórios (Israel impede a circulação dos palestinianos, inclusive dos membros do governo), obrigado a efectuar reuniões ministeriais por vídeo-conferência, limitado nos meios financeiros disponíveis e agora com a Faixa de Gaza novamente sob intenso fogo aéreo e de artilharia, dificilmente Ismail Haniyeh, o chefe do governo palestiniano, poderá mostrar as suas capacidades para conduzir a Palestina num sentido diferente do do conflito.

Se esta não era a intenção de Israel desde Janeiro último e se realmente o governo israelita de Ehud Olmert estava empenhado num sincero processo de pacificação, como se explicará que a acção militar lançada sobre o Líbano apresente uma planificação tão cuidada e rigorosa que os chefes militares israelitas até conseguem definir datas mínimas para a manutenção da ofensiva?

Se tudo isto não estava de certo modo planeado como explicar a coincidência do ataque israelita ao Líbano com a degradação da situação interna no Iraque e no Afeganistão e o do ataque do Hezbollah com o aproximar da data limite dada ao Irão para a resolução do seu programa nuclear?

Por fim apenas mais uma questão para reflexão. Há muitos anos que grupos radicais judaicos reclamam a criação do Grande Israel

enquanto outros, um pouco mais moderados, se ficariam pela Antiga Israel.

De uma forma ou outra, para estes grupos o Líbano é território a ocupar e aplicação prática das suas teorizações transforma de imediato as tão propaladas acções militares israelitas de meramente defensivas em expansionistas. E mais preocupante, é que parecem encaixar perfeitamente no actual discurso da Casa Branca de criação de uma nova ordem no Médio Oriente.

Quem nega que Condoleezza Rice se referiu à recente violência no Líbano como «as dores de parto de uma nova ordem»?

sábado, 29 de julho de 2006

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS...

Têm-se visto e ouvido todo o tipo de posições, comentários e opiniões, nas televisões e rádios nacionais, a propósito da nova situação de conflito no Médio Oriente. Têm-se multiplicado os escritos e as opiniões de muita gente, na imprensa nacional, criticando ou apoiando uma das partes ou apenas manifestando a necessidade de pôr cobro a um conflito que parece atingir maioritariamente as populações civis, mas não esperava ler o que li na edição do DIÁRIO DE NOTÍCIAS do passado dia 26.

... OS RADICAIS

Sob o título de “As esquerdas anti-semitas”, com a habilidade de pena que toda a gente lhe reconhece, Vasco Graça Moura envereda por uma estratégia apologética da política belicista de Israel, questão que apenas a ele diria respeito se simultaneamente não tivesse optado por recorrer à mais primária das críticas contra quem defende o princípio inverso.

Personagem de cultura bem acima da média não seria de esperar que Vasco Graça Moura utilizasse o recurso a um argumentário particularmente grato àqueles que nada sabendo ou conhecendo e incapazes de pensarem pelos seus próprios meios, tentam reduzir os seus contraditores ao simples rótulo de anti-semitas na expectativa da prevalência do princípio do “politicamente correcto” e por esta via os silenciarem.

Misturando no mesmo saco o chamado terrorismo islâmico e a luta pela independência da Palestina, esquecendo (porque não acredito que ignore) que sobre a autoria/concretização do 11 de Setembro continuam por esclarecer demasiadas dúvidas e muitas das certezas (quem no seu juízo perfeito acredita que nos escombros de um edifício atingido por um avião carregado de toneladas de combustível pode ter sido encontrado quase intacto o passaporte de um dos designados terroristas?), rapidamente conclui que quem não apoie as acções israelitas é apoiante do terrorismo.

Maniqueísmo aparte, acusa aqueles que critica de descontextualizarem os bombardeamentos israelitas de infraestruturas básicas, tais como centrais eléctricas, pontes, estradas, edifícios civis apenas por mera suspeita e populações em fuga, mesmo depois de ter acabado de explanar a característica básica do que designa por terrorismo – a sua miscegenação com as populações civis – esquecendo novamente que essa é a principal característica de uma força combatente não regular. Aliás tempos houve em que este tipo de forças não regular foi mitificado e elevado ao patamar de patriotas – basta recordar a acção da resistência francesa à ocupação alemã do seu território durante a II Guerra Mundial. Na mesma linha de pensamento não resisto a recordar que Ossama Bin Laden, a “bête noire” de Vasco Graça Moura, foi um produto de criação do seu “deus ex-machina”, os EUA, quando a estes interessou combater a presença soviética no Afeganistão e que nos seus primórdios o grupo terrorista conhecido por Hamas foi financiado por Israel para combater a influência da OLP junto da população palestiniana.

Para atingir o objectivo de vilanizar os que pensam de modo diverso do seu, Vasco Graça Moura, nem hesita na acusação ao Hezbollah de desrespeito pelas resoluções da ONU, como se Israel fosse o paradigma dos respeitadores das decisões daquele organismo. Na ânsia de explicar o inexplicável chega a ponto de classificar de irresponsável a eleição do Hamas para a governação dos territórios palestinianos, embora não me recorde de o ter ouvido pronunciar-se contra a eleição de Mahmud Abbas para a presidência palestiniana quando americanos e israelitas pressionaram a Autoridade Palestiniana a fragmentar o poder como forma de isolar Yasser Arafat e atrasar o processo de autonomia.

Entendo perfeitamente a crítica de Vasco Graça Moura à posição de Francisco José Viegas, mas pelo que li e pelo que até agora critiquei, parece-me bem que a posição de ambos pouco difere e a sua divergência resulta apenas do primeiro entender, contrariamente ao segundo, que a Israel tudo é permitido desde que executado em nome da sobrevivência do estado judaico e como reparação ao Holocausto.

... OS MODERADOS

Mais comedido que Vasco Graça Moura, escreveu, no passado dia 20 e também no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Luciano Amaral que o conflito agora em curso sendo apenas mais um na região, não passa de uma «guerra por procuração» na qual se enfrentam os EUA e o Irão.

Não sendo de todo descabida esta leitura da situação, parece-me pecar por simplista e por admitir que o histórico conflito israelo-árabe se terá transformado mais numa espécie de “birra” que num sério e fundamentado diferendo, sequela óbvia de um processo de colonização que numa primeira fase os europeus e numa segunda americanos e russos levaram a efeito.

A própria descrição dos avanços e recuos no processo de afirmação do estado de Israel e de contestação por parte da nação árabe (convirá aqui não esquecer que os estados árabes são eles próprios uma criação artificial resultante do colonialismo inglês e francês) apresentada da forma como o faz Luciano Amaral além de deixar um gosto a «dejá vu» ainda pecará por manifestamente parcial. Esta parcialidade estará estreitamente relacionada com a questão da dualidade de pontos de vista, sabendo-se que houve, há e haverá sempre a tendência de reduzirmos os factos ao ponto de vista que mais nos interessa (ou com que nos identificamos), o que de modo algum pode justificar que uma personalidade com formação na área da história se “esqueça” de abordar a questão de como foi criado o estado de Israel.

Não querendo colocar em questão o direito do povo judeu a um estado, ninguém pode deixar de analisar o processo de implantação e de expansão daquele estado nem a forma como a comunidade ocidental sempre o tem protegido (mesmo em situações de muito fundamentada dúvida), mas partir da existência de Israel enquanto facto consumado para negar ao conjunto da nação árabe fortes razões para a contestar, tanto mais que ela nunca foi pacífica e sempre assumiu contornos expansionistas e belicistas.

Já Pedro Lomba escrevia no fim-de-semana passado, ainda e sempre no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que evita «...escrever uma linha que seja sobre Israel. Em primeiro lugar porque é um assunto armadilhado por fanatismos vários e quase me convenço, por isso, que a pacificação da zona é uma impossibilidade. Em segundo lugar porque sou instintivamente pró-Israel. Admiro Israel e a sua fatídica História, muitos dos escritores que aprecio são (ou foram) judeus e o mundo em que apesar de tudo mais me revejo tem uma origem judaico-cristã (a velha conversa sobre a importância do hífen). Depois, desde 1948 que Israel está em guerra com a vizinhança. A vizinhança não se recomenda e nunca se recomendou. Não esqueço que Israel é uma democracia cercada por ditaduras paranóicas. E antes da Europa ou dos Estados Unidos conhecerem o que é o terrorismo moderno, já Israel tinha sofrido na pele o fenómeno. Não é brincadeira

Partilhando com ele o mesmo sentimento relativamente a preferências literárias e até cinematográficas, nem por isso deixo que essa questão estética ofusque a essência do problema – a co-existência no mesmo território de um estado judaico e outro árabe – mesmo entendendo que a actual crise possa ser «…uma resposta à desordem dos tempos e, muito em especial, ao caos em que se transformou o Médio Oriente» nada me obriga a assistir silenciosamente ao uso e abuso da força como primeira e última opção de um estado que se afirma democrático.

... E OS ASSIM-ASSIM

Ontem mesmo no ABRUPTO, Pacheco Pereira escreveu, bem ao seu modo, a propósito desta situação uma interessante resenha da evolução histórica de Israel e da região da palestina desde meados do século passado. Não resistiu à tentação de distribuir umas quantas alfinetadas pelos seus ex-correligionários, mas sempre foi dizendo que a grande questão actual é a da aproximação entre o anti-semitismo e o anti-americanismo. Tal como os mais radicais defensores da “praxis” israelita e, por que não dizê-lo, judaica Pacheco Pereira refugia-se, infelizmente, numa posição reducionista na qual pouco se distingue de George W Bush. A este eu posso desculpar a estreiteza de vistas e argumentos (imagino o extremo cuidado que os seus inúmeros conselheiros e assessores devem ter para não o deixar falar demais), agora a Pacheco Pereira é de exigir outra formulação e maior elasticidade mental, para ver além daquilo que querem que vejamos.

Reduzir a contestação à actuação de Israel (e aqui estou a incluir muito mais que a actual crise) ao chavão do anti-semitismo e do anti-americanismo é apenas mais uma forma de usar a arma preferida pelos grupos de pressão judaicos (cuja existência e importância Pacheco Pereira reconhece) e próprio de quem não dispõe de mais argumentos que não sejam, ainda e sempre, o velho e estafado Holocausto.

Do conjunto dos apoiantes de Israel pouco ou nada se ouve ou lê que registe factos reais como:

  • a desproporcionalidade dos estragos produzidos pelos “rockets” artesanais e antiquados mísseis árabes quando comparados com os bombardeamentos com sofisticadas bombas direccionadas por laser, bombas de fragmentação e mísseis equipados com sofisticados sistemas direccionais;
  • os ataques a colunas de refugiados libaneses;
  • a desproporcionalidade das baixas (mortos e feridos) entre os dois lados;
  • a influência da forma como os meios de comunicação ocidental relatam os acontecimentos, tomando por exemplo o facto dos soldados israelitas terem sido «raptados» e dos dirigentes palestinianos terem sido «detidos»;
  • a catástrofe que significará para qualquer país ter cerca de ¼ da sua população deslocada.

Por tudo isto muito ainda há a dizer.

quinta-feira, 27 de julho de 2006

BOAS INTENÇÕES…

A recente polémica em torno da acumulação de cargos de autarcas em empresas municipais e da iniciativa da autarquia do Porto de proceder à concessão a privados do Rivoli, emblemática sala de espectáculos daquela cidade, trouxe-me há memória notícias que venho lendo na imprensa local, mas que outros temas têm relegado para posterior oportunidade.

Há pouco mais de um mês escrevia O ALMEIRINENSE que o presidente da autarquia de Almeirim propusera a aprovação de um contrato programa com uma empresa municipal (a ALDESC)) com o objectivo de transferir equipamentos culturais e desportivos do concelho para o domínio daquela empresa municipal.

Esta empresa, que viu a luz do dia com a designação de ALDESP e se destinava à gestão ao complexo das piscinas municipais, viu recentemente ampliadas as suas competências (daí a mudança de designação para ALDESC) e deverá agora passar a gerir outras infraestruturas desportivas, culturais e de lazer.

Aparte as dúvidas colocadas pelos vereadores da oposição, nomeadamente as relativas à gestão dos recursos humanos e às concessões (contrariamente à autarquia a empresa municipal não está obrigada à realização de concursos públicos para a concessão da exploração de espaços), o contrato-programa proposto acabou por ser aprovado mais tarde (cf. edições on line de O ALMEIRINENSE, de O MIRANTE e de O RIBATEJO), apresentando-se agora como facto consumado.

Independentemente das razões de natureza financeira e/ou operacional que ditaram esta medida, creio que a mesma deveria ter sido alvo de um debate mais alargado que, além de proporcionar o indispensável esclarecimento da motivação também afastasse outras dúvidas que por certo terão surgido aos munícipes que têm vindo a dedicar algum do seu tempo e esforço ao funcionamento das colectividades de recreio, cultura e desporto.

Não que seja esse o meu caso, mas de qualquer das formas, como cidadão que me julgo interessado e empenhado na melhoria da qualidade de vida em meu redor, gostava de ver esclarecidas algumas questões que de pronto me surgiram:

Como vão passar a funcionar as actividades que até agora as colectividades do concelho vinham desenvolvendo nas instalações “transferidas” para o domínio da ALDESC?

Já estará disponível ao público, para informação e consulta, o normativo pelo qual aquela empresa municipal pauta o processo de cedência temporária das instalações desportivas, culturais e de lazer que agora gere?

Que garantias temos que a empresa municipal não venha a preterir o interesse colectivo dos munícipes em favor de contratos de cedência dos espaços a empresas privadas, seguramente a troco de avultadas compensações, mas que tornarão inviável qualquer outro tipo de utilização pontual de iniciativa local?

Mais importante que saber quem dirige a ALDESC e quem nela assegurará uma correcta gestão de espaços com características tão diversificadas como os pavilhões desportivos e o Cine-Teatro, é para mim assegurar que espaços com as características próprias de infraestruturas colectivas não venham a conhecer em breve uma forma de uso que conduzirá a um ainda maior empobrecimento cultural e desportivo do nosso concelho.

Esta última questão é ainda mais pertinente quando é pública a calamitosa situação financeira da ALDESC (que segundo a acta da reunião ordinária do executivo onde foram apresentadas as contas de 2005, fechou aquele exercício com um resultado negativo superior a 80.000€), quando os prejuízos têm vindo a ser cobertos pela autarquia, quando já este ano foi realizado um aumento de capital para 50.000€ e que durante a discussão para a aprovação das contas o presidente do executivo manifestou a necessidade de rectificar os resultados «…mas não à custa da Câmara».

Mesmo admitindo as boas intenções que possam ter estado na origem desta decisão, a falta de esclarecimento e de debate público prévios à aplicação prática da medida, deixam-me, além da dúvida, uma profunda preocupação com o futuro de todos os almeirinenses, principalmente por este apenas ser conhecido de um conjunto de “poucos” que parecem persistir na ideia de que “sabem bem o que o povo quer”. É que como diz o ditado «de boas intenções está o inferno cheio...».

terça-feira, 25 de julho de 2006

PARA QUE SERVEM OS EXAMES?

O JORNAL DE NOTÍCIAS inseriu ontem (24 de Julho de 2006) uma extensa entrevista com a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Num momento em que ainda não se encontra totalmente resolvida a polémica em torno da decisão de repetir os exames do 12º ano nas disciplinas de Física e de Química e depois da controversa passagem da ministra pelo Parlamento, gostava de ressaltar daquele texto a ideia que aliás é apresentada no seu título - Provas nacionais no 1º e 2º cilos já em 2006/2007 - e relativamente à qual outros meios de comunicação de prontos fizeram eco e apresentaram opiniões de outros intervenientes no processo educativo nacional.

Enquanto o PUBLICO Areproduziu de forma resumida o texto da entrevista, os jornalistas Pedro Sousa Tavares no DIÁRIO DE NOTÍCIAS e Angela Marques, no mesmo jornal, fizeram-se eco daquela intenção, apresentando opiniões a favor e contra a proposta. Entre os críticos destacam-se associações de professores, enquanto as associações de pais, a FENPROF e outros professores aplaudem a ideia. Importa porém recordar que a proposta da ministra consiste em submeter a exame nacional todos os alunos do 4º e 6º ano de escolaridade obrigatória nas disciplinas de Português e de Matemática. Estas provas servirão para aferição daquelas disciplinas e não terão qualquer influência na classificação final dos alunos.

Ora aqui é que parece que reside a principal questão desta proposta. Ninguém, ministério e associações profissionais, contesta a necessidade de proceder a aferições do sistema educativo (a diferença entre exames e aferições é que estes não influem na classificação final do aluno, servindo apenas para avaliar a qualidade do ensino e não o grau individual de aquisição de conhecimentos), mas há quem defenda a necessidade destas provas prefigurarem verdadeiros exames.

Apesar de alguns especialistas em matéria de pedagogia defenderem que o facto das provas não influírem na nota final dos alunos não determina que estes revelem menor empenho na sua realização, já a Confederação Nacional das Associações de Pais e o ex-secretário de estado da educação do governo de Santana Lopes defendem que estas sejam uma componente de avaliação (só não percebo é porque o não fizeram quando passaram pelo governo).

Por mim continuo a manifestar a estranheza de haver quem julgue útil (entenda-se benéfico) que os nossos jovens passem 9 anos num sistema de educação obrigatória sem realizarem um único exame digno desse nome. Pelo contrário, são depois submetidos a uma avaliação no final do ensino secundário (única, obrigatória e determinante) para a definição da sua continuação de estudos. Nunca consegui entender como os nossos pedagogos e demais personalidades influentes na definição da política nacional de educação esperam que os jovens dominem com um mínimo de mestria uma situação delicada (e totalmente nova) como a da realização dos exames de 12º ano.

Pelo que vejo, vai-se continuar a persistir no erro de perpetuar um sistema de ensino obrigatório onde os jovens não são confrontados com a essência básica de qualquer processo de aprendizagem – a necessidade de trabalho árduo e a confrontação com provas eliminatórias – que os habilitem a progredir na aprendizagem, na aquisição de competências e até a progressivamente encararem com normalidade (que julgo meio caminho andado para o sucesso) a realização regular de provas.

No meu ponto de vista (e sei bem que não sou o único a pensar desta forma) nunca conseguiremos ter um sistema de ensino capaz de formar jovens para enfrentarem a crescente complexidade das tarefas que os aguardam (seja no mundo do trabalho, seja na continuação de estudos), enquanto estes não entenderem que a aquisição de competências requer trabalho, esforço e capacidade para ultrapassar obstáculos (exames) e ainda para superar reveses e contratempos.

Porque continuo sem entender as razões de se persistir em acenar aos jovens com um “mundo” de facilidades – acção absolutamente contra natura – quando todos sabemos que “isso” não existe, continuarei a insistir numa radical alteração na prática do sistema de educação nacional, mesmo que isso venha a traduzir-se numa degradação das médias estatísticas do sucesso escolar, defendendo a realização de exames no final de cada ciclo de ensino (actualmente no 4º ano, 6º ano, 9º ano e 12º ano) a todas as disciplinas e com carácter eliminatório.

domingo, 23 de julho de 2006

O MÉDIO ORIENTE

Há quase um mês que se registou um incidente na fronteira entre a Faixa de Gaza (território palestiniano) e o Egipto, traduzido num ataque há guarnição israelita de um posto fronteiriço próximo de Rafah. Esta acção foi reivindicada por um tal Comité de Resistência Popular, cujo porta-voz informou que contara com a participação de elementos do Hamas e de um grupo desconhecido, o Exército do Islão, destinada a vingar a morte de um dos líderes da organização – Djamel Abou Samhadana – morto umas semanas antes num raid aéreo israelita e dela resultou a captura de um soldado desta nacionalidade.

De pronto os palestinianos fizeram eco da disponibilidade para libertar o prisioneiro contra a libertação de centenas de mulheres e crianças palestinianas que Israel mantêm nas suas prisões. Quase à mesma velocidade o governo israelita de Ehud Olmert recusou negociar a libertação de quaisquer palestinianos, ameaçando invadir novamente a Faixa de Gaza caso o seu soldado não fosse libertado.

Cerca de 48 horas depois as forças militares de Israel (FDI ou Tsahal) iniciaram os bombardeamentos aéreos e de artilharia a que se seguiria a invasão de várias zonas daquele território palestiniano. Ao início dos primeiros bombardeamentos que atingiram alvos como a única central de produção eléctrica do território, pontes, estradas e instalações do governo palestiniano, os guerrilheiros do Hamas responderam com o lançamento de “rockets” Qassam sobre o território judaico.

A irredutibilidade das posições dos antagonistas manteve-se ao longo dos dias seguintes, continuando-se a assistir à sistemática destruição das poucas infraestruturas palestinianas, à detenção de ministros e membros do parlamento palestiniano e ao início da progressão de forças blindadas em direcção a Gaza.

Durante este período de tempo foi interessante assistir à passividade da comunidade internacional, que além de um ou outro apelo à moderação da resposta israelita se quedou por exigir a libertação do soldado capturado, quando não fez coro com a posição americana de declarar o direito de Israel à autodefesa. É verdade que sempre se foram organizando as habituais missões humanitárias, mas pouco mais… Raras foram as vozes que se ergueram para condenar a utilização da força bruta contra uma população indefesa e, pior ainda, já de si a viver em condições de extrema precaridade. Igualmente interessante foi assistir a imagens difundidas por diversas cadeias de televisão onde era possível constatar a deslocação dos blindados israelitas sobre campos palestinianos cultivados e estufas agrícolas (as mesmas que quando da retirada daquele território os ex-colonos judaicos deixaram intactas depois de principescamente indemnizados) isto bem à vista de estradas e outros caminhos.

Para documentar a forma como estava a decorrer a denominada operação “Chuva de Verão”, o LE MONDE escrevia no dia 8 de Julho que «(d)iversas associações israelitas de defesa dos direitos do homem pediram a intervenção do Supremo Tribunal para que o exército ponha fim a actos que parecem, segundo os seus termos, como uma "punição colectiva" de um milhão e meio de seres humanos, e não como uma "operação antiterrorista"»..

Pouco ou nada se disse ou escreveu sobre a coincidência da captura do soldado israelita com a data marcada para a assinatura entre o Hamas (partido maioritário no parlamento e que lidera o governo da Autoridade Palestiniana) e a Fatah (partido que tradicionalmente sempre liderou a luta pela libertação da Palestina e a que pertence o Presidente da Autoridade Palestiniana) de um acordo que além de pôr fim à eminência de um conflito aberto entre os dois grupos ainda deveria permitir o levantamento das sanções impostas por Israel e pelos EUA, estratégia em que foram seguidos pela UE, decretadas após o Hamas ter vencido as eleições realizadas no início deste ano e que se traduziram num bloqueio financeiro (é o estado de Israel que continua a controlar as fronteiras dos territórios palestinianos e a cobrar os respectivos impostos de uma “nação” que depende quase exclusivamente da ajuda internacional para sobreviver) que estava a asfixiar a débil economia palestiniana.

O governo israelita foi mantendo intacta a sua estratégia de asfixia sobre Gaza até que no dia 12 de Julho o Hezbollah, grupo xiita libanês, atacou uma patrulha israelita na zona fronteiriça entre Israel e o Líbano e capturou dois soldados israelitas os quais propôs libertar contra a libertações de prisioneiros libaneses e palestinianos em Israel.

Dividido entre dois fogos, o governo israelita lançou um ultimato ao Hezbollah e depois decretou um bloqueio naval e iniciou uma vaga de bombardeamentos sobre território libanês, que há semelhança do que já se registara na faixa de Gaza ultrapassava em muito o objectivo de pressionar aquele grupo a libertar os prisioneiros. Perante a inoperância da ONU e do seu Conselho e Segurança, onde os EUA têm vetado todas as decisões relativas a este novo conflito, Israel e o Hezbollah têm mantido uma rotina diária de bombardeamentos mútuos, sendo aqui de destacar que este movimento guerrilheiro tem revelado algumas capacidades acima do esperado, nomeadamente mediante a utilização de mísseis de curto alcance, com os quais já atinge a cidade israelita de Haifa e já produziu estragos numa das fragatas que mantém o bloqueio às águas territoriais libanesas.

De acordo com alguns analistas ocidentais o Hezbollah, organização guerrilheira que tal como o Hamas palestiniano se viu incluída na lista das organizações terroristas mundiais, receberá apoio logístico e material do Irão e da Síria e deverá dispor no seu arsenal de diversos tipos de “rockets” e mísseis de curto alcance, com os quais tem estado a alvejar diversos pontos do território israelita. Importa porém destacar que os mais utilizados têm sido os de mais curto alcance e que não dispondo de sofisticados sistemas de orientação acabam por funcionar mais como instrumentos de perturbação que de real produção de estragos (materiais ou humanos), contrariamente ao que sucede com as acções aéreas que Israel tem concretizado sobre a Faixa de Gaza ou o Líbano, utilizando mísseis e bombas guiadas por laser.

A confirmar este dado vejam-se as imagens dos estragos produzidos em Haifa (Israel) pelos “katyusha” do Hezbollah com o estado em que se encontra Beirute, a capital do Líbano. Estas imagens dão a perfeita noção da desproporção dos meios tecnológicos envolvidos, mas também da forma como o governo de Ehud Olmert está a encarar uma solução militar para esta crise.

Se, como pretendeu inicialmente o governo israelita, a sua actuação visa apenas a libertação dos seus três soldados capturados, parece-me que as acções desenvolvidas dificilmente a isso conduzirão. Criadas as condições para que as facções mais extremistas tomem a condução dos destinos dos confrontos, dificilmente estes cessarão em breve, tanto mais que talvez a todos os intervenientes, directos e indirectos, interesse particularmente o desenvolvimento deste novo foco de conflito.

Embora para Israel esta situação possa demonstrar a falência do modelo de “fixação unilateral das fronteiras”, como dizia preconizar Ariel Sharon, nem por isso deixa de apresentar as suas potencialidades, expressas na possibilidade de continuar a adiar uma solução estável para a questão palestiniana. Aos seus indefectíveis aliados americanos, este novo conflito poderá ajudar a distrair algumas atenções das situações que vivem no Afeganistão, onde recentes notícias dão conta do aumento das acções dos “talibans”, e no Iraque, onde o fim da presença militar americana parece cada vez mais distante.

Ao Irão, qualquer acção no Médio Oriente que possa ajudar a desviar atenções (e esforços) sobre a questão do seu programa de desenvolvimento nuclear, será útil e desejável e ainda mais se dela poder emergir numa posição de consolidação das suas aspirações a potência regional. À generalidade dos países árabes exportadores de petróleo, que muito se preocupam com os “irmãos palestinianos” mas para quem a questão fundamental ainda continua a ser a manutenção do “negócio” do petróleo e da hegemonia da sua “família” no poder, a existência de um conflito que mantenha Israel e os americanos ocupados pode sempre revelar-se útil par aos respectivos “negócios”.

Um pouco mais a norte a Rússia não enjeitará a oportunidade deste conflito, com a insegurança que trará ao mercado mundial da energia, para procurar cimentar a sua posição no segmento do gás natural e simultaneamente ver atrasado o lançamento do “pipeline”submarino entre a Turquia e Israel com a consequente abertura de uma nova rota para abastecimento do muito lucrativo mercado asiático.

Por último a UE, que fruto da ausência de uma efectiva política externa comunitária (ainda e sempre prejudicada pela inexistência de um exército único) continua dividida nos seus interesses e nas suas iniciativas, com a França a declarar-se favorável a um cessar-fogo imediato, a Inglaterra a apenas agora dar os primeiros sinais de também condenar a desproporção da actuação israelita, depois de inicialmente ter alinhado (novamente) pelas posições americanas e a Alemanha a mostrar algum protagonismo e a encabeçar uma tentativa de mediação entre as partes.

Qualquer que venha a ser a solução para mais este conflito, parece-me cada vez mais evidente que uma situação de efectiva e duradoura pacificação na região só será alcançada quando todas as partes entenderem que ninguém poderá sair fortemente beneficiado no processo. Se observarmos a evolução dos territórios judaico e palestiniano nos últimos 60 anos, chegaremos à conclusão que dos dois territórios inicialmente previstos em 1947, pouco ou nada resta enquanto território palestiniano. Aproveitando as oportunidades criadas pelas sucessivas guerras que se foram registando Israel acaba hoje por controlar um território muito superior ao inicialmente votado na Assembleia-geral da ONU em 1947. O primeiro alargamento da sua área ocorre logo com o fim da primeira guerra israelo-árabe, em 1949; depois na sequência da Guerra dos Seis Dias de 1967, Israel ocupa os Montes Golan, a parte oriental de Jerusalém, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e a península do Sinai. Embora já tenha devolvido vários dos territórios conquistados nessas guerras, a sua área cresceu quase quatro vezes em relação ao território que detinha no início.

Mas, além do crescimento registado Israel assegurou ainda a importante vantagem de controlo das fontes de água (algo que numa zona semidesértica é muito mais importante que o controlo dos poços petrolíferos).

Esta é aliás uma das razões, oficialmente nunca referida, para Israel continuar a manter a ocupação dos Montes Golan.

A relevância atribuída por Israel a este factor é tanto maior que nos acordos de Oslo logrou manter o controlo sobre as áreas da Cisjordânia irrigadas pelos afluentes do Rio Jordão e reduzir a viabilidade do próprio estado Palestiniano confinado às áreas agricolamente mais pobres.

Apesar de todas estas vicissitudes e dos muitos estragos humanos e materiais que as sucessivas guerras entre judeus e árabes têm registado ainda poderá haver uma esperança de algum dia vermos este conflito sanado?

Os mais cépticos dirão que será muito difícil, tanto mais que judeus e árabes continuam a formar as gerações mais novas sob o estigma da guerra. Isto aplica-se tanto aos fanáticos muçulmanos como aos não menos fanáticos judeus, pelo menos a atestar por imagens como esta onde jovens judias escrevem “mensagens” nas granadas de artilharia a serem utilizadas para os bombardeamentos ao Líbano. A par com este culto do ódio, Israel tem ainda primado pela utilização de uma política de permanente vitimização (ainda e sempre com recurso ao martírio do Holocausto) e de criminalização das iniciativas palestinianas, quando na realidade eles próprios se revelam tanto ou mais criminosos.

Outros, mais optimistas como Daniel Vernet que escrevia no LE MONDE «Tudo, ou quase tudo, já foi ensaiado menos um envolvimento profundo da comunidade internacional, quer dizer antes de mais os EUA, a favor de um compromisso cujas grandes linhas são conhecidas. Com presença militar no terreno, que os americanos recusam porque os sucessivos governantes israelitas nunca quiseram. A desgraça que representa a política norte-americana para o Médio Oriente, do Iraque ao Líbano, do Irão à Palestina, deveria levá-los a mudar de opinião» parecem ainda acreditar que uma mudança de política e de estratégia poderá conduzir à resolução do problema.

Por mim, vejo com dificuldade que os EUA possam vir a desempenhar, no curto prazo, outro papel além daquele a que Israel e os “lobies” judaicos o têm reduzido – apoiante fiel e sempre disponível fornecedor de sofisticado equipamento militar – tanto mais que a situação que criaram no Afeganistão e no Iraque os desqualifica como elemento moderador junto de qualquer nação ou grupo árabe. Exemplo desta limitação foi a estratégia americana seguida recentemente no Líbano, onde a pretexto do envolvimento da vizinha Síria no assassinato de Rafik Hariri conseguiram a retirada do exército sírio daquele país; sem estruturas nem capacidade adequada, o exército libanês acabou por deixar ao Hezbollah a ocupação militar do sul do seu território (há semelhança do que já acontecera em 1985 quando após a retirada de Israel do Líbano, aquela parte do território foi ocupada pela OLP) e assim abriu a possibilidade ao início de mais este conflito.

Os tempos próximos dirão até que ponto a situação actual não poderá evoluir para uma escalada no conflito. A forma obviamente exagerada como Israel tem vindo a bombardear o território libanês, provocando um número de refugiados estimado em mais de meio milhão que se dirigem na direcção da Síria, as próprias tentativas iniciais de provocar um envolvimento directo da Síria, quando nos primeiros dias do conflito a aviação judaica sobrevoou território sírio, podem muito bem constituir parte de um há muito elaborado plano para estender o conflito a todo o Médio Oriente e assim encobrir uma manobra militar para aniquilar o plano nuclear iraniano.

Poder-se-á classificar a ideia de maquiavélica, mas que as peças do “puzzle” encaixam com total sentido não pode ser negado e a eventual morte de uns milhares de árabes poder-se-ão sempre contabilizar entre os agora tão na moda danos colaterais. O fundamental é assegurar que nenhum estado da região possa vir a constituir a mais pequena ameaça à política judaica na região, nem à dos seus aliados americanos no mundo.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

ONDE UNS VÊEM MÉDIAS OUTROS PODEM VER OUTRAS REALIDADES

Num estudo recentemente publicado pelo EUROSTAT, denominado “Tendências das despesas da função pública por agregados, 2000-2004” conclui-se que as despesas com a protecção social, a saúde e a educação são as que apresentam maior crescimento relativamente ao PIB, enquanto as outras revelaram uma tendência estável ou pouco definida.

Mas, tão importante quanto a avaliação destas tendências, como referiu o DIÁRIO DE NOTÍCIAS é apreciar a posição relativa do nosso país naquele estudo. Como habitual neste tipo de análises comparativas, pouco nelas se encontra que nos possa alegrar.

Assim, de acordo com aquele estudo, os gastos em Portugal em matérias como a protecção social, a defesa e a protecção do ambiente são inferiores à média da UE. E o pior é que apesar dos aumentos registados entre 2000 e 2004 com a protecção social (quando passámos de 12,5% para 15,2% do PIB), o desvio persiste quer seja comparado com a média da Zona Euro, da UE15, ou até da UE25.

Se esta comparação já nos é desfavorável, que dizer da efectuada com os países mais “esbanjadores”, o Luxemburgo e a Suécia, que no mesmo período gastaram o equivalente a 28% e 24,3% do PIB, respectivamente, tanto mais que a palavra de ordem actual está a ser a redução dos gastos públicos (equilíbrio orçamental obriga) e em especial os de componente mais social por se entenderem menos geradores de “riqueza” e de crescimento económico.

Pelo contrário já agregados como a segurança pública, a educação e o apoio ao desenvolvimento da actividade económica, apresentam um nível de despesa superior à média europeia, o que fundamenta a pronta interrogação – então porque é que os “resultados” são tão maus? Porque é que as queixas são constantes e os resultados do sistema de educação nacional são tão maus? Então porque é que os empresários nacionais persistem em queixar-se da falta de apoios e a economia nacional continua sem registar o crescimento necessário?

Mas se neste estudo do EUROSTAT ficámos mal colocados, já num outro, patrocinado pela Comissão Europeia e citado pelo DIÁRIO DE NOTÍCAS, sobre os preços dos serviços bancários podemos exibir o galardão de um segundo lugar.

Espectacularmente, ou talvez não, os bancos portugueses são dos que cobram maiores comissões pelos serviços que prestam – vendem – aos seus clientes, logo atrás da Grécia.

No conjunto dos indicadores analisados Portugal marca posição de destaque nas margens e “spreads” (comissão que acresce à taxa de juro tomada como referencial) cobrados sobre os empréstimos, nas comissões de amortização antecipada dos empréstimos e nas comissões de encerramento de contas.

O trabalho agora apresentado retoma as conclusões de um outro, produzido pela OCDE sobre a concorrência bancária, capítulo em que também não apresentamos uma posição recomendável (isto em função da persistente defesa dos princípios da livre concorrência sempre tão citados pelos nossos governantes), sendo o terceiro país europeu em que o peso da banca pública (Caixa Geral de Depósitos) é maior e o segundo com maiores barreiras à entrada de bancos estrangeiros.

A conjugação dos resultados destes dois estudos parece revelar (para quem o queira ver) aquela que é a nossa maior fragilidade – a postura de submissão aos ditames da “moda” (agora o que está “in” é o neo-liberalismo económico caracterizado por uma política de redução das despesas públicas, acompanhada da extinção ou privatização das suas responsabilidades sociais, e o primado da maximização dos lucros dos accionistas a qualquer preço) mesmo quando as economias onde estes modelos têm vindo a ser aplicados funcionam em patamares de desenvolvimento superiores ao nosso e começam a evidenciar já sinais de esgotamento.

Como se não nos bastasse este estigma de “copistas” (reprodução integral e acrítica do que vemos outros fazerem) ainda temos que adicionar o resultado das poucas políticas sectoriais potencialmente correctas serem aplicadas (quer pelo actual governo quer pelos que o antecederam) por grupos de arrivistas muito mais interessados nos ganhos pessoais (sejam eles de natureza política ou financeira) que na obtenção de resultados positivos para o conjunto da sociedade portuguesa.

Mais do que as evidentes carências financeiras e as discutíveis políticas económicas e sociais aplicadas, parece-me evidentemente demonstrada a incapacidade da actual geração de governantes para conduzir de forma assertiva e desinteressada a coisa pública com vista a um crescimento sustentado, mas equilibrado, do bem-estar geral e em benefício do colectivo.

domingo, 16 de julho de 2006

OS MAUS RESULTADOS DOS EXAMES

Conforme noticiaram esta semana os jornais nacionais os resultados dos exames nacionais do 9º e 12 º ano de escolaridade voltaram a revelar resultados desanimadores.

Se as médias nos exames do 9ºano de matemática subiram ligeiramente (64% de negativas contra 70% no ano passado), já as de português (46% de negativas contra 23% em 2005) apresentam resultados francamente piores. Quanto ao 12 º anos que dizer da descida generalizada das médias?

Ano após ano voltamos a confrontar-nos com este tipo de resultados sem que efectivamente se comecem a vislumbrar qualquer tipo de melhorias, isto apesar dos discursos que repetidamente vamos ouvindo de políticos e técnicos desta área tão sensível.

Aliás, se calhar boa parte das explicações para este tipo de fenómenos não radica apenas num qualquer dos sectores intervenientes, antes sendo o reflexo da conjugação de todos eles.

Os resultados dos dois níveis de escolaridade analisados devem merecer, por características específicas de cada um deles, abordagens diferentes.

No caso dos exames do 9º ano, etapa que marca o encerramento do período de escolaridade obrigatória, parecem-me ainda mais preocupantes que os do 12º ano, uma vez que estes deveriam conferir a cada aluno uma certificação de capacidades e conhecimentos que os habilitaria ao início de uma vida activa na sociedade portuguesas.

Acontece que aquilo que verificamos é que cerca de 50% destes não demonstram ter adquirido essas tais capacidades. As razões para estes resultados não podem ser procuradas apenas num qualquer dos lados do problema (professores, alunos, pais, ministério da educação) mas na forma como estes diferentes grupos interagem e de como cada um deles pretende ver resolvidos os seus “problemas”.

Não bastará que o ministério avance com propostas de novas abordagens pedagógicas, novos programas curriculares ou novos horários de trabalho para os professores, enquanto pais e alunos continuarem a encarar a escolaridade obrigatória como isso mesmo – obrigatória; algo que se cumprirá de uma forma ou outra…

Dos professores há que esperar um melhor desempenho (que toda a gente sabe muitas vezes passa apenas por melhores condições de exercício da sua função) mas também um maior rigor e menor displicência perante o fenómeno da “obrigatoriedade”, predispondo-se mesmo a enfrentar o poder político que apenas pretende ver cumpridas s metas estatísticas do sucesso escolar.

Aos políticos (estejam eles no poder ou na oposição) deveremos exigir novas e mais rigorosas condições medidas para que a política de educação nacional saia do marasmo e do abandalhamento em que se encontra; a quem serve uma força de trabalho que após 9 anos de escolaridade se revela incapaz de desempenhar as mais básicas tarefas que envolvam o cálculo e a interpretação de instruções escritas? Como podem os nossos políticos continuar a falar em progresso tecnológico quando quase 50% dos nossos futuros trabalhadores obtém níveis de classificação como os anteriormente descritos?

Aos pais e encarregados de educação cabem dois importantíssimos papeis, caso realmente queiramos caminhar no sentido de inverter esta situação. Primeiro, o da fazer sentir aos seus filhos que a escola (com todas as suas virtudes e defeitos) é um local de aprendizagem e que esta tarefa de alguma forma se assemelha à que eles próprios executam nos seus locais de trabalho – isto é que a aprendizagem é um processo que exige esforço, vontade e trabalho para ser alcançada com sucesso – e que lá, como em todos os lugares, existem regras e objectivos mínimos para cumprir. Segundo, o de não aceitar de forma passiva os maus resultados dos seus filhos nem a falta de qualidade e de condições que as escolas possam apresentar, devendo procurar com a escola e os professores as soluções para o primeiro e com as associações de pais e ministério as soluções para a segunda.

Das escolas há que exigir os melhores esforços para o cumprimento da sua principal razão de existência – o ensino e a formação das gerações futuras – e que deixem de funcionar como meras estruturas de acolhimento de jovens durante algumas horas diárias.

Sendo verdade que em Portugal se despendem verbas proporcionalmente superiores às de outros países com a educação, a razão para os maus resultados apenas poderá estar na sua inadequada utilização, havendo então que criar mecanismos para uma maior responsabilização de quem gere esses meios (ministério da educação, autarquias e conselhos executivos das escolas) e, talvez, no desenvolvimento de novos órgãos de gestão mais orientados para os alunos (o tal objectivo de ensino e formação) e menos para questões acessórias.

O caso concreto dos exames do 12º ano parece-me justificar uma abordagem ligeiramente diferente, por se tratar de um nível de ensino orientado para o prosseguimento de estudos de nível superior, no qual os jovens já devem apresentar um nível de conhecimentos e um perfil mais adaptado a maiores níveis de exigência.

Porém, como bem sabemos, a generalidade dos jovens que ingressam no ensino secundário não podem deixar de apresentar todas as limitações decorrentes de um longo período de ensino obrigatório onde competências como o esforço e a dedicação nunca forma estimuladas. Pior ainda, o que na generalidade constatamos é que os professores deste nível de ensino se queixam dos reduzidos conhecimentos adquiridos na fase anterior.

Perante este “handicap” dificilmente os jovens conseguem recuperar o tempo perdido e ainda menos os professores conseguirão cumprir os objectivos que lhes são exigidos. Desta situação dificilmente poderão resultar alunos com níveis de preparação adequados ao ingresso no ensino superior, daí talvez os generalizados maus resultados nos exames nacionais e o acréscimo de dificuldade que muitos jovens encontram para o prosseguimento de estudos.

Se para as famílias com maiores rendimentos esta situação não é muito complicada (há sempre a hipótese de “enviar” o jovem para uma universidade privada ou para o estrangeiro), já para as de menores recursos esta fase converte-se num acréscimo de pressão sobre os jovens (que é precisamente aquilo para que eles estão menos preparados), com naturais reflexos nos resultados dos próprios exames.

Sem querer de modo algum desculpabilizar os jovens pela sua quota-parte de responsabilidade nos maus resultados dos exames nacionais, não tenho qualquer sombra de dúvida que estes são principalmente fruto das nossas incapacidades.


sexta-feira, 14 de julho de 2006

VOLTÁMOS À CORRIDA AO ARMAMENTO?

As notícias recentemente divulgadas que davam conta dos testes realizados a um novo sistema de mísseis balísticos de médio alcance pela Índia (AGNI-3 com um alcance de 4.000 km), é apenas mais um dado a juntar aos testes realizados pela Coreia do Norte, que no início do mês procedeu ao ensaio de vários dos seus mísseis, incluindo o Taepodong-2, reputado com um alcance da ordem dos 6.000 km.

A Coreia do Norte, a Índia e o vizinho (e arqui-rival) Paquistão possuem os seguintes sistemas de mísseis:

operacionais ou em desenvolvimento, sendo que a Coreia do Norte se encontra a ensaiar uma versão de três andares do Taepo-Dong 2, com um alcance estimado entre 10.000 e 12.000 km, o que introduzirá aquele país entre os equipados com ICBM (intercontinental balistic missile).

Se a estas notícias juntarmos a polémica que rodeia o programa nuclear iraniano (país que dispõe com os Shahab-3 e Shahab-4 de lançadores de médio alcance – até 2.000Km), com os EUA a pretenderem que este se destina a fins militares, e as dificuldades desde sempre sentidas pela Agência Internacional de Energia Atómica (organismo da ONU encarregue de acompanhar e regular o desenvolvimento de sistemas nucleares) para monitorar e “controlar” o desenvolvimento de arsenais nucleares, tanto mais que foram (são) as principais nações nucleares a equiparem os “estados amigos” com os meios que pretendem ver recusados aos outros.

Para o melhor ou o pior dificilmente os EUA conseguirão argumentos para impedir estados como a Coreia do Norte, o Irão ou outros de se dotarem de armamento nuclear, quando eles próprios equiparam países como Israel e a Alemanha com esses mesmos meios.

Aliás, o próprio mecanismo do Tratado de Não Proliferação Nuclear não conseguiu impedir que estados como a Índia e o Paquistão já disponham daquele tipo de armamento. Quando na sua origem, em 1970, tinha como objectivo limitar as armas nucleares dos cinco países que o reconheciam - EUA, a então União Soviética, Grã-Bretanha, China e França (estes dois últimos só o ratificaram em 1992) – bem como limitar a transferência de tecnologia para países “não-nucleares”, já países como Israel e a Índia procediam a ensaios nesse campo.

Aos fundadores, todos membros do Conselho de Segurança da ONU, foram-se juntando outras nações, facto que não tem impedido que diversos estados tenham vindo a desenvolver esforços para atingirem o domínio daquela tecnologia, contando-se entre os mais recentes candidatos o Irão e o Brasil.

Para qualquer estado candidato ao papel de potência regional a simples disponibilidade da tecnologia nuclear é curta; a esta terá que ser adicionado o desenvolvimento de vectores de transporte dessa mesma tecnologia. Assim se entendem os recentes ensaios de sistemas de mísseis pela Coreia do Norte e pela Índia, que englobaram já transportadores de médio alcance.

No início deste ano o director-geral da AIEA, o egípcio Mohamed El Baradei, revelou-se, numa entrevista ao semanário alemão “Der Spiegel”, seriamente preocupado com a grande probabilidade de uma guerra atómica, por em seu entender o mercado negro da tecnologia nuclear se encontrar em crescimento, mercado no qual operam peritos nucleares, empresários e até órgãos estatais.

O diplomático El Baradei não o disse, mas eu acrescento, que boa parte deste acréscimo de risco deriva do clima de instabilidade que nos últimos anos tem sido transferido para o campo militar, muito por via das acções político-militares originárias em Washington e pela substituição da arma da diplomacia pela diplomacia das armas.

Esta inversão de valores é particularmente evidente quando um estado, seja ele qual for desrespeita os mais elementares princípios da ordem internacional – rejeitando a autoridade do Tribunal Penal Internacional para os seus soldados, invadindo estados soberanos a seu belo prazer, declarando “guerras contra o terror” e não tratando os respectivos prisioneiros ao abrigo da Convenção de Genebra por não os considerar prisioneiros de guerra e sim “terroristas” – e da própria ordem interna quando faz aprovar leis que atribuem poderes ditatoriais ao seu presidente, lança programas generalizados de escutas telefónicas e cerceia a actuação de organismos internacionais e advogados em nome da defesa da civilização contra a barbárie.

Perante um cenário desta natureza, ao qual nem o recente anúncio de que a administração norte-americana virá a aplicar os princípios previstos na Convenção de Genebra aos prisioneiros detidos em Guantánamo introduz significativas alterações, não será de estranhar que vejamos crescer o número de países candidatos à utilização de armamento nuclear.

Igualmente determinante neste cenário de incerteza e instabilidade tem sido o papel de Israel, não só por possuir armamento nuclear (situação que não admite publicamente), mas principalmente por não ter aderido ao tratado de não proliferação nuclear nem aceitar o papel fiscalizador da AIEA (tudo isto com o beneplácito e a cobertura dos EUA) e por integrar um dos focos permanentes de conflito – a Palestina – como actualmente se pode comprovar.

De forma mais ou menos silenciosa outros países estarão a trabalhar no sentido de se virem a dotar daquele tipo de armamento, entre estes conta-se o Brasil, país que há muito tempo pretende ser reconhecido como potência regional e do qual se diz que também estará a desenvolver um programa “secreto” com vista à produção do seu primeiro engenho nuclear.

Se às questões de domínio regional juntarmos a política unilateralista e sectária que os EUA – estado que continua a pretender afirmar-se como polícia e juiz de todos os outros – persiste em praticar, não será de estranhar que se viva o que parece ser uma nova fase de corrida aos armamentos, praticada agora não apenas pelos candidatos a grandes potências, mas também pelos que anseiam por algum protagonismo ou supremacia regional.

A juntar a estas dificuldades El Baradei lamentou ainda naquela entrevista que a AIEA não tenha conseguido impedir o Paquistão, a Índia e Israel de construir armas nucleares e lembrou que é aquela agência que compete o controlo dos processos de desarmamento e não aos EUA ou outros parceiros da cena mundial.