domingo, 26 de novembro de 2017

O SEU A SEU DONO

Num texto publicado no Facebook e reproduzido no blogue Estátua de Sal, Jorge Bateira, explica, do seu ponto de vista, a importância da existência de moeda soberana; porque  «...primeiro o Estado gasta e gera défice -> depois, a economia cresce e gera emprego (o Estado também pode ter programas sociais de emprego) -> a seguir, as receitas do Estado aumentam e os subsídios sociais de desemprego, e outros, baixam => orçamento reequilibrado».

Não tentando sequer negar a evidência do quadro argumentativo sempre recordo que o problema da moeda única não reside na sua supranacionalidade, antes no facto do BCE não financiar directamente os estados. O simples fim da exclusividade do sistema bancário no acesso à moeda única (um absurdo prático sustentado no argumentário neoliberal de que a mera emissão de moeda é geradora de inflação, quando à eviência isso só acontece se aquela ultrapassar sistematicamente as necesidades de financiamento da economia real) que lhe tem conferido um verdadeiro monopólio e, pior, um persistente desvio dos meios financeiros necessários ao investimento e ao crescimento económico para a especulação financeira.


Para retomar o título do texto, «Dentro do euro não há dinheiro» porque os políticos que desenharam a moeda única fizeram-no, não no interesse dos povos europeus mas sim no dum sistema financeiro que há muito abdicou da sua função de financiamento à economia real para responder aos interesses dos sectores rentistas, dedicando-se quase exclusivamente a uma economia de casino que exige crescimentos permanentes aos seus actores.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

TRUQUES

A notícia hoje difundida, segundo a qual, Hassan Rouhani, o «Presidente iraniano declara o fim do Estado islâmico» deve ser recebida com a devida moderação e entendida como reacção do Irão, um dos sérios candidatos ao reconhecimento como potência regional no Médio Oriente, à informação que tem chegado de Riad.


Nem o Daesh, apesar dos seus esforços, nunca assumiu a verdadeira estrutura dum “estado” para que o avolumar de derrotas determine a sua extinção, nem o Irão, apesar da relevância do seu envolvimento, pode anunciar o fim duma crise que ainda tem muito para durar. É certo que, contra as expectativas e as intenções do Ocidente, o excessivamente vilipendiado regime de Bashar Al-Assad tem vindo a acumular sucessivas vitórias (fortemente apoiado pelos seus aliados russos e iranianos) e isso é uma realidade a que a imprensa ocidental não tem dado o devido destaque, o que no rescaldo irá custar mais alguns amargos diplomáticos, mas para já as questões centrais na região continuam a ser a luta pela hegemonia regional, que se disputa no triângulo Turquia – Arábia Saudita – Irão, e a sempre eterna questão palestiniana que continua a oscilar ao sabor daquela e dos interesses do alinhamento Washingtom – Tel-Aviv.

Lembre-se, a propósito, a recente notícia de que Donald «Trump ameaça fechar delegação da OLP» em Washington, apresentada como mecanismo de pressão para forçar os palestinianos a negociações construtivas com Israel, mas que depois de conhecida a reaproximação entre os dois movimentos palestinianos (a OLP e o Hamas, movimento próximo da Irmandade Islâmica) parece mais uma manobra para agradar à Arábia Saudita (isto na sequência de em Maio último termos lido que contratos de 110 mil milhões de dólares foram assinados durante uma visita de Trump) e ao lobby judaico norte-americano, que terá um digno representante em Jared Kushner (o genro, de ascendência e formação judaica, que Trump encarregou do dossier israelo-palestiniano), obviamente visto com enorme suspeita pelo lado palestiniano.

domingo, 19 de novembro de 2017

AO LADO

Continua a ser gratificante acompanhar o interesse que muitos dos principais economistas nacionais dedicam ao debate sobre os grandes problemas do país, bem como as chamadas de atenção que nos deixam. Entre estes destaco o Prof César das Neves pela seu contínuo labor naquela senda.

O seu último contributo chegou-nos ontem nas páginas do DN e nele o autor propõe-se conduzir-nos num processo de aprendizagem e disciplina que a todos oriente para não passarmos «Ao lado da questão»... da grande questão em torno dos grandes problemas do país!

Depois de vituperar as prioridades do actual governo, nas suas próprias palavras o «...aumento e a proteção do rendimento disponível das famílias, o alívio da asfixia fiscal da classe média, o desendividamento e condições de investimento das empresas, o combate à pobreza, a garantia de serviços e bens públicos essenciais...», reorienta-se para os diagnósticos apresentados por grandes organizações internacionais, como o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, para concluir que não aqueles os grandes problemas nacionais mas sim a decadência demográfica e a esassez de capitais.
É evidente que o profundo sentido litúrgico do Prof César das Neves o impede de ver que para fundamentar a sua conclusão podia – devia e nem sequer era difícil – ter escolhido melhor argumentário que a citação das mesmíssimas organizações que antes sustentaram que não havia alternativa à política de “austeridade-expansionista” que não alcançou o tão propalado desiderato de “resolver a crise”, como defendiam aquelas organizações internacionais e o anterior governo, tão solícito e ansioso por lhes agradar.

Pouca gente duvidará da necessidade de corrigir a pirâmide demográfica nacional, mas apontar o aborto e a eutanásia entre os principais responsáveis pelo problema, quando as estatísticas apontam para uma redução dos abortos (IVG) realizados nos estabelecimentos de saúde (menos de 16.500 ocorrências em 2015 contra mais de 18.600 em 2008) e para uma queda de décadas na relação entre o número de activos e o de idosos, revela, no mínimo, uma evidente falta de integridade intelectual da parte do autor.

Mesmo descontando a sua conhecido verrina contra a despenalização do aborto, esta é uma falha imperdoável, mas não isolada, pois de seguida aponta como origem do problema, a par com a baixa taxa de fertilidade, um dos maiores surtos migratórios da história (segundo diz teremos perdido 7% da população activa entre 2007 e 2016), esquecendo (ou escondendo, o que ainda é pior) que o pico do surto migratório ocorreu precisamente em 2014, no auge da aplicação da tal política de “austeridade-expansionista” e quando os governantes da época exortaram os jovens a “sair da sua zona de conforto e a emigrarem”; para os mais esquecidos, como o Prof César das Neves, basta recordar «Como Passos e outros governantes apelaram à emigração».

Seria difícil, ao invés, referir a persistente redução do número de nascimentos (de uma média de mais de 100.000 nascimentos anuais, na década de 1990, caímos para menos de 81.600 em 2014) e procurar explicações em causas como a situação da mulher perante o emprego, o aumento das cargas horárias e a evolução do desemprego e do rendimento das famílias? Talvez... mas seguramente mais honesto!

Outro tanto poderá ser dito da explicação apresentada para a excassez de capital, que atinge as raias do delírio quando, fazendo tábua rasa da memória recente, invoca a alienação de empresas a estrangeiros como causa para a fragilização do capital nacional, como se esta prática não tivesse sido fomentada/imposta pelas grandes organizações internacionais – o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, que a presentaram como panaceia para a perdularidade e o despesismo nacionais – cujas orientações tanto tem prezado, e sem denunciar a enorme iresponsabilidade que terá sido a sua acatação.


Por fim, qual cereja no topo do bolo, o Prof César das Neves lá vai reconhecendo que o actual governo tem atingido o objectivo do equilíbrio das contas públicas, ainda que aponte «...o enviesamento e a fragilidade dos expedientes usados na descida do desequilíbrio...», para concluir que o resultado «...não constitui verdadeira consolidação orçamental» porque, como «...dizem [a] Comissão Europeia e [o] Conselho das Finanças Públicas, a reposição de pensões e salários de funcionários prejudica o défice estrutural...», como se o fracasso dos anteriores governos no controlo do défice não tivesse sido uma constante.

Em resumo, e como em tantas ocasiões anteriores, o Prof César das Neves aborda as grandes questões nacionais na mesma perspectiva que atribui aos que critica, também ele «...segue pressões e satisfaz clientelas, sem ligar aos verdadeiros problemas nacionais».

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

ESTRONDO?

As notícias recentemente chegadas de Angola, segundo as quais foi «Isabel dos Santos exonerada da Sonangol», tiveram o efeito de despoletar um conjunto de comentários esperançosos sobre o futuro daquela antiga colónia portuguesa. Por cá muitos parecem acreditar que “as coisas vão mudar”, talvez como anteriormente acreditaram no promissor futuro que tínhamos construído naquele país.


Enquanto o director do EXPRESSO Pedro Santos Guerreiro destacou «O estrondo de Isabel dos Santos», o seu colega Ricardo Costa vai mesmo ao ponto de escrever no mesmo EXPRESSO que esta inciativa do novo presidente «tem algo de revolucionário», como se aquilo a que assistimos pareça ir além de uma mera luta pelo poder. Mesmo depois de conhecido que «João Lourenço afasta dois filhos de José Eduardo dos Santos da televisão pública de Angola», continuam a ser necessárias muitas outras medidas para se poder afirmar que estará em curso em Luanda algo mais profundo e salutar que a mera substituição duma oligarquia.

Só o futuro dirá se João Lourenço é ou não uma nova versão da mesma elite que as potências colonizadoras criaram em todos os territórios que tiveram sob a sua administração, criaturas que à imagem e semelhança do criador apenas aprenderam os processos de apropriação da riqueza colectiva...

terça-feira, 7 de novembro de 2017

PARADISE PAPERS

A propósito da recente divulgação de mais um “caso” envolvendo a actividade ilegal dos chamados paraísos fiscais e da escaldante notícia onde «Nova fuga de informação expõe rainha de Inglaterra», eis que quando questionado sobre o assunto o líder trabalhista inglês (na oposição) Jeremy «Corbyn sugere pedido de desculpas de Isabel II sobre bens offshore», no que parecendo uma clara condenação dos ilícitos fica muito aquém do mínimo a esperar de qualquer líder político que preze a defesa do interesse-geral em detrimento dos interesses individuais.


A verdadeira dimensão seria dada pela afirmação de que à rainha (enquanto autoridade nacional máxima) deveria ser exigida uma reparação pela ilicitude e uma veemente actuação no sentido de a transformar em algo de irrepetível por qualquer dos seus súbditos.
Dir-me-ão que deliro ou que espero o impensável!

Poderá ser, mas a evasão fiscal não constitui apenas um crime contra aqueles que pagam os seus impostos, é um privilégio apenas alcançável pela mesmíssima elite que há décadas se escuda no argumento da legalidade enquanto vem sendo beneficiada pelo dogma que defende a concentração da riqueza como via para melhorar a sua distribuição; vulgarmente conhecida como “trickle down economics”, defende o princípio de que a concentração de riqueza nos grupos com maiores rendimentos, por exemplo por via fiscal, favorecerá o investimento em virtude da sua menor propensão marginal ao consumo e tem sido seguida pelo menos desde a década de 1980, com os resultados que todos temos podido observar na prática: uma crescente concentração da riqueza global num número cada vez menor de agentes económicos e um agravento da desigualdade em geral.

Comprovando que assim é, assistimos à cíclica revelação destes “negócios” sem que os poderes estabelecidos actuem de forma diversa desta, onde «Bruxelas espera que Estados-membros redobrem esforços no combate à fuga e a evasão fiscal», enquanto convenientemente se exime a qualquer medida prática que a tal conduza, num silêncio e numa inércia hipócrita e totalmente inversa à sanha fundamentalista que revelou na tentativa de debelar a crise do euro.