segunda-feira, 29 de agosto de 2016

MUITO E BEM, HAJA QUEM

Ao ler este fim-de-semana o artigo do EXPRESSO, «Muito e bem, haja quem», sobre a famigerada questão da produtividade, veio-me há memória algumas das coisas que neste espaço tenho escrito sobre o assunto.


Mesmo considerando que o artigo aborda a questão numa perspectiva sociológica, não posso deixar passar em claro que existem outras abordagens para um tema que há muito ensombra o nosso quotidiano. Exemplo disso mesmo são os diversos “posts” que desde 2007 lhe tenho dedicado e cuja leitura (ou releitura) aconselho vivamente:

ISTO É UMA ESPÉCIE DE ALERTA

EMPRENDORISMO NACIONAL, SIM! OPORTUNISMO, NÃO!

PROBLEMAS DE QUE SE DEVE FALAR... MAS DE FORMA TRANSPARENTE

CANTOS NOVOS, RUMOS VELHOS

REALISMO NACIONAL

A DÚ(Í)VIDA QUE NOS UNE

SOBRE A PRODUTIVIDADE

PORTUGAL – UM RETRATO ECONÓMICO

LIÇÕES DA GRANDE DEPRESSÃO

IMAGENS FATAIS

OS JOVENS NÃO SÃO “LEMMINGS”

A CRISE, O EMPREGO E O RENDIMENTO

CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA

COMPETITIVIDADE, PARA QUE TE QUERO?

PARADIGMA DO EMPREGO

mesmo os mais datados podem contribuir para que todos façamos a nossa reflexão sobre o assunto.


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

UN CHIEN À MONTREUX

Assinala-se hoje o centenário do nascimento de um dos nomes maiores da música contemporânea; francês por adopção, mas monegasco por nascimento, Léo Ferré não foi apenas o compositor de algumas da mais conhecida música popular francesa, antes um artista polifacetado que juntou à música a densidade da sua poesia (publicou cerca de dezena e meia de livros) ou a de outros poetas consagrados – como Charles Baudelaire, Louis Aragon, Guillaume Apollinaire e Arthur Rimbaud – e o valor dos seus ideais.

Lembrá-lo tão só como o autor de “Avec Le Temps” não é apenas injusto, como redutor é associá-lo apenas ao ideário libertário; Ferré foi muito mais que isso... Compôs música popular mas também a ópera “La Chanson du Mal-Aimé” e uma “Sinfonia Incompleta”, escrevendo e interpretando com todo o seu sentimento verdadeiros panfletos de inconformismo.


Quem nunca ouviu o já referido “Avec Le Temps”, “Amour Anarchie”, “La Solitude” ou até “Un Chien à Montreux” (gravação ao vivo da sua passagem pelo Festival de Montreux), tem agora uma boa oportunidade para se redimir e deixar-se embalar pelo jovem velho sem idade que é Léo Ferré...

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

CAUSA GRANDE DISCÓRDIA

Com o anúncio de que o «BCE aprova administração de António Domingues», parecia concluído a saga que há vários meses envolve o processo de substituição da administração da CGD liderada por José de Matos.

Sucede porém que ao confirmar-se que o «BCE dá luz verde a nomes da CGD, mas chumba poderes do novo presidente» ou que o «BCE obriga novos administradores da CGD a irem à escola... e têm de passar», avolumam-se as dúvidas sobre a efectiva capacidade dos novos gestores para levarem a cabo uma tarefa difícil desde o início e agravada ainda com uma apresentação de resultados onde uma «CGD com prejuízos de 205 milhões no semestre» parece não conseguir inverter os maus resultados.


Quando o «BCE aprova 11 administradores mas chumba outros oito» pode não significar apenas uma questão de incompatibilidades – a habitual prática de acumulação de cargos de administração – mas também uma questão de adequação, que o anúncio de que o «Governo vai rever lei bancária para recuperar nomes chumbados na CGD» não augura nada de bom, tanto mais que já é sabido que um dos parceiros de coligação, o «BE defende lei que “limite e discipline” número de cargos acumulados».

Claro que a nomeação desta equipa gestora, como a das anteriores, tem estado envolvida em polémicas várias, que vão desde a evidente preponderância de gestores originários do concorrente BPI – que levou o NEGÓCIOS a escrever que o economista «Eugénio Rosa teme “OPA de grupos económicos” sobre gestão da CGD» – até à dimensão da equipa: 19 nomes entre administradores executivos e não executivos. Tudo isto quando continuam a impor-se restrições de gastos com pessoal, se fala na redução de mais 2.500 trabalhadores e quando a nova equipa fez depender a sua participação do levantamento dos limites às respectivas remunerações, enquanto os trabalhadores continuam a ver-se iludidos com a promessa de recuperarem os que lhes foram cortados.

Este não é apenas um mau sinal transmitido para toda a estrutura duma empresa que é não só o maior banco nacional, mas o principal financiador da actividade económica, incluindo as sempre tão referidas PME. Muitas vezes esquecido (e intencionalmente) é o facto da CGD continuar a ser o principal financiador da economia portuguesa (mais de 71 mil milhões de euros em 2015) tendo até aumentado o crédito às PME, do mesmo modo que as muito referidas imparidades (quase 5,3 mil milhões de euros entre 2008 e 2015) não chegam a representar 7% do crédito concedido quando os concorrentes BCP e BES/Novo Banco apresentam rácios de 11,2% e 8,9%, para o mesmo período.

A juntar a todo o imbróglio da substituição da administração (processo sempre controverso na caso da CGD e maior ainda quando no caso vertente parece chamar-se uma equipa do BPI para assegurar a gestão do banco público e que já originou que um «Sindicato acusa nomes para CGD de "bom serviço prestado aos interesses do capital"»), registou-se ainda a famigerada tirada do Ministro das Finanças quando referiu a existência dum “desvio”, termo que na gíria financeira (que ele bem conhece ou não fosse um ex-quadro do Banco de Portugal) significa um “buraco” nas contas, na abordagem da questão da necessária recapitalização da CGD e o arrastar da decisão agora conhecida do BCE.

Assim, em plena “silly season” gastamos tempo e energias a discutir a composição da equipa de administradores e o cumprimento de decisões do BCE que raiam o insultuoso para alguns dos candidatos propostos, em lugar de estarmos a debater o que realmente era importante para o futuro da CGD e do país: qual o papel que pretendemos para o banco público e com que meios – montante e forma de realização dum aumento de capital obrigatório face a alguns dos negócios ruinosos promovidos ou patrocinados por anteriores administrações, como foram o caso dos empréstimos à UGT, decidido por administração liderada por João Salgueiro, dos financiamento para compra de acções do BCP por parte de alguns dos seus principais accionistas (Joe Berardo, Moniz da Maia, Manuel Fino e Teixeira Duarte, entre outros), garantidas pelo valor das próprias acções, a integração do BNU em condições altamente desfavoráveis para a CGD, o processo de internacionalização levado a cabo no Brasil e em Espanha, a nacionalização do BPN e o posterior financiamento de 4,1 mil milhões de euros que continua por pagar, a alienação de participações financeiras em condições altamente desfavoráveis decidida pelo governo de Passos Coelho, além doutras operações que em 2015 ascenderiam a mais de 2,3 mil milhões de euros em risco de não pagamento, dos quais o principal devedor é uma empresa do grupo espanhol La Seda (onde a CGD deteve quase 15% do capital) com 476 milhões de euros, António Mosquito/Soares da Costa (338 milhões de euros), a EFACEC, com um crédito de 303 milhões de euros, Vale de Lobo (cerca de 300 milhões de euros), Auto-Estradas Douro Litoral (271 milhões de euros), Grupo Espírito Santo (237 milhões de euros) e o Grupo Lena (225 milhões de euros), entre outros que compõem a actual lista de imparidades superiores a mil milhões de euros – o queremos dotar!

sábado, 13 de agosto de 2016

CONTINUAMOS A ARDER...



A crer no que se lê e ouve na imprensa estará brevemente em curso um grande debate nacional sobre a problemática dos incêndios florestais.

Claro que todos vimos anualmente as imagens da floresta a arder, mas parece que o verdadeiro catalisador foram as do Funchal em chamar, que terão despertado outras consciências e originando declarações de responsáveis governativos que apontam uma mudança no modelo de abordagem dos fogos de Verão.


Será mesmo de tomar como sólidas as declarações onde a Ministra da Administração Interna sugere que terras abandonadas tenham "utilização comunitária" ou onde o Ministro da Defesa considera inevitável que Força Aérea venha a ter capacidade para combater fogos?

Se assim for, o presságio duma efectiva mudança no processo de ordenamento do território (quer através da introdução de novos planos de reflorestação, quer através duma política de ocupação de solos não orientada por interesses particulares) poderá constituir um sinal de evolução, tanto mais que o ex-secretário de Estado no Ministério da Administração Interna liderado por António Costa, «Ascenso Simões assume “erro grave” nas decisões de há dez anos» que, preterindo um estratégia de prevenção levaram a que hoje «80% dos gastos são com o combate».

Começando-se agora a questionar a real utilidade duma solução alicerçada na contratação de meios privados de combate aos incêndios florestais, na linha do que já fez o actual secretário de Estado no Ministério da Administração Interna quando admitiu que «“A indústria do fogo dá dinheiro a muita gente”», e a perguntar o que esperam os decisores quando os especialistas – como o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas – asseguram que a «Força Aérea pode reassumir combate e poupar dinheiro»; daqui a um ano veremos o que se progrediu...

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

BLOQUEAR O "GOLPE DE ESTADO" BRITÂNICO COM UM GOLPE DEMOCRÁTICO EUROPEU

Pela importância do tema e pelo silêncio a que a comunicação social o tem votado, aqui deixo na íntegra a tradução que efectuei dum documento produzido por um think tank europeu ( o LEAP - Laboratoire Européen d’Anticipation Politique) que se tem distinguido pela qualidade do seu trabalho de análise política.



Bloquear o "golpe de estado" britânico com um golpe democrático europeu

Rumo à primeira eleição verdadeiramente transeuropeia

Caros líderes europeus,

Todos nós entendemos: o Brexit não vai levar a uma saída da UE. Em contrapartida, provoca uma paralisia no sistema decisório europeu e serve uma estratégia de controlo político da UE que não tendo nada de democrático, tem tudo dum "golpe de estado".

O facto é que perante a crise cataclísmica que atinge o mundo e a UE há quase 10 anos, a má governação que oferece a estrutura tecnocrática europeia, não é suficiente.

Mas o modelo de governação europeia para que nos envia o "Brexit" é a Europa nacional-europeísta, cuja criação Franck Biancheri anunciou [1] caso a UE não conseguisse ancorar o seu sistema de tomada de decisões numa legitimidade democrática transeuropeia, a Europa dos netos "de Hitler, Pétain, Mussolini, Franco", no seu famoso artigo visionário 1998 [2].

Depois de ser intransigente com as esquerdas euro-reformistas, incarnadas pela Grécia de Tsipras em 2015, a administração da UE poderá em breve ser obrigado a submeter-se a vontade política dos governos nacionalistas europeus coligados em 2017.

Não será a morte confirmada da UE, mas a dos seus valores, princípios e objetivos fundadores, que nos levaram a aceitar a integração europeia há 60 anos: paz, independência, democracia e prosperidade comuns.

Caros líderes europeus,

A democratização do projecto europeu é portanto um objectivo de importância primordial na actualidade: trata-se de libertar os cidadãos das suas prisões nacionais, para finalmente abrir os horizontes Europeus às suas aspirações políticas, para criar as condições do "golpe democrático europeu" .

Mudar de estado de espírito

. Para isso, basta reconhecer que a UE é uma construção política. Desde que a união política seja reconhecida, a sua democratização não só é pensável, mas imperiosa.

. É preciso admitir que as eleições legislativas europeias não são um verdadeiro momento de validação democrática das orientações políticas do nosso continente: deste conglomerado de eleições nacionais, nunca resultou um debate europeu. Reconhecendo isso, a UE está autorizada a inventar algo mais convincente em termos de democracia europeia.

. Quanto aos referendos, temos de deixar de perguntar aos cidadãos se eles são a favor ou contra a Europa! A construção europeia está em andamento há 60 anos. Não se pergunta a um peixe, se ele é a favor ou contra a água sem o conduzir à loucura e ao suicídio!

Dar oxigénio para debates políticos europeus no continente

Em vez disso, é altura de perguntar aos europeus o que gostariam que a Europa fizesse por eles:

. Como é que a Europa poderia facilitar um regresso à paz social nos vários países da UE?

. Como é que a Europa poderia ajudar a reconstruir a capacidade de financiamento de infra-estruturas, hospitais, escolas..., que foram o orgulho do nosso continente?

. Como é que a Europa poderia relançar a economia de uma forma que beneficie todos os europeus?
. Como é que a Europa pode acelerar a transição energética e inventar novos modelos económicos sustentáveis?

. Como é que a Europa poderia definir de uma vez por todas as suas fronteiras e torná-las protectoras sem ficar preso na sua fortaleza?

. Como é que a Europa poderia normalizar as relações com seus grandes vizinhos Rússia, Turquia e Estados Unidos ... sem se submeter a qualquer um deles?

. Como é que a Europa poderia contribuir positivamente para a diminuição das enormes tensões geopolíticas globais?
...
Colocar as questões europeias aos cidadãos europeus

Como em qualquer democracia, as condições devem ser reunidas para a expressão de diferentes pontos de vista e para que os cidadãos possam escolher entre eles.

A democracia não é um idioma sim-não. Ao reconhecer isso, poderão implantar-se as condições para um debate construtivo e realmente enriquecedor, um debate que engrandeça os cidadãos ... e os seus representantes, e inverta a tendência actual.

O "Golpe democrático europeu", é "simplesmente" uma eleição europeia, uma verdadeira, onde se confrontem visões da Europa - em vez das agendas dos partidos nacionais dos Estados constituintes -, uma eleição que atraia os cidadãos de diferentes países para um debate e uma nomeação conjunta (círculo eleitoral único, listas e programas transeuropeus representados por equipas multinacionais, campanha conjunta e igual peso do voto).


Varrer as acusações: "Parece tão impossível que nunca foi feito" [3]

Se vocês quiserem, vocês podem.

Os 28 não serão capazes de chegar a acordo sobre um projecto como este? Basta alguns países centrais concordarem com a sua participação para gerar uma dinâmica de saudável debate transeuropeu. Outros vão aderir à iniciativa. Afinal de contas, a UE é uma área de cooperação reforçada... por que não na democratização?

Os Tratados impedem-no? É que os Tratados são Traidores e devem ser contornados; de qualquer forma os nacional-europeístas irão fazê-lo em breve. E ninguém vai lamentar a "traitocracia" mortal que foi criada para suprir a falta de governação política dinâmica da UE.

Não há partidos políticos prontos para competir numa eleição transeuropeia? A única maneira de fazer emergir os movimentos transeuropeus que o continente necessita para a sua democratização, é lançar uma eleição transeuropeia. As três décadas de gerações Erasmus estão prontas para o organizar.

Vocês não confiam nos cidadãos europeus porque podem votar "errado"? Não são os cidadãos que votam errado, as questões é que estão erradas. É o momento de fazer perguntas-europeias abertas aos europeus e não perguntas-europeias fechadas aos franceses, alemães, italianos ... Isso vai fazer toda a diferença.

Não há nada a ser eleito na UE? Por que não fazer-nos votar para um executivo da Eurolândia [4]? Somos 300 milhões a estar indissoluvelmente (desta vez foi a Grécia que o provou) vinculados à moeda única, esse "soberano" comum. Haverá melhor plataforma de lançamento para uma união política e democrática do nosso continente?

Vocês estarão nos livros de história... mas por que porta querem entrar?

Forças adversas estão a tentar tomar o controle do continente. É neste perigo mortal que vocês devem encontrar a força e a vontade de inaugurar a fase final de integração europeia, a democratização, que devem entregar nas mãos dos seus beneficiários finais - cidadãos europeus - a máquina tecnocrática de que estão actualmente a tentar aproveitar os governos nacionais europeus.
Dêem-nos a eleição de que precisamos para darmos o melhor de nós próprios! E sejam os primeiros a assumir o desafio da invenção da democracia transnacional que o mundo precisa para não continuar a cair no pesadelo.

Respeitosamente,

Colectivo Rede Franck Biancheri: Marie-Hélène Caillol, Presidente da Associação de Amigos de Franck Biancheri e Presidente do Laboratório Europeu de Antecipação Política LEAP, Marianne Ranke-Cormier, vice-presidente AAFB, Christel Hahn, Presidente IRPA, Geta Grama-Moldovan, Diretora Executiva GEAB pelo LEAP, Veronique Swinkels, Directora Euro-BRICS pelo LEAP, Marie-Pierre Pagès, CEO Anticipolis, José-Maria Compagni Morales, Diretor LEAP Academy


[1] Franck Biancheri lutou desde os tempos de estudante até à sua morte, 30 anos depois em 2012, pela  democratização Europeia, profetizando incansavelmente o fracasso do projecto de paz e de prosperidade comum posto em prática após a 2ª Guerra Mundial, se a UE não se conseguisse democratizar. Confrontados com a óbvia justeza da sua análise, os seus amigos e companheiros reuniram-se na Rede Franck Biancheri para, na medida do possível, continuarem o seu trabalho. Esta carta, escrita pelo seu colectivo, faz parte desta linhagem orgulhosa de pensamento e acção.
[3] Nelson Mandela
[4] Franck Biancheri, Europe 2020 e LEAP trabalham há quase 20 anos sobre a ideia de que a democratização da UE passará pela Eurolandândia. Fonte: «En route vers un nouveau cadre opérationnel et “souverain” pour l’Europe: Euroland», LEAP, 2014/12/02