terça-feira, 30 de julho de 2013

NOVAS DE CASTELA

Contrariando um velho aforismo que assegura que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento” chegaram de terras de Castela notícias que merecem cuidada atenção.

Não me estou a referir ao “caso Bárcenas” (o ex-tesoureiro do PP que mantinha um sistema de contabilidade paralela e que assegura que realizou pagamentos “extraordinários” a várias figuras do partido, entre as quais o actual primeiro-ministro, Mariano Rajoy) antes à notícia de que «Badalona é a primeira cidade Espanhola a declarar ilegítima a sua dívida», ocorrida há cerca de um mês numa localidade próxima de Barcelona, mas que até à data não registou ecos na imprensa nacional.

Como se pode ler na página do Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa «...a cidade de Badalona, a pedido da moção apresentada em colaboração com o Grupo de Auditoria da Dívida de Badalona, é a primeira em todo o Estado (catalão e espanhol) a declarar ilegítima parte de sua dívida, reconhecendo que foi constituída sem responder aos interesses dos cidadãos. [...] Especificamente, são declarados ilegítimos os juros dos empréstimos ICO [Instituto de Crédito Oficial espanhol, empresa pública com natureza jurídica de entidade de crédito], que o BCE cobra aos bancos a 1% e estes emprestam aos municípios a 5% ou mais para pagar fornecedores» decisão que além de constituir importante precedente aponta ainda uma das principais críticas que deve ser feita ao actual modelo de financiamento público – a absurda incongruência dos Estados se submeterem aos ditames dum sistema financeiro que para cúmulo exige ser resgatado por intermédio de fundos públicos sempre que a sua sobrevivência assim o obriga.


Tanto mais que a iniciativa daquela comunidade catalã se limitou a recusar o pagamento de juros que consideraram abusivos sob a mais elementar perspectiva – a entidade financiadora do município cobra um juro cinco a seis vezes superior àquele a que se financia junto do BCE. Esta realidade, tantas vezes denunciada neste espaço, agora assumida e rejeitada publicamente em Espanha comprova apenas que, ao contrário do que continua a querer fazer-se crer, existem alternativas às políticas extorsionárias praticadas pela generalidade dos governos europeus e que os cidadãos dispõem de meios para a elas se oporem com sucesso e no estrito respeito do quadros legais vigentes.


A conjugação de esforços e de iniciativas para a denúncia da dívida pública ilegítima devia integrar há muito tempo a agenda de cada cidadão responsável, pois constitui um primeiro passo, muito importante, no sentido da resolução do círculo vicioso criado pelas políticas de ressarcimento dos credores financeiros a todo e qualquer custo, que mais não têm conseguido que empobrecer as populações sem assegurarem sequer o objectivo que dizem propor-se.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

GOVERNO SEM MARGEM PARA ACERTAR

Mesmo entendendo o sentido comum, parece difícil concordar com a ideia que estaremos perante «Um governo sem margem para errar», como escreveu Eduardo Oliveira e Silva, num editorial do I, pois só mesmo uma férrea convicção partidária poderá sustentar a hipótese deste governo remodelado e aumentado poder resultar melhor que o seu antecessor.

Alguém de boa-fé defenderá com convicção a ideia que as divergências públicas entre Passos Coelho e o ex-irrevogavelmente demissionário Paulo Portas não se repetirão, que entre os dois reina agora a paz dos anjos e que ao invés não espreitarão a primeira oportunidade para retribuir (ou repetir) novo golpe baixo?

Mesmo sem abordar a insanável contradição de termos uma novel ministra das Finanças a pretender aplicar as linhas programáticas que o seu antecessor vilipendiou na despedida, como suportará Maria Luís Albuquerque o imbróglio dos “swaps” em que se tem enredado?

Sem o peso tecnocrático de Vítor Gaspar e com o indelével ferrete dos “swaps” tóxicos que subscreveu na sua passagem pela administração da REFER (mas que agora insiste desconhecer na íntegra), a recém promovida ministra da “austeridade expansionista” afigura-se como mais um foco de permanente contestação a quem talvez nem o apoio expresso dos credores europeus consiga assegurar a resiliência necessária para enfrentar um ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, agora promovido a vice-Primeiro Ministro coordenador da política económica, ávido de notoriedade.
Sobre a presença de Paulo Portas nesta nova formulação governativa, diga-se que talvez nem a sua proverbial habilidade para os “jogos políticos” o preserve de se transformar rapidamente num novo Miguel Relvas, tão evidente que deixou o seu manobrismo e total a ausência de carácter que revelou.

Perante uma equipa governativa dirigida agora a duas mãos e por dois golpistas políticos, a que se acrescenta ainda a admissão de mais um destacado administrador do ex-BPN/SLN (o primeiro foi o secretário de estado do Empreendedorismo e Inovação que o EXPRESSO ao adiantar mais “mexidas” coloca «Franquelim Alves de saída da Economia»; o segundo é Rui Machete, um histórico do PSD, cuja escolha o PUBLICO noticiou como um «Novo ministro dos Negócios Estrangeiros com fortes ligações ao BPN e ao BPP», situação respondida nas páginas do I pelo visado e onde «Rui Machete critica "podridão" de alguns hábitos políticos», apodo seguramente mais adequado à relação que se pode estabelecer a partir das suas conhecidas ligações à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e à sua “colaboração” de décadas com a PLMJ, que de tão reconhecida até notícia aquela nomeação na sua página, o gabinete de advocacia muito presente na assessoria dos processos de privatizações, para mais quando mal empossado este «Governo aprovou processo de privatização de 100% dos CTT», processo acidentalmente assessorado pela mesma PLMJ), de má memória e elevado custo financeiro (a dimensão final do buraco ainda se desconhece mas o primeiro número adiantado, da ordem dos 10 mil milhões de euros, pode afinal revelar-se optimista), voltaremos a assistir ao desfile televisivo e em horário nobre (os menos entusiásticos ou mais críticos continuarão a desfilar fora de horas ou apenas nos canais de cabo) dos costumeiros apaniguados que não se pouparão em comentários laudatórios e não deixarão de repetir até à exaustão os chavões da inexistência de alternativas, da credibilidade externa e da estabilidade, mesmo depois dos primeiros sinais da sua inexistência terem surgido do interior da própria “família” política, ao ser publicado que «Assessor diz que “interesses” levam à saída de Álvaro» Santos Pereira, numa clara alusão às pressões dos lóbis económicos para verem mantidos os seus privilégios.


A ver vamos se os cidadãos-comuns “engolirão” mais esta farsa, ou se pelo contrário continuarão a pedir explicações e a vaiar em todas as oportunidades os membros do Governo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

DESENCONTROS

Ainda não tinham decorrido 24 horas sobre o anúncio presidencial da “ressurreição” do governo de Passos Coelho (presumido completamente emendado da insanidade da “austeridade expansionista” pela cavalheiresca intervenção do ex-irrevogavelmente demitido Paulo Portas), nem 72 horas sobre o anúncio do fracasso das negociações tripartidas, e já o primeiro-ministro mostrava à saciedade que aprendera a dura lição.


Absolvido de toda e qualquer culpa por Cavaco Silva e vendo-se confrontado com a notícia que a «Dívida de Portugal atinge 127,2% no final de Março e é terceira maior na Zona Euro», apenas ultrapassada pela Grécia (160,5%) e a Itália (130,3%), de pronto surgiu uma reacção onde «Passos Coelho defende que Governo não é culpado pelo aumento da dívida».

Para que não restassem dúvidas que a atitude do seu governo não vai mudar, acrescentou ainda, segundo o NEGÓCIOS, que a «...dívida não tem aumentado por estarmos a contrair novas dívidas ou por estarmos a exagerar nas nossas despesas [...] não é porque o Estado não tenha tido mão na sua despesa...», a culpa é:
  1. da “troika” que permitiu uma flexibilização do défice para este ano;
  2. da economia que não pára de contrair;
  3. dos encargos com os juros que estão a crescer.
Sobre a incapacidade revelada pelo seu governo para realizar reduções nas rendas energéticas e nos encargos com as PPP ou para não acorrer com dinheiro fresco à mínima necessidade do sector financeiro e não incumprir as metas do défice que o próprio definiu... nem uma palavra!

Sobre o óbvio efeito que teve a sua política de “austeridade expansionista” na contracção da economia e no aumento do desemprego... nem uma palavra!

Sobre o aumento dos juros a que o país se está a financiar – seja a exorbitância cobrada pela “troika” e que o governo de Passos Coelho nunca contestou, sejam os aumentos originados no clima de instabilidade económica, política e social de que o seu governo tem sido actor principal – nem uma palavra!

Será então estranho que o pouco que tem para dizer é que «É importante que os portugueses tenham essa confiança»?

Mas confiança em quem? e em quê? Nos membros do governo que nos intervalos das disputas palacianas lá foram encontrando um pouco de tempo para aumentar a receita pública por via da subida dos impostos sobre o trabalho (IRS) e as transacções (IVA) e para reduzir a despesa mediante cortes nos orçamentos da Saúde, da Educação e da Segurança Social e dos despedimentos na Função Pública? Nos políticos dos partidos que se fizeram eleger com promessas de cortes nas “gorduras do Estado” para agora descobrirmos que as “gorduras” não são as rendas excessivas nem as PPP mas antes os trabalhadores e os funcionários públicos?

Mas estará o inquilino de Belém preocupado com mais esta demonstração da cegueira de Passos Coelho? ou como lembrou Pedro Marques Lopes na sua última crónica no DN (Brincalhões e ignorantes), não teria bastado ouvi-lo em plena Assembleia da República afirmar que «O país precisa de quem não acalente a fantasia de uma súbita e perpétua vontade de o Norte da Europa passar a pagar as nossas dívidas provavelmente para sempre» para perceber a sua completa ignorância sobre as origens duma crise cuja resolução é suposto competir-lhe?

A resposta, infelizmente, é apenas mais um episódio na saga de “desencontros” que somos forçados a viver; como se não bastassem os “desencontros” entre o governo e a oposição, os “desencontros” entre Passos Coelho e Paulo Portas, ainda temos que suportar o “desencontro” entre o Presidente da República e os portugueses... É fado!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

PERSPECTIVAS…

Enquanto assistimos ao desenrolar da última produção da ficção nacional – a “novela” do consenso dos partidos do “arco do poder” – o Mundo continua a girar e a produzir informação que por razões seguramente substantivas persistem esquecidas das principais notícias que a imprensa nacional disponibiliza.

Assim, enquanto por cá alguns se regozijavam com a informação que «Cavaco destaca «sinais positivos» que saem das reuniões» tripartidas ou se preocupavam com o reconhecimento que a possibilidade de «Acordo com Governo pode provocar revolta interna no PS» e agora, depois que «Seguro anuncia que não houve acordo com PSD e CDS», pondera qual será a decisão de Cavaco Silva, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) publicava no estudo Perspectivas sobre o Emprego - 2013 que nos últimos seis anos o conjunto das economias mais desenvolvidas viu 48 milhões de pessoas (8% da sua população activa) excluídas do mercado de trabalho, facto que pouco destaque mereceu. E o mais preocupante é que além dos níveis de desemprego registados em países europeus como a Grécia e Espanha, equivalentes aos da Grande Depressão, persiste outra dura realidade que é o desemprego jovem, segmento onde se atingiram as taxas inéditas de 60% na Grécia, 55% em Espanha e 40% em Itália e Portugal.


Os efeitos que estes números têm no dia-a-dia dos cidadãos começam a revelar-se até em estudos de mercado que asseguram que «Famílias em “modo de sobrevivência” já compram menos pão, azeite e fruta», mas os efeitos a longo prazo gerados pelos prolongados períodos de desemprego a que estão a ser sujeitas as gerações mais jovens, como sejam a desmotivação e a tendência para virem a auferir salários mais baixos, só serão sentidos mais tarde.

Quase seguramente para eles e para a sociedade que voltará a ver-se obrigada a suportar mais este custo a que está a ser condenada pela incúria e a inépcia das actuais lideranças e que seguramente não será contrariada nem pela perspectiva de que o «Crescimento e emprego são prioridade para a reunião do G20» em curso, porque os interesses representados nessa cimeira não são os das populações mas os das elites que estão na origem dos problemas.

terça-feira, 16 de julho de 2013

DIMENSÕES DO FALAR (E PENSAR)…

Conforme muitos comentadores da situação nacional têm referido, a proposta presidencial de entendimento entre PS, PSD e CDS – os partidos que têm governado o país na última geração – só por milagre poderá apresentar algum resultado positivo.

Sem querer centrar a questão na impossibilidade já referida (até porque Pedro Tadeu fê-lo de forma muito clara numa crónica no DN questionando se «Estão mesmo a tentar salvar a nação?») gostava de trazer para reflexão uma perspectiva complementar que sem retirar valor ou importância às considerações de Pedro Tadeu (e que constituem há muito referência nas conversas populares) lhe adicione outra perspectiva.


Os “negociadores” da salvação nacional não foram apenas participantes directos no processo que conduziu ao impasse; são os actuais representantes da plutocracia instalada, da mesma forma que são igualmente produto duma interpretação deturpada da função de “servir” o interesse colectivo e, para completar o quadro, os mais jovens foram formados sob a égide dos primeiros e resultantes dum processo de clara degradação de saberes e valores.

A quem esta constatação possa parecer dura e exagerada sugiro a leitura de dois pequenos textos recentemente produzidos e publicados esta semana no mesmo DN e assinados por dois professores universitários. O primeiro, «Necessidade de falar» é da autoria de César das Neves e sob a aparência duma profunda reflexão sobre a vacuidade da conversa vazia, deixa uma clara advertência sobre os “fala-barato” que somos todos nós os que na medida das nossas capacidades procuramos contribuir para o debate de ideias e o exercício da “demos”. O segundo, «Dimensões da crise», é da autoria de Adriano Moreira e enquadrando a crise nacional no contexto europeu e mundial destaca na conclusão duas observações: «A situação dos países do Norte do Mediterrâneo, abrangidos pela fronteira da pobreza, consentiu que o modelo real do protectorado, que no passado ajudou a tornar infeliz a relação das soberanias europeias com a área da "primavera muçulmana", pudesse voltar ao exercício dentro do território da própria União» e «Não há experiência de um governo a prazo ser uma resposta para a recuperação da igualdade internacional».

Enquanto o primeiro usa e abusa da repetição de lugares comuns e de críticas vagas, o segundo fundamenta-se na observação e na síntese para recordar a realidade que nos rodeia.

Note-se que se os dois autores pertencem a gerações diferentes e que enquanto o primeiro é um reputado economista que foi conselheiro de Cavaco Silva durante a sua passagem pela liderança do governo, o segundo foi ministro das colónias no tempo do Estado Novo, nem por isso se deve concluir que a solução estará na recuperação duma qualquer gerontocracia, antes na promoção daqueles que não abjuraram dos antigos valores da honra e da idoneidade intelectual.

sábado, 13 de julho de 2013

O REGRESSO DO EXÉRCITO AO CAIRO

Coincidindo o derrube militar do presidente egípcio, Mohamed Morsi, com o início do Ramadão (período durante o qual os fiéis muçulmanos observam o jejum ritual) passou-se do cenário de manifestações diárias contra o governo deposto para um mais contido de vigília de protesto lançado pela Irmandade Muçulmana, formação política a que pertence o ex-presidente. 

É claro que já houve confrontos entre partidários da Irmandade e a polícia, algo tanto mais inevitável quanto a situação política egípcia continua conturbada e com contornos particularmente nebulosos. Embora o golpe militar dirigido pelo general Al Sisi tenha aparentemente delegado o exercício do poder político no presidente do Supremo Tribunal, Adly Mansour, continua por concretizar a formação do novo governo, iniciativa que foi confiada a Hazem Al Beblawi, fundador do Partido Social Democrata egípcio e ex-ministro das finanças com profundas ligações ao sector financeiro (o que no jargão ocidental se poderia apelidar dum tecnocrata).

A rapidez com que o exército interveio na crise aberta pela contestação a um presidente eleito mas julgado por largos sectores da opinião pública egípcia como demasiado autoritário e pró-islâmico, além de revelador do peso que a estrutura ainda mantém no panorama político, pode ser objecto duma interpretação diversa da que a imprensa ocidental prontamente lhe atribuiu, tanto mais que que são já evidentes as divisões entre as forças políticas no processo de formação do novo governo, anunciando-se mesmo que a «Oposição laica do Egipto rejeita plano do Presidente interino», enquanto a «Irmandade rejeita agenda eleitoral de Exército».

A intervenção militar e a deposição de Morsi está já a produzir algumas ondas de choque nos países vizinhos e em especial num enfraquecimento da influência regional da Irmandade (organização que dispõe de ramificações nos países árabes e nas regiões do Maghreb e do Sahel), fenómeno que se faz sentir nos últimos tempos e que poderá até estar relacionado com a recente notícia de que o «Emir do Qatar abdica a favor do filho», ou não fosse este estado árabe o principal financiador da Irmandade.

Numa região onde a tradição de influência e de preponderância dos aparelhos militares é um dado histórico e num país onde, na sequência dos Acordos de Camp David (patrocinado por Jimmy Carter, presidente norte-americano, pôs termo ao conflito entre Israel e o Egipto e foi assinado em 1978 pelo primeiro-ministro israelita Menachem Begin e pelo presidente egípcio Anwar Al Sadat), a dependência da estrutura militar face à sua congénere norte-americana é amplamente conhecida, tudo contribui para que o golpe ganhe rapidamente contornos dum regresso ao passado, pondo em sérias dúvidas o desenvolvimento dum processo de normalização democrática que poderia ter outra expressão caso a substituição de Mohamed Morsi tivesse resultado de mecanismos democráticos.


Uma possível aquiescência da administração norte-americana ao golpe de Al Sisi foi contemplada desde o início – traduzida em notícias como a que os «EUA mantêm planos para entregar F-16 ao Egipto» que a informação que os «Estados Unidos vão reavaliar ajuda militar ao Egipto» não contraria, pois este é um mecanismo habitual na sequência de qualquer golpe de estado , parece confirmar e reforçar a necessidade de observar a situação egípcia sob uma perspectiva bem menos entusiástica. É que ao contrário do movimento de contestação a Moahmed Morsi, perfeitamente aceitável no quadro democrático em que decorreu a sua eleição, a intervenção militar parece bem pouco sustentável e passível até de ser comparada à rejeição ocidental à eleição do movimento palestiniano Hamas (próximo da Irmandade Muçulmana).

Ao que tudo indica – e ao contrário do que habitualmente se lê nos jornais –, agora no Egipto, como em 2006 na Palestina, o Ocidente volta a não hesitar em preterir a democracia e o seu exercício a outros interesses pouco confessáveis.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O FAZ DE CONTA

Ouvidos os partidos com assento parlamentar e os parceiros sociais Cavaco Silva fez um discurso ao País onde anunciou que tendo em vista o superior interesse nacional (aquele de que todos os políticos falam mas nunca explicitam a que se referem), o cumprimento rigoroso do programa de assistência financeira (leia-se, porque ele não explicou, os credores) e para obviar um clima de instabilidade (o gerado pela coligação PSD/CDS foi, no próprio discurso presidencial, apelidado de «grave crise política»), decidiu que sendo «...indesejável a realização imediata de eleições legislativa [...] que o País necessita urgentemente de um acordo de médio prazo entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento [...] o acordo terá de estabelecer o calendário mais adequado para a realização de eleições antecipadas [...] o compromisso de salvação nacional deve envolver os três partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento [...] deverá tratar-se de um acordo de médio prazo, que assegure, desde já, que o Governo que resulte das próximas eleições poderá contar com um compromisso entre os três partidos que assegure a governabilidade do País...»


Não entenderam o presidencial «...entendimento sobre a solução que melhor serve o interesse nacional»?

O que Cavaco Silva disse foi que apesar de toda a trapalhada gerada pela demissão que afinal não foi demissão de Paulo Portas e pela confissão pública do rotunda fracasso da política de “austeridade expansionista” que Vítor Gaspar subscreveu (o “leitmotiv” da política do governo de Passos Coelho), tudo vai continuar na mesma em nome da estabilidade instável (ou seja o interesse dos partidos da maioria PSD e CDS) e do compromisso assumido com a “troika” (o interesse dos credores) até que aqueles dois partidos que tantas dificuldades têm tido em se entender se entendam com um terceiro que diz não se querer entender com eles...

Quando tal acontecer e depois de concluído o programa de assistência financeira (lá para meados do ano que vem) será então dissolvida a Assembleia por forma a viabilizar a consulta aos eleitores e assegurar a formação dum governo de grande coligação (PSD, PS e CDS).

Se bem entendi a tese presidencial, no próximo ano haverá eleições antecipadas para a formação dum governo de “salvação nacional”, pouco importando a Cavaco Silva que as tricas e demais birras entre Passos Coelho e Paulo Portas continuem a manter inoperante o resquício de governo existente (agora por ele assumidamente convertido num governo de gestão) ou que a reiterada violação das normas constitucionais (mas sempre em defesa de interesses superiores) e da dignidade dos cidadãos persista na via da destruição do pouco que resta da economia nacional; o que verdadeiramente conta é que é «...essencial afastarmos do horizonte o risco de regresso a uma situação como aquela que actualmente vivemos», entregando aos mesmos responsáveis a tarefa de construção da solução.

E o POVO, pá...

Bem, o POVO votará quando estiverem cumpridas as expectativas dos credores e Cavaco Silva achar oportuno, para em seguida empossar um governo PSD, PS e CDS, como deseja!

E entretanto?

Um número cada vez maior de cidadãos sairá à rua em protesto, mas sem nunca se aproximar dum mais que justificado processo de desobediência civil, e Cavaco, como gosta, faz de conta que está tudo bem.

Pode lá esperar-se melhor País que este ou presidente mais pusilânime?

terça-feira, 9 de julho de 2013

DEUTSCHLAND, DEUTSCHLAND ÜBER ALLES[1]

Tranquilizem-se os espíritos mais agitados… ainda que as aparências pudessem iludir já se respira melhor para os lados de Belém (e nada que se deva ao abrandamento da canícula) depois que se soube que a «Alemanha antecipa-se a Cavaco e dá luz verde ao governo».


Escrito desta ou de forma mais suavizada, como fez o NEGÓCIOS quando assegura que a «Europa abraça novo Governo sem esperar por Cavaco Silva», o que se retém, além do presidencial alívio, é a completa sujeição proporcionada pela mais abjecta inépcia política.

Esta inegável realidade é aliás confirmada pelos resultados dum estudo, publicado pela associação Transparência e Integridade, segundo o qual «8 em cada 10 portugueses dizem que a corrupção aumentou», percepção que resultará dum claro sentimento de manipulação dos mecanismos da democracia, tenham eles origem na esfera económica ou numa mais prosaica teia de tráfico de influências. Para a proliferação deste cancro social muito tem contribuído a fossilização dos partidos políticos, a mediocridade e o manobrismo das elites governativas, de que o caso português é apenas mais um exemplo.

Dito isto é escusado o anúncio oficial da remodelação governativa – a hipótese de a apelidar de novo governo parece tão irreal quanto todo o processo de “negociação” que o rodeou – poupando-se o pensionista de Belém a mais incómodos e evitando, quiçá, os apupos e demais insultos com que a populaça se vai habituando a mimoseá-lo, reacção que nem a encenação ocorrida nos Jerónimos contradiz.



[1] Primeira estrofe do Hino Alemão (Deutschlandlied), escrito em 1841 por August Heinrich Hoffmann von Fallersleben, sob partitura de Joseph Haydn, que traduzido significa: Alemanha, Alemanha acima de tudo.

sábado, 6 de julho de 2013

CÓLERA BRASILEIRA

Quando é conhecido o abrandamento nas economias dos países emergentes (vulgo BRICS), cresce especialmente o sentimento de insatisfação num dos que se encontra no centro dos “olhares” desportivos mundiais, o Brasil, que assegurou a realização dos próximos campeonato mundial de futebol e dos jogos olímpicos.

Num país há muito conhecido pelas profundas desigualdades sociais a par com o culto do futebol, estouraram durante a realização do ensaio geral – a Taça das Confederações – para o mundial da especialidade manifestações contra as condições de vida e a corrupção instalada – especialmente os gastos exagerados com o Mundial de 2014 –, fenómenos especialmente influenciados pela organização daqueles grandes eventos.


Várias foram as cidades brasileiras onde a contestação saiu às ruas levando ao estabelecimento de analogias com outros países como a Turquia ou o Egipto. Claro que se na génese se encontra a insatisfação popular, as motivações são obviamente diversas e ditadas por condições específicas – na Turquia contesta-se o crescente autoritarismo do partido islâmico no poder, enquanto no Egipto o arrastar da indefinição da correlação de forças entre islamitas, laicos e o exército conheceu algum desenvolvimento com «Mohamed Mursi derrubado pelo exército após ultimato de 48 horas» – enquanto no Brasil o factor de maior peso parece ser a situação económica e social, a que notícias como a de que o «Brasil revê em ligeira baixa crescimento para este ano» não serão alheias.

A generalização pelos cinco continentes de condições cada vez mais desfavoráveis aos sectores de rendimentos mais baixos, a par com uma crescente tomada de consciência do poder desses mesmos sectores, está a fomentar movimentos de contestação que variando entre os muito civilizados e ordeiros (de que é exemplo o caso português, que nem uma recente tentativa de bloqueio na Ponte 25 de Abril contradiz) e os mais agressivos nem por isso deixam de significar uma crescente contestação às elites que conduzem os destinos mundiais. Contestar hoje na Europa as políticas de austeridade originadas no esgotamento do modelo de financiarização da economia real é equiparável à contestação por maior liberdade política nos países islâmicos, à contestação por melhores salários e melhores condições de trabalho nos países asiáticos ou à exigência para pôr cobro à corrupção, tudo isto enquanto simultaneamente se exigem novas políticas fomentadoras do crescimento económico e do emprego.


Este último, por ocorrer num país como o Brasil e durante uma importante competição tendo por pano de fundo um desporto nacional, que nem por isso desmobilizou os participantes, merece um destaque ainda maior.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

PALHAÇADA

Perante a persistência do clima de incerteza sobre o futuro dum governo que nos últimos dias passou de moribundo oficial a cadáver declarado, alimentado pela migração de Vítor Gaspar e pelo abandono de Paulo Portas que não parece disposto a aceitar a opção de Passos Coelho pela Senhora Swap, não tardaram a surgir notícias dando conta que «Portugal já chegou à Grécia e o segundo resgate vem a caminho».

Como que a confirmar aquela certeza o ECONÓMICO anunciou que «Receio de novo resgate produz subida histórica nos juros» e que «Bolsa nacional sofre maior tombo no mundo», enquanto o NEGÓCIOS dizia que a «Bolsa nacional fecha com maior queda desde Abril de 2010. Banca afunda mais de 10%», tornando comum ouvir referir que os bancos teriam perdido entre 2 e 3 mil milhões de euros, numa claríssima confusão entre quebra na capitalização bolsista (estimativa do valor dum empresa dada pela multiplicação da cotação diária pelo número de acções representativas do seu capital) e prejuízos resultantes duma venda real a preço inferior ao de custo.

Os tempos estão particularmente favoráveis para este e outros tipos de desinformação. Comprovando-o (como tantas vezes tenho feito neste espaço, denunciando e ajudando a desmitificar estas e outras notícias) veja-se que 24 horas volvidas os mesmos jornais já escreviam que a «Bolsa recupera metade do tombo de ontem» ou que a «Bolsa nacional ganha mais de 3% com BCP e BES a valorizar 7%», esquecendo-se de lembrar a enorme utilidade deste tipo de acontecimentos (reais ou improvisados) na criação de ganhos para os especuladores através da volatilidade dos mercados.

Além de não esclarecerem nem contribuírem para relativizar a importância real das oscilações dos índices bolsistas, a generalidade da imprensa ainda contribui para ampliar o sentimento de instabilidade e insegurança sempre que alude a evolução dos juros da dívida pública sem cuidar de explicar que isso não acarreta reflexos directos nem imediatos sobre os custos do serviço da dívida (ou seja os juros pagos pelas obrigações já emitidas) nem que tenha que existir uma correlação directa entre aqueles e os juros das emissões futuras.


O alarmismo despoletado por este tipo de cabeçalhos, invariavelmente pouco ou nada explicados no corpo das notícias, ou o que resulta daquelas que pouco mais fazem que transmitir recados – de que é exemplo a que afirma que «Troika e mercados exigem maioria estável» em nada contribui para informar os cidadãos e pouco ajudará a resolver a situação de impasse político entre os parceiros duma coligação governativa ferida de morte desde o episódio da TSU, no Outono de 2012.

O inverso do quadro informativo descrito pode ser encontrado no editorial do FINANCIAL TIMES de hoje; sob o título «Portugal’s crisis of politics and growth» é apresentado um quadro bem mais esclarecedor (mesmo que algumas das premissas ou propostas de soluções possam ser sujeitas a críticas) e real da situação do país, pelo que aqui deixo a sua tradução:



«Crise da política e do crescimento de Portugal

É necessário um novo modelo para a economia ultrapassada do país

Portugal está a atingir os limites políticos da austeridade. A renúncia de dois ministros provocou uma crise que ameaça derrubar o governo. Independentemente do resultado, o programa de resgate de 78 mil milhões de euros, acordado em 2011, está agora em perigo e os crescentes juros sobre a dívida de Portugal sugerem que um novo resgate pode ser necessário.

Lisboa tem sido diligente na aplicação das medidas exigidas pelos seus salvadores - a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Em apenas dois anos Portugal concluiu cerca de dois terços do ajustamento necessário para estabilizar o seu défice orçamental. Houve um forte consenso sobre as reformas difíceis, como a liberalização do mercado de trabalho. No entanto, uma recessão mais profunda e mais prolongada do que o esperado enfraqueceu esse consenso quando Portugal se prepara para a fase mais difícil do seu regime de austeridade que antecede a saída programada no próximo verão. Isso exigiria mais cortes na dimensão do Estado, pensões e salários. Tudo isto numa altura em que está já previsto que o desemprego se eleve acima de 18 por cento.

A realidade dos desafios económicos de Portugal começam finalmente a definir-se e nem todos serão objecto de medidas de austeridade da troika. Embora Lisboa e Dublin tenham sido muitas vezes relegados para a mesma classe na periferia da zona do euro, as causas dos seus respectivos traumas são fundamentalmente diferentes. O da Irlanda nasceu do excesso de propriedade e de crédito. Mas tem uma força de trabalho altamente qualificada e indústria razoavelmente robusta para fornecer uma plataforma para o crescimento quando a economia mundial começa a reanimar. Portugal, no entanto, tem sofrido de uma erosão rápida da sua base industrial nos últimos anos. A que resta é pouco competitiva e a força de trabalho pouco qualificada. A sua economia estava estagnada há uma década antes da crise rebentar. Não há garantia de que, mesmo que Lisboa satisfaça as condições da troika, o crescimento sustentável venha a surgir. Sem isso, a capacidade de Portugal para chegar a níveis administráveis de dívida deve ser questionada.

Os credores de Portugal deveriam reconhecer que o seu programa falhou. A troika teve de reduzir as metas do défice duas vezes. Não há qualquer hipótese de, na ausência de crescimento global, não serem convidados a reduzi-los mais uma vez. E isso deve ser feito. O BCE também indiciou que está pronto para ajudar Portugal a refinanciar-se após a conclusão do programa, caso os investidores o não façam. Como as necessidades de Lisboa para este ano e parte do seguinte já foram satisfeitas, Portugal e os seus credores têm um pouco de espaço para respirar. Este não deve ser desperdiçado. Ambos, devedor e os credores, devem usar o tempo para elaborar medidas que ajudem o país a construir uma plataforma para crescimento futuro, que poderia ser aplicado no pagamento dessa ajuda.

Isso vai exigir mais coragem dos políticos de Portugal. Eles terão que enfrentar interesses que guardam zelosamente privilégios no serviço público ou em sectores como as telecomunicações ou energia. Mas os credores também devem perceber que sem a promessa de crescimento e de melhores tempos à frente, nenhum político pode ter a esperança de ganhar tal batalha.»

A muito pragmática apreciação do FINANCIAL TIMES – repito, mesmo que passível de críticas – e uma simples apreciação da informação que vai sendo divulgada sobre a situação política nacional, nomeadamente a que refere que «Passos e Portas negoceiam refundação do programa de Governo», torna-a arrepiante.


Ainda que potencialmente exagerado, o único termo que me ocorre para referir este tipo de situações é apodá-las de palhaçada, tanto mais que notícias sobre a crise política, dando conta que «Portas pode ficar no Governo como vice-PM e ministro da Economia» enquanto outras referem que «Passos Coelho ainda não tem acordo fechado com Paulo Portas» reflectem precisamente a farsa e o manobrismo que grassam entre a elite política nacional e reduzem a zero os belos discursos da credibilidade e da estabilidade que dizem ter pautado as acções e as opções governativas do que agora ninguém mais poderá negar tratar-se dum grupo de factótuns inconscientes, incompetentes e irresponsáveis que tem sobrevivido a expensas duma população intencionalmente desinformada e com a cobertura dum presidente da mesma estirpe.