domingo, 31 de outubro de 2010

HALLOWEEN


Tenha origem na antiga festividade celta do Samhain[1] ou em mais uma canhestra tentativa católica de assimilação das culturas que a antecederam, ampliada pelos terrores desenvolvidos durante o período da Peste Negra[2], esta celebração de evidente natureza anglo-saxónica, agora popularizada graças aos fenómenos de aculturação ditados pela pior faceta da globalização e infantilmente traduzida no “slogan” «gostusura ou travessura», tem ganho crescente receptividade, que mais não seja pelas vantagens comerciais que proporciona.

As práticas próprias da celebração do Halloween, popularmente associadas ao uso de máscaras com o objectivo de alcançar ganhos através do potencial terror que inspirem, poderão muito bem revelar extremamente inspiradoras nos conturbados tempos que atravessamos; quando a incerteza se afirma crescentemente como uma dura realidade, talvez o reaproveitamento de velhas tradições (mesmo as mais adulterdas sempre conseguem manter alguma da sua pureza original) possa constituir uma opção na resistência à maré dos tempos. 


E se usássemos uma táctica deste tipo para enfrentarmos os dislates daqueles que nos governam?


[1] Festa que assinalava o final do Verão
[2] Em meados do século XIV a Europa foi flagelada pela Peste Negra , designação pela qual ficou conhecido um surto de peste bubónica que terá dizimado entre um terço e perto de metade da população do Continente (estimativas apontam entre 25 e 75 milhões de pessoas), fomentando um grande temor e preocupação com a morte. Principalmente entre os católicos arreigou-se a festa dos Fiéis Defuntos e surgiram muitas representações artísticas que recordando a mortalidade, algumas das quais eram conhecidas como danças da morte ou danças macabras.

sábado, 30 de outubro de 2010

MALABARISMOS


Há semelhança do que a pretexto do OGE ocorre entre nós, também o conjunto dos estados-membros da UE se entregam a delicadíssimos exercícios de malabarismo financeiro.


Seja de dimensão nacional (como acontece com a todo-poderosa Alemanha cujo parlamento acaba de aprovar cortes nos benefícios sociais[1]) seja de índole colectiva, como o que se discutiu nestes últimos dias em Bruxelas, a generalidade dos líderes europeus perfeitamente imbuídos do mais puro espírito neoliberal têm vindo a delapidar a qualidade de vida dos seus cidadãos (seja através de reduções de benefícios sociais e de aumentos de impostos, seja através de reduções salariais) sem revelarem o mínimo pejo e usando a mais inverosímil das argumentações: a inexistência de alternativas.

Numa palavra, o que Barroso, Sarkozy, Merkel e correligionários afirmam é que recorrem às mais impopulares das medidas por ausência de alternativas e para o conseguirem estão até disponíveis para rasgarem e alterarem acordos e tratados que se possam intrometer na sua sanha saneadora.

À revelia das populações de que se arrogam representantes políticos eleitos e/ou nomeados pretendem convencer milhões de europeus que a única solução para a crise passa por uma ainda maior degradação das condições de vida das populações, tudo para salvaguarda dos rendimentos dos grandes investidores, os quais por recearem que os Estados não consigam cumprir o pagamento dos juros das dívidas que contraíram para financiar o crescimento dos seus grandes negócios, ameaçam agora deixar de comprar os títulos de dívida que regularmente emitem. É que se nas ultimas décadas se registou uma significativa degradação dos orçamentos públicos tal deve-se em boa medida a dois factores; primeiro, à adopção de políticas fiscais fortemente orientadas para isenção dos ganhos de capital (juros e dividendos) e depois à enorme injecção de fundos públicos para evitar a falência do próprio sistema financeiro.

Em nome de um sobredito interesse público e a fim de evitar um não menos referido risco sistémico (que ditaria a falência em série dos bancos com os consequente prejuízos para os seus accionistas), os estados aumentaram significativamente o seu endividamento e vêem-se agora criticados e penalizados (através do aumento dos juros exigidos pelos “mercados”) por aqueles que salvaram da falência.

A Cimeira Europeia que teve lugar entre 28 e 29 de Outubro, em Bruxelas, que se caracterizou por novo adiamento das decisões mais polémicas, nem por isso deixou de aprovar a criação de mecanismos de penalização para os estados com níveis de endividamento mais elevado ou que revelem maiores dificuldades na. sua redução. Sobre uma efectiva discussão dos mecanismos de combate à situação de sufoco financeiro e de resposta à sangria da riqueza produzida pelas suas economias, os governantes presentes no conclave primaram pelo habitual silêncio, enquanto os meios de informação insistem em veicular a ideia da inexistência de alternativas.

Afadigados na discussão da eventual necessidade da introdução de alterações ao Tratado de Lisboa (aquele famigerado documento que foi recusado em referendo pela França, Holanda e Irlanda, mas que acabou ratificado graças a habilidades próprias de manipuladores), os políticos europeus esquecem-se de informar os seus eleitores que a mesma Comissão Europeia que exige contenção aos estados-membros aprovou um crescimento orçamental para 2010 e se prepara para fazer o mesmo para 2011...
...em linha e perfeita consonância com a criação dos indispensáveis cargos de Presidente do Conselho Europeu e de Alto-Comissário para os Assuntos Externos.


[1] A confirmação pode ser lida nesta notícia do I.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O JOGO


Desiluda-se quem alimenta ainda alguma esperança de que a gestão da coisa pública é um assunto sério, tratado e dirigido por pessoas sérias; depois de Eduardo Catroga afirmar ao I que «Qualquer Orçamento deve ser aprovado na generalidade» ninguém mais poderá acalentar a menor dúvida que os assuntos públicos (afinal a qualidade de vida dos cidadãos) são objecto de um mero jogo.
Há muito que me tenho esforçado para denunciar esta situação, pelo que não posso deixar de agradecer o importante contributo que constitui o esclarecimento disponibilizado por Eduardo Catroga, tanto mais que não se trata de uma qualquer figura pública de segunda ou terceira linha. Longe de se tratar de um deslize de um qualquer novato recém promovido de uma qualquer “jota” ou recém licenciado, Eduardo Catroga é um ex-ministro das Finanças (por acaso até de um governo de Cavaco Silva), reputado gestor (acumula cargos de administração em três ou quatro grandes empresas), economista de mérito (premiado pela respectiva Ordem dos Econmistas e agraciado por Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo), pelo que as suas declarações adquirem um peso ainda maior.
Aliás, a propósito de jogo e de sintervenções de grandes figuras, que dizer da afirmação doutro prestigiado economista (também da área do PSD, ex-Goldman Sachs e recém nomeado Director do Departamento Europeu do FMI), António Borges, que durante uma conferência organisada pelo NYSE Euronext e prontamente citado pelo JORNAL DE NEGÓCIOS afirmou que, como corolário das dificuldades de colocação da dívida soberana nos “mercados”, «Estamos de joelhos perante o Banco Central Europeu»?
António Borges alude, nem mais nem menos, ao facto de Portugal estar dependente da actual política do BCE de apoio às dívidas soberanas da Zona Euro, facto que apenas confirma a ideia de que o real problema da subida do risco da Dívida Pública Portuguesa (e doutras denominadas em Euros) resultar principalmente das estratégias especulativas do sector financeiro internacional, pois se o BCE fosse uma verdadeira entidade de interesse colectivo europeu (veja-se aqui a distribuição do capital do BCE) da Zona Euro (por via da participação destes nos Bancos Centrais dos estados-membros), esta até deveria ser a forma correcta dos estados-membros satisfazerem as suas necessidades de financiamento. A preocupação expressa por António Borges, genuína quanto aos riscos que comporta é, nem mais nem menos que a confirmação daquilo que algumas vezes aqui referi: o poder de criação da moeda concentrado nas mãos dos banqueiros e fora da alçada e do escrutínio públicos constitui um problema gravísimo que só conhecerá solução quando a situação for invertida, fazendo regressar à esfera pública esse poder de criação da moeda.
De quando em vez, e desde que devidamente cruzada, a informação que a imprensa divulga lá acaba por revelar mais que o que os autores (e os actores...) pretendem.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CAVA(CO)LHADAS[1]


Cumprindo o anúncio e enquanto a maior parte das atenções nacionais continuavam presas das negociações entre PS e PSD tendo em vista a aprovação do OGE para 2011, Cavaco Silva apresentou-se no CCB (aquele mesmo que fez construir para receber a primeira presidência portuguesa da UE e que orçamentado em 32,5 milhões de euros acabou por custar 200 milhões[2]) para anunciar que quer continuar em Belém.
Não fora a gravidade da situação nacional e quase me apetecia brincar com ela, dizendo que a opção não me espanta, pois face às restrições que se anunciam não será nada fácil conseguir uma colocação idêntica em benesses, mordomias e (nada digno de se desprezar) com tão poucas responsabilidades.
É que se por uma qualquer ironia do destino vier a ser outro o eleito para o cargo talvez as pessoas se espantem com a dinâmica e a capacidade de arquitectar alguma utilidade para a função que o novo inquilino de Belém venha a revelar e vendo bem, talvez afinal Cavaco acabe por ser o homem ideal para desempenhar a função de mais alto magistrado da Nação, porque depois de a ter reduzido a uma expressão tão insignificante (tão insignificante assim só me consigo recordar do famigerado almirante Américo Tomás), talvez só mesmo ele reúna tão poucas condições para continuar a ocupar o cargo.
De mais a mais, os mais recentes desenvolvimentos em torno da tragicomédia do OGE parecem orquestrados para proporcionarem um papel de especial relevo ao Presidente da República, que graças às suas reconhecidas capacidades técnica, negociais e persuasivas convencerá PS e PSD a viabilizarem um orçamento, a bem da Nação... e da sua reeleição.


[1] Cavalhadas é uma celebração portuguesa tradicional que teve origem nos torneios medievais, onde os aristocratas exibiam em espectáculos públicos a sua destreza e valentia (in Wikipédia).
[2] Os dados relativos aos custos podem ser encontrados nesta página da AECOPS.

domingo, 24 de outubro de 2010

O SONHO COMANDA A VIDA


Com uma jactância quase igual á que mostrou Fukuyama[1] quando, nos finais dos anos 80, anunciou o “fim da história”, eis que surge agora Vasco Pulido Valente, anunciando na sua habitual coluna do PUBLICO[2] que o discurso proferido por Angela Merkel em Potsdam marca o fim da utopia europeia.


Não espanta que o autor, um prestigiado teórico nacional da mesma área de pensamento de Fukuyama, veja na declaração de falência do multiculturalismo alemão ou no renascimento da identidade francesa sinais da desagregação e morte da “solidariedade” europeia.

Os tempos de profunda crise económica, de avançada corrosão dos valores e elevadas incertezas, são, obviamente, propícios ao resurgimento dos princípios mais primários do nacionalismo e da intolerância ao que for diferente. Hoje expulsam-se os ciganos de França e da Itália, amanhã os turcos da Alemanha; hoje invectivam-se os muçulmanos, amanhã os de qualquer outro credo minoritário.

Líderes crescentemente populistas conduzirão os povos europeus a rejeitarem o que ignoram ou temem, o que desconhecem ou receiam; hoje ostracizam-se os mais fracos e um destes dias os mais fracos seremos nós... sobretudo por não termos sabido aplicar e defender o elementar princípio de “todos diferentes, mas todos iguais”. Mais grave ainda no caso francês, porque a geração que hoje dirige o país é aquela que originou o Maio de 68[3], e no caso alemão, povo que há menos de uma geração desfilava pelas ruas em defesa de princípios como a liberdade e a unificação nacional.

Escolhemos ser dirigidos pela intolerância e a incapacidade, plenamente representada nos Sarkozy, nas Merkel e nos Berlusconi que nos rodeiam, e orientados pelos arautos do “fim de qualquer coisa”, esquecendo que os que anunciam o fim dos tempos o fazem, normalmente, por incapacidade de anteverem o futuro... de sonharem a mudança...


É que, como em tempos escreveu o professor Rómulo de Carvalho, pela pena do poeta António Gedeão, «...sempre que um homem sonha o mundo pula e avança...» e é isso que cada vez mais parece assustar muita gente.


[1] Francis Fukuyama, filósofo norte-americano, que, na sequência da queda do Muro de Berlim, teorizou sobre a hegemonia do modelo de capitalismo liberal, considerando-o a solução ideal o que equivaleria ao anúncio do “fim da hsitória”. Na mesma linha de pensamento se integram os trabalhos doutro norte-americano, Samuel P. Huntington, que teorizou sobre o “choque das civilizações”, antecipando que os conflitos futuros perderiam a sua origem nacional para adquirirem uma componente civilizacional. Um e outro são normalmentre indicados como os principais teorizadores do chamado neoliberalismo.
[2] Ver a coluna de opinião de Vasco Pulido Valente na edição impressa do jornal do passado dia 22 de Outubro, intitulada «O Fim de uma Utopia»
[3] Sobre o movimento que ficou para a posteridade como o Maio de 68, ver os “posts” «MAIO DE 68 (parte I)», «MAIO DE 68 (parte II)» e «MAIO DE 68 (parte III – les soixante-huitards)»