terça-feira, 30 de outubro de 2012

CONVENIENTES CONIVÊNCIAS


A reduzida dimensão ética da generalidade dos governantes, além de crescentemente evidente, começa cada vez mais a surgir nos meios de informação. Exemplo disso é a publicação na última edição da revista grega HOT DOC duma lista de cidadãos gregos que “prudentemente” colocaram as suas fortunas a salvo em contas bancárias sediadas na confiável Suíça, a que se seguiu a notícia que foi «Detido jornalista que revelou lista de gregos com contas na Suíça».


A lista, composta por mais de 2.000 nomes integra, segundo notícia do LE MONDE, «… os nomes de numerosos homens de negócios, cirurgiões, dentistas e de alguns políticos, entre os quais um ministro do governo conservador de Costas Karamanlis (2004-2009)…», ou segundo esta notícia do PUBLICO, «…inclui empresários, advogados, armadores, médicos, antigos políticos e próximos deles, mas também “donas de casa” ou pessoas cujos nomes não são acompanhados de nenhuma situação profissional»; em resumo, nada de espantoso, salvo o facto da sua existência ser do conhecimento público desde 2010, ano em que a então ministra das finanças francesa, Christine Lagarde, a fez chegar às mãos do seu homólogo grego, George Papaconstantinou, que assegura desconhecer o que terá sucedido ao original.
Conhecida a possibilidade da sua divulgação pública a comunidade política reagiu de pronto e, segundo aquela notícia do PUBLICO, antecipou-se à publicação fazendo saber que o «…actual ministro das Finanças, Yannis Stournaras, disse ter pedido a França que envie uma cópia…», posição que contraria a inicialmente anunciada de «…afastar a possibilidade de agir judicialmente contra as pessoas que constam da lista, por evasão fiscal, alegando que ela foi obtida ilegalmente…» e que deverá ser resultado da «…indignação de muitos gregos com o que consideraram ser uma tentativa de encobrimento do caso…».

Além da óbvia desproporção na acção (enquanto o responsável pela publicação da informação foi detido sob a acusação de violação da lei de protecção de dados privados, o desvanecimento da lista dos faltosos não mereceu a menor reacção), pode-se concluir que a par com uma conveniente conivência entre o poder estabelecido e as grandes fortunas existe uma clara intenção de silenciar a verdade, fenómeno ainda mais evidente quando são conhecidos outros episódios que podem configurar claras tentativas de manipulação e silenciamento da informação.

A extraordinariamente rápida acção judicial contra Kostas Vaxevanis (o jornalista responsável pelo quinzenário HOT DOC) poderá ser apenas mais um sinal dum clima de intimidação que já registou, entre outros, o cancelamento do programa de televisão Proiní Enimerosi (emitido no canal de televisão pública ERT) que denunciou um episódio de tortura policial, mas que também estará a gerar reacções inesperadas, como seja o facto do Ta Nea (diário de centro-esquerda) ter dedicado grande parte da edição de hoje à lista que se procura manter secreta, evidenciando que a sanha dos poderosos contra a informação que não consigam controlar está para durar.

domingo, 28 de outubro de 2012

SERVIÇAIS POLÍTICOS


O desfecho da mais recente cimeira da UE constitui, no anúncio de novo adiamento das decisões, um excelente exemplo do paradigma que parece reger a actividade política na actualidade e que se poderá designar por um servilismo político, traduzido na actuação de políticos que sobrepõem interesses espúrios ao bem comum que se propuseram (pressuposto de candidatura quando a houve) servir.

Na essência, a aprovação da mais recente e decisiva iniciativa para “acalmar os mercados” – o novo mecanismo europeu de supervisão bancária – a par com o simultâneo adiamento da sua entrada em funcionamento para 2014 está ao nível deste paradigma e dos seus principais actores, que sem pejo encenam e apaziguam quezílias e diferendos para enganar os povos europeus.


Integrem a primeira linha, ou não passem de meros intérpretes de bastidores, a generalidade dos políticos europeus revela-se na actualidade cada vez mais preocupada em pugnar por uma agenda pessoal que pela efectiva e empenhada representação dos interesses dos cidadãos; aliás, que outra coisa se pode esperar de comissários escolhidos por via não eleitoral, quando até os dirigentes eleitos não revelam o menor rebuço em ignorar as promessas eleitorais com que se alcandoraram ao poder?

Este fenómeno, duma certa forma de corrupção, tem alastrado dos corredores da Comissão Europeia (órgão não electivo e mais facilmente permeável) para os cenáculos  nacionais, com a agravante destes serem ocupados por eleitos que de forma cada vez mais despudorada sobrepõem os seus interesses pessoais (ou os daqueles de quem esperam vir a receber elevadas contrapartidas “profissionais”) aos dos eleitores. Para se ter uma verdadeira dimensão deste fenómeno (e da sua gravidade) recorde-se a chegada de Durão Barroso à presidência da Comissão Europeia ou de Herman Van Rompuy para a do Conselho Europeu (ambos chefes de governo em exercício que abandonaram as funções para que tinham sido eleitos para ocuparem cargos europeus de nomeação), a substituição do desistente Durão Barroso pelo não sufragado Santana Lopes, a nomeação de Lucas Papademos (ex-presidente do banco central grego e ex-vice presidente do BCE) para a chefia dum governo provisório helénico, ou a do ex-comissário europeu Mario Monti para a direcção do actual governo italiano.

Este tipo de actuação (que, por antítese ao termo anglo-saxónico de “civil servant”, designo por servilismo político) pode ser detectado no âmago do funcionamento das instituições europeias, onde pesa além do tradicional jogo de equilíbrios entre os interesses específicos dos estados-membros, contribuindo para aumentar a morosidade no processo de decisão e agravar a sua qualidade e até já nas instituições dos diferentes estados-membros


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A AUSTERIDADE JÁ NÃO É CONSENSUAL NA EUROPA


A mais recente cimeira europeia trouxe alguma novidade além das habituais promessas e dos resultados dúbios?

A julgar pelas reacções imediatas das bolsas europeias, houve quem não hesitasse em escrever que «Cimeira europeia desilude investidores», porém, outras leituras podem e devem ser feitas dos fracos resultados duma cimeira anunciada com o principal fito de acordar a criação dum mecanismo europeu de supervisão bancária; é que embora formalizada aquela iniciativa, o arranque da sua actividade foi relegada para 2014, deixando clara uma crescente distanciação entre Paris e Berlim, quaisquer que sejam as diplomáticas declarações dos participantes.


As declarações de responsáveis franceses e alemães, anteriores ou posteriores à cimeira, mais não têm feito que confirmar uma nova realidade: a «Austeridade já não é consensual na Europa».

Não vão ainda longe os tempos em que o eixo Paris-Berlim (personificado nas figuras de Sarkozy e Merkel) parecia firme, algo impossível de manter quando na véspera da cimeira chegou de Berlim a notícia que «Merkel quer poder de veto europeu a orçamentos nacionais», numa espécie de réplica à declaração que François Hollande produzira em defesa duma nova política para combater a crise, onde afirmou que «Chegou a hora de oferecer aos portugueses uma perspectiva que não seja só de austeridade» e que implica a formulação de novas perspectivas para o funcionamento da UE, tanto mais quanto são notórias as diferenças entre uma Alemanha que se quer reconhecida como o motor económico perante uma França forte no seu poder militar.

É verdade que, duma forma ou outra, quando se fala de governação europeia acaba-se a referir aquela que continua a ser, no entendimento de muitos, uma das principais pechas da UE e, quiçá, responsável em boa medida pelas dificuldades que atravessamos: a ausência duma estrutura militar unificada e operacional.

É verdade que, duma forma ou outra, quando se fala de governação europeia e das dificuldades que atravessamos, acaba-se a apontar responsabilidades à ausência duma estrutura militar unificada e operacional. Esta lacuna e a urgência na sua reparação têm sido abordadas em vários “posts”, quer de natureza fundamentalmente económica (ver por exemplo «OS DEZ PROBLEMAS DO EURO», «AINDA KRUGMAN» ou «COMO COMBATER O HORROR ECONÓMICO») quer doutra (como foi o caso de «O SMO, A UNIÃO EUROPEIA E PORTUGAL», onde já em Novembro de 2006 defendia a necessidade de complementar o processo de criação da moeda única com o do exército único), mas o arrefecimento nas relações Paris-Bona deverá continuar a adiar uma solução que além de tardia poderá, como tantas outras negociadas até à exaustão, acabar por se revelar inconsequente.

Isso mesmo poderá acontecer com as permanentemente anunciadas, mas nunca efectivamente aplicadas, medidas para combater a chamada crise da dívida pública denominada em euros, que graças ao dogmatismo dos neoliberais apólogos das virtudes da austeridade se têm limitado a acrescentar recessão económica ao problema inicial, sem fim à vista nem recuperação económica que proporcione meios para a normal liquidação das dívidas públicas.

sábado, 20 de outubro de 2012

CONSENSOS


Aos dias sucedem-se as semanas e infelizmente o centro de todas as atenções nacionais continua a ser uma clara situação de emergência nacional, que ao contrário doutras épocas, quando o perigo vinha do vizinho ibérico e era facilmente identificável, assume hoje um aspecto mais difuso e conta com poderosos aliados internos para melhor se mascarar.

O país poderá não estar ocupado ou sequer sitiado por um exército, mas as suas instituições revelam-se claramente submetidas a interesses que de modo algum podem se aproximados com o da esmagadora maioria dos cidadãos, a ponto de não haver hoje medida governamental que não seja justificada pela necessidade de cumprir o Plano de Auxílio Económico-Financeiro determinado pela “troika” (FMI, BCE e FEEF) que representa os credores.

Num “post” anterior (que intitulei, por versar sobre as falhas dos modelos do FMI e do ministro Vítor Gaspar, «DESACERTOS») aludi ao historial da influência do FMI nas economias onde lhe concederam liberdade de actuação. Nessas, como agora sucede nos países europeus intervencionados (Grécia, Irlanda e Portugal), ficou claro o efeito destrutivo dos princípios advogados pelo FMI, que desde a última década do século passado é conhecido como o Consenso de Washington e que podem ser resumidos nas seguintes linhas de actuação:
         reforma fiscal;
         redução dos gastos públicos;
         desregulamentação e liberalização do mercado;
         abertura ao investimento estrangeiro;
         privatizações;
que facilmente se reconhecem nas políticas seguidas pelos governos de José Sócrates e de Passos Coelho (para só referir os mais recentes).

O organismo encarregue de impor a aplicação das linhas programáticas que foram responsáveis pela preparação do terreno para a expansão da globalização a países do Sudoeste Asiático, da América Latina e da Ásia, continua hoje a desenvolver a mesma actividade (embora os seus dois últimos directores-gerais, Dominique Strauss-Khan e Christine Lagarde, tenham dado voz a alguma suavização programática e até já se diga que o «FMI reconhece que calculou mal o impacto da austeridade na economia») agora a par com um BCE e uma Comissão Europeia, onde pontificam teses ainda mais ortodoxas que as do próprio FMI, a ponto de haver já quem se lhes refira como o Consenso de Berlim.

Consenso onde tudo se resume ao dogma das virtualidades do equilíbrio orçamental e os seus seguidores não hesitam sequer em defender em público as maiores barbaridades (de que o célebre conselho formulado por um deputado alemão para que o governo grego vendesse algumas das ilhas do Mar Egeu para liquidar as suas dívidas é um claro exemplo) e em fazer tábua rasa do mais elementar e básico princípio económico: o de que na origem e destino de tudo se encontram pessoas!

Entalados entre dois Consensos, esmagados por vagas sucessivas de políticas de austeridade, os países da Europa do Sul parecem cada vez mais condenados à queda num abismo que todos negam, mas os cidadãos sentem cada vez mais próximo...


e que nem a aparente revisão proposta por Chritine Lagarde, quando anunciou que o «FMI pede travão à austeridade na Europa», pode ser encarada como perspectiva viável duma efectiva reformulação da abordagem à crise, pois pouco tardou para que sobreviesse a costela calvinista do ministro alemão das finanças e se ficasse a saber que «Schäuble critica abertura de Lagarde para suavizar austeridade».

É claro que o tempo, a agudização da crise e a propagação da recessão até à Alemanha acabará por fazer com que Schauble e os demais monetaristas neo-liberais invertam a sua estratégia, mas então será demasiado tarde para todos... e a Europa poderá ser não já o tão apregoado lugar de paz mas o palco de mais que o mero cenário da luta diária dos cidadãos pela sobrevivência.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O SEBASTIÃO DE SÃO BENTO


É bem possível que as estas horas Passos Coelho, qual personagem de telenovela, já se tenha interrogado repetidamente sobre que mais lhe irá acontecer…

É que, passada a euforia duma vitória eleitoral anunciada e sustentada em prometidos “cortes na gordura do Estado”, depois de termos ficado a saber que para a aliança PSD/CDS as gorduras eram afinal os funcionários públicos e das primeiras decisões orientadas para o bolso dos contribuintes (aumentos do IVA, dos transportes e da energia), Passos Coelho e a sua equipa (assessorados pelos especialistas do FMI e escorados nos dogmas da inevitabilidade das medidas e da inexistência de alternativas) pouco tempo beneficiou da surda revolta que as suas opções políticas prenunciavam. Aos primeiros remoques do “amigo” Seguro – que as vozes dos gerónimos, por mais louçãs que sejam, não chegavam aos céus – ainda contou com apoio da clique que promovia, o pior é que de aperto em aperto Passos Coelho tudo conduziu até a um ponto onde o retorno se tornava cada vez mais difícil.


Cada vez mais ensimesmado nas suas crenças naturais (como a da superioridade da livre iniciativa e a da bondade dos mercados), insistindo na repetição dos novos mantras da competitividade e da produtividade, desgastado pelo imperdoável episódio académico do seu braço-direito, começou a enfrentar as primeiras críticas da sua própria base de apoio e tanto mais preocupantes quanto estas não paravam de se avolumar.
Não bastando o quase diário vexame de ouvir mandar o Relvas estudar, eis que o pouco verniz que restava estilhaçou face à evidente impreparação política e de desastrado anúncio em catastrófica entrevista, Passos Coelho e os restantes ministros transformaram-se de impolutos saneadores do nacional despesismo em acossadas figuras da sanha popular. Culminando com uma manifestação que trouxe às ruas das principais cidades do País um milhão de cidadãos, até os mais recatados e seráficos barões do PSD passaram a zurzir um primeiro-ministro enleado entre convicções, interesses ou simples trapalhadas.

Depois de, do alto das suas cátedras televisivas, Marcelo Rebelo de Sousa ter começado há algumas semanas a deixar um ou outro comentário mais ácido e Marques Mendes dizer do último anúncio de revisão do IRS que «Governo fez “ataque à mão armada” aos portugueses», de se terem ouvido outras personalidades como os ex-presidentes Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Mário Soares (este num contundente artigo de opinião no DN), António Vitorino, Mota Amaral, Bagão Félix ou Diogo Freitas do Amaral, foi agora a vez de se ler que «Ângelo Correia diz que “falta estudo” a Passos».

Imagine-se, até o mentor e grande responsável pela sua promoção a líder do PSD vem agora lamentar a falta de preparação do seu pupilo… O despudor é o despautério de mais este “fazedor de reis” que apenas agora terá percebido que andou anos a fio a cultivar uma versão caseira dum pequeno frankenstein que, a julgar pelas críticas agora tecidas, não controla mais.

Abertamente criticado na rua, apupado (ele e os membros do Governo) onde quer que vá, acossado pela comprovada falência do modelo de Vítor Gaspar e da “troika” para resolver a crise, em situação de completo descrédito até entre a classe política, Passos Coelho arrasta-se enquanto se interroga sobre o que mais lhe irá acontecer mas arrasta consigo todo um Povo... até ao dia em que este realize que a solução para os seus problemas não está exclusivamente nas mãos da classe política.

sábado, 13 de outubro de 2012

SIRIANA[1]


As notícias que nos últimos dias têm chegado do conflito sírio, nomeadamente as que reportam problemas na fronteira sírio-turca onde na sequência do bombardeamento duma vila turca fronteiriça informam que a «Turquia ameaça com “resposta ainda mais forte” a Síria», dão claros sinais senão duma forte possibilidade de intensificação dos confrontos pelos menos duma clara deterioração das relações entre os dois estados, tanto mais que nos últimos dias Ancara procedeu ao desvio dum avião comercial sírio por alegadamente transportar equipamento militar proveniente da Rússia.

O envolvimento de Moscovo na polémica (que o ministro turco dos negócios estrangeiros, Ahmet Davutoglu, procurou desvalorizar de imediato, mas Moscovo não parece disposta a esquecer), pode inserir-se numa dupla estratégia relativamente à Rússia, “castigando” o apoio  diplomático e militar russo a Bashar Al-Assad e de marcando a posição turca no seio da NATO, enquanto faz subir de tom o ambiente com a vizinha Síria.

Depois de num período anterior se terem registado «Confrontos entre sunitas e alauítas no Líbano por causa da Síria» e após um incidente que envolveu o abate dum caça turco (ver a propósito o “post” «O CARROSSEL SÍRIO»), parece agora ter deslocado a sua atenção mais para Norte, zona que além de constituir parte do perpetuamente reivindicado território do Curdistão é igualmente ponto importante da rede de gasodutos e oleodutos da região.



Embora a imprensa ocidental continue altamente empenhada em relatar o morticínio em que se transformou a luta interna pelo poder na Síria, questões como as motivações oriundas do poderoso sector energético ou as que envolvem o claro interesse judaico na desestabilização dum regime pró-iraniano (ver a propósito o “post” «O SOFRIMENTO SÍRIO» merecem pouco ou nenhum destaque e até a quem leu a recente notícia do DN assegurando que «Líder do Conselho Nacional vai pela 1ª vez à Síria» poderá ter passado quase despercebido a clara semelhança com o sucedido durante as invasões do Afeganistão e do Iraque “pilotadas” por nacionais afegãos e iraquianos radicados no Ocidente.

Para aumentar a intranquilidade na região, junte-se a tudo isto o óbvio interesse turco de hegemonia regional, o ensejo de aproveitar um pequeno confronto para medir forças com o rival Irão e, quiçá, reforçar a abalada proximidade com Israel na sequência do episódio do navio assaltado pelo Tsahal, mas que a construção do oleoduto que ligará o de Baku-Tbilisi-Ceyhan ao de Ashkelon-Eilat (ver a propósito o “post” «DUBITANDO AD VERITATEM PERVENIMUS» importa preservar.


[1] Alusão ao filme homónimo, realizado por Stephen Gaghan e protagonizado por George Clooney, cujo enredo relaciona directamente a intrincada situação política do Médio Oriente com os interesses do sector dos combustíveis.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DESACERTOS


Apesar do silêncio cúmplice da generalidade dos órgãos de informação, há muito que a opção do governo português pela regra cega do equilíbrio orçamental vem sendo contestada, atitude que ganhou nova visibilidade com as grandes manifestações de Setembro e, por mais limitadas que tenham sido as suas conclusões, com a recente realização do Congresso Democrático das Alternativas.

A grande mentira que tem sido tecida e sustentada em torno da inevitabilidade das opções e da inexistência de alternativas começa a revelar toda a sua extensão; após a comprovada falência das opções de Vítor Gaspar até já Augusto Mateus, ex-ministro da economia dum governo de António Guterres, veio a terreiro afirmar que «A estratégia do governo não é “tonta” mas “está errada”» e assegura que a insistência na mesma solução conduzirá a que « “Daqui a um ano teremos o mesmo problema que temos agora”», além de que a tão louvada «Redução do défice externo “é positiva, mas não sustentável”» por se tratar duma consequência natural da redução do consumo e do investimento.

Alvo dum número crescente de críticas o ministro Vítor Gaspar já nem encontrará nos correligionários ideológicos do FMI o esperado conforto, pois na edição de Outono do seu World Economic Outlook o próprio «FMI reconhece que calculou mal o impacto da austeridade na economia», pelo que por cada euro de austeridade, a economia não cai 0,5 euros, mas sim entre 0,9 e 1,7 euros. Um pequeno desvio (qualquer coisa entre 80% e 240%) que, para usar uma expressão cara a outra grande figura do actual governo, António Borges, é inaceitável em qualquer aluno do 1º ano do curso de economia de qualquer universidade (a menos que, para manter a analogia com personalidades da actual governação, se tenham candidatado a equivalências duvidosas…).


Este pequeno desvio, que há décadas vem condenando milhões de cidadãos de todos os países que já registaram intervenções do FMI, deverá passar incólume e os “técnicos “ do FMI continuarão a executar a sua tarefa de destruição sistemática das economias onde lhes permitam actuar. Perante os resultados que podemos comprovar na realidade nacional e que não diferem dos que se registam e registaram noutras economias e noutros continentes (se não lembre-se que em Março de 2011, nas vésperas do pedido de intervenção formalizado por José Sócrates, o ex-presidente brasileiro, Lula da Silva, bem consciente dos resultados no seu país natal, declarou em Lisboa que «FMI não é solução para Portugal» e deixou o «alerta que FMI traz mais problemas do que soluções»), restará ainda alguma dúvida sobre a clamorosa fragilidade técnica do modelo com que pretendem resolver as dificuldades nacionais?

É claro que nem tudo o que vem dos lados do FMI tem que ser obrigatoriamente mau e reprovável, algumas das suas análises e comentários são aproveitáveis – como aquele onde se avisa que «Fuga de capital da periferia para o centro da Europa agrava a instabilidade» – mas o pior é que as opções para contrariar a tendência inserem-se na linha da estratégia adoptada por Vítor Gaspar: a opção não correu como previsto, mas como a teoria está correcta vamos aplicar nova e mais poderosa dose do “remédio”… vai doer, mas agora vai resultar!

sábado, 6 de outubro de 2012

UM 5 DE OUTUBRO DIFERENTE


O dia que marcou a última celebração da data do 5 de Outubro na qualidade de feriado nacional, não podia ter deixado melhor imagem do País. Enquanto na Aula Magna da Universidade de Lisboa milhares de cidadãos discutiam as alternativas possíveis às políticas originadas pelo Memorando de Entendimento com o FMI, o BCE e o FEEF, o poder instituído oferecia um imagem da completa desorganização que grassa pelos corredores do poder.

Não bastando a despudorado ignomínia de retirar do calendário de feriados nacionais – entendendo-se esta qualidade como forma de acentuar o especial relevo dos acontecimentos de que a História deixou marca – a data que assinala a função do regime republicano vigente, enquanto se mantém feriados religiosos que à luz da Constituição que estabelece o Estado Português como estado laico poderiam ter sido eliminados, eis que na última data em que a celebração poderia manter as tradicionais características de participação popular, foi decidido remetê-la para um pátio reservado, limitando-se a vertente pública ao hastear da bandeira.

Talvez no afã de despachar a coisa (não fosse a populaça agraciar as altas individualidades presentes na segura varanda camarária com algum dichote mais atrevido ou um hoje em dia comum epíteto de “gatuno”) eis que a bandeira acabou içada ao contrário.


É claro que a culpa foi dalgum estouvado funcionário (quiçá perigoso comunista infiltrado) que dispôs o símbolo nacional ao contrário, mas o que ficou para a imagem foi uma galeria de notáveis assistindo impavidamente ao impróprio acto de hastear a bandeira ao contrário.

Além da óbvia galhofa logo terá havido quem pensando melhor até reconhecesse no acto um sinal dos tempos; é que em períodos de guerra era hábito hastear a bandeira ao contrário como sinal da ocupação inimiga...

Analogias com os tempos modernos? De modo algum! Mas como costumam dizer os nosso vizinhos galegos: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay!

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

FALÁCIAS GASPARIANAS


O governo de Passos Coelho começa a caracterizar-se por, a cada novo anúncio ao país, aumentar a insatisfação geral enquanto propala um número crescente de incertas certezas.


A comunicação que Vítor Gaspar, o ministro das finanças de Passos Coelho, dirigiu ontem ao país pode resumir-se a um «Ataque sem fim à vista aos rendimentos que não podem fugir ao fisco», o que não traduz tudo o que foi dito e o (muito) que continua implícito. Além da irrefutável confirmação que, graças a uma mira apontada aos rendimentos do trabalho – através duma despudorada manipulação dos escalões de rendimentos e da taxa máxima de imposto – e da imposição duma sobretaxa no IRS, o «Novo pacote fiscal mantém desigualdade na repartição de esforços» quando se comparam rendimentos do trabalho com os do capital ou quando se compara o novo aumento das receitas fiscais com a quase total ausência de reduções do lado da despesa, outras conclusões podem ser retiradas dum “discurso” ministerial que embora emitido por um técnico primou por uma pungente ausência de dados concretos.

Talvez pior que essa ausência de dados – especialmente exigíveis a um técnico com a nomeada de Vítor Gaspar – foi a referência ao facto do País haver regressado aos “mercados”… no que poderá considerar-se uma confusão básica entre emissão de dívida (verdadeiro regresso) e uma mera operação de troca de títulos – no caso concreto a troca de títulos com maturidade em Setembro de 2013 por outros com maturidade em Setembro de 2015 – a qual, cúmulo dos cúmulos, configura uma reestruturação da dívida, algo que Vítor Gaspar e Passos Coelho sempre afirmaram impensável. Orgulhoso do feito o ministro até se esqueceu de referir que a operação constituiu uma excelente opção para os credores que assim vêem prolongado o pagamento de apetitosos juros de 5,5% por mais dois anos.

Mas se faltaram os dados indispensáveis a uma correcta avaliação do impacto da nova carga fiscal sobre os rendimentos de trabalhadores e pensionistas ou até sobre o IMI (imposto sobre a propriedade) e se as referências a aumentos doutros impostos, como o imposto sobre o tabaco e os bens de luxo ou sobre as transacções financeiras, foram igualmente pouco claras, já não faltou a bravata do anúncio duma reestruturação da dívida nem a reafirmação por Passos Coelho – durante o debate parlamentar das moções de censura apresentadas por PCP e BE – de que a única «Alternativa seria “abandonar a zona euro”».

Assim, de falácia em falácia continuamos a assistir à aplicação dum programa que nunca foi pensado para o objectivo anunciado da redução do défice e da dívida (se assim fosse aqueles indicadores não se estariam a agravar) enquanto tudo se faz para esconder aos cidadãos a existência de alternativas.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O RACIONAMENTO NA VIDA E NA MORTE


Poucos teremos hoje dúvidas sobre a evidente degradação das condições de vida no país. Salvo as excepções do costume, todos, duma forma ou doutra, temos a percepção de vivermos pior que há um par de anos atrás e, para agravar o sentimento, sem perspectivas de qualquer melhoria no curto prazo.

Como se não bastasse a incerteza instalada entre assalariados e pequenos empresários quanto à evolução da situação económico-financeira, a sucessão de trapalhadas em que se tem envolvido o governo de Passos Coelho só tem contribuído para agravar um clima de contestação social alimentado pela sucessão de medidas de efeito recessivo.

Ao permanente anúncio de cortes nas despesas de assistência social e de aumentos de impostos juntou-se na passada semana um Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre um Modelo de Deliberação para financiamento do custo dos medicamentos que parece sancionar uma abordagem mais economicista da Saúde e que a imprensa difundiu anunciando que o «Conselho de Ética dá luz verde ao racionamento de tratamentos para o cancro», ou, mais prosaicamente, deixando antever uma «Porta aberta a cortes no tratamento do cancro e da sida».


Por muito correcta que possa ser a conclusão daquele Conselho, num momento em que são crescentes as dificuldades sentidas pela generalidade da população, e quando a confiança nos dirigentes e nos respectivos assessores será das mais baixas de sempre, dificilmente alguém acreditará que as conclusões daquele parecer serão tudo menos inócuas. Confirmando isso mesmo, foi pronto o coro de contestação à ideia implícita; desde a Ordem dos Médicos à Liga Portuguesa Contra o Cancro, de que o mais barato dos doentes é o doente morto!

Mórbido? Criminoso? Não! A conclusão insere-se perfeitamente na disseminação duma ética própria, e adequada, a quem sobrevaloriza as formulações teóricas às pessoas sobre quem faz recair os seus efeitos. Na economia, nas empresas e agora até na saúde parece que a palavra de ordem é tudo esquecer em exclusivo benefício de resultados que, garantem-nos os autores e demais fautores da teoria, assegurarão o futuro… o pior é que os anos sucedem-se, os resultados vêem-se revelando catastróficos e a solução parece-se cada vez mais com uma pura teimosia.

Será pois estranho associar directamente as políticas restritivas ao nível de salários e de despesas sociais com a degradação da qualidade da saúde das populações?

Que dizer do encerramento de serviços e da concentração de profissionais da Saúde nas grandes áreas urbanas, nas recorrentes notícias de escassez no abastecimento de medicamentos, ou nas regulares críticas formuladas por médicos e enfermeiros?

As características de dogmatismo, amplamente alardeadas pelos nossos governantes, justificam que, no limite, se questione a existência duma certa política eugenista concertada para combater uma pirâmide etária invertida (maior número de idosos que jovens) como a que o país apresenta, que pode ser resumida na ideia de que está para continuar o racionamento na vida (vejam-se as novas medidas de austeridade anunciadas por Vítor Gaspar, das quais se destaca que o «IRS pago pelos portugueses vai subir cerca de 30% em 2013») e agora até na morte.