sexta-feira, 31 de julho de 2015

A GUERRA DE ERDOGAN

Foi com alguma expectativa que li, no início desta semana, a notícia de que a «Turquia invoca artigo 4.º do tratado da NATO e aliados discutem amanhã resposta a ataques terroristas», pois da reunião da direcção política daquela aliança militar poderia resultar algo de positivo para a região do Médio Oriente e, por extensão, para a fronteira sudeste da Europa.

Mas o resultado ficou muito aquém das expectativas. As razões que levaram o regime de Erdogan a abrir uma «Nova ofensiva militar turca na Síria» estão nos antípodas da anunciada necessidade ocidental de combate ao ISIS (ou Daesh), pois é por demais evidente que «O principal alvo de Ancara são os curdos»; o que realmente move o interesse do AKP (partido islamita turco, actualmente no poder) é a paralisação política do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que recentemente retirou a maioria parlamentar ao AKP), pelo que não é de estranhar que o objecto de maior destaque acabe por ser a notícia de que a «Turquia ataca guerrilheiros curdos no Iraque».


Tem o seu quê de caricato ver a «Situação da Turquia discutida em reunião extraordinária da NATO» e em especial constatar que novamente o resultado anunciado é aquele que serve os interesses imediatos de turcos e americanos; diz-se que contra as reservas de franceses e alemães «EUA e Turquia querem criar "zona tampão" no norte da Síria», opção que poderá servir até para aliviar a pressão dos milhares de refugiados que têm afluído a território turco, mas nunca para garantir um verdadeiro sucesso na luta contra o Daesh, pois limita-se à tentativa de criação duma zona de influência anti regime de Damasco, talvez livre das tendências radicais do Daesh, mas sem a única força que efectivamente os tem combatido no terreno: os curdos.

O ancestral pavor dos curdos é tal que nos primeiros dias da ofensiva de Ancara as «Autoridades turcas já detiveram mais de 900 alegados terroristas, a maioria curdos», confirmando, afinal, que os conflitos na região estão para durar, ou como escreveu Bernardo Pires de Lima no seu artigo «Incapazes, negligentes, macios»:

«Quem assegura o sucesso no terreno da oposição sunita ao ISIS? Que sucesso tiveram até hoje os ataques aéreos ocidentais? Quem pode evitar, a partir de agora, uma revolta curda maciça antiturca? Ancara precisava de um contraponto à altura do momento, mas os europeus foram incapazes e os americanos negligentes. É provável que venham a arrepender-se

Até para os observadores menos atentos parece cada vez mais evidente que a guerra de Erdogan é outra. Os “tiros” contra o Daesh são de “pólvora seca” porque residem na ordem interna (ou mais prosaicamente um claro afã de permanência no poder) as razões «Por que a Turquia bombardeia as posições do PKK» e que nem notícias como a do registo de «Três militares turcos mortos em ataque de rebeldes do PKK», constituem mais que espúrias tentativas de branqueamento da actuação de Erdogan e dos seus correlegionários.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

GERAÇÃO PERDIDA

A apresentação, esta semana, pelo FMI do seu mais recente relatório anual sobre a zona euro fez disparar os títulos nos principais jornais nacionais, com especial destaque para a notícia de que «Portugal só volta ao desemprego de antes da crise daqui a 20 anos», ou seja, parece confirmado que a mistura explosiva da crise financeira global com a inventada crise das dívidas soberanas vai condenar toda uma geração a níveis de bem-estar inferiores.


Além da barbaridade social que a notícia transmite fica ainda uma profunda sensação de cansaço e de desânimo (mais uma vez…) perante notícias ainda recentes que davam conta que estaria o «Número de beneficiários de subsídios de desemprego em mínimos de 2003». É claro que apesar das aparências não existe necessária contradição entre as duas afirmações, tanto mais que esta já tinha sido prontamente explicada (e bem) por Eugénio Rosa, no seu artigo «As aldrabices estatísticas de Passos Coelho», onde demonstrou a manipulação primária dos dados estatísticos referentes ao desemprego em Portugal.

Mesmo descontado o inevitável efeito de já estarmos a viver em pleno um período eleitoral (aquele onde tudo se pode dizer desde que sirva para captar votos), nem a adulteração das estatísticas oficiais nem a conclusão oferecida pelo FMI de que será 2035 «O ano em que o desemprego regressa aos níveis pré-crise», devem ser apreciados sem o inevitável crivo da dúvida, que no caso da segunda se prende precisamente com a qualidade dos dados a partir dos quais aquele organismo terá elaborado os seus cenários previsionais. A manipulação denunciada por Eugénio Rosa é por si só razão mais que suficiente para se duvidar da projecção do FMI, pois se esta já se baseia em algo um pouco artificial, como o cálculo duma taxa natural de desemprego (conceito baseado no equilíbrio entre o pleno emprego e a ausência de inflação, que na designação anglo-saxónica é conhecida como Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment, ou NAIRU), que fiabilidade se lhe pode atribuir quando conhecemos à partida o desvio na informação em que se baseia.

Entre campanhas eleitorais, manipulações estatísticas e projecções do FMI continuam a manter-nos alheios ao essencial do problema: as elevadas taxas de desemprego servem para assegurar a perpetuação dum modelo de transferência de riqueza e o seu combate só pode ser encarado com uma mudança radical do seu paradigma e a interiorização da dura e crua realidade que o futuro não trará emprego para todos os que o procurem!

sábado, 25 de julho de 2015

FUGIR A BOCA PARA A VERDADE

Depois de na véspera nos ter dado notícia que em jeito de auto-elogio e promoção o «Governo faz balanço da legislatura», eis que o NEGÓCIOS publicou ontem uma notícia segundo a qual aquele documento conterá uma gralha quando é dito no mesmo «Balanço do Governo diz que os ricos foram “muito menos afectados” pela crise».


É evidente que a afirmação só poderá ser uma gralha, pois ninguém na entourage de Passos Coelho ou Paulo Portas se atreveria a escrever semelhante barbaridade que contradiz em absoluto tudo o que um e outro não se cansam de afirmar, e mais vale admitir a distracção (gralha) que um erro que só poderia resultar da confissão que algum perigoso “radical de esquerda” terá infiltrado alguma acessória tão cândida e cuidadosamente reservada para os mais subservientes dos “jotas”.

O pior é que a justificação remete para uma notícia de 2014 sobre um relatório do FMI, segundo a qual a «Austeridade em Portugal cortou aos mais ricos o dobro do que tirou aos mais pobres». Mas o que é isto que realmente dizer?

Para compreendermos o que isto quer dizer, vejamos um quadro comparativo das alterações no rendimento disponível das famílias entre 2008 e 2012, tal como então publicou o próprio NEGÓCIOS:


A primeira constatação é que, tal como no caso da Letónia, o número de escalões de rendimento é metade dos restantes parceiros de comparação (algo que revela claramente a baixa progressividade do sistema fiscal português), depois comparar uma quebra no rendimento da ordem dos 10% (para os rendimentos mais elevados) com os mais de 5% perdidos pelos rendimentos mais baixos traduz fielmente o título da notícia – os ricos perderam o dobro dos mais pobres – mas não refuta que estes tenham sido mais afectados que os primeiros, pois é muito mais penoso perder 20 ou 25€ de rendimento para quem recebe 400€ mensais – que o obrigará a deixar de comprar alguns bens de primeira necessidade - que perder 2 ou 3 mil para quem recebe mensalmente 20 ou 30 mil euros e apenas se verá “obrigado” a deixar de trocar de carro todos os anos.

Afinal o pobre do “jotinha” que escreveu o parágrafo da gralha tinha razão: os ricos foram muito menos afectados pela crise! Todos o sabíamos desde o início (o próprio estudo do FMI era dispensável)… não se pode é dizê-lo!

quinta-feira, 23 de julho de 2015

TRANSPARÊNCIA?

Depois da Operação Marquês e da detenção de José Sócrates, a notícia de que o «Serviço antifraude da UE detectou ilegalidades no caso Tecnoforma» pode vir a agitar a silly season que se avizinha e que antecede as eleições Legislativas marcadas para dia 4 de Outubro, trazendo de volta as dúvidas, inicialmente levantadas pelo PUBLICO, em torno da atribuição de financiamentos que a empresa recebeu, para promover a formação profissional de funcionários autárquicos, voltaram à liça os nomes de Passos Coelho (ex-consultor e administrador da referida Tecnoforma) e de Miguel Relvas (secretário de Estado da Administração Local à época dos factos).


No habitual afã para arregimentar os papalvos e para esconder o vazio de ideias que campeia pelos lados do Rato e da Lapa, já ninguém parece preocupado em esconder as “armas de arremesso” com que irá mimosear o adversário na contenda e assim este e outros “casos” lá  irão fazendo manchetes noticiosas...

Embora seja preocupante o número de “casos” envolvendo grandes figuras da política nacional, a lentidão e a benignidade do sistema judicial – veja-se o número praticamente inexistente de condenações – quase asseguram aos visados a impunidade de que necessitam para manterem vivo o espírito de “empreendedorismo” que têm revelado.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

A ESPUMA DOS DIAS

A notícia de que o «Ministério Público brasileiro investiga Lula da Silva» e que na sua mira estarão alguns contactos mantidos com responsáveis portugueses, já levou a uma reacção onde o primeiro-ministro «Passos Coelho garante que "Lula da Silva nunca veio pedir uma cunha"», merece uma observação diversa da que a imprensa lhe tem dado.


Tudo terá começado com uma investigação da polícia brasileira (Operação Lava Jato) sobre uma rede de branqueamento de capitais, que acabou por se alargar a casos de suborno, envolvendo grandes empresas, como a petrolífera brasileira – Petrobras – e a construtora Odebrecht, e tráfico de influências que engloba um número crescente de políticos influentes. A recente denúncia do envolvimento do ex-presidente brasileiro, Luís Lula da Silva, colocado sob investigação por suposto tráfico de influências justifica de imediato a formulação de dúvidas sobre uma prática que neste país e nos últimos tempos muito tem sido louvada: a da diplomacia económica.

Qual a fronteira (se é que existe) entre o “interesse nacional” e o interesse das empresas nacionais?

A que título pode um governo que nunca revelou qualquer plano estratégico para o país que é suposto dirigir, como é o caso do governo de Passos Coelho, praticar uma “diplomacia económica” (de que o vice-primeiro-ministro Paulo Portas tanto se ufana e vangloria) não subordinada a interesses particulares?

Assente a espuma dos dias agitados que vivemos, quando a integridade e uma clara separação de interesses deixou de ser característica principal dos dirigentes, qual será o julgamento que História fará dos políticos que vivem neste “fio da navalha”? Qual o futuro dos Loureiros, dos Varas e doutros Portas (todos impolutos campeões da facilitação e da diplomacia económica), quando a ombridade voltar a ser um valor basilar na sociedade e em especial naqueles que asseguram a gestão da res publica?

sábado, 18 de julho de 2015

…EM BREVE NA EUROPA COM QUE TODOS SONHAMOS…

No passado fim-de-semana foram anunciados os prémios anuais do World Press Cartoon e sem surpresa (para quem há muito acompanha a sua obra) um dos laureados (1º Prémio na categoria Desenho de Humor) foi o grego Michael Kountouris, presença habitual nas ilustrações deste espaço e que já em 2013 ganhara o 1º Prémio da categoria Editorial.

Em homenagem ao artista, que explicou a sua ausência na cerimónia de consagração nas páginas do PUBLICO dizendo que Com o país como está, não consigo sair daqui”, e ao povo grego, aqui fica o cartoon:


…e um excerto daquela notícia, onde o artista «…nota que escreveu para ser lida na entrega do prémio […] lembrou que em 2013 venceu o grande prémio do concurso com um cartoon sobre a crise: “Na altura dediquei o prémio às vítimas da crise e desejei que a Europa se pudesse tornar uma Europa de povos e não de bancos”, dizia o texto.

“Infelizmente, dois anos depois, as coisas ainda não mudaram e no meu país estão ainda pior, especialmente durante os últimos dias e depois do referendo”. Por isso, Kountouris sentiu que não pode deixar o seu país, o seu trabalho, a sua família. Mas termina com optimismo renovado: “Tenho a certeza de que iremos encontrar-nos em breve na Europa com que todos sonhamos: a Europa da dignidade, da solidariedade e da democracia.”»

sexta-feira, 17 de julho de 2015

(DES)ACORDO

Enquanto a Europa continua a afundar-se num labirinto de certezas e dogmas, os EUA e o Irão anunciaram, no início da semana, ter «Alcançado acordo sobre programa nuclear iraniano»; após doze anos de delicadas (e tantas vezes torpedeadas) negociações os representantes do chamado “grupo 5+1” (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China) chegaram a acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Nada que assegure o fim de todos os problemas (qual é o acordo que o consegue?), antes o indispensável desanuviamento das relações entre os EUA e o Irão, potenciador de tentativas de mediação dos conflitos na região do Médio Oriente, cada vez mais centrados na disputa pela hegemonia regional entre iranianos e sauditas.

O acordo alcançado em Viena foi bem acolhido em Teerão, que mais não seja por deixar antever algum alívio para a esgotada economia iraniana, mas pouco ou nada em Riade e claramente criticado em Tel-Aviv, onde o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não hesitou em classificá-lo como um “erro de proporções históricas”.


É claro que o acordo agora alcançado representou um sério revés no plano internacional (mais um…) para Netanyahu e os falcões israelitas, mas daí a afirmar que Teerão continuará a espalhar o terror na região, como se um dos seus pilares maiores não fosse precisamente o regime de Tel-Aviv, ele sim dotado de arsenal nuclear e sem controlo internacional, vai alguma distância e um inaudito desaforo…

quinta-feira, 16 de julho de 2015

ONTEM FOI DIA…

Ontem foi dia de dor em Atenas e de ignomínia por essa Europa fora. A clique ordoliberal está a arrasar uma nação para destruir um pretenso partido de extrema-esquerda.

A sanha prussiana contra o Syriza é tal que que para os seus promotores tudo, mas rigorosamente tudo, é permitido. No afã de transformarem a resistência grega em exemplo para quem pense opor-se-lhe, deixaram tombar os últimos resquícios de bom-senso (aquele que manda não humilhar os vencidos) e humanidade.


Ao contrário do que escreve o PUBLICO, ontem não foi «A noite em que os gregos aprovaram (a custo) um mal menor», foi a noite em que um bando de fanáticos fez prevalecer um sentimento de mesquinha vingança, facto que me leva a discordar profundamente da sugestão que se «O Syriza já está destruído, podemos agora salvar a Grécia?»

É que não existe a mínima hipótese, mesmo com o «Eurogrupo de acordo sobre transferência de €7000 milhões para Atenas», que um grupo de sabujos da laia de Passos Coelho e Rajoy, liderados por fanáticos da dimensão de Merkel ou Schauble e acolitados por timoratos como Hollande ou Renzi, que activa ou passivamente enterraram os últimos resquícios de dignidade e ética, possam gizar qualquer resquício de solução e é já demasiado tarde ou mais um claro sinal de grosseira ingerência ouvir agora que o «BCE aumentou linha de liquidez de emergência para os bancos gregos» e que já admite aliviar a dívida grega, especialmente quando insistem na aplicação duma receita que não ignoram que nada vai solucionar, antes agravar o problema que ajudaram a criar.

Nos termos da sua formulação ética – o que é diferente é perigoso e para abater – mais facilmente apoiarão activamente um Viktor Orbán, cuja «Hungria já está a construir os primeiros metros do muro anti-imigrantes», que uma qualquer solução de natureza política ou económica que contemple alguns vestígios de solidariedade, com os gregos ou quaisquer outros párias!

terça-feira, 14 de julho de 2015

AUF WIEDERSEHEN UE

Quando em meados de Maio escrevi no post «A UE E A GRÉCIA» que começava a desenhar-se inexoravelmente o cenário da rendição grega, não o fiz por qualquer mirífica premonição, antes por mero pragmatismo, pois é sabido que há muito tempo que a UE e os seus líderes abdicaram de qualquer laivo de criatividade ou de simples pensamento próprio, transformados que foram em obedientes discípulos de Schauble (nas palavras de Yanis Varoufakis o «Eurogrupo é “totalmente controlado” pelo ministro alemão das Finanças»), o porta estandarte duma ortodoxia que combina as teorias ordoliberais com o rigor prussiano.


É claro que o acordo alcançado neste fim-de-semana não se afastou desta forma de actuação: a ortodoxia ordoliberal obteve uma rendição do governo grego em toda a linha (mesmo admitindo que algum ganho poderá advir de se ter começado a falar em reestruturação da dívida e apesar de se saber que o ex-ministro «Varoufakis diz que só por milagre a dívida grega será reestruturada»). A solução encontrada – um terceiro resgate e nova repetição da “receita” austeritária – não é apenas, como diz Bernardo Pires de Lima, «Um mau acordo», é, quase seguramente, o prenúncio do fim da UE, pelo menos aquela que conhecemos.

Como muito bem escreveu Wolfgang Munchau, «Os brutais credores da Grécia têm arrasado o projecto da zona euro» pelo que tudo pode agora acontecer, inclusive que este tenha sido, com o descreveu José Vítor Malheiros, «O fim-de-semana em que a Europa morreu».

A certidão de óbito do projecto europeu de paz, cooperação e convergência só pode resultar num retrocesso ao período das disputas entre as pequenas hegemonias europeias que tantas vidas já custaram e ameaçam agora repetir aquele que é o mais clamoroso dos erros e o paradigma da insanidade (tal como o terá definido Einstein): repetir a mesma coisa vezes sem conta esperando obter resultados diferentes.

Os tristes políticos europeus a quem o voto popular entregou a condução dos destinos de milhões de cidadãos desdobram-se agora por essas capitais europeias repetindo à saciedade a grande vitória alcançada (o mais irrelevante dos quais até já firmou que foi uma ideia sua que desbloqueou as negociações), quais títeres dum teatro de sombras que julgam integrar uma realidade que lhes escapa completamente, vangloriando-se pela salvação duma união monetária que deixou de ser factor agregador e de crescimento para se transformar na ruína do conjunto.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE.. OS COROS

As recentes declarações onde a Directora-geral do FMI, «Christine Lagarde quer reestruturação da dívida da Grécia mas exclui Portugal» poderão constituir motivo de orgulho para Passos Coelho, Paulo Portas e seus sequazes, mas na prática comprovam à saciedade realidades globais como:

  • que os especialistas do FMI se sentem cada vez menos confortáveis na inabalável defesa das teses de Compromisso de Washington;
  •  que na actual conjuntura de desagregação do modelo de organização ocidental o papel de instituições como o FMI é cada vez menos reconhecido como fulcral;

enquanto no plano interno revelam que a estratégia seguida pelo actual governo é, além de errada, profundamente lesiva dos interesses nacionais. Até o insuspeito Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, defendeu numa intervenção no 6º Congresso Nacional dos Economistas que «Portugal "perdeu a oportunidade de fazer um repto construtivo" à Zona Euro».


Iremos agora voltar o ouvir o mesmo coro a exigir o seu julgamento?

Duvido!

quarta-feira, 8 de julho de 2015

EQUÍVOCOS DE MUITAS PALAVRAS

Poucos duvidarão que vivemos tempos de mudança (e de mudança conturbada) e que historicamente estes tempos são particularmente fecundos. Assim foi com os grandes saltos que a Humanidade foi dando ao longo do tempo e embora uns se tenham revelado mais tranquilos que outros, é inegável que muitas das grandes mudanças implicaram o seu quinhão de sacrifícios (e de sacrificados) e que em todas elas terá havido quem tenha procurado explicar o inevitável aos sacrificados.

Foi assim que na sociedade ocidental se enraizaram estruturas aparentemente conciliatórias que beneficiando sempre da proximidade dos poderosos lá foram prometendo o céu aos mais sacrificados. Do mesmo modo, desde a difusão da imprensa têm abundado os escribas que privilegiam o apaziguamento à informação dos leitores. Isso mesmo sucede, como o faz César das Neves, quando se procura reduzir a complexa e muito delicada situação da Zona Euro aos meros «Equívocos de uma palavra» - Austeridade.

O autor baseia a sua argumentação no pressuposto que a austeridade é resultante da cumulação de défices e de endividamento, que foram consequência de má governação e que a austeridade oferecida pela ajuda externa é mais suave e mitigada que a que resultaria dum súbito ajustamento do total das despesas, incluindo os juros, ao total das receitas.


O que parece um raciocínio inabalável conduzindo à inevitável conclusão, bem ao gosto friedmaniano, de que não há almoços grátis – leia-se: perdão da dívida – é tão susceptível de crítica como qualquer outra opinião. Como, por exemplo, quando revela que padece do mesmo tipo de simplismo que atribui aos críticos da austeridade ao afirmar que estes esquecem que já antes da crise não existia crescimento ou este foi insuficiente para evitar o endividamento explosivo, ele, por sua vez, esquece de referir que a adopção generalizada das teses monetaristas e do princípio do “trickle-down economics”, em benefício das grandes empresas e dos grupos de maiores rendimentos, conduziu à erosão das receitas públicas e daí ao agravamento dos défices. Não foram apenas os políticos «…capturados por interesses, próprios ou alheios, concedendo benesses acima daquilo que o país podia pagar…» que agravaram as dívidas; foram, isso sim, os políticos que, capturados pelos interesses subjacentes às teses monetaristas, levaram à redução da carga fiscal sobre os que mais e melhor podiam pagar, que estiveram na origem do problema.

Mas este não é o único equívoco de César das Neves. O segundo, em nada inferior ao primeiro, é o de ora colocar em pé de igualdade os interesses de devedores e credores, ora sobrevalorizar os direitos dos credores – o princípio da sacrossantidade dos juros e do capital – enquanto faz tábua rasa do elementar dever da avaliação e acautelamento dos investimentos. Por outras palavras, enquanto aos devedores cumpre a obrigatoriedade de respeitar as obrigações assumidas em seu nome, os credores (agentes económicos invariavelmente melhor informados) estão isentos da mínima responsabilidade.

É óbvio que ao longo da argumentação não deixa de apresentar pontos de vista dignos de nota, como seja a referência ao interesse dos contribuintes em controlar os desmandos praticados em seu nome pelos governantes, embora não o faça no sentido do apelo ou do apoio a um processo de auditoria cidadã das dívidas, antes, e tão só, por admitir, sem rebuço ou contrição, que são aqueles contribuintes quem suporta os custos das más políticas.

Por estas razões e pelos resultados práticos da aplicação das teorias ordoliberais, é que, ao contrário do que pretende César das Neves, os equívocos não residem numa palavra e é aconselhável que ao invés da recomendação, de contornos absolutamente monásticos, para «…um uso mais austero da palavra austeridade…» nos preocupássemos com os habilmente tecidos equívocos de muitas palavras…


segunda-feira, 6 de julho de 2015

VAROUFAKIS E OS EUROCRATAS

Quando no rescaldo referendo ontem realizado na Grécia, muitos pensaram que aquele tinha constituído uma lição para a Europa e o Mundo, eis que algumas horas volvidas caía nas agências noticiosas a informação que o «Ministro das Finanças grego demite-se».


O maior espanto proviria do facto dum dos grandes paladinos do “Não” ter anunciado aquela iniciativa em caso de vitória do “Sim”; mas a explicação depressa chegou pela sua própria “voz”, quando escreveu no seu blog (texto que aqui deixo em tradução própria):

«Já não sou ministro!

O referendo de 5 de Julho fica para a história como um momento único em que uma pequena nação europeia se opôs à escravatura da dívida.

Como todas as lutas pelos direitos democráticos, também esta rejeição histórica do ultimato do Eurogrupo de 25 de Junho implica um alto preço a pagar. É, pois, essencial que a grande aposta feito no nosso governo por este esplêndido voto no NÃO seja imediatamente investido num SIM a uma solução adequada – num acordo que envolva a reestruturação da dívida, menos austeridade, redistribuição em benefício dos mais necessitados e reformas reais.

Pouco depois do anúncio dos resultados do referendo, fui informado duma certa preferência por certos membros do Eurogrupo e diversos parceiros, pela minha… “ausência” das suas reuniões; ideia que o primeiro-ministro potencialmente útil para alcançar um acordo. Por isso, vou hoje deixar o Ministério das Finanças.

Considero meu dever ajudar Alexis Tsipras a explorar, como entender, a confiança que o povo grego nos granjeou no referendo de ontem.

Carregarei a repugnância dos credores com orgulho.

Nós, na esquerda, sabemos como agir colectivamente e sem apego a privilégios de cargos. Apoiarei o primeiro-ministro Tsipras, o novo ministro das Finanças e o nosso Governo.

O esforço sobre-humano para honrar o valente povo da Grécia, e o famoso OXI (NÃO) que deram aos democratas de todo o Mundo, apenas começou.»

E assim, com palavras claras e directas (como nos habitou noutras ocasiões) o homem que até alguns opositores não hesitam em classificar como um académico brilhante, que deixava a léguas grande parte dos seus homólogos europeus, deixou a ribalta do vórtice da crise europeia…

Mais longe dos areópagos onde grassam a incompetência e a vulgaridade, mas seguramente não menos empenhado nem menos assertivo, o homem que prontamente os opositores, na ausência ou na incapacidade de melhores argumentos, catalogaram de arrogante e diletante continuará a luta pelas suas convicções. A sua passagem pelo governo helénico e a forma claramente desapegada como agora o deixa – que levou o insuspeito Ricardo Costa a escrever no EXPRESSO que «Varoufakis demite-se para facilitar as negociações» serão recordadas no futuro.

Embora num contexto de análise da difícil fase que a Europa atravessa (ver o artigo do DN, «Coragem»), a forma como Viriato Soromenho-Marques conclui o seu comentário sobre o referendo de ontem, parece aplicar-se como uma luva a Varoufakis, pois também dele se pode dizer que sai honrado pelo combate perdido contra um Eurogrupo anquilosado e que a vitória deste apenas rebaixa e envilece a burocracia dogmática.

sábado, 4 de julho de 2015

GRECONOMIA

É claro que são quase tempos de brasa (no sentido em que o realizador argelino Mohammed Lakhdar Hamina usou a expressão para intitular o seu filme “Crónica dos Anos de Brasa”, um fresco sobre a Argélia colonial) aqueles que se vivem em Atenas.

Ao contrário do que muitos pensarão o problema (e o referendo) não é exclusivo dos gregos, nem se resolverá depois dum plebiscito onde se decidirá se os gregos devem, ou não, ser espoliados até ao último euro...


... agora que se tornou aceitável para as elites bem pensantes que a Europa – e o seu projecto de União – se vejam reduzidas a escombros.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

AUSTERIDADE OU BANCARROTA

Aproxima-se o momento em que os gregos se irão pronunciar sobre a aceitação ou a recusa dos termos propostos pelos credores para manter o financiamento ao seu país.

Resumido por muitos como uma escolha entre a bancarrota ou mais austeridade, o problema continua a ser deficientemente apresentado, quiçá pelo próprio governo grego que marcou o referendo.


Confirmado o não pagamento da amortização devida ao FMI, extremaram-se as posições entre uma UE cada vez mais dissociada dos valores da solidariedade, da coesão e da igualdade entre membros, que estiveram na sua origem, e um governo espartilhado entre as exigências dos credores (FMI, UE e BCE) com uma economia desfeita pela aplicação duma austeridade desadequada à origem do problema. Mas ao contrário do que pretende a maioria dos governos da Zona Euro, o verdadeiro problema da economia grega não é a dificuldade no pagamento da dívida (liquidez) antes a dificuldade na criação de riqueza para o seu pagamento ao longo do tempo (solvabilidade); ou alguém duvida que uma economia onde grassa um desemprego que atinge quase um terço da população em idade activa e onde há vários anos o investimento está reduzido a pouco mais que nada, alguma vez conseguirá pagar sustentada e regularmente as suas dívidas através de meros saldos orçamentais?

Enquanto os membros do Eurogrupo continuarem a privilegiar a defesa dos interesses conjunturais do sistema financeiro (o pagamento da próxima tranche de juros ou de amortização de capital), nem a Grécia nem qualquer outro dos estados periféricos da Zona Euro poderá encarar o futuro de forma positiva. A solução, como a realidade o está a demonstrar, não pode persistir na contínua drenagem de recursos de capital e força de trabalho das economias periféricas da Zona Euro, condenadas à estagnação pela míngua de investimento, para as economias mais fortes.

Sem a inversão desta política, sem dotar os estados periféricos de condições para ensaiarem um crescimento minimamente sustentado, mais tarde ou mais cedo a “crise” chegará também àqueles que agora recusam a óbvia necessidade de reestruturar a dívida grega. Esta é que é a questão que infelizmente o referendo na Grécia não vai resolver!