sábado, 29 de novembro de 2008

A CARTEIRA DO DURÃO BARROSO

Com pompa e circunstância o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, anunciou um plano de 200 mil milhões de euros para combater os efeitos da crise económica no espaço da UE.
De acordo com a proposta aquele montante, 85% do qual será resultante das contribuições dos estados-membros e apenas os restantes 15% serão oriundos do orçamento comunitário, destina-se a promover a confiança e a estimular o consumo, devendo ser utilizado na formação profissional, na promoção da banda larga, na melhoria da eficiência energética e no desenvolvimento de automóveis menos poluentes.

Mesmo sem contestar as opções pelas actividades a apoiar, era suposto a proposta apresentada por Durão Barroso constituir um mecanismo de concertação da actuação dos estados-membros no sentido de ultrapassar a crise, mas na realidade não passa de mais um manifesto bem intencionado, na medida em que encontrando-se as contribuições dependentes da vontade de cada estado a realidade será bem diferente da anunciada política comum para debelar a crise.

A prova disso mesmo é que ao anúncio feito na véspera por Gordon Brown, cujo governo baixa o IVA de 17,5% para 15% durante um ano, de pronto os governos de Merkel e Sarkozy descartam descida no IVA optando antes por pressionar Bruxelas a agir no sentido do abrandamento das regras fiscais e de uma revisão do PEC que elimine o limite dos 3% do déficit.

Quando a estas vozes dissonantes se juntam outras, como a da Polónia que alerta (e bem) para o facto do plano de Durão Barroso significar aumento d endividamento quando o mercado do crédito apresenta os problemas de falta de liquidez que se lhe conhecem, ainda se poderá esperar o milagre da unificação de esforços?

Também de Portugal se fez ouvir a voz do ministro Teixeira dos Santos descartando prontamente qualquer redução do IVA e lembrando que o governo de José Sócrates já procedera a uma descida – a enormidade de 21% para 20% - que por si só representa uma injecção de 600 mil euros na economia (segundo refere esta notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS)[1].

É que os políticos que procuram desesperadamente a saída da crise são precisamente os mesmos que ainda há bem pouco tempo defendiam as políticas económicas e financeiras que a ela conduziram, e aquele que devia liderá-los – Durão Barroso – está principalmente interessado em assegurar a sua renomeação para o cargo que ocupa e assim optou por mais uma medida política, oferecendo aos cidadãos comunitários uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma… Temos homem! e renomeação garantida!
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[1] O sofisma do argumento do ministro Teixeira dos Santos é que o valor não cobrado de IVA apenas se traduz num aumento dos ganhos das empresas que, como a prática bem tem demonstrado e contrariando a teoria do efeito de cascata, tarde ou nunca se reflecte em acréscimo de rendimento para as famílias; aliás a própria forma como o ministro inicia a explicação – a descida do IVA implica uma perda de receita fiscal – é perfeitamente reveladora da verdadeira preocupação do governo e uma confissão indirecta da sua incapacidade (ou falta de vontade) em reduzir a despesa pública na componente não geradora de riqueza.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O OVO DE CONSTÂNCIO

As notícias hoje vindas a lume[1] relativas a uma solução para a situação do Banco Privado Português, voltaram a trazer para a primeira o centro das atenções o Banco de Portugal (e o seu Governador, Vítor Constâncio) que esteve na génese de um financiamento da ordem dos 600 milhões de euros. Esta iniciativa já fora parcialmente revelada (subentendida) por Vítor Constâncio durante a entrevista que dera na segunda-feira à RTP e resume-se a associar um grupo de bancos disposto a “revender” ao BPP parte do capital obtido mediante o recurso a empréstimos com o aval do Estado Português.

Este “ovo de Colombo” só terá sido posto de pé com a apresentação de garantias (que por questões de risco deverão ser preferencialmente constituídas por obrigações) por parte do BPP ao sindicato bancário salvador[2] e, como refere esta notícia do PUBLICO, a nomeação de uma nova administração sem João Rendeiro.

Esta solução, seguramente pouco do agrado do banqueiro, é mais uma prova daquilo que já aqui disse sobre o modelo de actuação da supervisão do Banco de Portugal e noutras ocasiões sobre a catastrófica opção de desregulamentação do sistema financeiro internacional; o que terá levado o BPP à situação de colapso financeiro resulta das características próprias do funcionamento de um banco cuja principal actividade é a gestão de fortunas; perante a desvalorização generalizada dos activos nos quais investiu as aplicações dos seus clientes (e algumas revestirão a forma de contas a prazo, ou seja com garantia do capital depositado) e, pior, confrontado com o avolumar dos prejuízos resultantes dos elaborados produtos financeiros com que habitualmente alavancava esses depósitos e demais aplicações, restou a João Rendeiro o recurso a empréstimos que estarão agora a vencer-se e que devido à situação geral de falta de liquidez e de possível redução do “rating” do BPP não consegue renovar.

Como o Banco de Portugal, há semelhança dos seus congéneres mundiais, não dispõe de mecanismos (nem da indispensável vontade) para controlar os chamados “veículos financeiros”[3] (aqueles que em tempos de euforias bolsistas proporcionam enormes efeitos de alavancagem, mas que podem resultar, com a mesma facilidade, em prejuízos de idêntica dimensão) as catástrofes só se tornam perceptíveis quando já não existem meios para as evitar.

De tudo isto resulta que não é só indispensável melhorar os mecanismos de supervisão bancária, mas que para evitar a repetição de uma situação como a que atravessamos é igualmente indispensável actuar noutros dois níveis da realidade financeira mundial.

Primeiro, haverá que regular os tais instrumentos financeiros que multiplicaram os efeitos recessivos dos mercados à vista[4] , não no sentido da sua liminar extinção mas sim no sentido de reduzir os seus ganhos (e os prejuízos) a valores economicamente sustentáveis.

Segundo, haverá que alterar radicalmente o modelo de financiamento das economias, começando por reverter para a esfera pública a titularidade dos bancos centrais[5] e o efectivo controle sobre a emissão de moeda, algo que hoje se encontra totalmente à descrição da iniciativa privada.
Por último refira-se que a iniciativa não deixa de se revestir de um grande risco de acabar por ter que ser suportada pelo erário público, pois em caso de incumprimento do BPP será ao Ministério das Finanças de Teixeira dos Santos e ao bolso de cada um de nós que o sindicato bancário apresentará a factura.
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[1] Entre as muitas destaque para esta do DIÁRIO ECONÓMICO, esta do PUBLICO, esta do DIÁRIO DIGITAL e esta do DIÁRIO DE NOTÍCIAS.
[2] Esta notícia do PUBLICO refere a participação da CGD, do BCP, do BES e do BPI.
[3] Designação também utilizada para referir os produtos financeiros negociados fora de mercados organizados; o mesmo que produtos estruturados e/ou derivados.
[4] Mercados regulados onde se negoceiam títulos de crédito, como as acções e as obrigações, ou contratos sobre activos, como os futuros e as opções sobre mercadorias, divisas e índices bolsistas.
[5] Talvez a maior parte das pessoas o ignore, mas a generalidade dos bancos centrais das principais economias ocidentais não são de propriedade pública (embora o possam parecer) mas sim propriedade privada. Mesmo no caso português, em que o capital é público, a actuação dos bancos centrais tende a privilegiar a estabilidade do sistema (valores caros e fundamentais aos banqueiros), na medida em que estes dispõem da enorme influência expressa nos volumes das reservas que nele constituem (para melhor esclarecer esta realidade veja-se a história do Banco de Portugal e a Lei Orgânica que o rege, que podem sem encontradas aqui); na Zona Euro, onde o BCE (Banco Central Europeu) resulta da associação dos bancos centrais dos estados-membros da UE que adoptaram o euro como moeda oficial, o raciocínio é em tudo idêntico.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

AD CAUTELAM[1]

Dia a dia a importância do caso BPN não pára de crescer. Depois da apresentação do diagnóstico efectuado por Miguel Cadilhe que apontava para a necessidade de injectar 700 milhões de euros no capital do banco, da formalização de queixa-crime contra a anterior administração e da solução por ele preconizada de recurso a fundos públicos, recusada pelo ministério de Teixeira dos Santos, rapidamente se passou ao anúncio da nacionalização do banco e não tardaram as polémicas parlamentares em torno da audição ao governador do Banco de Portugal, com parlamentares e jornalistas a insistirem na ideia de que aquela entidade (e o seu governador, Vítor Constâncio) deveriam ter detectado a situação no decurso da sua normal actividade de supervisão. Acontece, como eles bem sabem e resulta das próprias normas de supervisão, que nenhum banco central dispõe de meios ou competência para inspeccionar a actividade dos bancos mas simplesmente para acompanhar as operações que estes normalmente realizam através da informação por eles prestada. O que ninguém parece interessado em informar é que quer no caso do BPN, quer no do BCP, se as infracções apenas poderiam ser detectadas por denúncia (ninguém de bom senso argumentará que estas poderiam ter sido objecto de comunicação) o que ficou demonstrado foram as limitações do actual modelo de supervisão e que este deveria ser repensado e profundamente melhorado.

Apesar de ser seguro que esta polémica se prolongará pelas audições ao Procurador-geral da República (no próximo dia 2 de dezembro) e pelos trabalhos da Comissão Parlamentar finalmente aprovada, eis que no passado fim-de-semana foi a vez do Presidente da República emitir um comunicado no qual reitera o facto de nunca ter mantido qualquer ligação com o BPN (excepto a de um normal cliente) ou a sua proprietária, a Sociedade Lusa de Negócios.

Contrariamente ao que no próprio dia se apressou a dizer Marcelo Rebelo de Sousa, no seu programa semanal de televisão, as declarações de Cavaco Silva não esclarecem nada e nem sequer revelam qualquer sentido de oportunidade, salvo a de aumentarem a confusão e sugerirem uma questão: se ninguém referiu qualquer ligação entre o Presidente da República e o BPN porque é que aquele aparece a desmentir o que ninguém disse?

Numa primeira leitura atribui a intenção de se tratar de uma mera mensagem indirecta a Dias Loureiro para que este se afastasse de moto próprio do cargo de Conselheiro de Estado, para o qual foi nomeado pelo próprio Cavaco.

Mas então, como entender a notícia de ontem, do PUBLICO, que o Presidente da República mantém confiança em Dias Loureiro? É que, politicamente, depois do “recado” público Cavaco não pode recuar e reafirmar a sua confiança; a menos que o destinatário da mensagem presidencial fosse outro...

Talvez esta outra notícia do PUBLICO – BPN tem ligações a deputados do PSD da Madeira – possa fornecer outra pista, embora me pareça muito pouco provável que Cavaco Silva se mostrasse tão preocupado com o eventual envolvimento do PSD-Madeira mesmo considerando a benevolência que revelou com o famigerado episódio do interdito (decretado por Alberto João Jardim) à sua visita ao Parlamento Regional.

Assim sendo, eliminada hipótese após hipótese, nem quero acreditar que, na ausência de outra melhor, me reste apenas aquela que se afigura mais gravosa – Cavaco pretendeu apenas enviar um aviso a quem, sob investigação, possa vir a envolvê-lo no “negócio” – porque, “a priori”, nunca me ocorrera envolvê-lo em algo tão sórdido como o do caso BPN.
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[1] Locução latina que significa, por cautela, por precaução.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

OS FACILITADORES

As grandes questões domésticas, que nos últimos tempos têm feito manchete na nossa impressa, são, infelizmente, demasiadamente reveladores do actual estado da vida pública (política e económica) e tão pouco mobilizadoras quanto deprimentes.

Não fosse a crise internacional e talvez ainda hoje não tivessem vindo a lume a maior parte das negociatas em que se envolveram os administradores de uma instituição financeira e, desdita nossa... má fortuna!, talvez não tivesse havido lugar a uma nacionalização que em última instância significará um encargo adicional para todos os contribuintes portugueses (no caso mais específico os trabalhadores por conta de outrem, porque na generalidade as empresas e os empresários não contribuem por não terem lucros), mas o que não é menos curioso é que a mesmíssima crise já não serviu de pretexto para nacionalizar uma empresa que seis meses após a retoma da actividade descobriu que afinal não é viável[1], nem para evitar a insolvência da maior livraria nacional[2] menos de um ano após a abertura.

Mas, como assegura a sabedoria popular, há por vezes males que vêem por bem! E no caso do BPN talvez isto se tenha verificado a propósito das declarações prestadas por Dias Loureiro (um ex-administrador da Sociedade Lusa de Negócios, a “holding” que detinha a totalidade do capital social do BPN, e ex-ministro nos dois últimos governos de Cavaco Silva, nos quais ocupou as pastas dos Assuntos Parlamentares e da Administração Interna, ex-secretário-geral do PSD) quando no écran da televisão procurou explicar o seu não envolvimento na gestão do BPN.

Esta alegação foi parcialmente refutada pelo próprio Dias Loureiro quando afirmou ter mediado contactos com a CAIXA GALICIA e um fundo soberano do Médio Oriente com vista a participação destes no capital da SLN, algo que apenas faria sentido no quadro da escassez de capital com que já então de debateria o BPN.

Mas a verdadeira dimensão da importância da sua entrada para a administração da SLN, deu-a Dias Loureiro quando assegurou que usara os “amigos” que conhecia em Marrocos para facilitar a participação da SLN no processo de privatizações que decorria naquele país. Numa palavra, o que Oliveira e Costa e os seus amigos da SLN pretendiam de Dias Loureiro eram os dotes são os de “facilitador” que este obtivera na sua passagem pelos corredores do poder.

Dito isto, se o que Dias Loureiro procurava era dissipar dúvidas sobre o seu papel no BPN, conseguiu-o plenamente.

Depois do que disse não deixou qualquer dúvida sobre o seu papel na SLN, nem sobre a forma como os grandes empresários conduzem os seus negócios. Mas, ninguém lhe terá recordado que retornado ao activo da política – Dias Loureiro é um dos conselheiros de Estado nomeado pelo presidente Cavaco Silva – a exposição daquelas suas actividades apenas poderão fragilizar quem nela tenha confiado?

Esta indispensável capacidade crítica deveria também ser usada pelos políticos que nos últimos anos se têm visto envolvidos em múltiplos “casos” pontificados pela mais elementar ausência de ética. Desde as relações entre presidentes de autoridades reguladoras que foram administradores de bancos e intermediaram relações comerciais entre ministros que foram administradores de outros bancos e esses mesmos bancos[3], até ao absurdo número de ex-ministros e secretários de estado que terminadas as funções públicas pululam pelas administrações de bancos e grandes empresas ou consórcios concorrentes a obras públicas ou que renegoceiam, representando interesses privados, vultuosos contratos de adjudicação que outorgaram quando no exercício de cargos públicos, de tudo isto se tem visto nos últimos tempos.

Esta absoluta ausência de escrúpulos não pode deixar de ter reflexos negativos na forma como os cidadãos encaram os políticos e exemplos pouco abonatórios podem ser encontrados entre os militantes de qualquer dos partidos que já passaram pelo poder, a ponto de se poder considerar “vox populis” que a real motivação dos candidatos a lugares públicos é a obtenção de futuras e vultuosas prebendas depois do abandono do cargo. É que se em Portugal o “lobbying” não constitui actividade reconhecida, nem por isso deixa de ser a que beneficia de melhor remuneração.
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[1] Vejam-se as notícias do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e do PUBLICO que dão conta da reabertura, com pompa, circunstância e a presença de José Sócrates, das Minas de Aljustrel e da interrupção da produção devido à alegada queda nas cotações internacionais do zinco.
[2] Como se pode constatar da leitura desta notícia de O JORNAL ECONÓMICO.
[3] Ver a notícia do PUBLICO – Manuel Sebastião intermediou negócio entre Pinho e o BES.

sábado, 22 de novembro de 2008

PIRATAS SOMALIS E NÃO SÓ…

No passado dia 15, as costas marítimas do Corno de África voltaram às manchetes noticiosas com o assalto a um super-petroleiro saudita, o Sirius Star, seguido de um pedido de resgate no valor de 25 milhões de dólares[1].

Enquanto se aguarda o desenrolar das negociações para o resgate do navio, da carga (2 milhões de barris de petróleo, avaliado em 100 milhões de dólares) e dos 25 tripulantes, os comentários e as análises que vão surgindo abordam principalmente a vertente económica (o acréscimo dos custos com o reforço da segurança das embarcações, com os prémios de seguro, ou até com a necessidade de desvio de rotas) mas esquecem qualquer tentativa de resposta à simples questão de como tudo isto acontece.

É que mesmo quando equipados com algum armamento mais pesado e deslocando-se em embarcações mais rápidas, provável investimento resultante de anteriores ataques e respectivos resgates, os “piratas” parecem operar com um excesso de facilidades preocupante.

Mesmo conhecendo-se as circunstâncias que poderão ter ditado o recrudescimento desta prática (e a estas não é de modo nenhum estranho o clima de guerra civil que a região vive há décadas, a ausência de qualquer forma de autoridade nacional na região e até o colapso da actividade piscatória na zona, a única que ainda poderia assegurar algumas condições de sobrevivência económica às populações costeiras) mantém-se a incógnita em torno do notável facilitismo que parece reinar e que nem mesmo a anunciada deslocação para a zona de navios de guerra ocidentais e russos, ou o recente afundamento de um navio “pirata” pela marinha indiana[2] estará a funcionar como argumento dissuasor.

Segundo o FINANTIAL TIMES, a par com o reconhecimento da sofisticação dos meios empregues pelos “piratas”, fenómeno que poderá ser explicado pelos crescentes montantes envolvidos neste “negócio”[3], as autoridades da região, principalmente o governo egípcio que corre o risco de ver fortemente afectado os 5,2 mil milhões de dólares de rendimento proporcionado pelo Canal do Suez, e outros estados árabes da região do Mar Vermelho estão a tentar concertar medidas dissuasoras, enquanto os principais armadores mundiais começam a optar pela rota do Cabo, mais longa (e mais cara) mas também mais segura.

Mas, esta questão, como qualquer outra, tem abordagens diversas consoante os observadores e assim é que a BBC publicou os comentário de um ex-oficial do exército somali que agora habita a localidade de Harardhere, para junto da qual foi levado o Sirius Star, e que no local a principal preocupação das populações não é o assalto ao petroleiro ou a pirataria em geral, mas sim a utilização daquelas costas para o despejo de lixos tóxicos, que, estará a provocar a situações de estranhas doenças de pele e das vias respiratórias.

A denúncia desta situação não constituirá novidade para os que acompanhem mais de perto as questões de natureza ecológica, nem deverá constituir grande espanto se atendermos ao facto de no já distante ano de 1991 um documento do Banco Mundial[4] analisar as vantagens da “transferência” das indústrias mais poluentes e o despejo de lixos tóxicos para um continente como o africano, no qual os índices de poluição são muito inferiores e o custo dos respectivos aumentos seriam exponencialmente menores.

Porém, para a generalidade da imprensa ocidental o cerne da questão está no aumento dos custos dos transportes marítimos. Segundo o WALL STREET JOURNAL os armadores internacionais enfrentam um aumento dos custos dos prémios de seguro que se poderão elevar em dezenas de milhares de dólares, enquanto ponderam os custos de estratégias alternativas como o uso da rota do Cabo, mais cara em tempo e combustível (o mesmo jornal refere um valor da ordem dos 30 mil dólares por dia e acréscimo de tempo entre 5 e 10 dias) ou a contratação de empresas de segurança (com um custo de 60 mil dólares por viagem), arriscando ainda uma escalada de violência no mar.

Embora seguramente de reduzido impacto e despida da mínima intenção de justificar ou branquear os actos de pirataria, aqui fica mais uma nota da normal parcialidade com que os problemas mundiais são analisados e apresentados aos cidadãos do Mundo, mesmo quando alguma da imprensa mundial não escamoteia as múltiplas facetas, a principal mensagem que é passada é invariavelmente a do lado mais forte (ou mais rico), enquanto referências a soluções menos onerosas e envolvendo menor recurso à força bruta, como o caso de uma arma sónica que em 2005 foi utilizada com sucesso durante um ataque a um navio de cruzeiro, o Seabourn Spirit, são simplesmente esquecidas[5].
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[1] Esta é a notícia da BBC, que cita fontes da AFP
[2] Conforme esta notícia da BBC ou esta da AFP.
[3] Segundo o relatório trimestralmente apresentado pelo Secretário-geral ao Conselho e Segurança da ONU, Ban Ki-moon estima que os resgates recebidos ao longo deste ano pelos “piratas” ascenderão a um valor entre 25 e 30 milhões de dólares.
[4] O texto do memorando, produzido pelo economista chefe da época, Lawrence Summers, pode ser lido aqui. Por acréscimo refira-se que o autor foi secretário de Estado do Tesouro norte-americano, durante a presidência de Bill Clinton, presidente da Universidade de Harvard e é um dos fortes candidatos a voltar a ocupar aquele lugar sob a presidência de Barack Obama.
[5] As notícias da época, como esta da BBC e esta do WASHINGTON POST, sobre este incidente são pouco ou nada claras, mas esta notícia posterior confirma o uso e a eficácia do sistema LRAD (Long Range Acoustic Device) utilizado e esta do jornal suíço LE TEMPS confirma a sua actual disponibilidade.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

OS LIVROS TAMBÉM SE ABATEM…

Em Março de 2007, a propósito de mais um aniversário da invasão do Iraque, deixei aqui uma referência ao desabafo de um livreiro iraquiano que olhando o lastimável estado de destruição da sua banca de livros, na sequência de um atentado, dizia:«agora assassinam os livros…»

Hoje, ao ler a notícia do encerramento da Byblos, uma livraria que não chegou a completar um ano de actividade, sobreveio-me a suprema tristeza de saber que, mesmo sem guerra, no meu país os livros também se abatem…

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O MITO DE SÍSIFO[1]

Após a provação do grande plano de salvação da banca norte-americana (o cada vez mais célebre Plano Paulson) não têm parado de se fazer ouvir vozes de outros sectores económicos e até públicos, reclamando a intervenção (leia-se um cheque gordo) federal.

Um dos sectores que mais se tem destacado nos EUA neste clamor é o sector automóvel cujos três grandes (GM, Ford e Chrysler) se queixam de fortes quebras nas vendas e da acumulação de fortes prejuízos.

O que os grandes construtores escamoteiam é o facto dos prejuízos remontarem a períodos anteriores à crise e à consequente retracção na procura interna, pois os produtos que fabricam há décadas que deixaram de ser competitivos nos mercados internacionais. Excepções feitas a um ou outro modelo, a indústria automóvel norte-americana, insistindo na produção de modelos energicamente ineficientes e tecnologicamente pouco desenvolvidos, há mais de trinta anos que não consegue concorrer com os competidores europeus e japoneses (a que agora há que acrescentar os coreanos e indianos).

A confirmar-se que parte[2] do plano de 100 mil milhões de dólares para relançamento da economia norte-americana, proposto pela maioria Democrata do Congresso[3], será aplicado naquele sector, estaremos perante mais um manifesto atropelo às tão propaladas e defendidas regras da livre concorrência, tão caras aos políticos americanos (quando lhes convém) e a mais um manifesto prémio à incompetência., na linha daqueles que vimos serem distribuídos pelo sector financeiro norte-americano.

Nestas matérias os governos europeus, depois dos precedentes apoios a alguns bancos em maiores dificuldades, (incluindo o português com o gravíssimo precedente da nacionalização do BPN na sequência da mais que óbvia gestão fraudulenta) não poderão contestar o que se afigura como um óbvio subsídio à indústria automóvel americana e um total desvirtuamento das condições de concorrência num sector onde a indústria europeia (e asiática) dispõe de óbvias vantagens, embora também já registe os primeiros efeitos da retracção da procura.

Num mais que óbvio aproveitamento da onda, também as grandes indústrias europeias pedem apoio aos Estados, embora os centrem em medidas de natureza orçamental (aumento dos investimentos públicos e descida dos impostos), creditícia (facilidades de acesso ao crédito e menores taxas de juro) e no aumento da liberalização do comércio.

Enquanto se aguarda o anúncio de plano comunitário (o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, já adiantou a ideia de um “estímulo fiscal” a ser coordenado entre os 27 estados-membros) a situação do sector automóvel na UE também não se apresenta muito animador.

Demasiado habituado a períodos de grande crescimento da procura, o sector automóvel europeu terá apostado em estratégias de “marketing” agressivo visando a conquista de novos compradores, a par com uma política de rápida obsolescência dos seus produtos (provocada pela constante substituição de modelos sem que estes apresentem evidentes melhorias) mas confrontados agora com a redução da procura começaram já por lançar mão da estratégia da redução dos dias de trabalho, enquanto pressionam os diferentes governos europeus a copiar a iniciativa americana.

Tal como no resto da Europa, também em Portugal se sucedem os anúncios da interrupção da produção[4] nas várias unidades estrangeiras instaladas no país (e, por arrastamento, nos sectores que operam a montante daquelas unidades), como são o caso da Autoeuropa, que produz viaturas para a Volkswagen e a Seat, da Renault e da fábrica de pneus da Continental Mabor.

Em resposta à decisão americana, Jean-Claude Juncker, o presidente do Eurogrupo, defendeu numa entrevista ao jornal alemão Bild (que o DIÁRIO ECONÓMICO refere aqui) que se "...o governo norte-americano salva a Ford, a General Motors e a Chrysler da falência, nós não podemos permanecer como simples espectadores e deixar os construtores europeus sozinhos".
A questão ultrapassa em muito o simples problema da concorrência, pois nenhum político, seja qual for a sua nacionalidade, fica indiferente perante o facto das indústrias automóvel e de componentes empregarem na Europa mais de 12 milhões de trabalhadores e dos efeitos catastróficos que poderá ter uma muito provável política de despedimentos.

Embora delicada, a situação na Europa não é nada que se compare com a inicialmente descrita nos EUA[5].

É que neste país, a história recente demonstra-o, o sector da indústria automóvel há muito que deixou de ser viável por falta de uma política de investimento na pesquisa e desenvolvimento de modelos energicamente mais eficientes e a sua sobrevivência tem sido assegurada pelas medidas protectoras que Washington vai criando por forma a proteger-lhes o mercado doméstico.

Agora, sustentados no apoio dos políticos cujas campanhas têm financiado generosamente, os CEO da GM, da Ford e da Chrysler entendem o contrário e, pior, transformando os contribuintes em Sísifo pretendem obrigá-los a carregar montanha acima a sua incompetência.

Qualquer que seja o desfecho deste “romance” esta imagem será incontornável e nem a “cosmética” que a Câmara de Representantes agora veio propor[6] ou outras[7] mudarão aquela realidade.
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[1] Na mitologia grega, Sísifo, filho do rei Éolo, da Tessália, e Enarete, era considerado o mais astuto de todos os mortais; foi o fundador e primeiro rei de Ephyra, depois chamada Corinto, que governou durante vários anos. Mestre da malícia e dos truques, entrou para a tradição como um dos maiores ofensores dos deuses, pelo que após a sua morte foi por estes condenado a rolar uma grande pedra de mármore até o cume de uma montanha, mas sempre que estava quase a alcançar o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a chamar-se "Trabalho de Sísifo". (adaptado de Wikipédia)
[2] A atestar por esta notícia da BBC, o valor deverá ser da ordem dos 25 mil milhões de dólares.
[3] Ver esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO.
[4] Veja-se, por exemplo, esta do JORNAL DE NEGÓCIOS.
[5] Salvo o caso da alemã Opel, marca subsidiária da americana General Motors e naturalmente afectada pela calamitosa situação financeira da casa-mãe, que segundo o DIÁRIO ECONÓMICO precisará de cerca de mil milhões de euros, os restantes fabricantes europeus ainda não registam problemas semelhantes.
[6] Segundo esta notícia do DIÁRIO ECONÒMICO a porta-voz da maioria Democrata, Nancy Pelosi, já fez saber que a aprovação do plano de socorro implicará a necessidade de adopção de reformas por parte do sector automóvel norte-americano.
[7] A título de exemplo veja-se este artigo do FINANTIAL TIMES onde o autor defende a necessidade da fusão entre a GM e a Chrysler como parte de um programa de recuperação do sector.

domingo, 16 de novembro de 2008

A CIMEIRA DE WASHINGTON

Enquanto se aguardam as conclusões da cimeira de Washington mantém-se integralmente válida a afirmação que inclui no “post” «ENTRE SÃO PAULO E WASHINGTON» de que de modo algum os EUA irão abdicar da manutenção do papel do dólar no sistema financeiro.

Isso mesmo deverá estar implícito nas declarações de Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia, que afirmou não esperar nenhum “milagre” da reunião[1], tanto mais que os interesses em confronto são diversificados e deles dificilmente resultará algo de verdadeiramente tangível.

Assim, enquanto a UE, pela voz de Nicolas Sarkozy, se deverá apresentar como defensora do aumento dos poderes e da intervenção do FMI (na sequência da própria proposta de do director-geral daquela agência), os EUA deverão colocar a ênfase na importância do funcionamento do mercado livre e os países emergentes se mostram particularmente preocupados em ver aumentado o seu peso e representação no FMI e no Banco Mundial, tudo se deverá resumir a um diálogo de surdos e à marcação de nova reunião para depois da tomada de posse do novo presidente americano[2].

As recentes declarações de George W Bush, que não marcará presença na reunião mas não se coibiu de vir a público (talvez pela última vez) em defesa da livre concorrência[3], contribuem tão pouco para o sucesso do encontro quanto sobejamente conhecida divisão entre os europeus. É que se Sarkozy deverá alinhar pelas pretensões de Strauss-Khan (o director-geral do FMI), já o primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, parece mais orientado para a necessidade de concertação de políticas monetárias e fiscais (com o velho princípio da livre concorrência ainda e sempre em vista) enquanto a alemã Angela Merkel desembarcará em Washington muito mais preocupada com as notícias da recessão na Alemanha que com os trabalhos de uma cimeira condenada ao impasse e onde a preocupação principal do BRIC[4] será a de preservarem os fluxos de crédito indispensáveis à manutenção das respectivas economias.

É óbvio que outro dos temas que deverá ser abordado será o do aumento das disponibilidades a atribuir ao FMI; sendo certo que a China e os países produtores de petróleo, principalmente os do Golfo Pérsico, dispõe desses excedentes mas dificilmente os disponibilizaram sem uma profunda revisão do seu papel (e influência) no seio de organizações como o FMI e o Banco Mundial. Mesmo sabendo que os países ocidentais estarão dispostos a abdicar da regra que reserva as direcções a europeus e americanos, também aqui deverá perdurar o impasse pois a exigências dos “doadores” deverão ser maiores.

Uma das mais interessantes questões originada pela actual conjuntura financeira mundial é o facto de à extraordinária escassez financeira das economias ocidentais se contraporem os excedentes acumulados por árabes e chineses e que é fruto da desadequada utilização do dólar enquanto moeda reguladora das trocas internacionais.

Esta aparente contradição – as economias emergentes apresentarem em excesso o que falta às economias ocidentais – resultou, fundamentalmente, de durante décadas se estar a usar a moeda nacional de um país como equivalente geral das trocas internacionais ao abrigo dos termos do Acordo de Bretton Woods, que embora de início previsse um mecanismo de conversão do dólar em ouro (o chamado padrão dólar-ouro) se viu rapidamente ultrapassado quando em 1971 os EUA declaram a inconvertibilidade[5] do dólar.

Esta questão, que durante quase quatro décadas foi tratada como um mero pormenor, está agora a revelar-se como uma verdadeira questão de fundo, mas da qual pouca gente fala. Quando em 1944 os americanos impuseram a aplicação do modelo de funcionamento do sistema financeiro mundial que mais lhes convinha, nomeadamente o uso da sua própria moeda como meio de troca para o comércio mundial, tiveram que aceitar a fixação da regra da respectiva convertibilidade em ouro como mecanismo de protecção. Porém, o maciço recurso à emissão de dólares para suportar os esforços da reconstrução europeia (o chamado Plano Marshall) e japonesa no pós-guerra, uma mais que provável tentação para aumentar a influência (e o poder de compra) da sua economia, o esforço financeiro provocado pelas guerras da Coreia e Vietname e o consequente acumular de déficits conduziu a que em 1971, após uma segunda solicitação de conversão pelo governo francês, a administração americana, então liderada por Richard Nixon, tenha declarado a inconvertibilidade do dólar e imposto o curso livre da sua moeda.

O fim da era das taxas de câmbios fixas (apanágio do Acordo de Bretton Woods e um das razões para a aceitação do papel preponderante do dólar) e o agravamento da tendência para uma cada vez maior emissão de dólares que poderia fazer perigar o seu estatuto de moeda internacional terá sido resolvido graças aos acordos estabelecidos em 1971 e 1973 com a OPEP, ao abrigo dos quais esta aceitava cotar o seu crude exclusivamente em dólares. De uma só penada os EUA resolviam dois problemas: a manutenção da hegemonia do dólar, porque a necessidade dessa moeda para assegurar as indispensáveis importações de petróleo obrigava todos os outros países a negociar com eles, e o acesso a energia a preço quase nulo (no limite o custo da impressão de mais dólares).

Mas, como explica a física, a cada acção sucede uma reacção e em pouco tempo os membros da OPEP começaram a apresentar um tal excedente de dólares que originou que os que eram reaplicados nos bancos e nas economias ocidentais se passassem a designar como petrodólares.

Durante mais algum tempo, cerca de três décadas, tudo parecia correr bem e os EUA conseguiram manter artificialmente o valor comercial do dólar; mas, o acumular de petrodólares, as crescentes fragilidades da economia americana e as tensões político-militares no Médio-Oriente originaram movimentos de oposição àquela divisa. Entre os primeiros a manifestar semelhante intenção esteve o Iraque, então governado por Saddam Hussein, o que para muitos observadores foi uma das razões para a invasão e a sua deposição pelos EUA em 2003, facto que não impediu outros países produtores, como o Irão, de ter iniciado nesse mesmo ano a venda de crude contra pagamentos em euros e reafirmado a intenção de iniciar a cotação oficial nessa moeda. Depois do anúncio feito por Putin de que a Rússia se preparava para iniciar a cotação do crude e do gás natural em rublos e da proposta, recusada, apresentada pelo Irão e pela Venezuela para que a OPEP abandonasse o dólar em benefício do euro, a situação de hegemonia da moeda americana está cada vez mais fragilizada.

Quando a tudo isto acresce ainda a agitação na esfera financeira iniciada em 2007 com a crise do “subprime” e continuada em 2008 com o despoletar da bomba dos produtos derivados, ganha ainda maior ênfase a necessidade do estabelecimento de uma nova ordem financeira mundial, mas face às contradições entre americanos e europeus (com os primeiros a insistirem no sacrossanto primado do mercado e os segundos a apostarem num modelo de mercado regulado e controlado), entre estes e os BRIC (que fundamentalmente querem ajustar o seu peso político à crescente importância económica e assegurar a fluidez dos capitais indispensáveis à manutenção das suas taxas de crescimento), não será a cimeira de Washington que originará qualquer novo consenso com o mesmo nome[6], tanto mais que politicamente os EUA (ainda fortes na dominância do seu dólar) estão profundamente fragilizados pela associação da administração dirigida por George W Bush às causas próximas da actual crise e pela sombra do futuro presidente já eleito.
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NOTA: Apesar de só agora "postado" o texto foi escrito antes do encerramento da Cimeira.

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[1] Ver a propósito as notícias do DIÁRIO ECONÓMICO e do DIÁRIO DIGITAL que referem as declarações que prestou ao Suddeutsche Zeitung.
[2] Embora sustentada numa fundamentação um pouco diversa, veja-se esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO, que também ela confirma a mesma ideia.
[3] As este propósito não deixa de não ser curioso apreciar (e cotejar) o conteúdo das notícias difundidas pela BBC NEWS e pelo DIÁRIO DIGITAL, que até pelos títulos (G20 will seek ways out of crisis e «Não perturbem o capitalismo», adverte George W. Bush) expressam bem as profundas divisões que grassam entre os participantes na cimeira.
[4] Designação utilizada para referir os principais países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China).
[5] O princípio da convertibilidade prevê que uma moeda seja convertida pelo emitente no respectivo valor em ouro; este mecanismo implica que o banco emissor disponha de reservas daquele metal precioso em quantidade suficiente para resgatar as notas que lhe sejam apresentadas para o efeito.
[6] Referência ao chamado Consenso de Washington, conjunto de medidas formulado em 1989 pelos especialistas do FMI, Banco Mundial e Tesouro dos EUA, que viria a constituir a bíblia usada pelo FMI para fomentar as economias dos países em vias de desenvolvimento. Nos termos do “receituário” destacam-se as políticas orientadas para a redução dos gastos públicos e dos impostos, subida das taxas de juro, privatizações, liberalização e desregulamentação dos mercados, precisamente as que hoje são normalmente apontadas como as principais responsáveis pela crise.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

ESQUEMA MAQUIAVÉLICO, DISSE ELA

Imediatamente após o anúncio, feito por José Sócrates, de mais 1,4 mil milhões em linhas de crédito para empresas, sob a forma de novas linhas de crédito de curto prazo às PME, eis que, aproveitando a presença num colóquio organizado pela Distrital de Santarém do PSD, a líder do partido, Manuela Ferreira Leite, denuncia «esquema quase maquiavélico» para controlar PMEs, criticando a opção que classifica como atrofiadora da iniciativa privada, geradora de dependência Estado e de não conduzir a nenhum crescimento.

Argumenta a líder do maior partido da oposição que não faz sentido o Estado “ajudar” as empresas quando em simultâneo acumula atrasos nos pagamentos às mesmas empresas e que se assim não procedesse, o governo poderia até reduzir a carga fiscal porque não estaria a aumentar a despesa pública.

O raciocínio apresentado até poderia fazer sentido se o Estado financiasse directamente as empresas ou se dispusesse de recursos para pagar as dívidas às empresas, ora o que sucede, como Manuela Ferreira Leite bem sabe é que os financiamentos agora anunciados serão disponibilizados pela Banca e o Estado apenas despenderá, mais tarde, os valores respeitantes às bonificações dos juros que os bancos irão cobrar.

Pelo contrário, uma rápida liquidação das facturas em dívida às empresas é que originará um agravamento da despesa pública em virtude da necessidade do aumento do endividamento público, salvo o caso (não noticiado em qualquer órgão de comunicação) de num golpe de pura sorte o Ministério das Finanças descobriu algumas reservas que toda a gente desconhecia.

O que, talvez por pudor, Manuela Ferreira Leite não referiu é que aquela iniciativa governamental não passa de mais uma medida conjuntural que além de proporcionar algum desafogo de tesouraria (25 mil euros para cada micro-empresas e 50 mil euros para cada PME) poderá facilitar o aumento da circulação monetária, profundamente degradado pelo substancial aumento dos prazos de pagamento e proporcionar mais alguns ganhos aos bancos (algo de que estão desesperadamente necessitados) e a redução dos encargos financeiros das empresas, que irão utilizar esta nova linha na substituição de créditos mais caros.

Outra coisa que nem Manuela Ferreira Leite nem José Sócrates alguma vez referiram (ou manifestaram sequer alguma preocupação) é o facto da generalidade das nossas microempresas e PME’s sofrerem de um defeito congénito, uma malformação genética que os diversos governos que conhecemos nunca procuraram corrigir: uma crónica escassez de capitais próprios.

Será que o desenvolvimento económico de qualquer país se consegue alcançar com empresas falidas e/ou sobreendividadas?

É que o que Manuel Ferreira Leite denuncia como um esquema maquiavélico para o Estado controlar as PME não passa de um esquema maquiavélico sim, mas para todos ficarmos cada vez mais dependentes de um recurso – o crédito – que apenas os banqueiros controlam.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ENTRE SÃO PAULO E WASHINGTON

Concluída a reunião do G20, preparatória da cimeira que terá lugar no final desta semana em Washington, o que se pode concluir dela?

Que, como pretendem o EXPRESSO (G-20 defende acção coordenada para superar dificuldades)e o PUBLICO (G20 defendem acção coordenada de combate à crise financeira), os dignitários presentes acordaram numa estratégia de concertação de políticas para debelar a crise, ou como afirma o DIÁRIO ECONÓMICO (G20 pronto para agir de modo a estimular crescimento mundial), o ênfase estará mesmo no estímulo do crescimento económico. É que a questão não é de todo em todo displicente, porque a primeira não implica a segunda, nem esta assegura obrigatoriamente a primeira.

Por outras palavras, injectar dinheiro nas economias mundiais – como o têm vindo a fazer as economias ocidentais e, a atestar por esta notícia da BBC, mais recentemente a China – poderá ajudar a reduzir o impacto da recessão geral que se avizinha, mas pouco ou nenhum efeito terá sobre as origens da crise (e o que produziu esta irá fatalmente produzir outras), enquanto que as iniciativas para um combate mais ou menos eficaz da crise podem traduzir-se numa retracção do crescimento mundial. Em termos práticos, recapitalizar os bancos poderá atenuar os efeitos mais visíveis da crise (a queda das cotações bolsistas e uma bem provável vaga de falências), mas se este processo for executado com capitais privados estar-se-ão a desviar fundos indispensáveis ao crescimento económico (seja por via do investimento seja pela do consumo) e estes parecem demasiado “assustados” para não estarem já “refugiados” noutras aplicações alternativas; o recurso a fundos públicos (como parece ser a opção) apresenta o mesmo tipo de efeito perverso, com a agravante do aumento do endividamento público, para os países que o consigam obter, e o aumento dos encargos para as gerações futuras.

Embora explicado de forma muito resumida, parece-me inevitável – caso se queira efectivamente agir de forma a resolver a crise – a necessidade de recurso a outras medidas complementares, plenamente justificadas pela dimensão que esta crise está a tomar[1].
Recomenda a antiga sabedoria popular que para grandes males, grandes remédios e talvez este seja o momento adequado.

Quando até entre os principais obreiros do sistema que gerou a actual crise começam a surgir dúvidas sobre as virtualidades dos conceitos próprios do ultraliberalismo[2] é mais do que oportuna a alteração das regras que nos conduziram à actual situação. Não que a criação de novo modelo de funcionamento para as economias mundiais seja por si só receita garantida para a resolução da crise, mas a simples observação da generalidade das declarações dos principais responsáveis e agentes financeiros culpabilizando a desconfiança que grassa no meio financeiro como factor principal para a crise, impõe a necessidade de mudanças que reponham os níveis de confiança e possam servir como plataforma para a reorganização do tecido económico.

Esta, aliás, parece ser a tese defendida pelos vários responsáveis políticos e económicos que referem a necessidade de um novo “Bretton Woods” e pelo director-geral do FMI, o francês Dominique Strauss-Khan, quando assegura que o «FMI quer supervisionar sistema financeiro mundial»; até o director-geral da OMC, o também francês Pascal Lamy, defendeu numa entrevista ao LE MONDE a necessidade dum organismo regulador mundial, à semelhança dos que existem para o comércio, a saúde, o ambiente, as telecomunicações e a alimentação.

Com tanta gente a falar no assunto porque é que ainda nada foi feito de concreto?

Para um melhor entendimento desta situação recorde-se que o que tornou possível o actual quadro organizativo, oriundo do acordo de Bretton Woods, foi uma circunstância muito especial – o rescaldo de um conflito mundial – e mesmo assim os EUA debateram-se com grandes dificuldades para convencerem os seus aliados político-militares a aceitarem a liderança internacional do dólar (o que só conseguiram quando aceitaram garantir a convertibilidade da sua moeda); ora, a actual conjuntura, por mais catastrófica que se apresente, ainda se encontra longe de uma situação que permita ao resto do Mundo impor uma nova orientação aos EUA.

Como se não bastasse esta óbvia limitação, importa não esquecer que o factor determinante na negociação de um acordo desta natureza ainda continua a ser o vector militar e neste campo os EUA mantém não só a hegemonia, como têm demonstrado nos últimos anos que não hesitarão no seu uso para assegurar a sua preponderância.

Neste contexto que poderemos esperar da reunião desta semana?

Conhecendo-se de antemão posições como a o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e presidente em exercício da UE, que pretende uma reforma profunda do sistema, mas cujo voluntarismo e sede de protagonismo não deverão ser acompanhados por Gordon Brown ou Angela Merkel; as intenções dos países emergentes (BRIC)[3], que quererão ver reforçados o seu peso e a sua participação no futuro modelo; os EUA que não aceitarão pacificamente a redução a um papel menor.

Mesmo considerando que os EUA vivem um momento político de aparente transição de poder não se deverá registar qualquer fraqueza do lado americano (a confirmação disso mesmo foi dada há dias por Jared Bernstein, conselheiro económico de Obama, numa entrevista publicada no DIÁRIO ECONÓMICO, quando afirmou que não encontra razões para que o novo modelo seja “mais europeu”) porque o que está em jogo é demasiado importante para qualquer das grandes forças políticas norte-americanas: a manutenção do papel do dólar.

Outra razão para não se dever alimentar quaisquer esperanças do desfecho da cimeira que se avizinha é o facto de negociações deste tipo sempre terem sido morosas, além dos sequazes das políticas ultraliberais ainda não terem abdicado de interferir no modelo que venha a se desenhado.

Exemplo disto mesmo é último artigo de César das Neves, no qual o ilustre professor e consultor económico de anteriores governantes nacionais, surge com uma preocupante veemência a criticar a intervenção dos políticos na definição de algo tão transcendentemente superior como um modelo de organização do sistema financeiro mundial, a ponto de dizer que «[t]al tolice, mesmo se recorrente de anteriores turbulências, é mesmo muito estúpida», e embora reconheça que a «crise nasceu por graves erros e crimes de economistas, gestores e financeiros. Embriagados de sucesso, caíram em euforias que agora ameaçam o mundo. Eles têm, sem dúvida, a responsabilidade principal na catástrofe, pelo que é necessário e urgente punir e substituir esses especialistas infectados» nem por isso entende o papel que os políticos se aprestam a desempenhar, porque acha que estes «...têm de ser trocados por outros financeiros, os únicos que percebem alguma coisa do complexo sistema. Se um médico mata, por erro ou negligência, não se confia o tratamento a contabilistas ou ministros. Com políticos tratando destes assuntos, a única certeza é desastre».

Estes tipos de argumentação são próprios de quem resiste a ver mudar o sentido das políticas que conduziram à crise[4] e mesmo que as reservas levantadas à intervenção da classe política não deixem de ser justificadas, sempre recordo ao prof. César das Neves que o sistema financeiro originado em Bretton Woods (e que permitiu a desastrosa desregulamentação que nos conduziu à crise) também foi negociado (e imposto) por políticos e, que me recorde, nunca o ouvi criticá-lo.
Mas, como não serão contributos deste tipo que nos conduzirão à definição da melhor opção, nem vale a pena perder mais tempo com eles.
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[1] Um bom exemplo disto mesmo é esta notícia do NEW YORK TIMES que dá conta da “pressão” que os três grandes construtores de automóveis norte-americanos (GM, CHRYSLER e FORD) estão a fazer sobre o Congresso para a obtenção de mais 25 mil milhões de dólares de empréstimos (um empréstimo de igual montante já havia sido atribuído para ajudar as construtoras a produzirem veículos mais eficientes), ou esta outra da BBC NEWS que refere os mais recentes prejuízos encaixados pelo sector.
[2] A propósito vejam-se as declarações de Alan Greenspan (o anterior presidente do FED) ao Comité da Casa Branca sobre a Supervisão e Reforma Governamental que comentei nestes dois “posts”: «CATA-VENTO GREENSPAN» e «AS DICAS DO MAESTRO».
[3] BRIC, designação atribuída aos principais países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China.
[4] Para quem o queira ler na íntegra, o artigo salta agilmente do problema da nova ordem financeira internacional para a questão da fixação do salário mínimo nacional e para os medonhos problemas que a fixação abusiva deste (perpetrada por um governo de evidentes e perniciosas tendências intervencionistas) irá colocar: o maior empobrecimento dos trabalhadores que inevitavelmente irão ser despedidos pelos pobres patrões das PME, revelando à saciedade que o autor continua a persistir na defesa da desregulamentação e do aprofundamento de políticas redistributivas em exclusivo benefício das classes de maiores rendimentos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ADEUS, MIRIAM MAKEBA

Miriam Makeba participou ontem na sua última batalha contra a discriminação.
Caiu, lutadora, no final de mais uma “escaramuça” (um concerto contra o racismo e o crime organizado e em apoio ao escritor Roberto Saviano[1]), na sua cruzada de sempre.

O coração traiu a VOZ que tanto lutou pelas causas em que acreditava. A sua histórica luta contra o “apartheid” valeu-lhe trinta anos de exílio, mas também um regresso triunfal à sua terra natal.

Personalidade de convicções fortes, enfrentou até na sua vida profissional contratempos impostos pelas suas opções, como a denúncia do contrato que a ligava à RCA após o seu casamento, em 1968, com Stokely Carmichael, líder do grupo "Panteras Negras" (partido negro revolucionário norte-americano). Praticamente impedida de se apresentar em palco (a generalidade dos concertos que tinha agendado foram cancelados em consequência da ruptura sentenciada pela etiqueta RCA[2]), Makeba encontrou refúgio na Guiné, país cujo presidente, Sékou Touré[3], a nomearia delegada na ONU e lhe proporcionaria vibrantes intervenções denunciando o “apartheid”.

O seu papel na preservação e divulgação da música e cultura africana valeu-lhe o epíteto de «MAMA AFRIKA»; para ouvirmos deixou-nos canções como «PATA PATA» e «THE CLICK SONG» e o legado da luta em prol das nossas convicções.
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[1] Jornalista e escritor italiano, natural de Nápoles, autor do famoso livro “Gomorra” sobre a Camorra (máfia napolitana), cujo sucesso lhe valeu grande notoriedade (nacional e internacional) e várias ameaças. Além do concerto realizado este fim-de-semana, no passado mês de Outubro seis antigos laureado com o Prémio Nobel (Orhan Pamuk, Dario Fo, Rita Levi-Montalcini, Desmond Tutu, Gunther Grass e Mikhail Gorbatchev) publicaram um manifesto apoiando Saviano e denunciando a Camorra com um problema da democracia.
[2] Inicialmente conhecida como Radio Corporation of America, foi uma empresa da área da electrónica fundada em 1919 e que após a sua aquisição pela GENERAL ELECTRIC, em 1986, foi desmembrada. O seu catálogo discográfico pode ser hoje encontrado sob a etiqueta da Sony BMG Music.
[3] Presidente da República da Guiné entre 1958 e 1984, foi um dos mais destacados e carismáticos líderes na luta contra o colonialismo em África e um dos obreiros da independência da Guiné.

domingo, 9 de novembro de 2008

MUDANÇA, DISSE ELE...

Ninguém negará que o acontecimento da semana foi a eleição presidencial nos EUA e principalmente dois factos a ela directamente associados: a inexistência de qualquer polémica no processo de contagem dos votos e a eleição do primeiro presidente não-caucasiano.

Este facto foi prontamente assinalado pelos jornalistas de todos os quadrantes e nacionalidades; entre estes parece-me justificar destaque um artigo de grande qualidade de Thomas L Friedman[1], publicado no NEW YORK TIMES no dia imediato à eleição. Nele o autor expõe uma interessante ligação entre a Guerra Civil Americana e a eleição de Obama (chegando mesmo a dizer que aquela guerra só agora acaba de terminar) e uma não menos interessante explicação para o resultado, que talvez só possa ter ocorrido por os EUA atravessarem uma crise da dimensão da actual e pela conjugação da atitude e do discurso melífluo do candidato que sugeriu uma mudança de forma não ameaçadora.

Mas não foram apenas os homens das letras que mostraram preocupação e arte na abordagem da eleição de Obama, também no caso de alguns artistas gráficos a apreciação do evento se revestiu de características particularmente brilhantes, pelo seu simbolismo

ou lembrando mesmo antigos legados como o de Martin Luther King (o paladino da luta pelos direitos cívicos dos negros durante a década de 60 do século passado) ou Abraham Lincoln (o mítico presidente que enfrentou a secessão dos estados do sul)...

Outro importante resultado desta eleição foi a elevada participação, a maior do último século, que aumentou significativamente a credibilidade do resultado final.

E agora Obama?

Será a grande pergunta que muita gente coloca e sobre cuja resposta poucos se debruçam. Mas, quando a fasquia está a ser colocada tão alto é praticamente impossível que não surjam as desilusões, tanto mais que os desafios que esperam o futuro inquilino da Casa da Branca são enormes.

As economias debatem-se com uma crise que não sendo responsabilidade exclusiva da passagem de Bush pela presidência dos EUA, não deixa de ser o fruto da generalização dos princípios da sobrevalorização dos interesses individuais sobre os colectivos (apanágio de todos os bons pensadores ultraliberais, monetaristas e neoconservadores), os quais têm, graças à acção das administrações americanas, proliferado pelos quatro cantos do planeta sem o mínimo sinal de respeito pelas culturas locais e específicas de cada país.

O mundo, em nome da defesa dos princípios de liberdade caros aos neoconservadores, encontra-se mergulhado num clima de conflito aberto como se aqueles detivessem o monopólio da definição do que é correcto e do que é errado e tudo e todos tivessem que se submeter às regras por eles definidas. Graças à prosélita invasão do Iraque, levada a cabo a coberto de uma tremenda aldrabice, o conflito palestiniano tem-se vindo a agravar e as economias ocidentais tiveram que voltar a confrontar-se com novo choque petrolífero.

Em termos globais, as iniciativas ensaiadas para o controlo e a redução da poluição mundial registaram um absoluto fracasso porque os conservadores mantêm de pedra e cal a ideia de que o planeta existe para seu único e exclusivo benefício.

O crescimento do desemprego entre a população norte-americana – que segundo as estatísticas oficiais será de 6%, mas que segundo as estimativas do SHADOW GOVERNMENT STATISTICS deverá ultrapassar os 14% – ditado pela desumana política das deslocalizações que a única coisa que pretende é a maximização do lucro das grandes corporações multinacionais, e o agravamento do déficit público originado pelos mais de 400 mil milhões de dólares sorvidos por uma desnecessária «guerra contra o terror», tem vindo a degradar o valor do dólar e reduziram a economia norte-americana a um estado de recessão.

Além destas questões, outras de âmbito estritamente nacional (muito a propósito referidos por António Barreto neste artigo publicado pelo PUBLICO) como: a saúde pública, a pobreza, as relações raciais e a crise da educação, também aguardam a intervenção de um novo presidente que a julgar pela leitura que o autor faz da situação nem sequer terá sido eleito pelas melhores razões, mas apenas porque «[p]rosseguir o deslizamento político, moral e financeiro nos abismos para que a Administração Bush empurrou a América teria sido catastrófico».

Mesmo que, como referia este editorial do LE MONDE, ainda seja prematuro condenar o que acabamos de adorar, é quase impossível não lembrar aqui que poucos dias após o acto eleitoral, que justamente se pode definir como histórico e quando muitos ainda vivem num estado de euforia, a realidade já começa a perfilar-se no horizonte quando entre os primeiros nomes de personalidades a integrarem a futura administração (que os meios de comunicação já começaram a divulgar) se encontram velhos conhecidos de anteriores administrações, o panorama começa a perder o brilho e a aura da tão propagandeada mudança começa a desfalecer e a dura realidade a reinstalar-se.
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[1] Thomas L Friedman é um habitual colunista do NEW YORK TIMES que duas vezes por semana costuma abordar questões de relações internacionais. Antigo premiado com um Prémio Pulitzer é um conhecido defensor da globalização e autor de literatura sobre a matéria («The Lexus and the Olive Tree», «The World Is Flat» e «Longitudes and Attitudes»), apólogo de uma solução negociada para o conflito palestiniano (nos anos 80 foi correspondente no Médio Oriente) e defensor da Invasão do Iraque baseado na existência das célebres armas de destruição em massa, acabou por se tornar um crítico aberto da política da administração Bush.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

AS TEMPESTADES CONTINUAM A FORMAR-SE

Quando há dias referi aqui que a estratégia de salvamento dos bancos estava a ser encarada pelos respectivos banqueiros como uma excelente oportunidade para rapidamente retomarem as práticas especulativas que conduziram os mercados financeiros à situação que atravessam, não pensava encontrar tão rapidamente um exemplo nacional do que dissera, mas eis que lendo esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO, não fica qualquer dúvida que continuamos sem nada ter aprendido com o que está a acontecer.

O produto financeiro que a IG Markets começou a comercializar em Portugal, os CFD sobre o PSI-20, é, nem mais nem menos, que um produto de pura especulação sobre a evolução do índice bolsista nacional. Como o próprio nome indica um CFD, ou “contract for difference”, consiste num contrato em que o vendedor e o comprador assumem pagar um ao outro a variação que o activo subjacente (o índice PSI-20 no caso concreto) venha a registar no período convencionado (o vendedor paga ao comprador em caso de subida e recebe do comprador em caso de descida).

Apresentados como modernos e sofisticados contratos financeiros que possibilitam aos investidores (compradores) aceder aos benefícios dos ganhos da evolução das cotações sem necessidade de dispor senão de uma pequena margem (normalmente da ordem dos 1% para os contratos sobre índices, até 30% para os contratos sobre acções) do valor do activo abrangidos pelo contrato.

Na prática, um pequeno investimento de 1.000€ proporcionará ao investidor o encaixe dos ganhos da subida do PSI-20 correspondente ao investimento de 100.000€ o que o transforma num “negócio” altamente atractivo, mas atenção, porque os prejuízos serão de igual proporção no caso do índice descer.

Se este é o efeito perverso para os “investidores” menos atentos e informados que apenas querem ouvir mencionar os ganhos potenciais, para os vendedores este negócio pode ainda ser mais atractivo pelo efeito de alavancagem que incorpora. Na prática as empresas financeiras alavancam as comissões pagas pelos investidores com crédito (na proporção correspondente ao valor da margem cobrada) para adquirirem posições no activo subjacente, cobrirem o risco e multiplicarem os ganhos.

Esta é a envolvente teórica do negócio, porque na prática raras são as empresas financeiras que resistem a limitar os seus ganhos ao comissionamento e num ápice a alavancagem leva-os a actuar no mercado como especuladores e a sofrerem os reveses associados a essa estratégia, os quais, por via da tal alavancagem, podem ser catastróficos.

Que o digam o Lehman Brothers e outros...