domingo, 30 de janeiro de 2011

FARSA ECONÓMICA MUNDIAL


Quase a terminar mais uma edição do Fórum Económico Mundial, ocasião onde anualmente se reúnem em Davos empresários, políticos e especialistas em matérias ligadas ao “mundo dos negócios”, poder-se-á resumir esta edição como a que marcou o regresso dos banqueiros à ribalta económica após o descalabro das principais economias, na sequência do rebentamento de mais uma bolha especulativa.


Mas será mesmo que a crise acabou e que tudo voltou à normalidade? Mesmo àquela normalidade que nos levou de sobressalto em sobressalto até à crise diluviana do “subprime”? 

É que embora os bancos de Wall Street e da City tenham regressado aos tempos dos lucros, a economia no geral continua a atravessar as mesmas dificuldades enquanto as famílias assistem impotentes à manutenção (quando não ao crescimento) das taxas de desemprego. A maioria do especialistas (pelo menos aqueles que têm voz nos meios de comunicação) não param de apontar para o crescimento do PIB, insistindo em ver a árvore enquanto esquecem a floresta, e poucos são os que aqui ou ali vão lembrando que pouco ou nada mudou e que todos os sinais apontam para o prolongamento da crise.

Basta recordar que no ano passado muito se falou em Davos na necessidade de imposição de um sistema de regulação financeira mais restritivo mas que de então para cá nada foi feito nesse sentido ao ponto do próprio G20, a pretexto de obviar maiores inconvenientes para os bancos, ter decidido adiar as medidas para 2015, para que quem for dotado de um mínimo de bom senso se interrogue sobre a veracidade e a sustentabilidade da tão propalada recuperação económica.

Curioso mesmo é analisar a evolução dos produtos alimentares (vistos no seu conjunto através do índice da FAO), para facilmente constatarmos que estamos hoje num nível muito idêntico ao que antecedeu o eclodir no Verão de 2008 da crise financeira em Wall Street enquanto a situação económica mundial, fruto das reais ou fictícias crises das dívidas públicas, é hoje bem pior; se em 2008 ainda foi possível encontrar algum paliativo nas maciças injecções de dinheiros públicos, agora será bem mais difícil de voltar a repetir a panaceia ou desta alcançar os parcos resultados então obtidos. 

Continuando a vigorar como letra de lei os princípios teóricos subjacentes ao liberalismo económico – que exige dos Estados o reequilíbrio financeiro por via da redução da despesa a qualquer custo –, confrontados agora com as crescentes debilidades financeiras dos Estados e a manifesta submissão dos políticos àqueles ditames, resta-nos esperar um agravamento das condições de vida e, por inevitável acréscimo, o aprofundamento da crise.

Confirmando aquele que é o mais elementar senso comum – a redução do poder de compra das populações ditará uma inevitável retracção na procura interna –, têm surgido nos últimos dias notícias oriundas de entidades acima de qualquer suspeita (como o são as empresas de “rating” que nunca detectaram o mínimo problema com os produtos financeiros estruturados com que o sector financeiro inundou os mercados globais) afirmações como esta divulgada pelo ECONÓMICO, segundo a qual a «Standard & Poor’s vê Portugal em recessão prolongada»; embora o título da notícia refira apenas o nosso país, diga-se em abono da verdade que a previsão engloba o conjunto das economias periféricas da Zona Euro.

O avolumar de nuvens negras no horizonte, de que a vertiginosa subida dos preços dos bens alimentares ou a mais mediática agitação social e política que engendrou em países islâmicos, serão apenas os primeiros sinais dum novo ciclo de aprofundamento da crise sistémica que os notáveis reunidos em Davos continuam sem querer admitir, mesmo quando, como sucede este ano, o tem central do seu conclave é a necessidade de adaptação a uma nova realidade.

Não fossem os participantes o esteio da ordem mundial que originou a actual crise e talvez as conclusões dos seus debates pudessem ser incluídas entre os contributos para a sua superação; assim, tudo o que poderão originar será umas boas gargalhadas...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ABSTENÇÕES E OUTRAS OMISSÕES


Enquanto no passado Domingo dezenas de milhares de cidadãos belgas desfilaram pelas ruas de Bruxelas manifestando o seu desagrado pela demora na formação dum governo (as eleições legislativas tiveram lugar em meados de 2010 e ainda não foi logrado qualquer acordo entre os partidos para a apresentação do novo governo), em Portugal mais de cinco milhões de eleitores não se deram ao incómodo de se deslocarem à sua assembleia de voto para escolherem o seu presidente...


Que outro comentário interessará fazer sobre os resultados eleitorais, se até o vencedor (Cavaco Silva) foi reeleito com um menor número de votos que os que alcançou em 2006?

Mesmo sem querer questionar a legitimidade do acto eleitoral e do respectivo resultado, mais que nunca urge lançar uma verdadeira discussão sobre um conceito aparentemente tão desprezado como o da cidadania.

Numa época em que se transformou em moda política o lançamento de questões “transversais” e “fracturantes”, em que os governantes, à míngua de ideias próprias, se lançam em campanhas legislativas de duvidosa utilidade política (mas de seguro impacto publicitário), porque serão raros os que questionam esta realidade?

Aparte as conhecidas vantagens para a classe política (em última instância bastará que cada um vote em si próprio para se fazer eleger), que mais a levará a aceitar de forma tão pacífica esta clara manifestação de desinteresse público? salvo se tudo não passar de uma estratégia concertada para afastar cada vez mais os “cidadãos responsáveis” dos problemas que lhes dizem respeito, apelando em sua substituição aos “cidadãos espectadores”, passivos e submissos quanto baste.

E o mais triste é que esta ideia (entre outras) sobressai particularmente do tristíssimo discurso com que o presidente reeleito saudou os seus apoiantes e o país que diz querer representar.


Isento da mais elementar humildade democrática, brindou-nos com um discurso mesquinho e vingativo (rancoroso, na expressão usada por Mário Soares num artigo publicado no DN) que se outras consequências não tiver, assegurou que contrariando as intenções propaladas se prepara mais para dividir que para unir os cidadãos do país que o elegeu.

sábado, 22 de janeiro de 2011

CORRENTES


Que balanço fazer da visita do presidente chinês, Hu Jintao, aos EUA, além da óbvia pompa e circunstância com que este foi recebido em Washington?

Falar das manifestações a favor do Tibete ou da libertação do dissidente e mais recente Nobel da Paz, Liu Xiaobo, assinalar os importantes acordos comerciais avaliados em 45 mil milhões de dólares[1] e entre os quais está um acordo para a compra, até 2013, de 200 aviões à Boeing, ou acentuar a mais que cuidadosa forma como a administração Obama procurou proteger o seu ilustre convidado das situações mais complicadas?

Embora pareça manifesto exagero afirmar que as expectativas alimentadas por alguns analistas de que Obama iria ser muito mais assertivo com a política chinesa saíram goradas, manda a verdade que se diga que houve tentativas reais de que tal acontecesse, como sucedeu durante uma conferência de imprensa[2] ou na recepção oficial na casa Branca.
Talvez nunca como antes Washington se veja na necessidade de praticar uma política de “públicas virtudes” para melhor dissimular os seus “vícios privados”, ou seja a sua crescente dependência do financiamento externo, numa conjuntura onde a economia chinesa se revela cada vez mais forte e a única capaz de assegurar aquelas necessidades.


Será assim lícito esperar de quem suporta os grilhões da dívida a loucura de morder a mão que a alimenta?
A evolução da economia mundial e a emergência da China como grande potência tornam particularmente improvável que esta administração norte-americana, ou as que lhe venham a suceder, voltem a dispor de condições para forçar a mão dos chineses em questões como os direitos humanos (signifique isto o que significar para uns e outros), a salvaguarda de Taiwan e do Tibete, o apoio chinês à Coreia do Norte ou até a proliferação de armamentos, tanto mais que os chineses fazendo juz à proverbial paciência oriental continuam a tecer habilmente uma teia de interesses e de subentendidos, distinguindo perfeitamente o fundamental do acessório, enquanto esperam que o tempo lhes entregue de bandeja a posição que hoje ainda é a dos americanos.

As próprias declarações conciliatórias de Hu Jintao a propósito dos direitos humanos (e a abordagem do lado americano, deixada bem claro pelo WASHINGTON POST nesta notícia), a reafirmação chinesa de que as questões de Taiwan e do Tibete continuam a ser matéria de natureza interna e a reconhecida desproporção de meios militares entre os dois estados[3] levam a concluir que apenas a questão coreana poderá sofrer alguma evolução, embora também aqui Pequim deverá estar a jogar numa progressiva erosão do regime de Pyongyang.


[1] Recorde-se que actualmente as exportações anuais dos EUA para a China estão avaliadas em cerca de 80 mil milhões de dólares, contra os cerca de 340 mil milhões importados da China.
[2] É curioso que sobre o teor da conferência uns órgãos de comunicação ( como o THE CHRISTIAN SCIENCE MONITOR nesta notícia) salientam a atitude mais dura de Obama, enquanto outros (como o WASHINGTON POST nesta notícia) preferiram referir o aspecto mais conciliatório de Obama para com Hu Jintao 
[3] Para uma melhor noção desta realidade talvez baste referir que o orçamento anual de defesa dos EUA é superior a 700 mil milhões de dólares (algo como 4,3% do PIB americano em 2008) enquanto o chinês é de apenas 78 mil milhões (2% do PIB em 2008); o seu grande atraso em termos de equipamento (às quase 10.000 ogivas nucleares norte americanas os chineses contrapõem menos de 250 unidades) apenas é compensado pelo maior número de efectivos militares (mais de 2 milhões de homens contra pouco mais de 1,5 milhões de americanos).

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CUIDADO COM OS APELOS!


A aproximação de mais um acto eleitoral torna obrigatório o regresso à colação não apenas do significado do acto, do valor dos concorrentes (tanto mais que no caso vertente se trata duma eleição individual e personalizada) mas principalmente do valor do voto.


Em sobejas ocasiões aqui tenho deixado claras as múltiplas razões pelas quais em caso algum votaria em Cavaco Silva, personalidade a quem de modo algum reconheço um mínimo de condições políticas, técnicas, culturais ou éticas para o exercício das funções a que se recandidata. Se dúvidas tivesse tido há cinco anos, bastaria ter acompanhado a forma como entendeu desempenhar o cargo, a forma arrevesada e quase inextricável como se fez ouvir (sempre gostaria de saber quem é que lhe escreve os discursos), a permanente postura do “não me comprometam” ou a constante reafirmação do “não fui correctamente interpretado”, para lhe recusar uma segunda oportunidade.

Porém o que hoje me leva a voltar à questão das presidenciais é o claro sentimento que germina no ar uma clara estratégia de apelo aos mais descontentes para que se abstenham ou votem em branco.

Entre um claríssimo «Não vou votar» que Carlos Abreu Amorim deixou na sua última crónica no DN ou as melífluas tiradas com que Vasco Pulido Valente nos tem mimoseado em várias das sua mais recente crónicas no PUBLICO, parece ganhar terreno a ideia de que a abstenção ou o voto em branco constituem formas válidas de voto.

Ora mesmo no estrito sentido técnico do termo voto válido se constata que o voto em branco ou o nulo estão excluídos. Se assim não fosse os resultados das eleições de 22 de Janeiro de 2006 não teriam sido as que constam no sítio da Comissão Nacional de Eleições:

Total
Percent.
CAVACO SILVA
2,773,431
50.54%
MANUEL ALEGRE
1,138,297
20.74%
MARIO SOARES
785,355
14.31%
JERONIMO SOUSA
474,083
8.64%
FRANCISCO LOUCA
292,198
5.32%
GARCIA PEREIRA
23,983
0.44%
mas outras.

Senão vejamos: a CNE considera (e bem) como eleitores votantes, para efeitos de calculo da abstenção, todos os leitores que tenham exercido o seu direito de voto:

Total
Percent.

Inscritos

9,085,339

Votantes
5,590,132
61,53%
Abstenções
3,495,207
38,47%
Brancos
59,636
1,07%
Nulos
43,149
0,77%
mas efectua o apuramento de resultados tomando como universo apenas os votos designados como válidos (excluindo brancos e nulos). Esta interpretação até poderá ser defensável relativamente aos votos nulos, pois estes poderão constituir mais que um erro ou uma forma de expressão de vontade, uma forma de fraudar os resultados finais) mas que de forma alguma se aplica ao voto em branco, que deveria ser aceite como forma válida de expressar o desagrado pelo conjunto dos candidatos em liça.

Para melhor entendermos o que realmente está em jogo, vejamos o efeito de apuramento de resultados na eleição presidencial de 2006, conforme o universo de votos aceite:

Total
Percent/ Válidos
Percent/ Votantes
Percent/ Válidos + Brancos
CAVACO SILVA
2,773,431
50.54%
49.61%
50.00%
MANUEL ALEGRE
1,138,297
20.74%
20.36%
20.52%
MARIO SOARES
785,355
14.31%
14.05%
14.16%
JERONIMO SOUSA
474,083
8.64%
8.48%
8.55%
FRANCISCO LOUCA
292,198
5.32%
5.23%
5.27%
GARCIA PEREIRA
23,983
0.44%
0.43%
0.43%
e constata-se que embora as diferenças não fossem abissais, bastaria naquela eleição ter incluído os votos em branco para que tivesse havido lugar a uma segunda volta.

Perante este exemplo prático e bem real e enquanto não for alterado o sistema de classificação dos votos que, repito, trata de forma indevida e abusiva em plano de igualdade os votos em branco e os nulos, parece-me manifestamente manipuladora a estratégia do apelo ao voto em branco, pois na prática apenas se estarão a aumentar as possibilidades de eleição do candidato mais sufragado.

Assim, apelos àquele tipo de voto de protesto ou até à abstenção apenas favorecerão o candidato que se apresente como favorito na corrida, facto que afinal até poderá adequar-se ao real desejo dos autores de semelhante tipo de apelos, mas dificilmente corresponderá aos reais sentimentos dos eleitores que mesmo considerando que a eleição é quase espúria (seja pelo vazio da função, seja pela vacuidade dos candidatos) deverão sempre marcar presença no acto e manifestar a sua opção de escolha por um dos candidatos... que não Cavaco Silva!