quarta-feira, 25 de abril de 2018

AS PORTAS DE ABRIL




Quando em 1975 o poeta Ary dos Santos escreveu:

«Era uma vez um país

onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

(...)
Era uma vez um país

de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

(...)
Foi então que Abril abriu

as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra

na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

(...)
Foi esta força viril

de antes de quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.

E em Lisboa capital

dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.»

(...)
Excerto de As Portas que Abril Abriu, de José Carlos Ary dos Santos - 1975.


poderá tê-lo feito como celebração, mas hoje, quase duas gerações volvidas sobre a data, devemos lê-lo como recordação do muito que Abril nos deu no campo da Saúde, da Educação, da Segurança Social e da Democracia.

Claro que também não podemos esquecer o aumento da Corrupção e a degradação de valores como a Honestidade e a Hombridade, que sendo fruto dos tempos são-no igualmente da nossa apatia e comodismo...

Hoje, mais que nunca, importa recordar as portas que Abril abriu e tudo fazermos para que as gerações que nos seguirem entendam a importância de as mantermos abertas e que isso depende apenas de nós!

quinta-feira, 19 de abril de 2018

IMPACTO


Concretizaram-se no final da passada semana as ameaças norte-americanas de retaliação sobre a Síria pelo uso de armas químicas. Num ataque conjunto de americanos, ingleses e franceses a alvos criteriosamente seleccionados – um centro de pesquisa científica, em Damasco, e dois depósitos de armas próximos de Homs – a que poucas baixas terão provocado e de pouco ou nulo resultado prático.


Após um período de troca de acusações entre americanos e russos, com os primeiros a acusarem os segundos de protecção a Bashar al-Assad e estes a acusarem os outros de falta de provas, e quando se avizinhava a chegada duma comissão internacional para apuramento dos factos eis que a ordem de ataque foi emitida. Ainda que o resultado tenha sido apresentado como um sucesso, consideração que deve ser vista com as devidas cautelas logo que se soube que a Rússia fora previamente informada do destino dos ataques, não deixaram de surgir algumas dúvidas sobre o real e efectivo objectivo.

Não bastando a estranha coincidência nos argumentos agora invocados com aqueles que Bush, Blair e Aznar usaram para justificar a invasão do Iraque em 2003 e que se viriam a revelar totalmente falsos, acresce agora a conhecida situação interna norte-americana – a polémica em torno do apoio russo à eleição dum Trump que parece cada vez mais preocupado em “atacar” a Rússia com forma de refutação das críticas –, a frágil situação do governo inglês – cada vez mais contestado por causa do Brexit e muito pouco convincente na gestão do caso Sripal – e a delicada posição em que se encontra o presidente Macron face à recomposição pouco europeísta do programa do novo governo alemão, que deixam pairar a suspeita sobre as verdadeiras intenções desta acção.

Claro que a questão do uso de armas químicas em Douma tem que ser apurada, mas duvido que os bombardeamentos cirúrgicos, para mais antecipadamente comunicados aos russos, tenham outro efeito prático que o de cortina de fumo para disfarçar problemas internos dos EUA, Reino Unido e França, tanto mais que aquele não foi o primeiro episódio de recurso a armas químicas e que situações houve (como sucedeu em 2013 em Ghouta e abordado no post «PRONTO PARA SALTAR») em que mais tarde se veio a concluir que tinham sido os próprios opositores a Assad a, de forma voluntária ou não, deflagrarem os engenhos fornecidos pela Arábia Saudita.

terça-feira, 10 de abril de 2018

PRESOS


Por decisão dum tribunal brasileiro e depois de ver recusado um pedido de habeas corpus pelo Supremo Tribunal, o ex-presidente Lula da Silva viu confirmada a sua prisão.


Não fosse o facto dos julgamentos em primeira e segunda instâncias não terem respondido cabalmente a todas as dúvidas sobre a acusação de corrupção, a celeridade com que o juiz decretou a prisão ou o triste episódio do impeachment da sua sucessora, Dilma Rousseff, e pouco haveria a dizer sobre este triste episódio.

As dúvidas que a propósito do impeachment de Dilma deixei expressas no post «VERGONHOSO ESPECTÁCULO» podem e devem ser recuperadas para mais este caso, que ganhando contornos que em muito extravasam a mera acção judicial e num período de profunda divisão política e social apenas estará a contribuir para acirrar ainda mais os ânimos. Num país cada vez mais divido entre críticos e apoiantes da actuação política de Lula da Silva (e do seu partido, o PT), que regista um crescente intervencionismo do aparelho militar – seja a gravíssima situação da sua utilização em acções de policiamento no Rio de Janeiro, seja no arrojo da ameaça velada de golpe que antecedeu a rejeição do pedido de habeas corpus pelo Supremo Tribunal – na vida diária dos cidadãos bem se poderá dizer que, para o melhor e o pior, o futuro do Brasil e de Lula estarão demasiado ligados.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

SINAIS


Ainda não se cumpriu uma década sobre o despoletar da crise do subprime e continuam a avolumar-se os sinais que o muito que então foi prometido para prevenir a sua repetição não passou de desabafos momentâneos ou de piedosas intenções, senão de criminosas acções para enganar os tolos.


Lembremo-nos que entre as razões apontadas para o colapso financeiro despoletado em 2008 se contavam práticas desajustadas de remuneração dos capitais que levaram à ocultação de riscos e à sua disseminação pelos mais diversos tipos de investidores e de aforradores. O recurso generalizado a produtos financeiros estruturados (inicialmente criados com o objectivo de cobertura de riscos e assim designados por incorporarem produtos com origens e características diversas) precipitou uma economia ávida de ganhos imediatos e altamente dependente do crédito numa espiral recessiva ainda não completamente resolvida.

Com a rápida propagação da crise e principalmente após a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, iniciou-se um período durante o qual se generalizou o receio sobre a qualidade e solidez dos activos bancários, retraindo o normal fluxo de crédito entre os bancos e destes para a economia real, com inevitáveis as consequências de retração económica, falências e desemprego. Na altura distintos políticos e responsáveis económicos e financeiros assumiram a necessidade de revisão dos paradigmas de risco e crédito que vinham utilizando, chegando mesmo a falar-se numa profunda revisão do processo de desregulação dos mercados financeiros que esteve na origem do boom dos produtos estruturados.

Quando agora lemos notícias onde os «CTT confirmam dividendo e entregam aos accionistas o dobro dos lucros obtidos», ou quase em jeito de branqueamento que os  «CTT e Nos são as únicas a pagar mais do que lucraram», extinguem-se as dúvidas sobre a real alteração dos modelos de gestão que contribuiram para a crise.

Quando se anuncia que as «Cotadas portuguesas dão aos accionistas 71% dos lucros», não se revela apenas que a dependência do lucro imediato e a qualquer custo continua a ser o modus operandi das grandes empresas e das suas equipas de gestores principescamente remunerados, escolhidos pelos grandes accionistas não para asseguarem modelos de gestão de crescimento possível e prudencial mas sim para garantirem a sua máxima remuneração.

Isto enquanto perpetuam um modelo económico assente no crédito, que o mesmo é dizer na permanente transferência dos ganhos do sector produtivo para um sector financeiro que continua a viver desligado da realidade económica e cada vez mais transformado numa economia de casino.