quarta-feira, 30 de agosto de 2006

UM ANO DEPOIS DO KATRINA

O dia 29 de Agosto marcou o primeiro aniversário da passagem do furacão Katrina pelo sul do território dos EUA. Esse grande país cuja dimensão territorial, riqueza e sede de poder dos seus dirigentes alcandorou à destacada posição de potência suprema do planeta.

Paralelamente com este cenário de grandiosidade e poder continuaram ao longo dos doze meses do ano que decorreu a chegarem-nos ecos da situação calamitosa em que as populações da cidade destruída de Nova Orleães continuam a viver. Embora correntemente se afirme que uma imagem vale mil palavras, prefiro marcar o desastre com as palavras escritas poucos dias depois por uma jornalista americana (negra) de um pequeno jornal do estado do Kentuky, no interior dos EUA.


«A AMÉRICA NEGRA ACUSA

Refugiados. Eis como os meios de comunicação nos apresentaram os deslocados por causa das inundações. Refugiados? Um refugiado é alguém que foge da guerra, da opressão, da perseguição, não de uma catástrofe natural. As pessoas que vemos nos nossos écrans de televisão ou nos jornais são habitantes de Nova Orleães. Contribuintes americanos. Negros e pobres, na sua maior parte. São pessoas como nós conhecemos, que vigiam as nossas crianças, que recolhem as mesas nos restaurantes, que limpam as nossas habitações e os quartos de hotel, que se desembaraçam como podem para aguentar entre cada pagamento de salário. Na sua grande maioria. São nossos compatriotas, Americanos. E nós tratamo-los pior que alguma vez vi este país tratar quem quer que fosse que se encontrasse numa situação tão desesperada.

Ser negro e pobre nestas circunstâncias é ser como um animal. Porque não existe qualquer dúvida que se fossem seres humanos teriam recebido auxílio muito, muito mais cedo. Muitos dias após a passagem do furacão Katrina, os que não puderam fugir viam-se obrigados a urinar diante dos forasteiros por falta de instalações de auxílio. Como fazem os animais. Encontrei ainda duas mulheres junto dos corpos em decomposição dos seus maridos, mortos alguns dias antes e tapados apenas com um cobertor. Sobreviventes contavam que tinham tido de abrir caminho, com a água pelo peito, entre os cadáveres que flutuavam. Nunca anteriormente se deixou que tal acontecesse nos Estados Unidos. Abandonou-se os habitantes de Nova Orleães à sua sorte. Sendo classificados como refugiados não é necessário apresentá-los como Americanos. Quando os tratam como refugiados, não é preciso tratá-los como vizinhos. Longe de querer ofender os habitantes de Alabama ou do Mississipi que tiveram, eles também, o azar de se encontrarem no caminho de passagem do Katrina. Quer sejam negros ou brancos, perderam entes queridos e bens. Mas retiraram-se os seus mortos e não estão cercados pelas águas. Sabendo que dezenas de milhares de pessoas foram abandonadas em Nova Orleães, sabendo que os diques rebentaram e que as águas corriam livremente pelas ruas da cidade, alguém devia ter enviado socorros muitos dias mais cedo. Mas também era preciso que o governo federal, democratas e republicanos, fossem capazes de se identificar com as classes trabalhadoras e desfavorecidas do país. E ainda faltava considerar as vítimas como pessoas deslocadas, como seres humanos, e não como refugiados. O valor da vida humana não pode depender dos meios financeiros de cada um ou da cor da sua pele

Merlene Davis no Lexington Herald Leader (início de Setembro de 2005) – sublinhados meus.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

TENDA ALTERNATIVA NO PÃO VINHO & Cª

Porque há uns dias aqui deixei referência ao que se poderia “viver” além do PÃO VINHO & Cª, porque referi com particular ênfase a lamentável falta de informação do programa oficial relativamente à programação musical na Tenda Alternativa (que erradamente chamei de Tenda Electrónica) e porque agora encontrei uma referência à respectiva programação, aqui fica a informação

e, tal como o fez a minha fonte – o companheiro bloguista SANDES DE COIRATO - deixo também a ressalva de que desconheço a origem do cartaz bem como a respectiva fidelidade informativa.

Seja como for e porque é melhor esta pouca informação que nenhuma…


domingo, 27 de agosto de 2006

BALANÇO DE MAIS UMA INVASÃO DO LÍBANO

Enquanto se mantém os contactos diplomáticos e as dúvidas sobre a constituição da força internacional de interposição (UNIFIL) a deslocar para o sul do Líbano sob o mandato da ONU, vai-se registando um ou outro incidente na zona (confrontos entre o Tsahal e o Hezbollah) e intensificando as acções israelitas na Faixa de Gaza.

Apesar de tudo parecer na mesma após os longos dias do confronto entre os israelitas e o Hezbollah (excepção feita aos mortos, deslocados e à destruição praticada) o ambiente mudou bastante nos territórios mais directamente afectados. Enquanto o governo libanês se preocupará com dois níveis diferentes de problemas – ao nível económico enfrentando as dificuldades da reconstrução das infraestruturas destruídas pelos israelitas e o fornecimento de um mínimo de condições às populações atingidas e às deslocadas, enquanto a nível político e militar procura mostrar empenho e capacidade para desarmar o Hezbollah, ou garantir um mínimo de violações ao cessar-fogo – o Hezbollah procura capitalizar os resultados de um confronto do qual se pode afirmar vencedor e não enjeita sequer as oportunas acções de propaganda junto das populações civis mais afectadas, a quem promete ajuda material e financeira para a normalização das suas actividades. Do outro lado da fronteira o governo israelita enfrenta as críticas da oposição pelo evidente fracasso da opção militar e reorienta a sua actividade militar sobre os territórios palestinianos (revelando de forma cada vez mais evidente a sua nula disposição ao diálogo) persistindo na realização de operações destinadas à eliminação física de militantes palestinianos (já abrangem mais que os militantes do Hamas) e que agora também já inclui a detenção de membros do governo e da assembleia palestiniana.

O clima que se vive no interior de Israel, de crítica ou defesa das opções do governo de Ehud Olmert, já começou a estender-se a outros países do ocidente, mostrando bem quanto a questão israelo-árabe ultrapassa em muito as simples fronteiras do Médio Oriente (ou não tivesse ela sido originada por um processo desastroso da gestão colonial britânica o Médio Oriente).

Evidências deste “conflito” entre defensores da acção militar e apologistas de soluções menos agressivas encontram-se até entre nós, com aqueles a funcionarem normalmente como correias de transmissão das teses há muito defendidas pelos sionistas judaicos e pelos extremistas neoconservadores americanos.

Durante a semana que agora terminou voltou Vasco Graça Moura a utilizar a sua crónica semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS para propagandear estas posições extremistas, justificando-as com o que apresenta como «…o sinistro resultado que Israel colheria se embarcasse nas injunções tão penosamente cozinhadas da comunidade internacional. Até se sentir em segurança, Israel dirá "sim, mas" ao cessar-fogo e fará o que entende que deve fazer. Felizmente para os judeus e para o mundo civilizado. O quadro da sobrevivência de Israel passa pela criação de um conjunto de condições que respeitam ao mundo árabe, ao mundo islâmico em geral e às redes terroristas» e criticando tudo e todos que diz oporem-se-lhe, começando pela ONU que «…não presta para nada. Não evita conflitos, não evita guerras, não evita destruições, não evita catástrofes humanas (e decretou) …um cessar-fogo em que os beligerantes não têm o mesmo estatuto», continuando com o Hezbollah que «…é uma canalha assassina que não pode ser tomada a sério nem é fiável como interlocutor» e com o Líbano que «praticamente não existe como Estado. É um joguete de várias forças e não tem qualquer capacidade negocial. O seu exército nunca foi capaz de limpar o Sul do país, nem nos tempos da OLP nem nos do Hezbollah». Mistura tudo isto com a UNIFIL e os países europeus quando afirma que «Não se vislumbra que a tal força militar da ONU venha a ter uma composição satisfatória. Franceses, italianos e espanhóis, cuja participação nela se anuncia, acabarão a contribuir submissamente para o falhanço da missão: é o que pode esperar-se da mediocridade congénita e irremissível dos srs. Chirac e Villepin, da periclitante salada de esquerda do sr. Prodi e do progressismo alvar do sr. Zapatero» e espera ter demonstrado a indispensabilidade da violência porque o «…quadro da sobrevivência de Israel passa pela criação de um conjunto de condições que respeitam ao mundo árabe, ao mundo islâmico em geral e às redes terroristas. É inalcançável sem fortes dispositivos militares e sem parcerias em que o Ocidente intervenha decididamente…» para concluir beatificamente que «…para já, só os Estados Unidos e a Grã-Bretanha é que parecem ter compreendido todas as implicações civilizacionais e geostratégicas de uma questão cujos termos estão todos interligados, ao contrário do que pensam algumas almas ingénuas e do que afirma a esquerda pós-soviética» o que em última instância determinará que de forma altruística os «…israelitas não terão outro remédio senão neutralizar o potencial nuclear do Irão. Mas a União Europeia continua a contentar-se com as patéticas deslocações do sr. Solana por esse mundo fora e a achar que tantas andanças tão exemplarmente sem sentido correspondem ao papel mais eficaz que a História lhe reservou».

Em jeito de comentário e como proposta de informação alternativa aconselho a leitura de um artigo de Uri Avnery, que encontrei traduzido aqui, lugar onde também encontrei o artigo de José António Carvalho, publicado no Público de 18/08/2006, a que se refere o texto de Vasco Graça Moura.

Para evitar repetir-me nas críticas às formulações e opiniões de Vasco Graça Moura sobre a questão israelo-árabe (e sobre a recente invasão do Líbano), vou apenas referir dois dados que me parecem significativamente importantes: a publicação, na mesma data do seu artigo, de um relatório da AMNISTIA INTERNACIONAL e de um trabalho da BBC NEWS, no qual se estabelece um paralelismo dos efeitos e resultados da invasão israelita do Líbano.

Começando por este último, cuja versão original se encontra aqui, leia-se e compare-se:

(para ampliar o quadro clique uma vez com o botão esquerdo do rato e uma segunda vez para ampliar)

Para facilitar o trabalho das conclusões, recordo que Israel tem um PNB estimado em 163,45 mil milhões de US$ e uma população de 7,026 milhões (incluindo os colonatos na Cisjordânia), enquanto o Líbano apresenta um PNB estimado em 19,49 mil milhões de US$ e uma população de 3,874 milhões.

Analisando de forma abstracta os números constata-se que o meio milhão de deslocados israelitas motivados pelos bombardeamentos do Hezbollah representam apenas 7,12% da população, contra os quase 25% de libaneses forçados a abandonar as suas casas; os 159 israelitas mortos representam 0,0023% da população total de Israel enquanto os do Líbano já ascendem a 0,43% (20 vezes mais para uma população que representa pouco mais de 50% da de Israel). Estendendo esta análise ao tipo de baixas (militares e civis) constata-se que as baixas militares de Israel (116) representam 72,96% do total de mortos daquela nacionalidade, enquanto para o caso libanês representa apenas 31,79% (530 milícias do Hezbollah mortos); mais gritante é o facto das baixas civis no Líbano representarem 68,21% dos mortos daquela nacionalidade, enquanto os civis israelitas representam apenas 27% do total. Fica assim perfeitamente claro que se Israel não tomou como alvo preferencial as populações civis também não terá tomado as medidas mais eficazes para o evitar.

Observando a disparidade no volume e tipo dos estragos infligidos por ambas as partes torna-se perfeitamente claro que o exército israelita fez muito pouco para evitar as baixas civis (as tais que normalmente são referidas como danos colaterais) e pior, tudo tentou para incapacitar as infraestruturas mínimas para as populações civis, até porque só as mentalidades mais inconscientes podem entender que bombardeamentos a estações de tratamento de água e esgotos, instalações de produção e distribuição de electricidade e diques, constituam alvos militares e contribuam para evitar a fuga do grupo que capturou os dois soldados israelitas, cuja recuperação o governo israelitas usou como justificação para a invasão.

Esquecendo os dramas humanos, sempre associados a fenómenos como o da guerra, e analisando os custos desta acção militar o aparente equilíbrio expresso no trabalho da BBC que estima em 5,9 mil milhões de US$ os prejuízos de Israel e em 6,5 mil milhões de US$ os do Líbano, revela-se muito diferente quando se comparam estes valores com o PNB de cada um dos países. Assim, enquanto os prejuízos israelitas não representam mais de 5,9% do seu PNB, já os prejuízos libaneses representam 33,35% do respectivo PNB, com a agravante deste país se debater com a total destruição da sua principal indústria de exportação – o turismo.

Clarificada um pouco mais a realidade dos dois países é talvez a altura de analisarmos o conteúdo do relatório da Amnistia Internacional sobre o conflito no Líbano. Segundo este documento daquela ONG quer Israel quer o Hezbollah infringiram as leis humanitárias internacionais durante o conflito, tomando populações civis por alvo das suas acções militares. Contudo o relatório é particularmente claro quando atribui um maior grau de responsabilidade ao Tsahal (exército de Israel), não hesitando mesmo em mencionar a expressão “crimes de guerra” a propósito dos ataques israelitas a habitações, locais de armazenamento de água e combustíveis.

Na apresentação daquele relatório intitulado «Destruição deliberada ou “danos colaterais”? Ataques israelitas contra infraestruturas civis», Kate Gilmore, Secretária Geral Executiva da Amnesty International, afirmou que a «…asserção israelita de que ataques a infraestruturas eram legais está manifestamente errada. Muitas das violações identificadas no nosso relatório constituem crimes de guerra, incluindo os ataques indiscriminados e desproporcionados. As evidências manifestamente sugerem que a extensão destrutiva de unidades de produção eléctrica e de tratamento de águas, bem como da infraestrutura de transportes, vital para o abastecimento de géneros e outro auxílio humanitário, foi deliberada e parte integrante de uma estratégia militar

Contrariando o argumento israelita de que as suas acções apenas visavam o Hezbollah e que os danos nas infraestruturas civis eram fruto daquela organização utilizar as populações civis como “escudos humanos”, a mesma responsável afirmou que o «padrão, a finalidade e a dimensão dos ataques tornam o argumento israelita de que se trata de “danos colaterais”, simplesmente não credível» e concluiu defendendo que «as vítimas civis de ambos os lados deste conflito merecem justiça. A natureza grave das violações praticadas torna urgente uma investigação à conduta de ambas as partes. Tem que haver responsabilização para os perpetradores de crimes de guerra e indemnizações para as vítimas», algo que a generalidade dos cidadãos mundiais que se preocupem com princípios como a justiça e a equidade não pode deixar de subscrever.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

VII FITIJ EM SANTARÉM

Numa organização do TEATRINHO DE SANTARÉM vai realizar-se a sétima edição do FITIF – Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude.

Entre 28 de Agosto e 1 de Setembro passarão pelas salas do Teatro Sá da Bandeira e do CÍRCULO CULTURAL SCALABITANO oito espectáculos teatrais, montados por outros tantos grupos oriundos de cinco países europeus.

Paralelamente decorre diariamente no Ginásio do INATEL, uma oficina de máscaras gigantes, sob a orientação dos especialistas dinamarqueses Mona e Niels Damkjaer, onde os participantes aprenderão a fazer e manipular máscaras e marionetas gigantes, para serem usadas não só em desfiles ou animações de rua, mas também como figuras de palco em qualquer espectáculo.

Mesmo tratando-se de espectáculos particularmente destinados aos mais jovens, ou por isso mesmo, o Carlos Oliveira (Chona) e toda a sua equipa merecem bem a presença e o apoio de todos nós.

ALÉM DA VI MOSTRA GASTRONÓMICA DE ALMEIRIM

Conforme a ilustração anterior inicia-se amanhã, dia 26 de Agosto, mais uma edição (a sexta) do PÃO VINHO & COMPANHIA. Como habitual nos anos anteriores, durante nove dias decorrerá uma mostra gastronómica e um conjunto de actividades de entretenimento destinadas fundamentalmente à animação daquele evento.

Voltaremos a ter entre nós um conjunto de artistas nacionais (que agradarão mais a uns que a outros), as habituais apresentações de folclore, com particular destaque para os diferentes ranchos das freguesias do concelho e para o Festival de Folclore organizado pelo Rancho Folclórico da Casa do Povo de Almeirim, e a novidade deste ano: espectáculos diários de jovens grupos musicais num espaço específico – a Tenda Electrónica.

Pouco esclarecedor, o programa oficial menciona apenas a apresentação de música electrónica, rock, metal, ska e outras, deixando no anonimato os grupos que por lá desfilarão.

O sucesso da iniciativa avaliar-se-á “a posteriori”; para já registe-se a ideia e louve-se a oportunidade proporcionada aos mais jovens, mesmo que “a priori” seja facilmente expectável alguma fraca qualidade, talvez venhamos a ser surpreendidos, pela positiva, por algum dos grupos…

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

PELAS COSTAS DOS OUTROS…

Entre as notícias hoje vindas a lume, figura a da renúncia ao mandato de presidente da Câmara de Setúbal apresentada por Carlos de Sousa.

Esta menção especial não resulta da novidade (desde o fim de semana passado que algo do género era expectável), nem da pronta aparição televisiva dos “colunáveis” da oposição (Fernando Negrão pelo PSD e Vítor Ramalho pelo PS) mas principalmente de um sentimento que não posso deixar de tornar público.

Independentemente das razões que possam assistir ao PCP para retirar a confiança a quem fora seu cabeça de lista em eleições que se realizaram há menos de um ano, parece-me que com esta decisão, e na ausência de uma fundamentação muito forte, a direcção daquele partido criou uma situação muito complicada para futuros actos eleitorais.

Mais que questionar a legalidade (ou o direito) de substituir alguém que foi sujeito a um processo eleitoral, estou em crer que com esta decisão o PCP fragilizou não só o elenco camarário de Setúbal mas também todos os restantes eleitos nas suas listas e, principalmente, todos os que nelas se venham a candidatar em futuros actos eleitorais.

Mesmo que na origem desta decisão do PCP tenha estado o inquérito que a IGAT (Inspecção-Geral da Administração do Território) tem em curso, para bem da democracia, do país e das autarquias teria sido preferível aguardar pelo desfecho daquele, mesmo que este acarretasse a perda de mandato de Carlos de Sousa e a dissolução do executivo.

Admitindo como válido o princípio que diz que «pelas costas dos outros vemos as nossas» e apesar de faltar muito tempo para as próximas eleições autárquicas, talvez os eleitores portugueses se lembrem na altura do que agora aconteceu e da pouca ou nenhuma consideração que o PCP revelou pela escolha dos eleitores sadinos.

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

ASTE NAGUSIA (a)

As festividades populares que actualmente decorrem em Bilbao (a cujo início tive a oportunidade de assistir) são bem a prova real do muito que pode ser feito para a promoção e divulgação da cultura popular e que esta não tem obrigatoriamente de ser algo destinado a “velhos saudosistas”, podendo abranger um vasto leque etário.

A Aste Nagusia resultou de uma ideia recente (está a cumprir a sua 25ª edição) a que ano após ano a juventude de Bilbao vem aderindo e contribuindo para o seu crescimento. Na essência trata-se de uma ideia genialmente simples, para cujo sucesso muito contribui a participação da juventude e a sua forma irreverente de ver o mundo.

Tudo começou com a ideia de organizar actividades que contribuíssem para a animação das noites de Agosto de uma cidade cada vez mais despovoada naquele mês do ano. As iniciativas são da responsabilidade de grupos independentes (as “komparsas”) que promovem desde “tasquinhas de comes e bebes” (com a ajuda do calor são muito mais os “bebes” que os “comes”) a todo outro conjunto de iniciativas como concertos musicais, actividades de teatro de rua, um concurso de fogo de artifício, provas desportivas tradicionais, corridas pedestres e de barcos, etc., etc….

A simplicidade da ideia funciona muito por culpa da animação e vontade dos mais jovens, mas também porque os poderes políticos da cidade e o respectivo tecido económico tem entendido as vantagens obtidas desta animação adicional na sua cidade. Com a crescente afluência de público (muito dele vindo de cada vez mais longe) é não só toda a indústria hoteleira e de restauração que passou a contar com mais um período de elevada utilização, mas também o comércio em geral que beneficia com a afluência de forasteiros.

Observando a simplicidade de uma ideia e a entrega com que as diferentes “komparsas” preparam as suas iniciativas (num espírito de rivalidade muito sadia) não espanta o sucesso nem o “mar de gente” que noite adentro se desloca de “txona”(b), em “txona”, se concentra para os espectáculos diários de fogo de artifício ou para assistir aos concertos ou às provas desportivas.

Quer agora, quer enquanto assistia a estas multidões em festa, não pude deixar de estabelecer algum paralelismo entre aquilo que vivi em Bilbao e o que se vive de festividades entre nós, nem de constatar que as festas populares não têm de ser construídas à volta de figuras de cartaz ditas populares (mas que cobram “cachets” de vedetas internacionais de primeiro plano), nem assumir valores e estéticas que afastem os mais novos. Aliás, o segredo do sucesso da Aste Nagusia será precisamente o de assentar na iniciativa dos mais jovens, a eles indo buscar a participação, a alegria, a irreverência e a generosidade.

Que bom seria vermos a juventude da nossa cidade empenhada em projectos desta natureza e uma maior e real animação nas festas que nela se realizam.


(a) Semana Grande, em dialecto Basco

(b) Local ou zona, em dialecto Basco



terça-feira, 15 de agosto de 2006

O PRÓXIMO PASSO DOS NEOCONSERVADORES

Enquanto aguardamos pelo desenvolvimento da situação no Médio Oriente, onde para muitos a tranquilidade que se vive é semelhante àquela que antecede as tempestades, é seguramente oportuno reflectir um pouco sobre como se chegou a este ponto e em que medida isso pode influenciar o que se seguirá.

Mesmo para os menos atentos o acordo de cessar-fogo alcançado pela ONU podia, e devia, ter acontecido bem mais cedo, o que apenas não ocorreu por deliberada actuação dos EUA, que numa primeira fase apelaram à contenção israelita para a seguir se oporem frontalmente a qualquer hipótese de cessar-fogo; as primeiras referências a uma iniciativa francesa motivaram nova alteração da posição americana, que então passou a apresentar uma proposta de cessar-fogo apenas para inviabilizar a iniciativa francesa e assim prolongar as conversações diplomáticas e o conflito em curso.

Paralelamente com estes desenvolvimentos no plano da diplomacia externa, o grupo dos designados neoconservadores americanos foi manobrando a nível interno em duas frentes, no sentido de voltar a fazer prevalecer as suas teses. A primeira frente consistiu em ampliar as críticas a Condoleezza Rice, procurando assim minar a influência desta junto de George W Bush e preparar a opinião pública interna para a definição de novos alvos militares. A segunda, foi orientada para o plano bilateral e traduziu-se na utilização das suas posições chave na administração Bush – terá sido devido à influência da equipa de Dick Cheney (o vice-presidente) e a Elliott Abrams (director principal do Conselho de Segurança Nacional para o Próximo Oriente) – para partilhar informações dos serviços de segurança nacional (NSA) sobre a Síria e o Irão com os israelitas, no sentido de fundamentarem o proclamado auxílio destes países ao Hezbollah e assim alcançarem uma hipotética escalada militar no conflito.

Adiada para já esta hipótese, que poderia bem consistir em conduzir as FDI (o exército de Israel) a atacar alvos na Síria e no Irão, nem por isso aquele grupo de exacerbados defensores do princípio de “quanto pior melhor” deverá ter abandonado as suas iniciativas.

A fragilização do grupo mais moderado (que em termos de figuras da administração é normalmente associado a Condoleezza Rice, como já o fora a Colin Powell) parece estar a resultar e os efeitos que se terão feito sentir na “resolução” do conflito entre Israel e o Líbano, deverão a breve trecho expandir-se a outras importantes vertentes como é o caso da questão nuclear iraniana.

Anteriores análises e intervenções dos neoconservadores sobre o Médio Oriente são motivo de preocupação suficiente sobre o que poderá vir a acontecer. Para tal basta lembrar o trabalho realizado por Richard Perle (ex-director do Gabinete de Política de Defesa americano), Douglas Feith (ex-subsecretário de estado da Defesa) e David Wurmser (conselheiro para o Médio Oriente de Dick Cheney) a pedido do gabinete israelita chefiado por Benjamin Netanyahu, no qual os autores preconizavam o que designaram por “corte radical”: o abandono da política de “terra por paz” que conduzira aos Acordos de Oslo, por outra que forçasse árabes e palestinianos a aceitar a “paz pela paz” no termos de Israel; além de preciosidades deste calibre, o “estudo” previa ainda acções militares com vista ao enfraquecimento da Síria e até um plano para estender o controle do ex-rei Hussein da Jordânia ao Iraque.

Basta lembrar a forma como a administração de Bush fundamentou a pretensão do ataque ao Iraque, baseada em informações falsas e sem qualquer fundamento, para antever que de iniciativas originadas pelos neoconservadores pouco ou nada de bom poderá resultar. Pior do que o fracasso de uma política agressiva é a ausência de reconhecimento do erro e a persistência no mesmo.

Depois de terem falhado a criação de um cenário de conflito generalizado em torno de Israel, de terem mergulhado o seu país e os aliados ingleses num conflito sem fim à vista no Iraque, os neoconservadores preparam-se agora para conduzir americanos, israelitas e quem os apoiar num cenário de confronto com Síria e Irão que pode bem ampliar-se a outras regiões.

Procurando substituir a qualquer custo a arma do diálogo pelo diálogo das armas este grupo de “influentes personalidades” (que, é bom não esquecer, inclui o actual homem forte do FMI - Paul Wolfowitz) continua a manobrar no sentido de conduzir os EUA ao que entendem ser o seu desígnio universal, nem que para tal tenham que arrasar tudo e todos à sua passagem e no final fiquem a “mandar” apenas em si próprios, se sobrar algum…

DUBITANDO AD VERITATEM PERVENIMUS [*]

Embora de modo algum se possa falar de acalmia nas principais zonas de conflito declarado – no Iraque continua a não passar um único dia sem que cheguem notícias de novos atentados e outros incidentes entre xiitas, sunitas e tropas iraquianas ou ocupantes; no Afeganistão multiplicam-se os sinais de recrudescimento de acções de resistência, fomentadas ou não, pelos talibans; da Palestina continuam a chegar ecos de acções militares de Israel contra o Hamas e as populações locais, enquanto no Líbano toda a gente aguarda para ver no que irá dar a resolução para o cessar-fogo aprovada na ONU – parece-me chegado o momento de olhar para a informação que tem circulado a propósito do anúncio pela polícia londrina do desmantelamento de um grupo conotado com o terrorismo islâmico que se prepararia para fazer explodir diversos aviões.

Não se tratando da primeira da primeira vez que forças policiais ocidentais anunciam o desmantelamento de redes terroristas a operarem nos respectivos países, nem do anúncio de uma acção inverosímil, há porém um conjunto de pequenos pormenores que merecem uma observação mais crítica aos contornos da notícia.

O primeiro deles, de que aliás a própria imprensa britânica se fez logo eco, é o da extrema oportunidade do anúncio. Este não só coincidiu com um período mais delicado da ofensiva israelita sobre o Líbano (quando a polémica em torno dos bombardeamentos israelitas sobre Canaã, e por extensão todos os realizados sobre populações civis, estava no auge) mas também com o dia exacto em que iria ser discutido no parlamento britânico um relatório sobre a situação no Iraque e em particular sobre as tropas britânicas naquele cenário de conflito.

O segundo, tem a ver com os resultados de anteriores intervenções para o desmantelamento de redes terroristas, que se no seu início foram alvo de pronto e profundo acompanhamento jornalístico, o mesmo não aconteceu quando se revelaram infundadas as suspeitas e os presos foram libertados.

O terceiro, tem a ver com a participação dos serviços secretos paquistaneses, oportunamente questionada a propósito do recente atentado em Bombaim, que agora surgem como elemento despoletador das detenções efectuadas em Londres. Tal como aconteceu com o atentado na Índia, onde surgiram dúvidas sobre o papel daqueles serviços secretos nomeadamente por via de conhecidas ligações aos grupos islâmicos acusados do atentado bem como pelas suas estreitas ligações à CIA, eis que também no caso inglês a ligação ao Paquistão e aos seus controversos serviços de espionagem surge como um dado importante e merecedor da devida atenção. Se no caso de Bombaim o “interesse” paquistanês é por demais evidente, no caso britânico este poderá ser mais mitigado, embora não se deva esquecer a importância das comunidades indianas e paquistanesas neste país.

É óbvio que não disponho de uma única prova sobre este conjunto de suspeitas, mas analisando o que se tem passado em Inglaterra – a forma como ocorreram os infelizmente bem sucedidos atentados na rede de transportes londrina, a actuação das polícias inglesas no rescaldo destes e nas acções que se lhe seguiram e pior que tudo, a forma como o governo de Blair encontra cada vez maiores dificuldades para explicar aos seus eleitores as opções que tem vindo a tomar em termos de política externa, e principalmente na acção contra o terrorismo – é um facto que as circunstâncias que as rodeiam possibilitam demasiadas dúvidas.

Outro factor igualmente importante na abordagem do recente fenómeno do chamado terrorismo islâmico é a sempre complicada situação no Médio Oriente. Não que esta moderna versão de terrorismo se assemelhe às acções registadas até finais do século XX, onde era evidente o peso ideológico e a definição de objectivos directamente ligados (ou facilmente associáveis) aos interesses envolvidos naquela zona do mundo, mas porque a tenção que se vive naquela região continua a funcionar como importante catalizador quer na fase de recrutamento quer na posterior forma de actuação destes grupos.

Enquanto as acções perpetradas por grupos palestinianos sempre tiveram por alvo interesses judaicos ou quanto muito dos seus mais directos apoiantes, os modernos objectivos estão a ser fixados em função de agendas mais específicas e tendo em vista a maximização dos prejuízos para as economias dos países visados. Esta estratégia tem sido tão bem sucedida que agora perante uma simples suspeita as populações já estão dispostas a abdicar que praticamente tudo em nome da sua “segurança”. Após um período em que a generalidade dos cidadãos dos países ocidentais aceitaram significativas reduções nas suas liberdades fundamentais (veja-se o caso dos EUA que desde o 11 de Setembro de 2001 mantém em vigor leis altamente lesivas para as liberdades individuais dos cidadãos), parece que chegámos a um ponto em que as populações ocidentais aceitam silenciosamente a imposição de toda e qualquer “regra” de segurança inventada à última da hora.

Mesmo sem existir uma ligação directa entre os objectivos dos grupos terroristas islâmicos e questões como a autonomia palestiniana, ninguém poderá negar que acontecimentos como os que se estão a registar na Faixa de Gaza e no Líbano, a par com o Iraque e o Afeganistão, constituem excelentes argumentos para os movimentos radicais islâmicos continuarem a engrossar as suas fileiras de “devotos”. Enquanto os governantes dos países ocidentais, e em particular os EUA, mantiverem uma estratégia de apoio incondicional aos desejos de Israel com manifesto prejuízo de todos os outros povos e estados à sua volta dificilmente será alcançável um processo de paz duradouro para a região. Por haver quem não acredite em coincidências nem na elaboração de estratégias baseadas na simples ignorância ou mera “casmurrice”, têm-se multiplicado as referências a acontecimentos particularmente estranhos (por vezes até se poderia ser tentado a defini-los como contranatura), entre os quais se contam a crescente aproximação entre Israel e a Turquia, a pretexto da instalação do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan e da sua futura ligação ao de Ashkelon-Eilat (questão sobre a qual já aqui me debrucei), que já estará a revelar efeitos a nível militar segundo um artigo recentemente publicado pela GLOBAL RESEARCH.

A crer na existência de um “acordo militar” entre os EUA, Israel e Turquia, a proposta de cessar-fogo dificilmente aprovada pela ONU que prevê a instalação no sul do Líbano de uma força de interposição (UNIFIL) com a possibilidade de incluir soldados turcos, poderá ficar ainda mais longe de constituir um elemento de estabilização e assistir-se à repetição de uma situação de impotência no desempenho da missão, como a que se registou nos Balcãs, com a agravante de virmos a assistir a um novo surto belicista e à sua propagação para a Síria e o Irão, conforme há vários vem sendo defendido e planificado no Pentágono.


[*] (loc.lat.) duvidando, chegamos à verdade

sábado, 12 de agosto de 2006

POR MAIS QUE SEJA SANTA, A GUERRA É A GUERRA!

Duas semanas volvidas, eis que na sua habitual crónica semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Vasco Graça Moura retoma a defesa das teses sionistas (a utilização do termo não pode ser abusiva uma vez que é o próprio autor que intitulou o seu trabalho de «As lembranças de Sião»). Depois de ler e reler o texto várias vezes (não pela sua novidade nem pela sua densidade filológica) logo o assinalei como merecedor de referência neste espaço. Mentalmente referenciei algumas das questões a debater, após o que continuei com as minhas habituais leituras.

Tinha pensado procurar aqui esclarecer algumas das afirmações produzidas, com as quais Vasco Graça Moura habilmente procura cobrir de candura as estratégias judaicas e de opróbrio e vilania as actuações de palestinianos e árabes. Assim, a pretensa benemerência com que os dirigentes judaicos aceitaram as primeiras propostas de distribuição territorial (em 1937) resultou não de um arreigado sentimento de concórdia mas do facto daquele grupo não representar sequer 30% da população do território; por outro lado a recusa das propostas britânicas para regular questões como a distribuição da terra e a chegada de novos imigrantes tanto foi assumida pelos árabes como pelos judeus e o recurso à violência foi praticado por ambas as partes (se assim não tivesse sido com explicará Vasco Graça Moura a criação do Irgun e do Stern, grupos guerrilheiros que se cindiram do Aganah por discordarem dos seus métodos demasiados brandos quer relativamente aos ingleses quer aos árabes e que se distinguiram por inúmeros actos de terrorismo contra estes).

Outro evidente “branqueamento” despudoradamente praticado por Vasco Graça Moura é quando omite a forma como foi criado o estado de Israel. Contrariando a pretensão da ONU de criar dois estados (um judeu e outro palestiniano) os judeus declararam unilateralmente o estado judaico, assim contribuindo (se é que não o fizeram intencionalmente) para o primeiro ataque em forma desencadeado pelos estados árabes vizinhos e em consequência do qual Israel iniciou o primeiro processo de anexação de novos territórios aos palestinianos. Fortalecidos com o constante fluxo imigratório (situação que Vasco Graça Moura também adultera quando refere a forma como os estados árabes instalaram os refugiados palestinianos nos seus territórios – criando campos de refugiados que ainda hoje existem – mas esquece de mencionar que os judeus oriundos dos países árabes e do leste europeu eram (são) “colocados” nos colonatos mais afastados e com piores condições de vida) e o não menor e regular fluxo financeiro oriundo das ricas comunidades judaicas instaladas na Europa e nos EUA, os dirigentes israelitas de pronto iniciaram um processo de armamento intensivo, que culminou com a constituição do seu próprio arsenal nuclear, constituindo actualmente um dos mais importantes parceiros militares dos EUA e o destino do mais sofisticado equipamento militar por este produzido.

Porém, no dia seguinte deparei-me, no mesmo jornal, com um texto assinado pelo Prof. Rogério Fernandes Ferreira que responde muito melhor que eu o conseguiria fazer ao que na véspera escrevera Vasco Graça Moura.

Além de recomendar vivamente a sua leitura, aqui deixo algumas curtas citações:

«As ocorrências de conflitos armados são descritas tendenciosamente, favorecendo-se assim a deflagração ou o desenvolver de guerras.

[…] Quem, realmente, quer a paz esforça-se por a encontrar. Conceber e concretizar guerras não é conceber paz.

Culpa-se da guerra o outro lado (pois, nós, temos razão). Nós queremos o legítimo (o que é nosso). O que é nosso? O nosso é o que defendemos, o que queremos tirar aos outros ou o que os outros nos querem tirar a nós.

[…] Ainda não se condenam os crimes dos vencedores, dos mais fortes. Até persiste o mito de considerar mais heróis os que mais matam.»

que a todos recomendo terem em mente quando lerem ou ouvirem algo sobre o que se está a passar, ou se passou, no conflito israelo-árabe.

Como um dia Fausto Bordalo Dias bem escreveu «… por mais que seja santa a Guerra é a Guerra», estou seguro que em nenhum conflito existem em qualquer dos lados apenas santos ou pecadores, heróis ou cobardes, mas tão somente Homens que desejam sobretudo viver… Assim, continuo convicto que não será com contribuições como mais esta de Vasco Graça Moura que algum dia se conseguirá construir uma paz efectiva no Médio Oriente ou em qualquer outra região do Mundo e que por mais utópico que seja Rogério Fernandes Ferreira, é seguindo-o que poderemos construir um Mundo melhor.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

É INDISPENSÁVEL REPENSAR O ENSINO EM PORTUGAL

Quando consultava os resultados dos exames de 2ª época do 12º ano e pensava quantas frustrações e quantos alunos com bom potencial estaríamos a desperdiçar, veio-me à memória um artigo no LE MONDE que li há uns dias sobre o ensino superior em França.

Nele o autor, Yves Mény, presidente do Instituto Universitário Europeu de Florença, reflecte sobre um conjunto de questões que, aparentemente específicas do sistema de educação francês, acabam por ser comuns a muitos outros países. Lá, como cá, também os jovens são confrontados com um apertado (não confundir com rigoroso) sistema de admissão nas escolas superiores, facto que conduz a uma forte probabilidade de ingresso numa escola e num curso não pretendido, quando não à pura e simples eliminação de jovens com potencial.

Outro ponto comum prende-se com uma gritante falta de investigação no meio académico e a escassez ou debilidade dos quadros docentes, situação que entre nós é ainda mais gritante no caso das escolas situadas fora dos principais centros académicos. Por último, também em Portugal se revela gritante a falta de prestígio da maioria das escolas superiores.

Assim, os nossos futuros quadros além de terem que se confrontar com escolas materialmente mal dotadas, ainda têm que ultrapassar uma dificuldade adicional – a falta de professores que constituam verdadeiros referenciais de conhecimento, experiência e ética. A este respeito recordo muitas vezes as palavras de um antigo colega de trabalho, que um dia me confidenciava que para sua grande mágoa nunca tivera como professor, durante os anos que passara na universidade, alguém que constituísse um verdadeiro referencial, alguém a quem pudesse atribuir o título de MESTRE.

Atente-se que quando refiro falta de experiência e de investigação no meio académico estou fundamentalmente a pensar na transposição de sólidas experiências do meio profissional para as escolas (por via de professores com práticas conceituadas) e da adequação entre a investigação puramente teórica e aquela que o mundo profissional exige.

Não se deduza daqui que as escolas superiores nacionais estarão totalmente desprovidas de docentes qualificados. Neste capítulo a análise terá de ser feita escola a escola (e curso a curso), mas não tenho qualquer sombra de dúvida que fora do ambiente académico estão muitos excelentes profissionais cujos conhecimentos práticos, pelas mais variadas razões, não são aproveitados nem difundidos.

Por razões sobejamente conhecidas a maior parte das escolas superiores portuguesas acabam por cumprir apenas a função de formar os quadros superiores do Estado (incluindo as carreiras puramente políticas) acto que além de limitado, em pouco ou nada contribui para a introdução de novas mentalidades renovadores – quer no Estado quer nas escolas – e assim se tem vindo a perpetuar um modelo de ensino que cada vez mais retorna ao muito criticado modelo medieval do “magister dixit”. Desprovidos de evidentes e treinadas capacidades críticas, os futuros gestores e os futuros professores portugueses dificilmente reunirão as condições mínimas que permitam a curto prazo quebrar este ciclo de (de)formação. Esta questão é tanto mais importante quanto regularmente continuamos a assistir à publicação de estatísticas, estudos e inquéritos que colocam a mão-de-obra nacional entre a que apresenta menores níveis de formação no espaço comunitário.

Enquanto persistirmos em gerir questões de interesse geral e nacional sob uma perspectiva de interesse de classe profissional, enquanto continuarmos a assistir ao constante movimento de revisões curriculares (a ritmo igual ao que assistimos à mudança de ministros da educação), enquanto tivermos governos que continuam mais interessados nos resultados estatísticos que na efectiva aplicação de políticas de ensino que incrementem os níveis de conhecimento e de práticas pedagógicas que os jovens entendam e que valorizem o factor trabalho e esforço de aprendizagem, dificilmente romperemos este círculo vicioso e apenas muito remotamente alguém de boa fé poderá pensar em o ver melhorado.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

PORQUE NÃO?

Segundo noticiava hoje o PUBLICO, o Chade e o Sudão acordaram na normalização das relações diplomáticas e económicas, pondo assim fim ao diferendo que em várias ocasiões esteve em risco de incendiar ainda mais aquela região do continente africano.

Notícia importante, como acontece com qualquer anúncio de normalização de relações entre países vizinhos desavindos, a da reunião entre os presidentes Omar el-Béchir (sudanês) e Idriss Deby Itno (chadiano), é-o ainda mais quando o anfitrião e promotor da iniciativa foi o líder líbio Muammar Kadhafi.

De ex-terrorista (agora completamente emendado, como dizia Almada Negreiros a propósito do bispo de Beja) a promotor da paz regional, Kadhafi ainda se arrisca a engrossar a lista de ilustres congéneres galardoados com o Prémio Nobel da Paz (Menachem Begin, ex-primeiro-ministro de Israel e ex-terrorista do Irgun responsável pelo atentado contra o Hotel King David de que resultou a morte de cerca de 90 ingleses; Yasser Arafat, ex-líder da Autoridade Palestiniana e fundador da Fatah, responsável por inúmeros atentados contra interesses israelitas, e líder da OLP) .


domingo, 6 de agosto de 2006

O CEDRO DESTRUÍDO?

Para quem alimentou esperanças que a solução do conflito israelo-libanês pudesse residir na ONU as últimas notícias deixam muito poucas expectativas.

Após o anúncio de um pré-acordo entre franceses e americanos sobre o texto de uma resolução a aprovar por aquele organismo prevendo um cessar-fogo duradouro, rapidamente começaram a surgir reacções das partes envolvidas no conflito. De Israel chegaram, pelo voz de alguns ministros, notícias da a satisfação por a resolução permitir a continuação dos bombardeamentos até à instalação de uma força internacional de interposição, enquanto responsáveis libaneses se manifestaram contra o texto por não fazer qualquer referência à necessidade da retirada das tropas israelitas.

Mantendo a tónica que já vem sendo comum, a imprensa ocidental desvaloriza as reacções libanesas por serem originadas de personalidades pró-Hezbollah. Contrariando esta tese o PUBLICO noticiou hoje que o primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, já informou a secretária de estado norte americana, Condoleezza Rice, que o acordo terá que prever a retirada das tropas israelitas do território libanês.

Colocados (novamente) perante um cenário de prolongamento de um conflito, com os dois contendores responsabilizando a outra parte pelo seu início, cujas principais vítimas têm sido as populações civis e do qual tudo indica irá resultar nova situação de ingovernabilidade (política e económica) do Líbano, a comunidade internacional continua a revelar uma absoluta incapacidade para o arbitrar. Como muito bem hoje refere Eduardo Dâmaso no editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS tudo isto não passa do «…insuportável reflexo do cinismo e da incapacidade da comunidade internacional em lidar com o conflito israelo-árabe há mais de 50 anos…», mas pior ainda é a evidência de se continuar a querer negociar um acordo sem a intervenção directa das partes beligerantes.

Mesmo considerando que Israel alega estar a travar este conflito para libertar os seus soldados capturados e para desarmar o Hezbollah e que este partido libanês foi incluído pelos EUA na lista das organizações terroristas mundiais (por proposta de Israel e à semelhança do que fizeram com o movimento palestiniano do Hamas), haverá sempre a hipótese de sentar à mesma mesa os governos de Israel e do Líbano (no qual o Hezbollah participa).

Só que esta solução não agrada a demasiados intervenientes neste imbróglio. Israel quer manter liberdade de acção até considerar que aniquilou o Hezbollah e tem o forte apoio de uns EUA em cujo governo pontuam bom número de defensores do princípio do «caos construtor» que são já responsáveis por outras iniciativas armadas de duvidosa fundamentação e com resultados pouco menos que desastrosos. Por outro lado o Hezbollah (seja em cumprimento de uma agenda política própria seja em benefício de terceiros) não deixará de aproveitar qualquer interrupção nos combates para fortificar a sua posição interna (e entre os países árabes) e para clamar nova vitória sobre Israel.

Talvez por tudo isto já se começaram a fazer ouvir vozes israelitas contestando a opção do governo por mais esta invasão (perdão, na terminologia judaica esta é apenas mais uma guerra defensiva) e chamando a atenção que existem fortes probabilidades do Hezbollah sair mais forte deste conflito. Os discordantes apontam ainda outras fragilidades ao governo de Ehud Olmert, nomeadamente o facto de ter aberto as hostilidades de forma impreparada, de ter pretendido aniquilar o Hezbollah mediante o recurso a intensos bombardeamentos aéreos e não ter de imediato chamado ao activo os militares reservistas mais experientes.

No lado libanês as coisas não se apresentam nem mais claras nem mais simples. O governo liderado por Fouad Siniora (um muçulmano sunita, ex-ministro das finanças e muito próximo do ex-primeiro-ministro assassinado Rafik Hariri, tido como anti-sírio, pró-ocidental e defensor do comércio livre) consiste numa coligação de partidos pelo que dispõe de um campo de manobra reduzido em matérias sensíveis como esta. O Hezbollah, de matriz xiita, não constituindo a maior força política acaba por ser talvez a que dispõe de melhor organização (mantém activa uma forte milícia) e seguramente de importantes apoios externos.

O desenrolar do conflito e a generalização dos bombardeamentos israelitas têm sobrelevado o papel deste grupo, não só porque militarmente são os únicos a fazer frente ao avanço israelita, mas porque, face à inoperacionalidade do governo, constituem em muitos locais o único apoio das populações; o crescimento do apoio popular ao Hezbollah poderá, como muito bem lembram personalidades israelitas, acabar por constituir uma vantagem futura seja numa situação de cessar-fogo, seja após um eventual acordo de paz.

Por último uma referência que deveria ser aproveitada para pressionar os termos de um acordo. O problema não se pode cingir a um cessar-fogo entre Israel e o Líbano, nem a um eventual acordo de paz entre os dos países, pelo menos enquanto continuar por resolver a difícil questão palestiniana. Também aqui o cerne da questão está no facto de Israel entender dispor de todos os direitos para intervir a seu belo prazer nos territórios palestinianos e de, inclusive, prender membros do governo e do parlamento palestiniano (ainda este sábado à noite foi preso Aziz Doweik, em Ramallah, na Cisjordânia, membro do Hamas e presidente deste parlamento) ainda e sempre sob a alegação de pertencerem a um movimento “terrorista”.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

NO BLOOD NO FOUL

Com quase todas as atenções voltadas para Israel e o Líbano, outras importantes questões vão passando mais despercebidas. Entre estas conta-se o relatório da Human Rights Watch sobre o tratamento aplicado aos prisioneiros do exército americano no Iraque.

Na memória de todos estão ainda os acontecimentos em Abu Ghraib, amplamente documentados e que até já originaram a condenação de alguns soldados, porém o que aquela ONG agora veio documentar, não sendo uma novidade absoluta, é muito mais grave. De acordo com os testemunhos recolhidos junto de militares norte-americanos, a prática de maus-tratos aos prisioneiros iraquianos longe de constituir actos isolados é uma prática regular e estimulada pela estrutura de comando.

Além das “instruções” transmitidas aos soldados encarregues da custódia e dos interrogatórios, onde pelo menos é grande a “pressão” para a obtenção de resultados, há quem refira a participação em “acções de formação” com advogados que explicitamente defendiam a não aplicação do estatuto de prisioneiros de guerra aos detidos, nem dos princípios previstos na Convenção de Genebra e, pior ainda, a própria estrutura de comando ignorava as objecções levantadas por alguns dos soldados.

De acordo com o relatório citado a prática de maus-tratos poderia ir da simples privação de sono a outras formas mais sofisticadas como a da sujeição dos presos a grandes amplitudes térmicas, a obrigatoriedade de prática de continuados exercícios físicos, até à utilização de cães como método de aterrorização. Estas práticas estendem-se por vários locais, sendo Camp Nama, situado na zona do aeroporto de Bagdad, um dos mais activos e nelas se têm destacado várias unidades militares americanas.

A publicação no final do mês passado destas conclusões constitui apenas mais um dado para um melhor entendimento de como se tem desenrolado a vida no Iraque após a invasão norte-americana. Não que a prática reiterada de violações à legalidade internacional pelas forças ocupantes constitua uma verdadeira novidade, nem que a mesma possa, isoladamente, justificar o clima de violência descontrolada que grassa naquele país, mas que somado este dado a muitos outros sinais, como:

  • a manifesta incapacidade dos sucessivos governos iraquianos e do exército americano para reduzir a violência entre xiitas e sunitas;
  • a generalização da prática da corrupção aos mais diversos níveis do governo iraquiano, dado que um recente relatório norte-americano avalia em 4 mil milhões de dólares desviados dos fundos para a reconstrução do país, e envolvendo empresas americanas (ver Questions About 'Missing Billions' in Iraq);
  • o aparecimento em Bagdad de “grafittis” da Nação Ariana, um dos mais conhecido grupos supremacista branco americano, já confirmado pelo Pentágono e que segundo a Southern Poverty Law Center (organização que investiga este tipo de grupos), revelou «… neo-nazis e outros extremistas estão a entrar para as instituições militares em grande número para conseguir o melhor treino em armas, tácticas de combate e explosivos. Devíamos considerar isso como um problema grave de segurança: essas pessoas estão motivadas por uma ideologia que apela à guerra e revolução raciais»;

poderá ajudar a melhor entender aquela realidade.

O avolumar dos sinais preocupantes já começa a ser reconhecido até por quem menos se espera. Este é o caso do diplomata inglês, William Patey, que acaba de deixar as funções de embaixador no Iraque e que segundo a BBC terá informado o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, que vê como mais provável a eclosão de uma guerra civil de “baixa intensidade” e a fragmentação do Iraque do que o consolidação de um processo democrático naquele país. Esta opinião ganha ainda maior peso quando o comandante-chefe para o Médio Oriente, General John Abizaid, e o número 1 da Junta dos Chefes de Estado-maior, o General Peter Pace, corroboraram esta tese durante uma sessão da Comissão das Forças Armadas do Senado realizada no passado dia 3 de Agosto.

Agora que George W Bush e Tony Blair já não dispõem de uma figura como a de Al Zarqawi para responsabilizarem pelo clima de violência, sobre quem irão lançar as culpas?

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

PORQUÊ O SILÊNCIO?

Quase não se ouviu (ou leu) uma palavra que fosse. Imagens, nada! No entanto não há dia que não surjam novidades sobre o Médio Oriente.

A par com os recentes bombardeamentos israelitas da cidade libanesa de Canaã, que terão morto cerca de 60 pessoas, mais de 50% das quais crianças, cuja responsabilidade o governo de Telavive enjeita, sob o argumento que terá sido o Hezbollah a iniciar as hostilidades, eis que surgiram notícias sobre outras consequências dos intensos e indiscriminados bombardeamentos israelitas.

Além do elevado número de civis mortos e feridos pelos “raids” aéreos e pelos bombardeamentos e de quase 1 milhão de desalojados, Israel está também a ser responsabilizado pelo derrame no Mediterrâneo de cerca de 15.000 toneladas de ramas petrolíferas em resultado do bombardeamento da central termoeléctrica de Jiyeh, no passado dia 14 de Julho Segundo uma ONG libanesa, a Green Line, um dos seis reservatórios de combustível daquela central eléctrica, que se situa a escassos 25 m do mar, está a arder e é responsável pela nafta até agora derramada; quatro já arderam integralmente e o sexto (subterrâneo) corre ainda o risco de vir a explodir.

Yacoub Sarraf, um dos ministros do governo libanês, já confirmou que «cerca de 15.000 toneladas de “fuel” se derramaram no mar e é incontestavelmente a maior catástrofe que o Mediterrâneo já conheceu». Segundo a página da ACTUALITÉS NEWS ENVIRONNEMENT, entre 8.000 e 10.000 toneladas já se terão depositado nas costas libanesas, enquanto as restantes 5.000 ter-se-ão espalhado pelo mar. Aquele responsável lembrou ainda que «[a]té agora os grandes acidentes ecológicos ocorreram em oceanos, esta é a primeira vez que uma maré negra se regista num mar. É preciso não ter ilusões, arriscamo-nos a sofrer consequências terríveis, não apenas no Líbano mas em todos os países do Mediterrâneo oriental» e dada a dimensão da catástrofe o governo libanês já pediu auxílio à comunidade internacional.

Segundo noticia a RADIO SUISSE ROMANDE o custo da limpeza da maré negra, que já atinge cera de 1/3 da costa libanesa, é estimado entre 45 e 50 milhões de dólares. Inviabilizada qualquer hipótese de actuação enquanto durar o bloqueio marítimo imposto por Israel, a maré negra tende a alastrar, não sendo de excluir a hipótese desta vir a atingir as costas de Chipre, Síria, Turquia, Grécia e, cúmulo da hipocrisia, mesmo Israel.

Também a GREENPEACE comenta esta situação e recorda que a costa libanesa é de vital importância para a reprodução de espécies em vias de extinção como a tartaruga verde, mas porque os grandes órgãos de comunicação internacional nem uma palavra dedicaram à questão aqui ficaram algumas imagens.