segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES

Perante as notícias que a imprensa tem divulgado nos últimos dias[1] ainda haverá quem pense que o acontecimento do ano não foi a chamada crise do “subprime”?

Despoletada em meados de Agosto, tratada pelos especialistas como uma mera crise de liquidez originada no incumprimento das famílias norte-americanas menos preparadas financeiramente para acompanhar a subida dos juros do crédito imobiliário, tem vindo a ser alvo da aplicação de medidas paliativas pelos bancos centrais. Mês após mês, semana após semana, temos assistido a sucessivas injecções monetárias dos bancos centrais (FED, BCE, Banco de Inglaterra, etc.) e até à redução de taxas directoras (como fez o FED), mas, como dizem os especialistas, os mercados continuam a revelar pouca confiança e a fazer subir regularmente as taxas interbancárias, porque fundamentalmente os banqueiros sabem perfeitamente que a crise está longe de ser um fenómeno conjuntural e, desconhecendo o risco assumido pelos seus parceiros de actividade optam por aumentar as taxas e reduzir os montantes disponíveis no mercado interbancário.

Os analistas que se limitam a observar a superfície do problema classificam-no como uma crise de confiança e, zelosos discípulos dos sacrossantos princípios do mercado, insistem em que a curto prazo tudo voltará à normalidade. A realidade, como temos vindo a assistir, é bem diversa e o que realmente teremos pela frente em 2008 será um cenário de crescente consolidação de uma crise. Isto mesmo já veio a reconhecer a Comissão Europeia, que no seu último relatório trimestral sobre a Zona Euro admite que a crise já chegou à economia real; ao reconhecer uma redução no crescimento das economias da Zona Euro o relatório mais não faz que deixar claro o logro que os analistas mais optimistas têm persistido em difundir, a quem nem o recurso às sucessivas injecções monetárias pelos bancos centrais parece ter convencido da dimensão e profundidade do problema.

Ao mesmo tempo que os bancos centrais vão injectando cada vez mais dinheiro no sistema financeiro, aumentaram o número de notícias sobre a fragilidade dos bancos mais expostos aos efeitos directos do incumprimento no imobiliário e até nomes sonantes como os do Barclays, do Morgan Stanley, do Bear Sterns, do Crédit Agricole e da UBS vão anunciando enormes prejuízos e nalguns casos a “entrada” de capitais chineses[2].

Numa economia cada vez mais globalizada e fortemente dependente do crédito não é de espantar que a difícil situação da economia norte-americana, muito fragilizada pela elevada dívida externa, pelos custos acrescidos com as intervenções militares no Afeganistão e no Iraque e pela elevada deslocalização do seu tecido produtivo para mercados com mão-de-obra mais barata, “infecte” rapidamente os seus parceiros comerciais, tanto mais que a apregoada sofisticação dos modernos instrumentos financeiros quase eliminou a possibilidade de uma adequada avaliação dos riscos subjacentes.

Embora muitos especialistas considerem que se deve a essa mesma sofisticação (na prática traduzida numa maior dispersão do risco) o facto das crises mais recentes terem sido ultrapassadas sem os efeitos desastrosos como os que se registaram durante a Grande Depressão, ainda estamos longe de podermos garantir que o mesmo ocorra com esta.

Seguro, é que em 2008 iremos assistir ao aumento das dificuldades de financiamento das empresas e das famílias, que na Zona Euro se deverão fazer sentir os efeitos de uma praticamente garantida recessão do consumo americano, através da redução das exportações, e que o primeiro semestre do novo ano servirá para confirmar, ou não, a tendência de crescimento da inflação e o mais temido dos cenários económicos para os teóricos da especialidade – a estagflação[3].

Perante este cenário, que me parece longe de se poder considerar utópico, resta-me recorrer a uma frase que há uns anos Raul Solnado contribuiu para popularizar: FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES...
___________
[1] Entre outras, publicadas em jornais nacionais e estrangeiros, ler:ECB lends $500bn to lower rates, BCE e FED anunciam novas injecções de liquidez no mercado, BCE injecta 348 mil milhões de euros no sistema financeiro, BCE injecta 348,6 mil milhões de euros no mercado monetário, Acção conjunta dos bancos centrais não acalma bolsas, Banco de Inglaterra disponibiliza 11.350 milhões de libras, BCE enche mercado de dinheiro e Euribor cai.
[2] Ver, por exemplo, La banque chinoise Citic forme une alliance avec l'américaine Bear Stearns, La Chine renfloue la banque Morgan Stanley, fragilisée par la crise des "subprimes", La crise des "subprimes" devrait coûter 1,6 milliard d'euros au Crédit agricole en 2007,
[3] Estagflação é um termo criado para definir uma situação em que se verifica a coexistência de elevado desemprego de factores económicos (estagnação) e de elevadas taxas de inflação.

domingo, 30 de dezembro de 2007

PEDRO ARROJA

As páginas da VISÃO trouxeram de volta, no seu último número (nº 773, de 27 de Dezembro de 2007), o homem que nos anos 90 disse (cito de memória) qualquer coisa tão importante quanto: «o intelectual que por vezes não escandalize, não está a cumprir o seu papel».

A par com este princípio, que além de irrefutável tem muito de libertário, Pedro Arroja (é obviamente dele que estou a falar) defendeu naquela época ideias tão escandalosas como a privatização de rios, da justiça e da educação (aliás para ele parece que tudo se resolveria desde que privatizado), polemizou (e polemiza) sobre os principais temas da actualidade numa extensa entrevista que aquela publicação titulou sob a ideia de que a democracia tem destruído a autoridade.

Como é habitual nele, Pedro Arroja continua a revelar notáveis capacidades de análise das situações (por exemplo na atribuição da principal responsabilidade da actual situação do país a uma crise cultural) mas, da mesma forma, continua a pecar nas conclusões que delas extrai. A aparentemente correcta distinção que estabelece entre os arquétipos culturais e organizacionais das tradições católicas e protestantes é concluída pela insustentada tese de que tudo se resolveria com um acréscimo de autoridade, que no caso concreto significa a instauração de um novo regime autoritário em Portugal.

Como grande número de ideólogos e outros bons pensadores, todos os problemas se resolveriam se toda a gente fizesse o que eles dizem, mas raramente (ou nunca) o que os outros pensam.
Mesmo reconhecendo a Pedro Arroja alguma centelha (e até a coragem para formular questões incómodas) é quase impossível aceitar a forma quase tacanha como responde a todas as grandes questões. Por exemplo, quando confunde autoridade com autoritarismo, a ponto de na oportunidade em que advoga a restauração das “autoridades naturais”, algo que até o poderia conduzir a preconizar um «governos dos melhores», acabar por defender regimes como os de Salazar ou Pinochet…

Até para os menos atentos se torna particularmente evidente que ao longo de todo o seu discurso está sempre presente a ideia autocrática do «quero, posso e mando», muito ao jeito daquela célebre frase atribuída a Luís VIX: «O Estado sou eu», principalmente quando a páginas tantas diz, em resposta à questão sobre se pretende, ou não, envolver-se na política, que não o fará «…num regime democrático. Porque nunca poderia fazer aquilo que julgo necessário para o País. Se eu visse que tinha possibilidade, de ser eleito e de ter os poderes que são necessários para endireitar o País...» e continua esclarecendo que esses poderes deveriam ser «[b]astante mais dos que tem hoje o primeiro-ministro. Não é tanto uma questão de poderes, mas de clima de opinião pública. Esse clima vai chegar, não em relação a mim, mas a outra pessoa. ‘Precisamos de alguém que ponha isto na ordem’. Se eu sentisse este clima, entrava na política. «…» Transmitia a ideia de autoridade. Aqui quem manda sou eu

Há muito que conheço, e aprecio, a faceta irreverente de Pedro Arroja, mas esta mensagem tão declaradamente sebastianista constituiu para mim uma novidade, a par com a evidente sensação de que nela veste apenas a pele de um S. João Baptista…

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

BENAZIR BHUTTO

A ex-primeiro-ministro paquistanesa faleceu hoje vítima de um atentado quando abandonava o local onde realizara um comício do seu partido, o PPP (Partido do Povo Paquistanês), preparando as eleições que deverão realizar-se no próximo mês de Janeiro.

Condenação aparte (algo que os políticos mundiais, dos mais diversos quadrantes, já se apressaram a fazer), importa avaliar quem beneficia com o acto.
O primeiro e mais óbvio beneficiado é Pervez Musharraf, não só porque ficará mais facilitada a sua perpetuação no poder, como porque vê justificada a decisão que tomou no passado mês de Novembro de instaurar o estado de emergência e de decretar a prisão domiciliária de Benazir, justificada na altura como medida de protecção à sua vida; o segundo será Condoleezza Rice e a administração Bush que assim vêm resolvida a disputa entre Musharraf e Benazir que eles próprios fomentaram (a este respeito ver o que então escrevi aqui); o terceiro poderá ser o movimento taliban que mantendo elevado o nível de instabilidade no Paquistão assegura melhor ambiente para a organização da resistência no vizinho Afeganistão, enquanto o quarto será Nawaz Sharif, também ele ex-primeiro-ministro, líder da PML (Liga Muçulmana do Paquistão) e adversário tradicional de Benazir, que veio de pronto apelar ao boicote às próximas eleições.

Se a ordem dos beneficiários pode ser alvo de discussão já o mesmo não acontecerá na escolha do principal prejudicado. Esse, vai ser seguramente o povo paquistanês e as parcas hipóteses de introduzir alguma pacificação na região, porque a prática tem demonstrado que com os militares na condução dos destinos do país tal esperança é cada vez mais vã.

OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS

Em face do que aconteceu ao longo deste ano de 2007, que quase se iniciou com a realização de um segundo referendo sobre a questão do aborto, decorreu sob o signo da polémica em torno da localização do NAL e terminou com a regulamentar passagem de Portugal pelo papel de presidente da União Europeia e a aprovação e assinatura do Tratado de Lisboa, um dos factos que mais terá marcado o ano foi sem qualquer sombra de dúvidas o BCP e as movimentações em torno da sua gestão.
De um início forte e tão dominador que entendeu lançar uma OPA sobre o BPI, o banco de que Jardim Gonçalves foi um dos fundadores apresta-se a iniciar o próximo ano com a subida à direcção de um gestor público; se este cenário tivesse sido conjecturado por qualquer dos conselheiros do grande banqueiro, seria seguramente acompanhado da exclamação - OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS!!!

Mas na realidade parece que é isso mesmo que se prepara para acontecer, não como reflexo da loucura dos deuses, mas como evidente consequência da loucura dos homens... daqueles que, instalados nas confortáveis cadeiras do conselho de administração do maior banco português, se julgaram senhores todo-poderosos e além do clamoroso erro de avançarem para uma “guerra” com o BPI ainda o fizeram no que se viria revelar uma posição de grande fragilidade. Fragilidade porque não revelaram argumentos para persuadir os oponentes à “rendição” e acabaram por expor os seus próprios erros de gestão, com a agravante de revelarem práticas totalmente desprovidas de ética e que deveriam ditar, no mínimo, a suspensão da cotação em bolsa[1].

Afastado Paulo Teixeira Pinto, o delfim que Jardim Gonçalves impusera, tornados públicos os escandalosos perdões de dívidas (a accionistas especiais – Goes Ferreira – e ao próprio filho de Jardim Gonçalves[2]), os negócios pouco claros que rodearam algumas das operações de aumento de capital (com o próprio banco a financiar sociedades offshore para assegurar o sucesso e o controlo das novas acções), seguiram-se os rocambolescos episódios das assembleias gerais e o crescente desprestígio do fundador atinge os mínimos quando a “generosa oferta de fusão” proposta pelo BPI e que se apressara a apadrinhar é recusada pelos grandes accionistas.

Nas vésperas de mais uma assembleia geral, com a qual se pretenderia abrir o novo ano e talvez um novo período na vida do banco, eis que surge a CMVM[3] a confirmar a ilegalidade de algumas práticas de gestão e o Banco de Portugal a aconselhar a anulação da já anunciada recandidatura de Filipe Pinhal, o sempre fiel compagnon de route de Jardim Gonçalves, e de Christopher de Beck.

Apadrinhada pelos principais accionistas, entre os quais se conta Joe Berardo, a mais recente descoberta mediática nacional, deverá surgir a candidatura do actual presidente do conselho de administração da CGD, Carlos Santos Ferreira, para o lugar que Filipe Pinhal deixará vago. Como em qualquer “thriller” hollywoodesco enquanto o centro do drama é ocupado pela disputa em torno da cadeira do número um do conselho de administração, outros pequenos dramas se vão desenrolando à sua volta.[4]

Da imaginação dos intervenientes resultará a qualidade do produto final, mas para já não tenho qualquer dúvida em atribuir a todo este imbróglio o título de acontecimento do ano, não tanto pela dimensão e efeitos colaterais que possa ter, mas principalmente por revelar a forma manifestamente desadequada como funciona o universo empresarial nacional.
___________
[1] Importa lembrar que a responsabilidade do acto é muito maior face ao facto do BCP se encontrar cotado no mercado de Nova Iorque e as repercussões que daí poderão advir ainda não são conhecidas.
[2] Sobre estas questões ver os posts: BCP ANULA DÍVIDA DE FILHO DE JARDIM GONÇALVES e CONTINUA A SAGA NO BCP, que por sua vez remetem para fontes consultadas na época
[3] CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é o organismo público português que tem poderes para regular e supervisionar todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários e a actuação dos diversos integrantes do mercado. (in Wikipedia)
[4] A realidade, no panorama nacional, ultrapassa em muito a figura de estilo da ficção cinematográfica aqui utilizada. Vejam-se as múltiplas notícias que vão surgindo sobre as “negociações” em torno da escolha de Carlos Santos Ferreira e recorde-se que a sua saída da CGD irá obrigar à nomeação de uma nova administração para aquele banco público, pelo que até lá vai ser muito concorrida a “dança de cadeiras” que sempre ocorre nestas circunstâncias.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

ISTO É UMA ESPÉCIE DE CONTO DE NATAL

Haverá época mais apropriada à efabulação que a do Natal?

Talvez não… e talvez tenha sido isso que pensaram os responsáveis do jornal moscovita KOMMERSANT quando há uns dias divulgaram com especial relevo o conteúdo de um relatório produzido pelo
CSIS (Centro de Estudo Estratégicos Internacionais)[1] sobre «Os cenários alternativos do desenvolvimento da Rússia», da autoria de Andrew C. Kuchins[2], notícia de que o COURRIER INTERNATIONAL se fez eco.

Fábula ou arrojado exercício de previsão, o certo é que entre os cenários previstos figura realmente a hipótese de ocorrer na madrugada do dia 7 de Janeiro (data em que se celebra o Natal ortodoxo) o assassinato de Vladimir Putin. O realismo do cenário vai ao ponto de assegurar que os autores do crime nunca serão identificados (no ar paira a possibilidade de uma coligação de esforços e interesses entre a guerrilha chechena e o oligarca[3] exilado em Inglaterra Boris Berezovsky[4]) e que na sua sequência suceder-se-á uma grande agitação popular e um período de repressão sangrenta.

Segundo Kuchins esta agitação e a derrocada da Bolsa impedirão o planeado processo de transmissão de poderes a Serguei Narychkine (o texto terá sido escrito antes das notícias que confirmaram Dmitri Medvedev, actual primeiro-ministro como o candidato presidencial do partido Rússia Unida, liderado por Putin e recente vencedor das eleições legislativas). A agitação encontrará alguma acalmia com a escolha do actual patrão dos caminhos-de-ferro, Vladimir Iakounine, para ocupar a presidência e a quem se deverá o fim das greves no sector petrolífero (mesmo com o recurso ao exército) e a condenação à morte de Valentina Matvienko e de Iouri Loujkov, presidente das câmaras de São Petersburgo e de Moscovo, respectivamente, mas só terminará efectivamente em 2016 quando o liberal Boris Nemtsov conquistar o Kremlin com a ajuda de Mikhail Khodorkovski[5], o antigo patrão da Yukos entretanto libertado da prisão.

Esta previsão contraria frontalmente a imagem que a imprensa ocidental tanto se tem esforçado por transmitir nos últimos tempos, a de um Putin no perfeito controlo de todas as peças no complicado tabuleiro que é o xadrez da política em qualquer canto do Mundo e ainda mais quando o país em questão é um dos grandes exportadores mundiais de energia e aspira a um lugar de destaque na cena internacional.

É certo que os processos governativos e eleitorais na Rússia moderna não primam pelos padrões de maior transparência e lisura, mas também quem se pode espantar quando isso mesmo ocorre nos que se auto intitulam como as maiores democracias?

Aliás, o cenário criado por Kuchins tem tanto de mirabolante quanto de exequível e nem sequer constitui o que se poderá chamar de original. Na essência pode até revelar-se substancialmente perigoso. Como?

Admitindo que este possa representar uma manifestação de um subconsciente dos que no Ocidente sempre reconheceram o perigo da existência de uma liderança forte na Rússia (para o pior e o melhor para muito americanos o “perigo” continua a vir da Rússia) e que o que mais desejam é a fragmentação desse poder e a redução da sua influência em regiões tão estrategicamente importantes como as produtoras de petróleo, nada melhor que algo que fizesse desaparecer aquele que melhor tem prefigurado o renascimento do “urso russo”. E se no Kremlin houver quem acolha a sugestão?

Seria esta a primeira vez que um líder mais ou menos autocrático simularia um atentado fracassado contra a sua própria vida? Quem já esqueceu o aproveitamento que Hitler fez do incêndio do Reichstag em 1933, quando uma pronta acusação aos comunistas determinou o início de um processo de prisões ou “atentado” contra Salazar, ensaiado em 1937 e fundamentalmente serviu para intensificar as perseguições e prisões dos seus opositores políticos?

Imbuído do espírito de perfeita isenção (e porque não dizê-lo, também muito enquadrável na quadra festiva) e enquanto opinião contra esta hipótese de “aproveitamento” da ideia, deixo a perspectiva de um especialista russo, Igor Bunin para o qual o cenário elaborado por Kuchins não tem aplicabilidade uma vez que os conservadores de direita do Kremlin estão ofuscados pelo seu enriquecimento pessoal e não parecem tentados por um extremismo político mais característico da América Latina.

A confirmar-se este ponto de vista, ou a hipótese de um atentado simulado, estará garantida a perpetuação de Putin e do “presente” (a eleição do seu candidato presidencial, Medvedev) que este nos reserva para 2008, conforme o caricaturista Tiounine, presença habitual nas páginas do KOMMERSANT, os retratou.

______________________

[1] O CSIS é um “think tank” americano orientado para o progresso da segurança global e da prosperidade numa época de transformações políticas mediante a disponibilização de análises estratégicas e de soluções práticas para os governantes (in http://www.csis.org/about/). Na prática trata-se de um parceiro estratégico das administrações norte-americanas (dado o seu assumido carácter bipartidário, integra republicanos e democratas) que elabora análises prospectivas sobre questões internacionais.
[2] Andrew Kuchins é o director do departamento do CSIS do programa Rússia e Eurásia, ex-membro do Carnegie Endowment for International Peace, organismo onde além de director de idêntico departamento (Rússia e Eurásia) foi ainda director do Carnegie Moscow Center na Rússia. Exerceu funções nas Universidades de Stanford e Georgetown e é mais um produto da Johns Hopkins University.
[3] Oligarquia (do grego oligoi, poucos, e arche, governo) significa, literalmente, governo de poucos. No entanto, como aristocracia significa, também, governo de poucos - porém, os melhores -, tem-se, por oligarquia, o governo de poucos em benefício próprio, com amparo na riqueza pecuniária.
As oligarquias são grupos sociais formados por aqueles que detém o domínio da cultura, da política e da economia de um país, e que exercem esse domínio no atendimento de seus próprios interesses e em detrimento das necessidades das massas populares. (excerto de
Wikipedia)
[4]Boris Berezovsky é um empresário (doutorado em matemática) e político de origem judaica (tem nacionalidade russa e israelita) que beneficiou da liberalização pós-comunista, tornando-se imensamente rico e influente (daí a designação corrente de “oligarca”), sobretudo quando passou a integrar o círculo de poder em torno de Boris Yeltsin; foi um dos apoiantes iniciais de Putin, mas depois entraram em litígio, o que o levou a fugir da Rússia (o governo acusa-o de corrupção e fraude fiscal) e a procurar exílio na Inglaterra que lhe concedeu asilo político. Entre as suas actuais actividades conta-se uma parceria na Ignite!Learning (empresa de software educacional de que é sócio Neil Bush, o irmão mais novo de George W Bush); no capítulo judicial encontra-se envolvido num processo contra dois políticos ucranianos que acusa do desvio de 23 mil milhões de dólares que doara para a campanha da Revolução Laranja (sucessão de manifestações e desobediência civil, na sequência de eleições consideradas fraudulentas, que levaram ao poder o político pró-ocidental Viktor Yushchenko) enquanto é procurado pela justiça brasileira por causa do seu presumível envolvimento num caso de lavagem de dinheiro que inclui a empresa de gestão desportiva MSI (a MSI – Media Sports Investment é uma empresa formada por um grupo de investidores, com sede declarada na Inglaterra e presumivelmente propriedade de Berezovsky) e o clube de futebol Corinthians, de São Paulo.
[5] Mikhail Borissovitch Khodorkovski é um empresário e magnata russo, ex-proprietário da petrolífera YUKOS; encontra-se preso desde 2003 acusado de corrupção, fraude fiscal e fuga de divisas. Há semelhança de muitos outros oligarcas, beneficiou com as reformas pró-capitalistas e neoliberais de Gorbatchov e Ieltsin nos anos 1990, tornando-se um dos mais importantes membros da nova oligarquia de empresários e chegou a ser apontado como o principal rival do poder estabelecido no Kremlin e várias vezes especulou-se que o empresário seria candidato à presidência contra Vladimir Putin. (in Wikipedia, adaptado)

domingo, 23 de dezembro de 2007

PERIGOS DO COMBATE AO AQUECIMENTO GLOBAL

Concluída há uma semana a Conferência de Bali, com o relativo fracasso que constitui o facto de continuarem por quantificar os objectivos de redução das emissões de CO2, muito por responsabilidade do principal poluidor do planeta, os EUA, que persistem numa política autista sobre os riscos climáticos globais, nem por isso os países da UE desistiram de manter um papel interventivo nesta questão.

Alcançado um acordo que aponta para a necessidade de reduções importantes das emissões de carbono (a UE acabou por ceder aos interesses dos EUA em não verem especificado qualquer valor), a necessidade de combater as alterações climáticas e que fixou o final de 2009 como data para a conclusão de mais negociações, talvez a reunião de Bali possa ser entendida como um primeiro passo positivo no sentido do aprofundamento do Protocolo de Quioto, mas muito haverá ainda a fazer no sentido de consciencializar os mais variados governos do planeta para a necessidade de uma política concertada e eficaz de combate à poluição.

Conhecidas as principais causas do designado efeito de estufa – a poluição resultante da queima dos combustíveis fósseis – há que investir no desenvolvimento de fontes alternativas de energia, na medida em que será utópico (para não dizer irracional) pensar na implementação de um processo de “recuo tecnológico” que faça todo o mundo regressar aos tempos da energia animal. Mas como poderemos alimentar esperanças de uma efectiva melhoria neste capítulo quando países como a China (que segundo as previsões mais recentes deverá ultrapassar já em 2009 os EUA como maior poluidor mundial) alegando falta de meios continua a construir as altamente poluidoras centrais termoeléctricas a carvão e os EUA, que dispõem de tecnologias mais limpas, optam, por razões de estrita rentabilidade económica, por idêntica prática?

Enquanto a administração Bush, fortemente ligada aos interesses das companhias petrolíferas (facto inegável face às há muito conhecidas ligações da família Bush e do vice-presidente Dick Cheney àquele sector de actividade), continua arreigadamente a recusar a evidência dos prejuízos ambientais provenientes das emissões de CO2...


...ao contrário a EU, integrada num espírito mais ecológico, propõe-se legislar no sentido de penalizar os construtores de viaturas mais poluentes, talvez na expectativa de assim forçar um maior investimento na pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.

A medida poderá revelar-se positiva mas a notícia que li não esclarece se a Comissão Europeia se propõe aplicar essas penalizações apenas aos construtores europeus ou estendê-las a todos os fabricantes de viaturas comercializadas no espaço europeu; a diferença pode parecer pequena, mas quando se conhece a crescente tendência para a deslocalização (e mesmo a fabricação) de viaturas em países como a China e a Índia todas as explicações são importantes, até porque as medidas que têm sido tomadas nos países mais desenvolvidos, nomeadamente no capítulo dos biocombustíveis, correm bem o risco de acabar por degradar ainda mais a qualidade de vida nos países subdesenvolvidos.

Ao transformar culturas agrícolas em potenciais fontes alternativas de combustíveis não tardarão que aquelas vejam os preços internacionais disparar e, consequentemente, influenciar os custos com a alimentação, fenómeno que ganhará ainda maiores dimensões nos já depauperados países subdesenvolvidos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

BONS AMIGOS

Infelizmente não é apenas entre nós que as cliques no poder pensam que a memória das pessoas é curta e que o tempo tudo faz esquecer e perdoar. Pelo menos é o que se pode pensar ao ler-se a notícia que a administração Bush resolver atribuir novo cargo público a Paul Wolfowitz.

Como muito bem recorda a NEWSWEEK, fonte da notícia, cerca de três anos após Paul Wolfowitz (um dos principais ideólogos do movimento neoconservador e principal arquitecto da invasão do Iraque) ter renunciado ao cargo de subsecretário de estado da Defesa e decorridos seis meses depois da atribulada demissão da presidência do Banco Mundial (para onde fora nomeado pelo seu amigo George W Bush) – entre alegações de favorecimento e nepotismo – hei-lo de volta ao serviço público pela mão da Secretária de Estado Condoleezza Rice para a presidência da Comissão de Aconselhamento para a Segurança Internacional (International Security Advisory Board), órgão de consulta e aconselhamento de Rice sobre assuntos tais como, desarmamento, proliferação nuclear, armas de destruição em massa, etc.

As reacções, nos círculos próximos da administração e na cena política norte-americana, não tardaram, recordando o decisivo papel que Wolfowitz teve na farsa que conduziu à famigerada invasão do Iraque, facto que não parece incomodar agora Condoleezza Rice...

mesmo recordando que Wolfowitz estará muito bem acompanhado por nomes como os de Robert Joseph, ex-responsável no National Security Council pela investigação sobre as armas de destruição em massa do Iraque e de James Woolsey, ex-director da CIA no mesmo período e grandes aliados durante os debates que antecederam a invasão daquele país.

Felizmente, para Wolfowitz e os seus seguidores, a nomeação de que agora foi alvo não necessita de aprovação do Congresso.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

IMPORTA SE É OU NÃO UMA AMEAÇA?

Depois de no início deste mês terem sido publicados[1] os resultados de um relatório[2] do National Intelligence Council – organismo norte-americano que coordena a comunidade dos serviços de inteligência (vulgo espionagem) – que veio contradizer as teses incessantemente repetidas pela administração de George W Bush quanto à perigosidade do programa nuclear iraniano, estará definitivamente afastado o cenário de mais uma escalada bélica?

Além de confirmar que o Irão terá abandonado o programa nuclear para fins militares em 2003, o documento vem ainda reforçar a posição que a AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) e o seu director-geral, o egípcio Mohamed ElBaradei, vêm assumindo há algum tempo sobre esta delicada questão[3].

Confrontada com esta dura realidade a administração norte-americana prontamente alterou o teor do seu discurso, passando Bush a referir o perigo que constitui o facto do Irão possuir tecnologia que lhe permita a produção de armamento nuclear, quando antes o perigo consistia em aquele país poder produzir armamento nuclear. Esta inflexão, embora potencialmente muito perigosa, também pode ser entendida no sentido que Mário Soares deu à observação que fez, há quase um mês numa entrevista à TSF e ao DN, de que há semelhança do ocorrido com o Iraque nada justifica um ataque ao Irão e que lhe parecia pouco provável que este ocorresse por o presidente Bush já não ter força para isso, ganhe ainda maior peso perante estes desenvolvimentos.

Se a estes novos dados juntarmos a complicada situação que os EUA estão a ser forçados a enfrentar no Médio Oriente, agora até pelas acções militares que os seus bons aliados turcos têm implementado contra os “terroristas” curdos do PKK[4] instalados em território sob controlo iraquiano, é bem possível que aquela observação de Mário Soares se venha a revelar profética.

Era bom que assim fosse, para bem de todos nós, mas convém não esquecer que esta administração americana tem sido particularmente fértil na criação de factos para justificar a sua sanha militarista…

facto que observadores atentos, como normalmente o são os humoristas, não têm deixado passar em claro.
____________________
[1] De entre as muitas notícias sobre o assunto ver as do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, da BBC NEWS e do COURRIER INTERNATIONAL.
[2] O relatório pode ser lido neste endereço: http://www.dni.gov/press_releases/20071203_release.pdf
[3] Ver a Nota de Imprensa divulgada pela AIEA sobre o conteúdo do relatório do National Intelligence Council.
[4] PKK, sigla do Partido dos Trabalhadores do Curdistão – movimento que luta pela independência de um território actualmente dividido entre a Turquia, o Iraque e o Irão – e que os EUA e a UE incluíram na lista mundial das organizações terroristas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

TAMBÉM NÃO PERTENÇO A ESSE GRUPO

Com um lacónico «JARDIM PROCESSA BAPTISTA-BASTOS» o PORTUGAL DIÁRIO dava ontem nota do que hoje o DIÁRIO DE NOTÍCIAS confirmou junto daquele escritor e que remonta ao ano de 2005, quando este escreveu no JORNAL DE NEGÓCIOS um artigo de opinião intitulado «UM FASCISTA GROTESCO» a propósito de umas declarações do presidente do Governo Regional da Madeira.

Como explicou ao DN: “Indignou-me, na altura, ver na televisão as declarações do dr. Jardim sobre as duas comunidades - chinesa e indiana -, que demonstravam um comportamento de racismo e xenofobia. E mais indignado fiquei ao observar que nenhuma instituição portuguesa nada fez face ao que foi dito. Não podia ficar indiferente e por isso escrevi o artigo”.

Após queixa do visado, o Tribunal Judicial do Funchal decidiu que haveria matéria para julgamento, sob a forma de “ofensa à honra”, decisão que Baptista-Bastos classifica como “uma clara pressão ao estatuto da liberdade de imprensa”, perante a qual não se mostra muito preocupado (pois diz ter confiança nos tribunais da Madeira) e reitera que “se fosse hoje, voltaria a escrever este mesmo artigo, porque se ele for bem interpretado, vê-se que não é injurioso”.

Porque não tenho qualquer sombra de dúvida sobre a justeza dos comentários então feitos por Baptista-Bastos, para mais sobre uma personagem sobejamente conhecida pela forma desabrida como tem vituperado todos os que não aplaudam a sua verve populista e demagógica e pior ainda quando não sobrescrevem as suas teses, e porque também eu não pertenço ao mesmo grupo do Alberto João Jardim, aqui deixo o texto objecto daquela acção judicial:

«Um fascista grotesco

Baptista Bastos

Alberto João Jardim não é inimputável, não é um jumento que zurra desabrido, não é um matóide inculpável, um oligofrénico, uma asneira em forma de humanóide, um erro hilariante da natureza.

Alberto João Jardim é um infame sem remissão, e o poder absoluto de que dispõe faz com que proceda como um canalha, a merecer adequado correctivo.

Em tempos, já assim alguém o fez. Recordemos. Nos finais da década de 70, invectivando contra o Conselho da Revolução, Jardim proclamou: «Os militares já não são o que eram. Os militares efeminaram-se». O comandante do Regimento de Infantaria da Madeira, coronel Lacerda, envergou a farda número um, e pediu audiência ao presidente da Região Autónoma da Madeira. Logo-assim, Lacerda aproximou-se dele e pespegou-lhe um par de estalos na cara. Lamuriou-se, o homenzinho, ao Conselho da Revolução. Vasco Lourenço mandou arrecadar a queixa com um seco: «Arquive-se na casa de banho».

A objurgatória contra chineses e indianos corresponde aos parâmetros ideológicos dos fascistas. E um fascista acondiciona o estofo de um canalha. Não há que sair das definições. Perante os factos, as tímidas rebatidas ao que ele disse pertencem aos domínios das amenidades. Jardim tem insultado Presidentes da República, primeiros-ministros, representantes da República na ilha, ministros e outros altos dignitários da nação. Ninguém lhe aplica o Código Penal e os processos decorrentes de, amiúde, ele tripudiar sobre a Constituição. Os barões do PSD babam-se, os do PS balbuciam frivolidades, os do CDS estremecem, o PCP não utiliza os meios legais, disponentes em assuntos deste jaez e estilo. Desculpam-no com a frioleira de que não está sóbrio. Nunca está sóbrio?

O espantoso de isto tudo é que muitos daqueles pelo Jardim periodicamente insultados, injuriados e caluniados apertam-lhe a mão, por exemplo, nas reuniões do Conselho de Estado. Temem-no, esta é a verdade. De contrário, o que ele tem dito, feito e cometido não ficaria sem a punição que a natureza sórdida dos factos exige. Velada ou declaradamente, costuma ameaçar com a secessão da ilha. Vicente Jorge Silva já o escreveu: que se faça um referendo, ver-se-á quem perde.

A vergonha que nos atinge não o envolve porque o homenzinho é o que é: um despudorado, um sem-vergonha da pior espécie. A cobardia do silêncio cúmplice atingiu níveis inimagináveis. Não pertenço a esse grupo

domingo, 16 de dezembro de 2007

PRONTO, JÁ ESTÁ ASSINADO

Agora que foi assinado o Tratado de Lisboa já se poderá considerar enterrada a polémica que rodeou a proposta de Constituição Europeia apadrinhada por Giscard d’Estaing e que conheceu a “vergonha” de se ver recusada nos processos referendários a que foi sujeita em França e na Holanda.

Tal como aquele documento, extenso e pouco claro, os cidadãos europeus voltam a correr o risco de ver aplicado um texto fundamental (talvez até fundador) que para a maioria é praticamente incompreensível. Os políticos europeus preferiram elaborar um texto que poderão manipular a seu favor e que, talvez, venha a ver as suas virtualidades ensombradas pelas múltiplas deficiências, a começar pela forma como os diferentes governos europeus se preparam para proceder à ratificação do documentos agora assinado.

Com excepção da Irlanda, cujo texto constitucional o impede, os restantes 26 estados-membros preparam-se para dispensar o recurso à figura do referendo, substituindo-o por uma mera aprovação parlamentar. Perante a importância do acto – aprovação ou rejeição de um documento de importância capital para a UE, que mesmo sem as roupagens de um tratado constitucional nem por isso deixa de constituir um documento fundamental – a única forma que parece aceitável para a sua ratificação é a do referendo, mesmo quando se esteja em presença do mais democrático e representativo dos sistemas políticos…

É em momentos como este que sinto extremas dificuldades em entender os conceitos de democraticidade (ou da sua ausência) que os políticos ocidentais (e os europeus, em especial) são tantas vezes pródigos em reclamar. São decisões desta natureza que normalmente me levam a rotular com menos veemência personalidades tão controversas como Putin ou Chávez, até porque este último ainda recentemente se sujeitou a um referendo constitucional que lhe foi adverso.

Igualmente criticável me parece o argumento da necessidade da sua rápida entrada em vigor para justificar a mera aprovação parlamentar, tanto mais que o documento contém alterações significativas ao actual quadro regulamentar europeu[1]. Destas destacam-se o significativo aumento de poder e influência do Parlamento Europeu, a substituição do sistema de aprovação por unanimidade pela aprovação por maioria, que podendo constituir avanços significativos nem por isso deixam de representar profundas alterações que deveriam ser do conhecimento generalizado dos cidadãos da UE e alvo de uma aceitação expressa. Isto mesmo foi deixado bem expresso pelos grupos parlamentares europeus que na passada sexta-feira acolheram o discurso do presidente em exercício da UE, José Sócrates, com cartazes e palavras de ordem exigindo a realização de referendos nacionais para a aprovação do Tratado de Lisboa e, para cúmulo, mais recentemente a própria JS veio manifestar o apoio à realização do referendo em Portugal.
_____________
[1] Entre as principais alterações conta-se: o facto da presidência deixar de ser rotativa e com uma periodicidade semestral; a combinação numa única personalidade das funções de alto-comissário de política externa e de comissário dos assuntos estrangeiros (considerada como passo fundamental para o reforço da política externa da UE); redução, a partir de 2014, do número de comissários europeus; redistribuição, entre 2014e 2017, da proporcionalidade de votos entre os estados-membros; novos poderes, nas áreas da justiça e dos assuntos internos, para a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça Europeu.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

SERÁ QUE ELES TAMBÉM NÃO SABEM?

Caso não tivesse surgido na passada semana a notícia da prorrogação e terminava hoje o prazo fixado ao LNEC para se pronunciar sobre a localização do futuro aeroporto internacional.

Este adiamento, normal nos padrões nacionais de trabalho, pode também ser entendido como positivo uma vez que para a sua justificação foi referida, segundo notícia do DIÁRIO DIGITAL, a necessidade de mais tempo para proceder à «...compatibilização, harmonização e consolidação dos vários estudos parcelares que, sob a coordenação do LNEC, têm estado a ser realizados pelas equipas de especialistas nacionais e estrangeiros», o que pode significar que contrariamente ao inicialmente afirmado pelo ministro Mário Lino, o LNEC sempre irá apreciar outras propostas além das alternativas Ota e Alcochete.

Alternando entre declarações, mais ou menos peremptórias, e desmentidos, mais ou menos assumidos, o ministro das obras públicas revela-se cada vez mais ultrapassado em toda esta polémica. Depois de ter sido o porta-voz da decisão governamental de instalar o NAL na Ota e de assumidamente ter rejeitado todas as críticas e localizações alternativas sugeridas (quem já esqueceu a célebre frase do «deserto» e o peremptório «nunca» com que qualificou hipótese diversa da Ota), passou a afirmar que o LNEC iria comparar os dois estudos (Ota e Alcochete) e apenas esses, para depois afirmar que remetera àquele organismo todas as propostas recebidas.

Neste meio tempo os interesses envolvidos e os grupos de pressão (recorde-se que em Portugal não existe a prática de loby) continuam a movimentar-se sem que continue por demontrar aos pagadores da nova obra (nós, os contribuintes) a real necessidade da referida infraestrutura.

Pelos vistos resta-nos esperar mais uns dias para ficarmos a conhecer o que irá ser feito, nunca o porquê!

Será porque eles também não sabem? Ou porque não conseguem arranjar explicação para o inexplicável?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

MUITA PARRA E POUCA UVA

Esta máxima popular pode muito bem servir para resumir os resultados da Cimeira UE-África que decorreu no passado fim-de-semana em Lisboa.

Encerrados os trabalhos, constata-se, na lógica do politicamente correcto, que todos saíram muito felizes; a UE, presidida por Durão Barroso, anunciou a aprovação de um plano de estratégia conjunta que irá permitir “continuar os trabalhos” até à próxima cimeira, prevista para 2010 e Robert Mugabe, o contestado presidente do Zimbabwe, “sobreviveu” a mais uma prova de fogo (terá sido assim tão mau como se diz?) e há até quem o tenha visto como o vencedor da reunião, enquanto os membros da União Europeia terão aceite esperar pela actuação da África do Sul no sentido de melhorar a situação política naquele país.

Na prática, tudo continua como antes; os países europeus não lograram ainda que os seus parceiros africanos os deixem de ver como ex-potências coloniais (infelizmente muitas vezes com acrescidas razões), enquanto estes permanecem mergulhados numa situação de subdesenvolvimento ao qual não é estranho, além dos conhecidos problemas de incapacidade governativa e corrupção, o próprio papel da Europa, pois até as propostas para a celebração de acordos de parceria económica, apresentadas pelos países europeus registaram uma quase unânime recusa pelos estados africanos, restando agora esperar para vermos como os líderes europeus irão gerir o fim do período de derrogação concedido pela Organização Mundial do Comércio que expira no final deste mês.

Seguro é que irão permanecer os termos desiguais de troca e que sem qualquer esforço a China continuará a ver reforçado o seu peso e importância naquele continente.

domingo, 9 de dezembro de 2007

O QUE FIZERAM AO MEU VOTO?

Ainda que possa parecer profundamente egoísta (ou narcisista) esta pode (e deve) ser uma pergunta que todos os cidadãos eleitores deste país deverão fazer enquanto se preparam alterações às leis eleitorais.

Mesmo sem querer pegar na questão pelo estafado ponto de vista que se está a preparar mais uma manobra político-partidária nas costas de todos os nós – quantas foram as leis estruturantes até hoje produzidas de forma perfeitamente clara e transparente – qualquer pessoa entenderá que o resultado (seja ele qual for) irá beneficiar particularmente os dois maiores partidos nacionais – PS e PSD.

Desde a peregrina ideia de assegurar maiorias nos executivos camarários[1] até à de criar novos círculos eleitorais (nominais ou de outro tipo) nas eleições nacionais, tudo indicia que os nossos políticos se preparam para nos sujeitar a um sistema eleitoral cada vez mais orientado para um saudável (para eles) bipartidarismo.

Mas será realmente deles – os políticos – a responsabilidade por esta nova orientação?

Não será muito mais curial (apesar de menos agradável e confortável) começarmos por olhar para nós próprios e questionarmo-nos sobre o que fizemos para que isto nos acontecesse?

Estas questões já foram objecto da reflexão de alguns dos nossos modernos pensadores, dos quais destaco Eduardo Prado Coelho, que escreveu há uns tempos[2] numa das suas habituais crónicas no PUBLICO, que intitulou «CONSTRUIR UM PAÍS», que «a crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país». Um pouco na mesma linha de pensamento, mas colocando a ênfase nas organizações políticas, escreveu em finai de Setembro no DN, Manuel Maria Carrilho: «Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência».

Embora discordando do muito que a seguir argumenta, nunca Manuel Maria Carrilho terá sido tão preciso a descrever a situação que vivemos. Bem pode clamar contra os pretensos independentes – que como bem diz, normalmente não passam de «dissidentes de ocasião» – ou contra o alheamento – que na prática conhece expressão na crescente abstenção – que não creio que seja no interior das actuais estruturas partidárias que encontrará as condições para a respectiva revitalização. A reconquista da credibilidade a que alude – indispensável sem qualquer margem para dúvida – parece-me completamente impossível quando o que distingue aqueles dois partidos é um zero quase absoluto.

Mesmo que se entenda algum desgaste ao nível ideológico, em consequência das grandes mudanças registadas na segunda metade do século XX, com a implosão da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a crescente aproximação do pragmático comunismo chinês a um sistema capitalista tornado quase dominante e que se acuse a chamada globalização de ter uniformizado a forma de pensamento geral, a responsabilidade pelo total vazio de ideias que impera no PS e no PSD é da exclusiva responsabilidade das cliques que têm partilhado as respectivas lideranças, não pela sua completa inépcia, mas pela habilidade com a transformaram em condição sine qua non para ao cesso ao poder.

Quando as estruturas partidárias dominantes (PS e PSD) na ânsia de manterem sempre “um pé no poder” aceitaram enredar-se numa teia de interesses e favores mútuos, iniciaram um processo que apenas poderá culminar na transformação do sistema político português em algo semelhante ao norte-americano, onde além do bipartidarismo impera um sistema onde pouco ou nada distingue Republicanos de Democratas.

O “centrão”, como tantas vezes é referido entre nós esta tendência para a bipartidarização, longe de contribuir para uma estabilização da vida política nacional, acabará por redundar num cenário quase surrealista em que os políticos se elegerão entre si e, pior, viverão convencidos das virtualidade e da magnanimidade da total vacuidade da sua existência.

Por muito bem intencionadas que possam ser as teses de acção propostas por Manuel Maria Carrilho, aquilo que os cidadãos comuns deste país têm vindo a constatar é que desde que em meados da década de 80 do século passado se registou a primeira maioria absoluta de um dos dois partidos (PSD, na altura com Cavaco Silva), que não parou de alastrar a mediocracia que hoje conhecemos e que grandemente responsável pelo actual clima de corrupção e suspeição que se instalou nos mais diversos níveis da administração pública.

Quem estranhará que um estudo realizado pelo Centro de Estudo Sociais do ISCTE aponte as autarquias, as forças de segurança e administração central como os principais focos de corrupção no país?

Que outra coisa se poderá esperar de uma sociedade onde os valores morais – a responsabilidade, o conhecimento, a isenção e a verticalidade – cederam o papel de referência ao arrivismo e ao ganho fácil e rápido?

Talvez não esteja ainda tudo perdido... talvez, quando PS e PSD cozinham as alterações mais favoráveis à actual legislação eleitoral, seja esta uma boa oportunidade para fazermos ouvir as nossas vozes exigindo alterações que introduzam verdadeiros efeitos positivos, tais como:

  • a aplicação de critérios menos onerosos às candidaturas não partidárias nas eleições autárquicas;
  • a contagem dos votos brancos como votos validamente expressos;
além da indispensável redução do número de deputados e da melhor adequação do funcionamento do parlamento ao actual papel de controlo dos poderes político e executivo.

Talvez ainda se vá a tempo de introduzir nos processos eleitorais deste país alguma dignidade...
__________
[1] Ver, por exemplo, esta notícia do DN.
[2] Infelizmente desconheço a data de publicação, pois apenas disponho de uma cópia não datada do texto.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PEARL HARBOR, OUTRA VEZ?

Que melhor oportunidade haverá que a passagem de mais um ano sobre a data em que ocorreu o ataque japonês a Pearl Harbor – 7 de Dezembro de 1941 – para repensar esse acontecimento?

A data que ficará marcada pela infâmia[1], tal como outros acontecimentos nos EUA[2], também se encontra rodeado em polémica, tanto mais que foi inegavelmente útil para fortalecer a posição do então presidente Franklin D Roosevelt que preconizava a participação americana na II Guerra Mundial em oposição a um Congresso que preconizava a manutenção do apoio à Inglaterra mas sem o envolvimento directo de tropas norte-americanas.

Para a história oficial ficaram os resultados do ataque: a frota norte-americana do Pacífico praticamente destruída e a entrada dos EUA na guerra contra o Japão e Alemanha; para os historiadores e analistas que continuam a estudar o evento ficam as dúvidas em torno das razões que terão levado o presidente Roosevelt a ordenar a transferência da frota da costa oeste para o Hawai onde ficaria muito mais exposta[3], da razão para terem sido ignorados os avisos, quer de fontes diplomáticas quer dos serviços de inteligência, que a acção estaria em preparação e até da notável apatia revelada pelas forças americanas estacionadas no local.

Admitir que alguém possa ter assumidamente enviado milhares de homens para funcionarem como “isco” a um ataque inimigo é para muita gente uma impossibilidade e a simples formulação dessa hipótese constitui sinal de absoluta paranóia dos seus autores, que vulgarmente são identificados com o libelo da “teoria da conspiração” e sob a administração de George W Bush com o de “traidores”.

Mas o pior é que este tipo de cenário pode voltar a acontecer!

Pelo menos é isso que pensam alguns analistas a propósito do latente conflito entre americanos e iranianos. Entre aqueles conta-se um professor universitário e investigador australiano que publicou recentemente um trabalho sobre a possibilidade da Quinta Esquadra norte-americana poder conhecer um fim idêntico; segundo as suas próprias palavras «os planos dos EUA para um ataque ao Irão contemplam o sacrifício da Quinta Esquadra, de forma a justificar uma retaliação nuclear. Não se trata de um cenário hipotético mas sim de uma opção real que tem sido discutida pelos altos comandos militares. De acordo com as nossas fontes, o almirante William Fallon[4] clarificou que recusaria cumprir semelhante ordem e pediria a demissão conjuntamente com os restantes comandantes do CENTCOM[5]. Até agora apenas a resistência dos oficiais superiores da Marinha e do Exército tem evitado que os neoconservadores e a Força Aérea tenham desencadeado as operações».

Este cenário, assim sucintamente descrito, carece de melhor explicação e merece bem uma especial atenção. Tanto quanto vai chegando ao conhecimento público terá sido elaborado, no interior da administração americana, um plano de acção para gerir a crise iraniana visando uma escalada progressiva que em última instância justifique o recurso a um ataque nuclear.

Como será difícil de explicar o recurso a semelhante tipo de armamento, nada melhor que fornecer ao público uma catástrofe (naturalmente provocada pelo inimigo) amplamente justificadora de uma retaliação sem precedentes, ainda que para isso seja necessário escamotear os catastróficos resultados dos exercícios militares realizados em 2002 – Millennium Chalenge – que serviram de preparação para a invasão militar ao Iraque levada a cabo no ano seguinte. Durante esses exercícios o “estado árabe inimigo”, cujas “tropas” eram dirigidas pelo general Paul Van Riper, logrou aniquilar a Quinta Esquadra americana e inviabilizar a acção invasora[6].

Transpondo aquele resultado para um cenário de confronto com o Irão que se sabe dispor de mísseis de cruzeiro de fabrico russo, do tipo SS-N-22 e SS-N-X-26, também conhecidos pelas designações “Sunburn” e “Yakhonts”, com raios de alcance da ordem dos 200km e 300km, recordando os efeitos devastadores que os hoje antiquados mísseis Exocet tiveram na esquadra inglesa durante a guerra das Malvinas e sabendo que aquela geração de mísseis se encontra dotada de meios electrónicos contra os quais os sistemas de radar naval Aegis, que equipam os navios americanos, são impotentes[7], ainda mais fácil se torna entender o que poderá acontecer a uma esquadra naval com fraca protecção electrónica, totalmente exposta na sua base naval no Bahrain, que dista cerca de 240 km da costa iraniana, e reduzida capacidade de manobra no estreito Golfo Pérsico, que facilmente poderá ser encerrado na zona do Estreito de Ormuz.

Esta hipótese não pode ser encarada como meramente académica enquanto os neoconservadores que dominam a administração Bush persistem em identificar o Irão como o próximo alvo a abater e tal como fizeram antes com o Iraque, nem mesmo as evidentes provas de que as acusações lançadas carecem de fundamento os parece fazer abrandar.

As sucessivas declarações da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e do seu director-geral Mohamed ElBaradei que recusam a evidência de que o Irão esteja em vias de produzir armamento nuclear, têm sido sucessivamente menosprezadas e ridicularizadas, no afã de manter viva a justificação para mais uma acção militar norte-americana. Mesmo quando a recente publicação de um relatório dos serviços secretos americanos vem confirmar que o Irão não dispõe de armamento nuclear – o programa que existiu terá sido suspenso em 2003, por pressão da comunidade internacional – nem existe fundamento para admitir que o possa alcançar por meios próprios antes de 2012 ou 2015, membros da administração Bush persistem nas suas intenções dizendo agora que se o Irão não é ainda uma ameaça real, pode muito bem vir a sê-lo!

Confirmando os piores cenários – o há muito confessado desejo de atacar o Irão –, no mesmo dia em que eram apresentadas as conclusões daquele relatório, fontes de informação israelita anunciavam a chegada ao Golfo Pérsico do porta-aviões USS Harry S. Truman, juntando-se aos USS Enterprise e USS Nimitz, já estacionados naquela região. Esta notícia apenas pode ser entendida como mais um passo no sentido da concertação de estratégias entre os falcões norte-americanos e israelitas, que serão, em primeira instância os grandes beneficiados pela substituição do governo iraniano que acusam de principal apoiante dos radicais palestinianos do Hamas e libaneses do Hezbollah.

A ânsia dos neoconservadores e do loby judaico é tanta que face à fragilidade da argumentação nuclear contra o Irão, já começaram a alterar o seu discurso, acusando-o agora de apoiar a “insurreição” iraquiana[8] que até então era associada à Al Qaeda – a habitual bête noir justificadora da inventada guerra contra o terror. Este portentoso passe de mágica argumentativa que, da noite para o dia, transformou os “insurgentes” iraquianos de sunitas (facção religiosa que constituirá a principal base de recrutamento da Al Qaeda) em xiitas (facção maioritária no Irão e no Iraque), isto depois de ter pretendido associar o regime laico de Saddam Hussein à Al Qaeda na fase de maior contestação à tese das armas de destruição em massa iraquianas, com que justificaram a invasão do Iraque.

Perante tantas e tão diversas manobras para justificar e/ou iniciar uma nova frente de guerra, ocorrências como a registada em finais de Agosto, quando um bombardeiro B-52, que deveria estar estacionado na base aérea de Minot, no Dakota do Norte, carregado com seis mísseis de cruzeiro equipados com ogivas nucleares, foi encontrado perdido na base aérea de Barksdale, no Louisiana[9], podem, e devem, ser analisadas sob uma perspectiva muito mais atenta.

Quando se descobrem violadas todas as regras de segurança respeitantes ao manuseio de armamento nuclear, e é por demais público o afã da administração norte-americana para se envolver numa escalada bélica, mais do que procurar e sancionar os responsáveis importa analisar o facto e inseri-lo, naturalmente, num contexto bem mais vasto. Quem, de boa fé, poderá negar a elevada hipótese de ter estado em curso uma manobra sub-reptícia para provocar um incidente nuclear e lançar a responsabilidade sobre os iranianos?

Até mesmo para os indefectíveis crentes de “glutões” e outros “milagres”[10] será difícil negar esta possibilidade!
___________
[1] Referência directa aos termos do discurso com que Franklin D Roosevelt se dirigiu ao Congresso no dia 8 de Dezembro de 1941, pedindo a declaração do estado de guerra.
[2] Estou a referir-me, por exemplo, aos até agora mal explicados assassínios do presidente John F. Kenedy, no dia 22 de Novembro de 1963 em Dallas, Taxas, do seu irmão Robert, no dia 5 de Junho de 1968, em Los Angeles, dos activistas pelos direitos dos negros Malcom X, no dia 21 de Fevereiro de 1965, em Harlem, Martin Luther King, no dia 4 de Abril de 1968, em Memphis, Tennessee e, mais recentemente dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 (para mais informação sobre qualquer destes acontecimentos bastará o uso de qualquer motor de busca; especificamente quanto ao último, por ser um tema que já aqui abordei várias vezes, ver por exemplo: 11 DE SETEMBRO DE 2001, em Setembro deste ano, NINE ELEVEN – PARTE I, NINE ELEVEN – PARTE II e NINE ELEVEN – PARTE III, em Setembro de 2006).
[3] Havia inclusive experiência militar dessa realidade, pois em 1932 e em 1938 tinham sido realizadas manobras militares pela US Navy que confirmaram essa vulnerabilidade (ver Pearl Harbor: A Warning Unheeded, que Gary Rethford publicou em 1998 no jornal THE TRUMPET) e um ano antes a Royal Navy, comandada pelo almirante Andrew Cunningham, lançara com clamoroso sucesso um ataque aéreo contra a frota italiana estacionada em Taranto (ver, entre outros, Historical Revue Press).
[4] Piloto aviador naval que actualmente exerce o comando do US Central Command.
[5] CENTCOM designação militar do US Central Command ou, o comando das forças de intervenção rápida norte-americanas.
[6] Ver a propósito esta notícia do jornal britânico GUARDIAN.
[7] Ambos os tipos de mísseis se encontram dotados de contramedidas electrónicas para escapar aos radares Aegis, mediante tecnologias furtivas e manobras evasivas de voo de aproximação tornam praticamente inoperacionais aqueles sistemas de protecção, ao ponto de se lhes atribui a decisão norte-americana de interromper a construção de mais porta-aviões até que disponham de meios de protecção mais eficazes.
[8] Esta estratégia foi especialmente impulsionada com a aprovação em finais de Setembro pelo Congresso da classificação do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana como organização terrorista, que assim dará cobertura a qualquer acção militar norte-americana em território iraniano.
[9] Ver a notícia tal como foi difundida pela insuspeita CNN.
[10] Referência ao célebre anúncio do detergente que usa “glutões” para eliminar as nódoas.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

NO FINAL DA FESTA CAIU A MÁSCARA

Talvez seja demasiado sarcástico definir assim o resultado da reunião que em Annapolis juntou americanos, israelitas, palestinianos e outros representantes árabes, para concertar uma solução para o conflito que há décadas opõe israelitas a palestinianos.

Mas, além de nada de concreto dela ter resultado - confirmando as expectativas de todos os intervenientes e observadores – poucos, ou nenhuns, passos terão sido dados no sentido de resolver aquele diferendo. A preocupação norte-americana em não beliscar minimamente o seu poderoso aliado israelita, a incapacidade deste apresentar contributos efectivos (incluindo cedências) para o debate, a precariedade da posição interna da autoridade palestiniana, liderada por Mahmud Abbas, e o apagado papel reservado aos restantes representantes árabes não pode deixar de ser referido, tanto mais que a imprensa ocidental pouco tem contribuído para esclarecer e analisar o que realmente ocorreu em Annapolis.

Caso não tivesse ocorrido uma entrevista do primeiro ministro israelita ao jornal Haaretz, na qual este alertou para a necessidade de apoiar a constituição dum estado palestiniano, tudo se poderia resumir assim: George W Bush obteve as fotografias de que necessitava para a sua propaganda interna, Ehud Olmert pode regressar a casa com um sorriso enquanto Mahmud Abbas voltou a reiterar a política do seu antecessor Arafat – na falta de um verdadeiro estado palestiniano para governar vai continuar a contentar-se com o papel de polícia dos interesses judaicos nos territórios ocupados.

Mas o que teve de extraordinário as declarações de Olmert? Não foi seguramente o apoio à constituição de um estado palestiniano, porque isso já há algum tempo começou a ser apresentado à opinião pública israelita como uma boa solução, tanto mais que lhes garantiria a permanência na maior parte dos territórios ocupados, mas sim o facto do líder israelita afirmar publicamente que o fracasso desta estratégia acarretará a prazo o fim do estado israelita, porque a aplicação do principio democrático de um cidadão um voto originará um dia um estado governado por uma maioria palestiniana.

Apesar da pouca relevância dada a estas declarações, elas devem ser especialmente analisadas por aqueles que ainda possam ter alguma dúvida quanto ao cerne do verdadeiro drama judaico e tornam particularmente entendível a mais recente das exigências israelitas – a do reconhecimento do seu país enquanto estado judaico.

Embora fortes do indefectível apoio norte-americano e do aparentemente infindável fluxo financeiro que as comunidades judaicas – com especial destaque para a norte-americana – espalhadas pelos quatro cantos do globo lhes não regateiam, os líderes israelitas vão-se dando conta da crescente fragilidade da sua posição ditada por meras razões de natureza demográfica.

Esta dura realidade, há muito do conhecimento das elites dirigentes mas agora publicamente assumida, deve servir de enquadramento para a análise e explicação da estratégia de destruição sistemática perpetrada pelo exército nos territórios ocupados (oficialmente camuflada com a necessidade de combater o terrorismo e que se estende desde a destruição de habitações à dos campos de cultivo palestinianos), a estratégica disseminação dos colonatos judaicos pelas zonas economicamente viáveis e a estratégia de “cerco” à viabilidade de qualquer forma de vida não judaica na região.

Naturalmente pouco difundidas pela comunicação social ocidental as declarações de Ehud Olmert não permitem mais negar a evidência da estratégia de lento genocídio a que os sucessivos governos judaicos têm condenado as populações palestinianas e tornam agora ainda mais relevante a necessidade da comunidade internacional se fazer ouvir no sentido de pôr cobro a uma das grandes iniquidades da história contemporânea.

sábado, 1 de dezembro de 2007

UMA LIÇÃO SOBRE A POBREZA DOS PAÍSES RICOS

Quando já decorreram mais de duas semanas sobre a vaga de greves com que os sindicatos franceses procuraram responder às novas políticas sociais do governo de Nicolas Sarkozy e já foi possível ler algumas das análises feitas sobre o assunto, parecem-me de destacar alguns pontos dignos de menção.

O primeiro e que já aqui referi é que existe uma óbvia diferença entre a resposta sindical francesa e, por exemplo, a portuguesa; enquanto entre nós se esboçaram uma outra crítica mais dura e se procedeu ao pro forma de organizar um ou outro dia de greve (veja-se a greve da função pública ontem realizada), inócuo e inconsequente, em França os membros dos sindicatos mais afectados não hesitaram em avançar com a marcação de vários dias de greve.

Mesmo que os resultados práticos estejam ainda por avaliar, muita da imprensa europeia revelou-se na sua generalidade apoiante das “reformas” que o governo francês pretende introduzir. Desde o italiano LA STAMPA[1] que defendeu que é preciso construir novas garantias sociais, aplicáveis a todos, em vez de manter as garantias parciais existentes, passando pelo holandês TROUW[2] que apoiou a necessidade de acabar com a injustiça social que constituem com as reformas vantajosas dos trabalhadores de alguns sectores de actividade quando não existem condições (leia-se reservas financeiras) para sustentar aqueles pagamentos numa população que envelhece rapidamente, muitos parecem apoiar os princípios do equilíbrio e da igualdade de direitos, desde que estes sejam nivelados pelos mínimos.

Lógica diferente sustentou Mark Steel[3] nas colunas do britânico THE INDEPENDENT, quando denuncia a prática neoliberal, tornada moeda corrente, de privilegiar os benefícios dos mais ricos em detrimento de outra que proporcione a resolução dos desequilíbrios sociais.

Em resumo, como o próprio o escreve, o «…argumento contra as greves é o já gasto chavão de que as forças envolvidas estão a defender privilégios, tais como o direito à reforma após 30 anos de trabalho, insustentáveis. Um economista que apoiasse o governo francês diria, “uma coisa foi beneficiar dessas pensões nos anos 60 quando éramos muito mais pobres, mas agora que a sociedade é bem mais rica os benefícios terão que ser rateados. Como é do senso comum quanto mais ricos somos menos coisas podemos ter”» para mais adiante continuar a explicar que os «…defensores do regateio desses “privilégios” vão ao ponto de explicar que estes mutilam a economia fazendo com que cada um fique ainda pior. Presumivelmente os franceses deveriam ser mais parecidos com os ingleses, porque nós fomos suficientemente previdentes para termos piores esquemas de previdência e a nossa semana de trabalho é cerca de 2,63 horas mais longa que a francesa. Isso, como é evidente, faz com que beneficiemos, mas ainda estamos longe das economias verdadeiramente modernas, como a birmanesa, onde não existe segurança social e as pessoas ou trabalham dia e noite ou são espancadas com bastões.
[…]
Vendo como o novo governo francês está determinado em esmagar a cultura dos privilégios injustificados, Nicolas Sarkozy deve estar familiarizado com os personagens que ocupam o topo da lista dos franceses mais ricos. O primeiro dessa lista é uma surpresa; enganam-se se pensavam que seria um ferroviário barbudo, pois na realidade é Bernard Arnault, presidente da Christian D’or, que vale qualquer coisa como 21 mil milhões de dólares. A avaliar pelos resultados deve pertencer a um sindicato bem desactualizado».

O autor não termina sem lembrar que apesar da economia francesa ter crescido a taxas idênticas ao resto do ocidente durante os últimos 10 anos, verifica-se uma ligeira diferença é que o 1% mais rico não viu a sua riqueza triplicar durante aquele período de tempo, como aconteceu em Inglaterra e nos EUA.

Sarkozy representa, seguramente, a ala dos magnatas franceses que pretendem ver ainda mais aumentados os seus ganhos, mas quando um governo, como o que aquele dirige, pretende reduzir as pensões de reforma, encerrar 200 tribunais, reduzir 11.000 professores primários e privatizar parte do sistema universitário não se tratam de medidas avulsas, mas sim de um padrão de actuação já aplicado naqueles países.

Este é um retrato simplista da situação em França, mas tudo o que aqui foi dito se pode aplicar ipsis verbis ao governo socialista que dirige os destinos nacionais, excepto nos pormenores que à oposição e à contestação às políticas governamentais se refere.

Os muito louvados brandos costumes nacionais já nos custaram no século passado uma longa ditadura de 40 anos e um processo de transição para a democracia que não eliminou os estigmas daquele regime e actualmente corremos o risco de assistirmos pacificamente à destruição das poucas melhorias que o fim da política económica bulionista[4] do Estado Novo nos proporcionou. Exemplo deste estado de quase inanição é-nos dado pela entrevista que no último fim-de-semana Mário Soares deu ao DN e à TSF, quando afirma, por exemplo, que «…é chocante ver como as desigualdades sociais se agravaram nos últimos tempos. Tem de se lutar contra isso [...] Agravaram-se porque houve uma vaga neoliberal [...] que entrou [...] Em grande parte via [Tony] Blair»

Mais que uma vez o velho líder do PS, ex-primeiro ministro e ex-presidente da república, andou perto de afirmar que faltou uma verdadeira oposição àquela vaga (ainda foi reconhecendo que os «…partidos da esquerda foram contra, pelo menos o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda foram contra desde o início»), mas tal como todos os que permitiram a chegada aos centros de decisão de uma nova casta de governantes sustentados principalmente em ligações aos interesses económicos e aos meios de comunicação que estes sustentam, alicerçados no princípio do “politicamente correcto” e, fundamentalmente, desprovidos de princípios éticos e de ideologia própria (excepto a da conquista do poder pelo poder), também agora Mário Soares ficou longe de chamar os bois pelos nomes e contribuir para quebrar (por uma vez ) o “nacional porreirismo” em que, os que almejam ser cada vez mais ricos à custa de uma vasta maioria cada vez mais miserável, nos obrigam a viver há séculos.
______________

[1] Citações a partir dos resumos de imprensa do COURRIER INTERNATIONAL.
[2] Citações a partir dos resumos de imprensa do COURRIER INTERNATIONAL.
[3] Escritor e comediante, colunista regular do jornal britânico THE INDEPENDENT.
[4] Teoria económica que avalia a riqueza a partir da quantidade de ouro e outros metais preciosos acumulados; privilegiando a acumulação em detrimento do investimento produtivo. Esta corrente, que conheceu o seu período áureo entre os séculos XV e XVIII, defendia uma versão ainda mais extremista que os mercantilistas por não revelarem qualquer preocupação com a vertente produtiva da economia.