domingo, 30 de agosto de 2009

IDIOCRACIA

Ao ler as notícias que ultimamente têm surgido sobre a intenção de Barack Obama reformar o actual sistema de saúde norte-americano e das polémicas que essa intenção tem originado, ocorreu-me que embora não sendo raro que a leitura de notícias oriundas doutros cantos do Mundo nos surjam como fenómenos estranhos e de difícil explicação, especialmente quando entre o “nosso cantinho” e os dos outros se erguem profundas diferenças culturais, este fenómeno dificilmente se deveria aplicar a um país com o qual compartilhamos grande proximidade cultural. Sucede porém que basta uma leitura superficial sobre a realidade do actual sistema de saúde nos EUA para, surpresa das surpresas, parecer que estamos a ouvir falar de uma realidade de um país do terceiro mundo.
É que, a bem dizer, nos EUA (a terra das oportunidades, onde abundam o leite e o mel) a saúde é um bem a quem apenas os mais endinheirados conseguem aceder. Graças a bem orquestradas campanhas o sector segurador logrou apoderar-se do sistema de saúde de tal forma que aqueles que não apresentem saldo bancário suficiente, ou um seguro de saúde válido, estão condenados a definhar à porta dos hospitais que destes não deverão receber nem um simples copo de água.

Numa época em que os níveis de desemprego atingem proporções preocupantes e que para a maioria dos assalariados americanos a única forma de acederem a algum seguro de saúde é se este for proporcionado pela empresa para que trabalham (ou trabalhavam), a disponibilização de serviços universais de saúde é , não apenas uma questão moral (como Obama já o salientou) mas também primordial.

Talvez por isso e por a existência de um serviço público de saúde ser algo natural para os europeus, a polémica e a controvérsia política que tem rodeado a questão nos EUA poderá parecer-nos totalmente injustificada.

Pior, quando chegam notícias do recrudescimento da actividade de grupos de milícias, como os que aterrorizaram os EUA na década de 1990, opondo-se à tentativa ensaiada por Bill Clinton para limitar a livre e indiscriminado posse de armas. Agora, como então, os extremistas alegam que tudo não passa de uma manobra para controlar os cidadãos livres da América...

...e para melhor fazerem passar as suas mensagens têm corrido às reuniões onde a nível local (as chamadas Town-hall meetings) se têm debatido as mudanças a realizar num sistema de saúde que há evidência (salvo para o poderoso “lobby” das seguradoras e da indústria financeira) não cumpre a sua função nem respeita os direitos humanos mais básicos.

A avaliar pela agitação, pelas intervenções e pelas palavras de ordem dos mais activistas, a questão já começa a ultrapassar os contornos e os limites de uma política de saúde para se transformar num processo de contestação aberta ao próprio presidente.

Não fora os movimentos mais conservadores do que nos EUA se designa pelo «movimento patriota» serem habitualmente constituído pelos sectores menos escolarizados e mais agressivos e talvez este crescendo de tensão não merecesse atenção de maior. Mas basta recordar o que naqueles anos 90 ocorreu em Oklahoma, quando um membro de uma dessas milícias fez explodir um edifício federal provocando a morte a mais de 160 pessoas, para esta situação merecer a maior atenção...

…uma relexão acrescida dos políticos e a exigência de responsablização daqueles que, lá como cá, na ausência de verdadeiras e construtivas ideis se limitam a lançar atoardas que mais não fazem que inflamar ainda mais os ânimos1...


...e não contribuem senão para transformar o arremedo de democracia herdade de George W Bush num claro exemplo de IDIOCRACIA.
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1 Um claro exemplo deste tipo de comportamento é o caso da ex-candidata republicana à vice-presidência e ex-governadora do Alasca – Sarah Pain – quando lançou a ideia que o governo se preparia para decidir sobre o acesso aos cuidados de saúde dos recém-nascidos que apresentassem deficiências.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

VERÃO GREGO

Desde o final da semana passada que a Grécia voltou a saltar para as primeiras páginas das notícias europeias e pela mais catastrófica das razões: voltaram os incêndios de Verão àquela região mediterrânica.

Depois do ocorrido em 2007, ano que os fogos consumiram mais de 25 mil hectares e fizeram 77 mortos, volta a repetir-se a situação com «Atenas ameaçada pelas chamas» e a ter-se notícias de que os «Incêndios ameaçam Atenas e obrigam à fuga de 20 mil pessoas» que dão bem conta da dimensão da tragédia humana, já que os prejuízos materiais resultantes dos cercas de 20 mil hectares ardidos e das habitações destruídas (cujo número ainda está por apurar) ficará para a fase seguinte ao rescaldo.

De diferente apenas merecerá referência o facto de o governo grego rapidamente ter solicitado auxílio aos parceiros comunitários, opção que parece já estar a produzir efeitos, pois além de se saber que «Ajuda internacional trava fogos próximos de Atenas», as últimas notícias davam já os «Incêndios circunscritos na região de Atenas».

Se foi importante a participação de meios disponibilizados pela Áustria, França, Itália, Espanha, Chipre e Turquia e este pode até ser um bom indicador da capacidade de mobilização de meios de auxílio em situações de catástrofe, já parece bem mais difícil de explicar como um catástrofe idêntica à ocorrida em 2007 se repete, salvo pelo facto dos responsáveis gregos pouco ou nada terem aprendido com o que então ocorreu.

Óptimo seria se tal não tivesse ocorrido e nós, portugueses, pudéssemos apresentar como modelo a actuação dos responsáveis nacionais que após anos de incúria e inacção tivessem passado a encarar o fenómeno dos incêndios florestais como se catástrofes pessoais se tratassem e além das melhorias introduzidas no sistemas de detecção e combate aos incêndios florestais, tivessem investido numa política de requalificação e reflorestação do território.

Sonhar não custa... o que custa é acordar para a dura realidade!

domingo, 23 de agosto de 2009

ELEIÇÕES BOAS E JUSTAS

A realização de eleições no Afeganistão, como em qualquer outro país ou território sujeito à presença de um contingente militar estrangeiro, não pode deixar de ser notícia. Não pelo resultado, mas essencialmente por este processo eleitoral não poder deixar de constituir uma anormalidade em semelhante conjuntura e qualquer expectativa sobre a qualidade e a relevância dos resultados não pode deixar de ser encarada como uma mera manobra de criação de um facto político, inevitavelmente agradável aos olhos do ocupante, por muito que os “talibans” se tenham desdobrado em ameaças físicas sobre quem fosse votar.


Por isso, mais que comentar os resultados, a existência ou não de fraudes e o sucesso ou o insucesso da estratégia atemorizadora dos “talibans”, parece-me esta uma estupenda oportunidade para relembrar aqui a situação económico-social de um país que continua a ser o ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente.

Geoestrategicamente importante desde os tempos remotos da Rota da Seda, reconhecido como um território historicamente sujeito à cobiça de potências regionais e internacionais mas de muito difícil ocupação (vários foram os exércitos de grandes potências que o tentaram e fracassaram, nomeadamente nos tempos mais recentes o inglês e o russo), o Afeganistão caracteriza-se como um território sujeito a grandes divisões étnicas e religiosas, com reduzida capacidade agrícola e ainda menor desenvolvimento industrial.

Com a preponderância das etnias pashtun1 e tajique2, que no conjunto deverão representar cerca de 70% da população afegã, seria de esperar que as rivalidades se concentrassem entre estes dois grupos étnicos; porém, a realidade é bem mais complexa. A esta primeira divisão sucedem-se outras originadas entre os restantes grupos (onde pontificam os usebeques – sunitas e ascendência turca – e azaris – de ascendência mongol e xiitas) e os recentimentos originados pela deslocalização de milhões de habitantes em consequência das guerras que parecem assolar permanentemente o território.

Como se todos este problemas não fossem suficientes de “per si” para criar um clima de forte instabilidade social, há ainda que acrescentar que cerca de ¾ da população depende directamente da agricultura e da pastorícia, num território onde apenas 12% da sua área é arável. Mas se isto ainda não der uma imagem da duríssima realidade que se vive naquele território, outros indicadores como o facto da esperança média de vida se quedar pelos 44 anos (quando no conjunto dos outros países menos desenvolvidos aquele indicador se situa nos 55 anos e nos países desenvolvidos atinge os 68 anos), o índice de mortalidade infantil atingir os 157‰ (nos países menos desenvolvidos é de 84‰ e nos mais desenvolvidos é de 47‰).

Os maus indicadores no campo da saúde, agravados ainda pelo facto da maioria da população não ter acesso a água potável nem a cuidados básicos de saúde, são naturalmente replicados noutros indicadores de bem-estar social, como sejam a educação, onde apesar dos recentes progressos mais de ⅔ da população com idade superior a 15 anos não sabe ler nem escrever. Questões como a qualidade da habitação ou o acesso a energia eléctrica são para os naturais do Afeganistão problemas desconhecidos, tão parcas e exíguas são as suas condições habituais de vida.
Facto a que não será obviamente estranha a fragilidade da sua economia, baseada essencialmente numa agricultura sujeita aos ventos das guerras e a uma severa seca, não será de estranhar que o cultivo da papoila do ópio continue a ser a principal fonte de rendimento para a maioria das famílias afegãs e que, apesar dos esforços oficialmente anunciados pelo governo pró-ocidental de Hamid Karzai, as áreas cultivadas até tenham crescido depois da invasão ocidental e que, como referi há cerca de um ano no “post” «APROFUNDA-SE A CRISE DA NATO», segundo a ONU o Afeganistão foi o responsável pelo cultivo de 95% do ópio produzido em 2006 e as áreas cultivadas nos últimos três anos, ainda que aparentando tendência para uma redução, têm se situado sempre acima dos 150 mil ha3.

Num cenário com estas características sócio-económicas e, como escrevi aqui em 2005, com um governo pró-ocidental liderado por Hamid Karzai que continua circunscrito à reduzida área de Cabul, bem guardada pelos soldados ocidentais, enquanto no resto do território o poder é exercido pelos antigos “senhores da guerra”, por ex-líderes comunistas e pelos grupos “mujhaedin” e “taliban”, poder-se-ão realizar eleições na plena asserção do termo?

A resposta parece dada por notícias como esta da BBC, que vão dando conta das inúmeras situações de fraude e de corrupção (como é exemplo a venda de boletins de voto e a compra de votos com dólares amerianos) que não mereceram qualquer actuação das autoridades locais; enquanto isto acontecia em alguma regiões do país, nas mais atingidas pela instabilidade militar repetiram-se os atentados e as ameaças de retaliações sobre quem votasse...


…e mesmo que estas não se confirmem4, os dois prinicpais candidatos – o presidente Hamid Karazi e um ex-ministro dos negócios estrangeiros, Abdullah Abdullah – já poderão ter dado início a um novo ciclo de instabilidade ou de violência, pois muito antes da apresentação oficial dos resultados (marcada para meados de Setembro) «Karzai e Abdullah reclamam vitória sem esperar pelo anúncio dos resultados oficiais».

Com o Ocidente atolado em mais este pantâno político-militar não será sequer de estranhar que, como noticiou o PUBLICO, Philippe Morillon, o chefe da missão de observação da União Europeia, tenha declarado que apesar do clima de terror e das limitações registadas em algumas regiões do país, as eleições foram de uma forma geral “boas e justas”, quando, como noticiou o DN, outros «Observadores falam de fraude no Afeganistão».

Como nos contos de fadas, tudo está bem qundo acaba bem?...
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1 Os pashtun representam cerca de 40% da população afegã, são normalmente apontados como de ascendência hebraica e seguem maioritariamente o ramo sunita da religião islâmica.
2 Os tajiques representam cerca de 25% da população, são de origem persa e também seguem maioritariamente o ramo sunita.
3 Sobre o cultivo da papoila do ópio ver na página da UNODC as seguintes notas: Global Decrease in Opium Cultivation due to a Decrease in Afghanistan e Alternative Livelihoods for Afghan Farmers.
4 A Agência LUSA refere num despacho que «Talibãs mataram 11 funcionários eleitorais durante as eleições no Afeganistão».

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

BOAS NOTÍCIAS…

Embora já date de há alguns dias a novidade de que a «Economia portuguesa cresceu 0,3 por cento no segundo trimestre» (a par da alemã, da francesa e da grega e contrariamente ao que aconteceu na Espanha, em Inglaterra e no resto da Europa1) e que esse facto tenha sido prontamente utilizado para fins políticos, quer pelo governo quer pela oposição2, a habitual mistificação que rodeia este tipo de notícias justifica que a ela se regresse.

Primeiro para recomendar a óbvia leitura integral da notícia, que ultrapassa em muito o sensacionalismo do título e que logo no terceiro parágrafo chama a atenção para o facto da variação do PIB face ao período homólogo (segundo trimestre de 2008) ter sido negativa. Se isto ainda não for suficiente para convencer os mais renitentemente optimistas, bastará atentar nesta notícia do PUBLICO que assegura que o «Desemprego registado em Julho atinge novo pico dos últimos 30 anos» para entendermos que a crise ainda está demasiadamente longe de se poder afirmar resolvida.

Em abono da verdade se diga que isso mesmo foi referido pelo Ministro das Finanças e da Economia, Teixeira dos Santos, que assumiu uma posição bem mais realista3 que a do chefe do Governo que integra, pese embora este tenha corrigido posteriormente a afirmação inicial, quando «...reconheceu esta segunda-feira, em Amarante, que a actual situação da economia não permite concluir que Portugal esteja a viver o "fim da crise"»4.

Mas tudo isto será suficiente para ter explicado cabalmente a situação? Não o creio e por isso volto aqui a recordar que ainda existem demasiadas fragilidades e incógnitas na economia mundial (e em especial naquela que esteve na génese da tormenta que atravessamos) para alguém poder afirmar de forma consciente que vislumbra o fim da crise.

De forma rápida e sintética vejamos quais os principais sinais a monitorar:

  • a evolução da dívida externa, em termos de montantes e de pagamentos, das maiores economias mundiais e principalmente a norte-americana;
  • a evolução dos riscos de crédito e das falências das empresas financeiras;
  • a evolução do comércio mundial;

que nos poderão dar, estes sim, sinais bem mais concretos e consistentes sobre a verdadeira evolução da crise.

Assim, as notícias que vão surgindo sobre o regular aumento da dívida pública5, seja como resultante dos planos de relançamento das economias, seja como consequência dos milhares de milhões de unidades monetárias injectadas nos sistemas financeiros, a par com as que dão conta do aumento das taxas de incumprimento6, da manutenção das dificuldades no sector financeiro7 e das muitas dúvidas que ainda rodeiam as previsões da evolução do comércio mundial8, parecem bem mais propícias à formulação de reservas que ao euforismo que alguns apresentam, mesmo quando o «FMI diz que recuperação económica já começou».

Será por isso de estranhar que o debate sobre a manutenção ou a ultrapassagem de uma situação de recessão económica, embora importante em termos teóricos e académicos, se revista de um significado esotérico e de um valor seguramente reduzido para a generalidade dos cidadãos preocupados com realidades bem mais comezinhas – ainda terei salário no final do mês? – e para os quais o fundamental é o regresso a alguma normalidade económica e social?
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1 Esta informação pode ser confirmada em notícias como estas: «PIB regista subida inesperada na Alemanha e França», «PIB alemão regista crescimento surpresa no segundo trimestre»«França: PIB cresce 0,3% no segundo trimestre», «PIB da Espanha acentua quebra homóloga no 2º trimestre»
2 Como o atesta a notícia do PUBLICO, segundo a qual «Sócrates diz que o Governo está no caminho certo», ou a do DIÁRIO ECONÓMICO que refere que «Jardim diz que números do PIB são "eleitoralistas"».
3 Posição que o PUBLICO divulgou na notícia «Ministro das Finanças sustenta que ainda não é o fim da crise».
4 A notícia pode ser lida na íntegra, aqui.
5 Uma das mais esclarecedoras poderá ser esta do NOUVEL OBSERVATEUR, publicada em finais de Julho e segundo a qual o FMI prevê o disparar da dívida pública.
6 De que é exemplo esta, publicada pelo PUBLICO, anunciando que a «Taxa de incumprimento de empréstimos bate recorde nos EUA».
7 Como estas, do mesmo jornal, que refere que o «Freddie Mac solicita terceira ajuda ao Governo norte-americano» e estoutra que uns dias depois informa que a administração dispõe de «Novo plano na calha para ajudar pequenos bancos dos Estados Unidos».
8 Recorde-se que em Março deste ano o PUBLICO antevia que o «Comércio mundial vai cair 9 por cento este ano», mas em finais de Julho o JORNAL DE NOTÍCIAS, referindo previsões da Organização Mundial do Comércio, admitia que o «Comércio mundial cairá 10% este ano»

domingo, 16 de agosto de 2009

ESPERANÇA E REALIDADE

Momentos há em que as notícias ainda conseguem surpreender-nos. Talvez porque, sendo a sua generalidade negativa, quando de quando em vez ocorre alguma mais animadora, a tendência possa ser a de “embandeirar em arco” convém manter a frieza e não deixar de observar a novidade segundo os mais variados ângulos.

Tudo isto para introduzir a novidade que representa a eleição de Marwan Barghouti para o Comité Central da Fatah, o principal agrupamento que integra e dirige a OLP.

Para os menos avisados em matéria do Médio Oriente recordo que Marwan Barghouti é o líder da Fatah e uma figura emblemática associada ao movimento da Intifada palestiniana, que actualmente se encontra preso em Israel a cumprir uma pena de prisão perpétua1. Para a generalidade da população palestiniana Barghouti é também o rosto visível da oposição a Mahmoud Abbas e a maior esperança na renovação da velha liderança palestiniana cada vez mais abertamente acusada de corrupção.

Mais do que profundamente simbólica esta eleição poderá significar alguma efectiva esperança de resolução do velho conflito israelo-palestiniano?

Para tentar responder a esta questão é indispensável alargar a percepção do problema muito além de uma mera questão de liderança palestiniana (com tudo o que esta possa ter de renovação e de aumento de influência de um grupo mais jovem e profundamente ligado aos territórios ocupados da Cisjordânia ou da Faixa de Gaza2), dos sucessivos e fracassados planos de paz patrocinados por americanos e europeus e até do actual clima de fraccionismo entre a Fatah e o Hamas.

Do congresso da OLP resultou uma solução visivelmente contraditória – o reforço da liderança do tradicional Mahmoud Abbas (sucessor do histórico e carismático Arafat) mas também a ascensão de uma nova geração de líderes locais, profundamente empenhados na resistência e com claros apoios entre a população) – que terá que ser avaliada em toda a sua extensão antes da formulação de qualquer juízo válido. A manutenção de Abbas e o afastamento de outros líderes tradicionais, como Hamed Qorei (companheiro de Arafat e conhecido negociador do Acordo de Oslo que numa página do YNET NEWS não poupa críticas ao processo eleitoral) pode constituir, ainda assim, um importante passo no sentido de uma reaproximação com o Hamas (embora entre os novos eleitos se conte com Moamhed Dahlan o ex-homem forte da Fatah na Faixa de Gaza e apontado pelo Hamas como envolvido em conluios com Israel para a eliminação de Yasser Arafat3), indispensável para o relançamento da causa palestiniana.

Facto a assinalar, para já, é que a eleição de Marwan Barghouti, um estratega da Intifada conhecido pela sua moderação e capacidade de negociação com o Hamas e com os israelitas4 pode significar um novo fôlego para o processo negocial ainda que levante óbvias dúvidas entre os sectores mais radicais judeus ou palestinianos, com os primeiros a salientarem o seu papel no planeamento de atentados contra Israel e os segundos a duvidarem da sua possível “corrupção” pelos israelitas. De uma forma ou outra é para já difícil deixar de recordar o enorme paralelismo entre Barghouti, o preso da cela 28, e o célebre “Preso 46664” que conduziu a resistência negra contra o “apartheid” sul-africano.

No actual contexto internacional, especialmente depois da chegada de Barack Obama à Casa Branca e do seu discurso do Cairo5, é admissível esperar algum desanuviamento das tensões na região, facto que poderá servir como janela de oportunidade para alicerçar novas tentativas de entendimento entre palestinianos e israelitas. É certo que haverá ainda um longo caminho a percorrer, pois mesmo que o discurso de Netanyahu em resposta ao de Obama pudesse ser considerado como moderado e animador6, os seus termos e as suas limitações são de tal monta que só uma fortíssima pressão americana sobre Israel poderá permitir o acalentar de alguma ténue esperança na solução dos dois estados.

Isto mesmo é opinião corrente em círculos americanos e expressa num artigo do THE NEW YORK TIMES que claramente chama a atenção para o facto da proposta dos dois estados deixar muita coisa por resolver7, mesmo quando a entrada em cena do mais mediático e popular dos presos palestinianos possa introduzir alguma novidade e, quiçá, alguma nova dinâmica numa das situações de conflito regional mais espinhosas e mais duradouras.

Mesmo para quem não deposite muitas esperanças numa solução do tipo “dois povos-dois estados”, a perspectiva de algum apaziguamento no Médio Oriente e de alguma melhoria nas condições de vida das populações palestinianas não pode deixar de ser motivo de regozijo... se se confirmar.
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1 Mais correctamente, Barghouti foi julgado como responsável por vários ataques suicidas contra Israel, dos quais resultaram algumas dezenas de mortos, e condenado a cinco penas de prisão perpétua. Este processo judicial encontra-se envolvido em enorme polémica e contestação local e internacional. Desde o facto de Marwan Barghouti ter sido capturado pelo exército israelita em zona fora da jurisdição judaica (o que automaticamente o transforma em prisioneiro de guerra o que ao abrigo da Convenção de Genebra deveria ter inviabilizado a sua transferência e julgamento em território israelita), até às fundadas dúvidas sobre a indispensável imparcialidade dos juízes que o julgaram, pois quando logo no início do julgamento Barghouti contestou a legalidade do tribunal que o julgava, apresentando-se como um lutador pela liberdade dos povos palestiniano e judaico contra a opressão de um governo sionista, uma das juízas do colectivo invectivou-o dizendo que quem luta pela liberdade não assassina pessoas, deixando bem clara a existência de um prévio juízo sobre os factos a julgar e uma evidente falta de imparcialidade nos juízes.
2 Talvez se justifique aqui recordar que desde a fundação da OLP, por Yasser Arafat, que este movimento palestiniano sempre foi liderado por grupos de refugiados (muitos deles organizados em países árabes) e orientado para responder ao seu mais natural anseio: o regresso à Palestina. Quem sabe a eleição de uma nova geração de militantes oriundos dos territórios ocupados, como Mohamed Dahlan e Jibril Rajoub (homens ligados à segurança) ou Saeb Erekat (professor de ciência política e membro habitual da comissões negociadoras palestininas desde a décad de 1990), possa trazer algo de novo a um movimento demasiadamente desgastado pelas consequências locais dos Acordos de Oslo e pelo exercício de um poder sem efectiva independência e liberdade.
3 Esta questão foi oportunamente abordada no “post”«NOVAS IDEIAS PARA A PALESTINA», mas não foi a única vez que o nome de Mohamed Dahlan apareceu enolvido em algum tipo de polémica; também no “post” «QUANDO O LEÃO ENTRA NO JOGO DO GATO E DO RATO» referi o seu envolvimento com a administração de George W Bush (denunciado na publicação norte americana VANITY FAIR) num plano para combater e eliminar o Hamas.
4 Recorde-se que embora detido em Israel, Marwan Barghouti foi um dos grandes mediadores para o encontro celebrado, em Junho de 2003 na cidade jordana de Aqaba, entre George W Bush, Ariel Sharon e Mahmoud Abbas e também desempenhou um papel de relevo para o acordo alcançado em Fevereiro de 2007 em Meca, entre a Fatah e o Hamas.
5 Sobre o conteúdo e a importância deste discurso ver o “post” «DO ALTO DESTAS PIRÂMIDES...».
6 Sobre o conteúdo e a respectiva apreciação ver o “post” «SEGUNDO NETANYAHU».
7 O artigo «The Two-State Solution Doesn’t Solve Anything» pode e deve ser lido enquanto fonte de informação sobre o essencial do problema palestiniano num ponto de vista quase ocidental, ou não fosse um dos seus autores, Robert Malley, director do Programa para o Médio Oriente no International Crisis Group, e antigo assistente de Bill Clinton para o conflito israelo-árabe entre 1998 to 2001.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ABSURDOS NACIONAIS

Mesmo correndo o risco de me repetir, parece-me que notícias recentemente surgidas na nossa imprensa (como as que dão conta de que a «Venda de casa em Portugal sofre maior queda em 15 anos» ou que a «Classe média já está a falhar pagamentos aos bancos») devem merecer atenção, uma adequada reflexão e até algum louvor pela clarificação da informação.

No sentido de uma melhor sistematização abordemos cada notícia de “per si”, começando, obviamente, pela primeira.

Normalmente associada este tipo de notícia costumam fazer-se ouvir as lamentações dos industriais do sector da construção civil e dos empresários do sector da mediação imobiliária, esquecendo a não menos importante mas completamente desorganizada opinião dos compradores. Por isso mesmo a simples leitura do resumo publicado na página da net do ECONÓMICO, que passo a transcrever:

«A crise no sector imobiliário provocou uma quebra de 18% na venda de imóveis, mas os preços das casas até aumentaram.
No ano passado venderam-se 173,6 mil imóveis em Portugal, cerca de 500 por dia. É preciso recuar até 1992 para se encontrar um valor tão baixo.
A queda de 18% nas vendas é a maior, pelo menos, dos últimos 15 anos, segundo dados do Ministério da Justiça. Ainda assim, o valor médio de cada casa não desceu.
Os imóveis urbanos foram vendidos a um preço médio de 126 mil euros, mais 1,3% face a 2007. Os primeiros números para este ano revelam que os valores das casas continuam a subir.
»

afigura-se mais do que necessária, por não corroborar a ideia que poderia resultar da primeira leitura do título e denunciar o total absurdo que vive há vários anos o mercado imobiliário nacional, conjugando uma recessão na procura com a regular valorização dos imóveis.

Além da clara denúncia de mais este absurdo do “mercado”, a notícia reveste-se de importância acrescida (para mim e para os que há alguns anos vimos denunciando esta situação) pela raridade da sua objectividade – aqui aproveito para deixar os parabéns à jornalista Margarida Peixoto – e por confirmar aquilo que há poucas semanas escrevi no “post” «REALIDADES E FANTASIAS» quando denunciava a mistificação na notícia «Valor das casas sobe pela primeira vez desde 2007», do mesmo órgão de informação, que confundia (ou podia levar os leitores à confusão) preços de mercado do imobiliário com valores de avaliação bancária para efeitos de crédito à habitação.

Ainda sobre a questão da queda das vendas, e em jeito de comentário, sempre digo que aquela tendência se afigura perfeitamente natural e justificada por dois factores: o excesso de construção e o óbvio desajustamento entre os preços fixados para venda e a capacidade financeira dos possíveis compradores.

E este problema conduz-nos directamente ao teor da segunda notícia.

Alguém que regularmente acompanhe a evolução da economia nacional (e diga-se desde já que para o efeito não é indispensável, nem sequer necessário, qualquer formação especial) poderá estranhar que cada vez seja maior o número de famílias que não consegue suportar os encargos com a aquisição de habitação?

Quando é bem conhecida a realidade que tem levado ao aumento do rendimento do factor capital em detrimento do factor trabalho (como bem o descreveu ontem mesmo em entrevista ao I ONLINE o insuspeito ex-ministro Campos e Cunha e referindo apenas o efeito fiscal), haverá lugar a espanto, como noticiou o JORNAL DE NEGÓCIOS, quando o «Peso do malparado das famílias sobe quase 50% em dois anos»?

Esta questão do agravamento do incumprimento, se não fosse suficientemente grave pelo que representa de instabilidade e insegurança para as famílias (e por extensão para o conjunto da economia já fortemente abalada pela redução do consumo) merece especial atenção pelo que pode significar de informação sobre um possível agravamento da retracção do consumo e de factor da peso para o prolongamento da actual recessão ou para a formação de uma nova “onda” recessiva.

E mesmo que no caso português possa não ter peso suficiente para ditar o prolongamento da crise internacional, tê-lo-á seguramente no plano interno e constituirá mais um factor de preocupação para transformar o período de recuperação interno em mais um longo penar... até à próxima crise.

sábado, 8 de agosto de 2009

A RECESSÃO PERSISTENTE

Numa semana em que se sucederam notícias dos mais variados cambiantes e matizes sobre a situação económica mundial – desde a apologétima afirmação do “mago” Greenspan de que a «retoma está muito próxima», até às nenos animadoras que asseguram que nos EUA o «sector privado destruiu 371.000 empregos em Julho», que os «EUA reforça apoios ao emprego», ou que o «FMI prevê o disparar da dívida pública» francesa e passando pelas optimistas que apresentam a «Indústria da zona euro com a menor contracção nos últimos onze meses», ou que reportam as declarações em que «Trichet prevê taxas de crescimento positivas apartir de 20010» – talvez seja mais recomendável não embalarmos nos primeiros cantos de sereia enquanto nos preparamos psicologicamente para o que o futuro ainda nos poderá reservar.

Uma análise mais realistas revelará rapidamente a existência de demasiadas variáveis por controlar para que o resultado final da sua interecção possa ser favorável.

Em poucas palavras, a simples conjugação de factores como:

  • a duração da actual crise (cerca de dezoito meses, se contados a partir dos primeiros sinais efectivos de decréscimo do PIB que ocorreram em Dezembro de 2007, mas mais de dois anos se contados desde o verdadeiro despoletar da crise que foi marcado pelo rebentamento da bolha do “subprime”, o que aproxima cada vez a actual crise da mítica Grande Crise de 1929, que se arrastou por uns longos 43 meses);
  • a constatação da evidência que tem sido a retracção no comércio mundial, com os grandes países exportadores, como a China, o Japão, a Alemanha, o Canadá, a França e o Reino Unido, a registarem quebras superiores a 30% em 2008 e os próprios EUA a ultrapassarem os 20%;
  • o aumento rápido e exponencial da dívida norte-americana face ao PIB;

constituem matéria suficiente para que ninguém possa manifestar, com consciência e sólidas básicas técnicas, grandes motivos de regozijo. Se quando observados de forma isolada qualquer um daqueles factores constitui por si só razão suficiente para alguma contenção na euforia, a sua conjugação (que poderá ocorrer de forma aleatória e até com a possibilidade de algum deles se repetir1) não poderá ser encarada salvo como perspectiva ainda mais negativa.

Mesmo para os incorrigivelmente optimistas e sem querer alimentar a discussão que os académicos norte-americanos há muito mantém sobre a forma da curva da recessão2, análises como a apresentada no final de Julho e na qual «Roubini prevê nova recessão» atendendo ao crescente endividamento governamental, à subida dos preços do petróleo e ao fracasso das medidas para relançamento do emprego decididas pela administração Obama, deverão ser levadas em conta.

Seja qual for o cenário a que se atribua maiores probabilidades, aquele que antevê o início da recuperação para breve afigura-se de todo em todo inverosímel e pobres daqueles que nele creiam e continuem a actuar como até aqui, proporcionando todas as condições aos principais responsáveis pela crise e afirmando, como o fez Obama que os «EUA começam a ver a luz ao fundo do túnel».
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1Um exemplo que rapidamente surge é o da fortíssima probabilidade de ocorrência nos próximos meses do agravamento da crise financeira provocado pelo disparar do incumprimento do crédito a particulares (cartões de crédito), isto numa fase em muitos bancos ainda continuam a apresentar resultados negativos por não conseguirem sanear as suas carteiras dos produtos financeiros ligados ao “subprime”.
2A questão da forma da curva da recessão prende-se com as previsões que os especialistas fazem para o seu desenrolar. Basicamente fala-se em quatro possíveis formas: a curva em “V”, no caso de uma recessão seguida de uma rápida recuperação; a curva em “U”, quando a recessão demora a atingir o seu ponto mas baixo e se lhe segue uma recuperação igualmente lenta; a curva em “W”, quando a uma recessão em fase de recuperação se sucede outra recessão e finalmente a curva em “L”, quando a recessão se prolonga no tempo sem sinais de retoma.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

NEGAR O INEGÁVEL

É impossível negar que, quando se preparam listas para as eleições autárquicas, algo como a condenação em tribunal de um presidente de câmara em exercício de funções tenha que ser notícia de primeira importância, e para mais quando o personagem em causa é alguém com o perfil e o percurso político de Isaltino Morais1, que foi considerado por muitos como um autarca-modelo

Por incrível que pareça e contra as expectativas gerais, o Tribunal de Sintra deu como provadas quatro das acusações – corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder, fraude fiscal e branqueamento de capitais – das sete que pendiam sobre o autarca de Oeiras e condenou-o a um cúmulo de sete anos de prisão e à perda do mandato para o qual foi eleito...mas, como é normal e seria de prever, o autarca anunciou de pronto a apresentação de recurso da sentença, acto que suspende o trânsito em julgado da sentença (fórmula jurídica para dizer que aquela ainda não é efectiva) e de uma penada assegura a manutenção em liberdade e a possibilidade de se recandidatar à Câmara de Oeiras.

Se o direito de recurso é algo de inalienável e directamente associado ao processo jurídico, já a morosidade do sistema judicial português tem permitido que do seu uso, e abuso, resultem as mais iníquas situações. Para todos os efeitos legais Isaltino Morais (e os seus apoiantes) não pode continuar a afirmar que nunca foi condenado e com a agravante de os crimes praticados respeitarem directamente ao cargo público que exercia e a que se volta a candidatar.

Este subterfúgio tem sido utilizado por outros autarcas, casos de Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras2, que se viram condenados noutros tribunais nacionais ainda que as penas de prisão aplicadas tenham sido suspensas.

Os três casos apresentam características comuns (além do facto de terem como condenados figuras do poder autárquico, todos têm em comum a prática de abuso de poder) embora com condicionantes específicas
3 e resultados distintos. Se Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras beneficiaram da suspensão da sanção, já Isaltino Morais se viu condenado a pena efectiva, facto que talvez tenha justificado a sua bombástica declaração de que estará a servir de bode expiatório para o conjunto da classe política4.

O que Isaltino não referiu nas declarações que a imprensa divulgou (ou pelo menos os jornalistas não lhe deram destaque nem o questionaram directamente sobre o assunto) é que o Tribunal deu como provados os crimes a que o condenou em face da sua incapacidade para explicar a enorme divergência entre os saldos da suas contas bancárias e os rendimentos que declarou ter recebido.

Segundo esta
notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS o saldo dos depósitos em bancos estrangeiros atingiria 1,157 milhões de euros enquanto os rendimentos declarados entre 1990 e 2002 se quedaram por 351 mil euros, divergência que Isaltino Morais explicou pela alienações de património próprio, investimentos, heranças e cerca de 400 mil euros de "sobras de campanhas", não sem antes ter assegurado que os valores depositado seriam na realidade propriedade de um sobrinho, taxista na Suíça...

De facto Isaltino Morais não se contentou em praticar os crimes que o tribunal deu como provados e pelos quais o condenou. Isaltino Morais mentiu de forma deliberada e consciente aos eleitores, quando anunciou a sua demissão do governo de Durão Barroso e ao próprio tribunal.
Isaltino Morais não só mentiu, quando procurou atribuir a titularidade do dinheiro a terceiros, como ainda teve o enorme desplante de afirmar em tribunal,
como se pode ler nesta notícia do PUBLICO, que cerca de 400 mil euros respeitariam a sobras de campanhas eleitorais e que nunca terá procedido à respectiva devolução porque nunca lho pediram...

Assim, não será de admirar que, segundo se pode ler nesta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS, o próprio tribunal o tenha “acusado” de «tentar negar o inegável», facto que não impediu que a sentença reconheça que «”não foi produzida prova segura e contundente", que desse como provado que todo o dinheiro das contas da Suíça do autarca tenham na sua origem pagamentos ou contrapartidas pela prática de "tratamentos de favor"...» embora tenha ficado uma certeza «quanto aos depósitos em numerário nas contas bancárias da Suíça: Isaltino Morais era mesmo o dono das verbas, apesar de "pretender ocultar ser o verdadeiro titular das mesmas", dizendo ser uma parte do sobrinho e da irmã».

Mas o problemas dos “autarcas-bandidos”5 não é novo, nem aparenta vir a conhecer solução em breve, pelo menos enquanto na própria imprensa continuarem a surgir opiniões como esta de José Leite Pereira6, o director do JORNAL DE NOTÍCIAS, que julga necessário dizer que «...o que os cidadãos de Oeiras vão escolher é um presidente de Câmara. Não vão decidir se Isaltino Morais é culpado ou inocente...», engrossando na prática o rol dos que julgam perfeitamente aceitável que em Portugal a gestão da coisa pública continue a poder ser exercida por aqueles que têm vindo a revelar poucas ou nenhumas condições de honestidade e de ética.

É evidente que todos sabemos que o que se pretende com um acto eleitoral é escolher os que julgamos mais aptos ou capazes para o exercício de um determinado cargo ou função, mas quando entre os candidatos parece grassar um sentimento do mais profundo desrespeito pelas regras básicas da honestidade e quando os padrões éticos parecem ter sido jogados às malvas por um grupo de arrivistas que se julga todo poderoso e acima de qualquer crítica ou julgamento, resta aos pobres eleitores, abandonados neste circo de feras, usar o seu voto para gritar bem alto: «”CANDIDATOS-BANDIDOS” NÃO, OBRIGADO!», varrendo os isaltinos, os valentins, as fátimas e quejandos para os baús do esquecimento político.
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1 Iniciou as lides políticas na JSD, ainda como aluno da Faculdade de Direito de Lisboa, e exerceu o cargo de magistrado do Ministério Público, enquanto foi singrando na secção de Algés do PSD, antes de vencer a eleição para a Câmara Municipal de Oeiras em 1985. Lugar que trocaria em 2002 pelo de ministro das Cidades, Ordenamento do Território e do Ambiente, no governo de Durão, e no qual permaneceu apenas um ano, pois logo em 2003 o EXPRESSO denunciou a existência de uma conta bancária na Suíça não declarada ao Tribunal Constitucional. Demitiu-se para não perturbar a “estabilidade” do Governo, não sem assegurar a falsidade das notícias, bem como a intenção de não exercer qualquer cargo público até ao esclarecimento da situação. Porém, logo em 2005 apresenta-se para concorrer ao lugar que deixara vago na Câmara de Oeiras, mas o PSD (então liderado por Marques Mendes) pretere-o a favor de Teresa Zambujo e força-o a concorrer como independente. Vence a eleição, com mais de 1/3 dos votos, e prepara-se agora para repetir a candidatura com o apoio do grupo de cidadãos, «Isaltino – Oeiras Mais à Frente», que fundou.
2 Embora sejam vários os casos de julgamentos envolvendo autarcas acusados de crimes praticados no exercício das suas funções, os de Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras são dos mais mediáticos e deles resultou que em 2008,Valentim Loureiro fosse condenado pelos crimes de abuso de poder e prevaricação, a três anos e dois meses de prisão, com pena suspensa por igual período e à pena acessória de perda de mandato na presidência da Câmara Municipal de Gondomar; como é óbvio apresentou recurso que ainda decorre. No mesmo ano a presidente da Câmara de Felgueiras – Fátima Felgueiras – foi condenada a três anos e três meses de prisão com pena suspensa por igual período, pelos crimes de peculato, de peculato de uso e de abuso de poder.
3 Recorde-se que Fátima Felgueiras, envolvida num processo de financiamento político ilegal, protagonizou uma mediática fuga para o Brasil e que Valentim Loureiro é apenas uma das figuras envolvidas no muito conhecido processo do “Apito Dourado que envolve personagens do mundo do futebol e da política.
4 Isso mesmo serviu de título à esta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS.
5 Sobre esta questão talvez se justifique uma nova leitura dos “posts” que escrevi sobre o assunto das eleições autárquicas entre Setembro e Outubro de 2005: «PORTUGAL NO SEU MELHOR...», «PEDIDO DE DESCULPAS?», «AS AUTÁRQUICAS NA RECTA FINAL», «REFLEXÃO SOBRE O QUE NOS ESPERA» e «BALANÇO AUTÁRQUICO NACIONAL».
6 O artigo (editorial do dia 4 de Agosto) pode ser lido na íntegra aqui.

sábado, 1 de agosto de 2009

EMPRESÁRIOS MAIS RICOS DE PORTUGAL EST(AR)ÃO... MAIS POBRES?

Este é o título que deveria ter o artigo da VISÃO dedicado à análise da situação das maiores fortunas nacionais, caso ao jornalismo que geralmente se pratica nos principais meios de comunicação restasse alguns resquícios de dignidade e de rigor informativo.

A fonte da notícia é a revista EXAME
1 que no essencial apresenta uma lista dos mais ricos e da evolução das respectivas fortunas que resume, dizendo que «[a]s 25 grandes fortunas em Portugal caíram 8,5% em 2009, para os 17,7 bilhões de euros (R$ 47,2 bilhões), uma quebra registrada pelo segundo ano consecutivo».
A leitura e a publicação destes números exige um mínimo de rigor sobre o assunto para que no final não resulte o absurdo da ideia de que os infelizes ricos nacionais estão mais pobres. Assim, deve-se ter em linha de conta que a valorização das fortunas (sejam medidas em unidades portuguesas ou brasileiras2) se reporta em grande medida a capitalizações bolsistas, facto que por si só introduz grandes desvios nas valorizações devido à volatilidade e ao grande peso de factores extra-económicos, como a especulação, na formação daquela cotação.

Outro factor não menos importante é o facto das grandes fortunas serem objecto de processos de gestão mais ou menos sofisticados, incluindo o parqueamento de activos (mobiliários e imobiliários) em “offshores3, aumentando ainda mais o já elevado grau de dificuldade na respectiva avaliação.

Mesmo esclarecendo estes primeiros pontos, outros permanecem obscuros ou subentendidos, salvo a já referida ideia do rápido empobrecimento dos infelizes ricos. Entre estes destaque-se a forma acrítica como é expressa a ideia da depreciação das fortunas, sem nunca se equacionar o próprio método de avaliação e ainda menos os valores que elas terão apresentado no passado, esquecendo que aqueles valores estariam sobreavaliados4.

Outro factor não desprezível numa análise que se pretenda séria e ajustada prende-se como facto da utilização do valor de cotação dos activos induzir um novo desvio, pois aquele valor não tem em consideração (materialmente impossível) o impacto que teria sobre os mercados e a formação dos preços a formalização da mera intenção de venda dos patrimónios avaliados. Por outras palavras, o elevado volume das acções que compõem as carteiras induziria um inevitável movimento de queda nas cotações caso fosse sugerida a respectiva venda e esta só se concretizaria por valores inferiores à cotação que foi utilizada para efeitos de cálculo.

Assim, seria mais correcto dizer-se que a fortuna de Américo Amorim ou de Belmiro de Azevedo (para citar apenas dois dos mais ricos e mais conhecidos) seria de 2 mil ou de 1,4 mil milhões de euros numa determinada data e se houvesse quem se mostrasse disposto a pagar semelhantes valores.

Esta chamada de atenção justifica-se não apenas para desmistificar em parte a enormidade das grandes fortunas, mas também para reduzir a uma expressão mais próxima da realidade as notícia que por vezes se lêem sobre os grandes ganhos e as grandes perdas bolsistas. Correctamente os ganhos e os prejuízos só devem ser calculados como a diferença entre o preço de compra e o de venda, nunca entre o preço de compra e a cotação numa determinada data, pois este é apenas um ganho ou um prejuízo potencial.

Da mesma forma estimar valores para as grandes fortunas com base nas cotações dos mercados de capitais não passa de um mero exercício académico e de uma actividade para “criar” notícias.
Se assim não fosse estou em crer que os critérios de avaliação usados seriam mais rigorosos (é sempre possível recorrer ao uso do conceito de cotação média em substituição da cotação diária) e as conclusões apresentadas de forma mais ponderada. Quando por exemplo se diz os «
Mais ricos perderam 8,5% das fortunas», dever-se-ia aproveitar a oportunidade para chamar a atenção para o facto de haver mercados de capitais que registaram quebras muito superiores5, mas principalmente para recordar que o verdadeiro grande prejuízo e real empobrecimento não afecta quem viu um património de mais de 3 mil milhões de euros reduzido em 35%, mas quem, reduzido ao património do seu trabalho se vê desempregado e sem perspectivas de obter novo emprego a curto prazo.

Pobres não são os que terão deixado de ganhar alguns milhões, são os que, empurrados para o desemprego, estão a perder a própria dignidade.
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1 A revista EXAME é uma publicação luso-brasileira, especializada na área da gestão e da economia que, tal como a VISÃO, integra o universo editorial da IMPRESA. Este grupo editorial teve origem em 1972 na criação do jornal EXPRESSO, por Francisco Pinto Balsemão, e afirma-se hoje, sob a mesma direcção, como o maior grupo de comunicação social em Portugal com um volume de negócios próximo os 270 milhões de euros e uma actividade dividida em várias áreas de negócio e com interesses que abrangem uma estação de televisão (SIC), canais por cabo, o referido jornal Expresso, uma extensa carteira de revistas e incluindo a área de distribuição de publicações.
2 A referência justifica-se quando no corpo da notícia se misturam milhares de milhões com “bilhões” (designação que não existe em Portugal e não corresponde, como poderia parecer, a biliões mas sim a milhares de milhões), confusão que resulta do facto de Portugal usar a escala longa (comum na maior parte dos países europeus) e o Brasil a escala curta (seguida nos países anglo-saxónicos). Para uma informação mais aprofundada ver a página na WIKIPEDIA.
3 A este propósito recorde-se aqui esta notícia do DN que, em meados de Maio, assegurava que «Portugal é o país da UE que mais investe em “offshores».
4 Esta ideia integra-se perfeitamente nos modelos de formação do valor nos mercados de capitais, pois nestes pressupõe-se que o preço (cotação) de cada activo é resultado de duas variáveis, o valor contabilístico do activo e aquele que o “mercado” aceita pagar para o adquirir. Nesta óptica a desvalorização é nem mais nem menos que o ajustamento de uma ou daquelas duas variáveis.
5 Este facto é referido naquela notícia do DN quando a autora cita um comentário de Patinha Antão lembrando que «a crise global atingiu particularmente o sector bolsista, segmento a que as pessoas com maiores rendimentos dedicavam uma parcela significativa dos seus investimentos, a par do imobiliário».