terça-feira, 27 de março de 2018

CHOQUE E PAVOR


Quem já esqueceu que este foi o nome atribuído à campanha militar norte-americana contra um Iraque acusado de possuir um perigoso arsenal químico e que lançou o Médio Oriente em mais uma onda de desestabilização político-militar?

Embora esta seja também a designação duma doutrina militar (de origem norte-americana) datada de meados dos anos 90 do século passado, podemos remontar a sua origem décadas atrás e a circunstâncias tão diversas quanto o golpe militar chileno de Augusto Pinochet, em 1973, a Guerra das Malvinas, em 1982, ou à queda do Muro de Berlin, em 1989, eventos que foram aproveitados para o ensaio de uma verdadeira guerrilha psicológica e social visando a aplicação de agendas anti-sociais. Mais tarde outros eventos, como os atentados de 11 de setembro de 2001, o tsunami indonésio em 2004 ou o furação Katrina, que em 2005 varreu New Orleans, também terão sido explorados com o mesmo objectivo pelas correntes neoconservadoreas e neoliberais, amplamente suportadas nas teorias económicas monetaristas de Milton Friedman e da Escola de Chicago (ensaiadas pela primeira vez no Chile em 1973) e mais tarde consubstanciadas num conjunto de medidas – composto por dez regras básicas: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Livre formação das Taxas de Juro e de Câmbios; Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); Eliminação de restricções ao Investimento estrangeiro directo; Privatização das empresas públicas; Desregulamentação (suavização da legislação económica e da regulamentação do trabalho); Direito à propriedade intelectual, formuladas em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy – transformadas depois na política oficial do Fundo Monetário Internacional, quando passou a ser “receitado” para promover o “ajustamento macroeconómico” dos países em desenvolvimento sujeitos ao auxílio daquele Fundo e que ficou conhecido como o Consenso de Washington.


Vem tudo isto a propósito do recente anúncio pela Administração Trump (a mesma que ameaçou a Coreia Norte com o “Fogo e a Fúria” em represália pela continuação do seu programa nuclear) da aplicação de tarifas às importações de alumínio e aço. Com o espalhafato que lhe é habitual (e com ampla cobertura das cadeias de televisão) o actual inquilino da Casa Branca espalhou o pânico entre os seus principais parceiros económicos – México, Canadá e UE – para mais tarde anunciar que afinal as tarifas seriam aplicadas apenas à China.

Se para já Trump parece ter optado por centrar o foco no principal adversário da hegemonia norte-americana, a ameaça geral continua em aberto e essa tem sido precisamente a metedologia mais usada para impor agendas e objectivos espúrios, um pouco por todo o lado. Aquilo a que assistimos na UE desde o deflagrar da chamada crise das dívidas denominadas em euros, com a imposição de políticas de austeridade em tudo contrárias ao anunciado objectivo da redução da dívida mas fortemente aceleradoras do processo de concentração da riqueza, insere-se perfeitamente no contexto do uso de estratégias de choque para a imposição de políticas impopulares e até anti-democráticas. Que o digam os povos da Irlanda, Espanha, Grécia, Portugal e Chipre, sujeitos a processos de reduções salariais e das despesas em programas de âmbito social (na saúde, na educação e na segurança social), de liberalização das leis de protecção social e do trabalho, a par com programas de privatização de serviços básicos e essenciais (como a distribuição energética, infraestruturas portuárias e os serviços postais), que de pouco ou nada serviram salvo para degradarem as condições de vida da maioria da população.

As notícias que vão surgindo sobre o Brexit, a situação política e económica italiana, a crescente tensão com os estados europeus do Grupo de Visegrad (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) e a própria situação na Grécia e em Chipre, poderão facilmente constituir os próximos “choques” a utilizar contra os povos europeus... e se estes falharem haverá sempre o eterno fantasma dos “terrorismos” ou do perigo russo (alimentado agora com as reacções à tentativa de homicídio do agente duplo Sergei Skripal, baseadas como sucedeu em 2001 no caso do Iraque, mais em suposições que em provas factuais), porque os resultados até agora alcançados deixam antever que esta continuará a ser a estratégia privilegiada para a prossecução e consolidação dos objectivos da agenda neoliberal, nesta fase em que a organização de produção capitalista esgotou as hipóteses de crescimento natural da produção (as reservas naturais e a capacidade de produção de matérias-primas são finitas o que implica uma estagnação na formação e crescimento dos lucros) e só consegue manter o crescimento dos lucros de forma artificial, seja através de modelos meramente especulativas (a tão falada economia de casino assente na variação artifical do valor dos activos) ou da comercialização de activos financeiros completamente desligados da esfera produtiva, mediante puros artifícios contabilístico-financeiros.

sábado, 17 de março de 2018

MARX E CÉSAR DAS NEVES


Era fatal que no ano em que se assinala o centenário da Revolução Russa (os célebres 10 dias que abalaram o Mundo, como se lhe referiu John Reed) abundassem na imprensa as referências ao processo que levou à implantação dos sovietes e, por acréscimo, a quem formulou as bases ideológicas e cujo segundo centenário do nascimento se assinala também este ano.

Era igualmente fatal que entre os comentaristas – da Revolução Russa ou do pensamento de Karl Marx – surgisse também o Prof César das Neves; o reconhecido economista, professor e autor de vasta obra surgiu nas páginas do DN a lançar «Veneno na ferida», como apostrofa o principal pilar e grande inovação na obra de Marx: a luta de classes.


Apresenta como utópico o modelo conceptualizado por Marx e Engels, sugere uma alternativa onde reduz a dinâmica das sociedades à bonomia da acalmia dos ânimos, à procura de consensos e à construção de equilíbrios – tudo ideias e intenções louváveis mas apenas exequíveis após o reconhecimento e a aceitação das diferenças – ideia tanto ou mais utópica pois esteriliza o conflito social, reduzindo-o a meros mal-entendidos e confrontos, para culminar com a lapidar sentença de que “...o trabalho precisa tanto do capital como este daquele”, esquecendo que até os fundadores da escola clássica (David Ricardo e até Adam Smith) assentaram as bases da sua formulação económica na teoria da distribuição e na teoria do valor-trabalho.

O que ressalta no texto não são contributos como o papel da dialéctica na observação dos fenómenos económicos e sociais, nem a construção dum modelo explicativo da evolução das sociedades (que menospreza quando diz que no “...essencial, o modelo de Marx é o de David Ricardo...”), apenas que a formulação daquele fenómeno social gerou as piores desgraças da história... e que a “...ideia [da luta de classes] é um dos maiores crimes da humanidade”.

Preferindo a vituperação do pensador (quando escreve que “...a herança de Marx não pode ser desligada do que foi realizado em seu nome [...] Pode dizer-se que ele não tem culpa e que tais sistemas [os regimes marxistas] foram distorções, mas a raiz do mal está indubitavelmente no processo básico e fundamental de todo o modelo: a dinâmica da luta de classes) à análise do pensamento, poderemos (por extrapolação) esperar do autor uma próxima condenação das divindades pelas guerras que em seu nome foram, e serão, executadas?

terça-feira, 6 de março de 2018

VOZES NO DESERTO


Em recente entrevista ao EXPRESSO, João Ferreira do Amaral volta a abordar a questão de integrarmos ou não a moeda única.

Reconhecido crítico à adesão portuguesa ao Euro, assaca à moeda única – cuja criação considera extemporânea e a quem critica por considerá-la como mecanismo de natureza política orientado para a criação dum super Estado europeu, que desprovido desse suporte e dum sistema fiscal comum originou entraves ao normal funcionamento das diferentes economias nacionais – grande parte da responsabilidade pelo fraco crescimento que a economia nacional registou nos últimos vinte anos e não antevê melhorias para os próximos vinte.


Entendendo e concordando em parte com a análise que ao longo do tempo tem feito sobre a matéria, mas não podendo deixar de reconhecer as enormes vantagens (económicas e políticas) da moeda única, prefiro destacar a parte daquela entrevista onde afirma que «[p]ara um país da moeda única se financiar está todos os dias a olhar para o que as agências de rating dizem. Não é o caso do momento actual, porque as taxas de juro estão muito baixas. Mas, a prazo é inaceitável, significa um completo condicionamento. Isto acontece porque a única fonte que um país do euro tem hoje para se financiar é o acesso aos mercados financeiros, como uma entidade ou empresa qualquer. Nem sempre foi assim. Quando os países dispõem de emissão monetária própria, podem dosear com a utilização de financiamento monetário em situações de dificuldade», da qual se infere que talvez o problema não resida no Euro (ou no conceito de existência duma moeda única europeia, veículo facilitador de trocas entre os estados-membros que por via da sua importância no mercado internacional pudesse até funcionar como meio internacional de pagamento concorrente do dólar norte-americano) mas no erro conceptual que atirou os estados europeus para uma condição de dependência do sistema financeiro global.

É esta situação sui generis que tem que ser resolvida no âmbito da União Europeia e da Zona Euro.
Desde os primórdios da chamada crise das dívidas denominadas em euros (questão que não estando resolvida voltará, mais tarde ou mais cedo, a assombrar-nos) que se têm ouvido vozes a alertar para a necessidade de alterar os fundamentos da moeda única, mediante:

     Recuperação do controlo público da emissão de moeda;
  Conversão do BCE em financiador de primeira instância da dívida pública dos Estados-membros;
  Financiamento dos Estados-membros a taxas inferiores às da banca europeia, incluindo o financiamento automático de parte do défice público, por exemplo os 60% do PIB previstos no Tratado Orçamental;
     Harmonização fiscal no interior da Zona Euro;

passos tão indispensáveis então quanto agora e que constituem clara divergência relativamente aos que, não sei se por simples reflexo patriótico (não confundir com o populismo nacionalista, dito patriótico e de pendor xenófobo), mero pavor da ideia do controlo público (tão caro às correntes neoliberais) ou por dificuldade em expressarem uma clara oposição ao todo poderoso sistema financeiro global, defendem o puro e simples regresso às várias moedas europeias, no que isso representará de regresso a políticas autárcicas e isolacionistas, numa época onde já abundam os apelos isolacionistas e as propostas de construção de muros.

domingo, 4 de março de 2018

DE CÁTEDRA


No final da passda semana, quase coincidindo com o abandono das funções de deputado, foi revelado o destino do ex-presidente do PSD e ex-chefe de governo.

Pelas páginas do NEGÓCIOS ficámos a saber que «Passos vai dar aulas de Administração Pública e Economia» em três universidades diferentes.


Lembrando que o seu antecessor na chefia do Governo trocou também os corredores do poder pelos duma universidade, só que este fê-lo na qualidade de estudante enquanto «Passos Coelho vai ser professor de Administração Pública», algo que qualquer ignaro cidadão percebe que se adequa perfeitamente com o perfil dum primeiro-ministro que se destacou na tentativa de destruição da própria Adminsitração Pública.

O convite a Passos Coelho para ocupar um lugar de professor catedrático convidado pressupõe o reconhecimento da sua competência científica, pedagógica ou profissional (o que quer que seja que isso significa, depois de casos como o de Miguel Relvas) na área da Administração Pública, facto que me leva (e seguramente muitos comigo farão coro) a reduzir as expectativas face aos futuros quadros dessa administração, já por demais desgastada pela regular transumância praticada pelos inúmeros “jotinhas” que nela pululam há demasiado tempo, e a questionar se serão escolhas desta natureza que contribuirão para o prestígio de um ensino superior que deveria ser um farol de cultura e exigência.