terça-feira, 31 de julho de 2018

ESPECULAÇÕES


A polémica estalou no final da semana passada quando o ECONÓMICO noticiou que «Vereador do Bloco ganha milhões com prédio em Alfama», numa referência ao envolvimento dum vereador da autarquia lisboeta – Ricardo Robles, eleito pelo BE e conhecido crítico da crescente especulação imobiliária – num negócio de recuperação dum imóvel adquirido em 2014 num leilão da Segurança Social.

De imediato surgiram as criticas mal dirigidas ou meramente populistas, como este cartoon de Henrique Monteiro:

Ao que afirma aquele jornal, Robles (engenheiro civil de formação) e a irmã adquiriram um imóvel na zona de Alfama «...pagaram 347 mil euros pelo prédio, investiram outros 650 mil em obras de requalificação e chegaram a acordo com a maioria dos inquilinos para rescindir os contratos de arrendamento. Já no final de 2017, com o edifício reabilitado e com mais um andar, colocaram-no à venda numa imobiliária especializada em imóveis de luxo, com uma avaliação de 5,7 milhões de euros...»,o que configura um normal negócio no sector imobiliário, não fosse um dos sócios no projecto ser um conhecido crítico da especulação imobiliária e, acrescento eu, destacado membro do BE.

Na maioria das notícias o que mereceu maior destaque foi a enormidade do ganho potencial (4,7 milhões de euros) e a filiação política de Robles; sobre a aquisição – o tal leilão da Segurança Social que possibilitou a compra por um valor aparentemente baixo –, sobre a forma de financiamento das obras de recuperação (ao que parece através de financiamento bancário) ou sobre o valor pretendido para a venda, pouco ou nada foi dito; no fundo toda a gente criticou a sua prática mas poupou o discurso, quando na realidade teria sido bem mais curial e pedagógico “condenar” aquela mais que evidente contradição. É que qualquer pessoa pode almejar montar um negócio como aquele, slavo quem na praça pública condena essa mesma prática.

Finalmente lá surgiu a renúncia de Ricardo Robles ao cargo de vereador, o que apenas justifica um comentário: veio atrasada!

quinta-feira, 26 de julho de 2018

GESTÃO E TRABALHO


A melhoria no nível de qualificações académicas das gerações mais novas não tem sido acompanhada pela da qualidade da gestão da vasta maioria das empresas, mesmo das grande multinacionais. Este problema, que há umas décadas poderia ser atribuído à diferença de formação entre os mais novos e os mais velhos, e à ideia que estes bloqueariam a ascensão dos primeiros aos lugares mais elevados da hierarquia empresarial, subsiste mesmo em casos em que os lugares de topo são já ocupados pelos jovens promissores de elevado potencial de há uns anos...


É há muito conhecida a teoria, que ficou conhecida como o Princípio de Peter, de que numa hierarquia todo e qualquer membro tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência. Esta ideia continua actualmente a ser evidente aos mais variados níveis hierárquicos, quer na esfera pública quer na privada, e a ela se junta o Paradoxo da Estupidez enunciado por Mats Alvesson (professor de Gestão de Empresas na Universidade de Lund, Suécia) e André Spicer (professor de Comportamento Organizacional na Cass Business School da Universidade de Londres), no livro homónimo “The Stupidity Paradox”, que observou dezenas de empresas e centenas de jovens trabalhadores inteligentes e com elevados níveis de educação, para concluir que os jovens são normalmente condicionados a deixarem de pensar (desligar o cérebro) e absorvidos em tarefas particularmente entediantes.

Basicamente as empresas procuram recrutar pessoas suficientemente inteligentes para fazer prosperar o negócio e manter a imagem de dinâmica modernidade, mas não o suficiente para desafiá-lo. E não foi sempre assim?

Já nos anos 80 do século passado, quando ainda era comum ouvir-se o fatal – “sempre se fez assim” – a qualquer questão que envolvesse métodos de trabalho ou quando se falava muito dos yuppies – derivado da sigla "YUP", expressão inglesa que significa "Young Urban Professional" (Jovem Profissional Urbano), é usado para caracterizar jovens profissionais com elevada remuneração, com formação universitária e ocupação na área dos negócios; mais conservadores e materialistas que a geração anterior, os hippies, cujas causas sociais abandonaram e tendem a ser antes de mais profissionais competitivos – que eram então tidos como o modelo a seguir mas cuja aura começou a desvanecer-se com o crash de 1987 e o que ele revelou sobre o modelo de negócio envolvido.

O problema é que as grandes empresas hoje estão tão particularmente condicionadas pela burocracia que só procuram pessoas capazes de perpetuar essa herança, vivendo o climax do paradoxo da estupidez: se nada o incomodar (o paradigma do tipo que não faz ondas) será considerado um bom líder. Mas este sistema de domesticação só funciona através da aceitação dos próprios, o que terá conduzido à aplicação dum modelo dual de solução: dinheiro e infantilização.

A burocratização do pensamento, ou seja, o processo que paulatinamente tem levado à atrofia da crítica interna nas organizações através duma metódica criação de meros clones (mas duma geração muito superior à clássica ovelha Dolly, pois são diferentes por fora mas perfeitamente iguais por dentro), conduziu ao aparecimento de burocratas disfarçados de líderes, infalivelmente rodeados de yes-men (aquela melíflua carneirada que faz coro na concordância com o chefe mas absolutamente incapaz de formalizar uma ideia ou uma dúvida), cada vez mais alheados da realidade.

Podemos ainda falar sobre as consequências dos trabalhos de trampa (bullshit jobs) que não só cada vez mais inúteis como estão totalmente desligados dos valores aprendidos durante a formação, que normalmente ensinam a ter sempre ideias, ou no facto de cada vez mais jovens procurarem o ensino superior enquanto cada vez menos empregos o exigem, o que só aumenta a frustração e a desmotivação daqueles que se sentem subutilizados, mas que se vêem obrigados a aceitar essa situação.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

APARTHEID 2.0


A recente aprovação em Israel de legislação que reserva o direito à autodeterminação exclusivamente para os judeus e que estabelece o hebraico como única língua oficial, cria na prática um regime equiparado ao do famigerado apartheid sul-africano.


Até se pode dizer que isto não tem nada de novo, pois há muito que as autoridades judaicas agiam segundo as regras e princípios do sistema de apartheid; a novidade é que depois daquela aprovação tudo passou a ser mais claro e... mais difícil de negar.

Com uma curta diferença de 7 votos (62 a favor e 55 contra) o «Parlamento de Israel aprova lei que define o país como Estado exclusivamente judaico», passando a forma de lei básica (Israel, na senda da tradição anglo-saxónica, não tem constituição formal) a prática quotidiana de discriminação das minorias não judias (quase 20% da sua população é de origem árabe) que há muito executa e num claro favorecimento das teses dos grupos sionistas mais radicais.

Depois da deplorável decisão norte-americana de mudar a sua embaixada para Jerusalém (ver o post «O MURO DE TRUMP»), contrariando o sentimento da comunidade internacional e a própria resolução da ONU que fixou a Jerusalém um estatuto especial, e do crescimento das tendências nacionalistas de grande pendor radical, esta é apenas mais uma acha para a fogueira onde ardem, em fogo cada vez menos brando, aqueles valores fundamentais que fizeram alguma diferença a ponto de impossibilitar hoje qualquer contestação à afirmação de que Israel não pode continuar a apresentar-se como uma democracia!

Para quem ainda se interrogue de como aqui chegámos, sempre recordo que além do inequívoco beneplácito americano (para o qual muito tem contribuído o poderoso lobby judaico), Benjamin Netanyahu, conta ainda com:

1.    a simpatia russa, visível na permissividade com que tem aceite as incursões aéreas israelitas na Síria contra alvos iranianos;
2.     o silêncio árabe, fruto das tensões e divisões entre sunitas e xiitas, que assegura um apoio dos Estados sunitas do Médio Oriente,como a Arábia Saudita que vê em Israel um útil contrapeso na sua disputa com o Irão;
3.   o peso dos interesses económicos com a China (particularmente interessada na tecnologia avançada israelita) e o conhecido relacionamento económico e militar com a Índia;

para lhe assegurar um contexto interno e externo propício a uma realpolitik que banaliza mais este episódio do já longo, trágico e cada vez mais insolúvel conflito israelo-palestiniano.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

TRUMP E A NATO


Ainda se poderá estranhar, quando na actual conjuntura internacional o seu actor principal parece sinceramente apostado numa estratégia de pura destruição, que Donald Trump tenha (segundo uma manchete da CNN) aberto a cimeira da NATO com críticas alucinantes à Alemanha e rotulado os aliados de 'delinquentes'?


Continuando a usar e abusar das suas conhecidas capacidades histriónicas a par com técnicas de vendedor ambulante (daqueles que saltitam entre a adulação e a intimidação) e de apresentador televisivo de “reality shows”, contando que ninguém na sala o enfrente directamente, Trump foi disparando em todas as direcções quando atacou Merkel e defendeu gasto de 4% na defesa para países da NATO. Acusou a Alemanha de dependência energética da Rússia por preferir o gás natural, recebido através do gasoduto Nord Stream II, em detrimento do petróleo norte-americano que obriga a enormes investimentos em novas plataformas de acostagem e descarga e pretendeu que os membros da NATO gastem em Defesa o dobro daquilo que ainda não gastam.

Embora a generalidade dos seus interlocutores continue a privilegiar as tradicionais respostas (também chamadas de diplomáticas), como as de António Costa, que não comenta ameaças de Trump e lembra que Aliança "não nasceu ontem" ou para quem "não há nada a ganhar" confrontando Trump, enquanto Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, sempre foi recordando que deveria estimar os seus aliados, porque já não tem muitos...

Esta estratégia de constante assédio que a administração norte-americana tem utilizado em quase todos os processos negociais, revela-se, no caso concreto da NATO, como algo absurda, ou para usar a expressão de um ex-candidato presidencial, o também republicano John McCain: a prestação diplomática do Presidente na NATO foi “desoladora” mas “não uma surpresa”. Claro que a pressão para os aliados aumentarem as suas contribuições para a NATO resultam das crescentes limitações orçamentais e financeiras dos EUA, mas também não deve ser esquecido o peso do complexo militar-industrial norte-americano (na dupla vertente de ser actualmente uma das únicas actividades ainda “maid in USA” e na de grande financiador das caríssimas campanhas eleitorais norte-americanas); não será por isso inocentemente que Trump quer europeus a gastar mais para comprarem armas aos EUA?

Na habitual estratégia de “muita parra e pouca uva”, Trump ameaçou tirar EUA da NATO para forçar aliados a pagar mais, mas a cimeira acabou como tinha começado, ou seja com a Europa a dizer que irá aproximar as suas contribuições dos 2% do PIB até 2024, conforme já tinha sido anteriormente acordado, e Donald Trump a anunciar ao seu eleitorado mais uma vitória 

O que parece que ninguém disse a Donald Trump foi que a existência duma NATO que, desde o fim da guerra fria enfrenta a inexistência de um poderoso inimigo comum que lhe dê solidez estratégica, é cada vez mais uma consequência dos exclusivos interesses dos EUA e que o seu financiamento deverá respeitar essa mesma realidade. A Europa, que há muito deveria estar a privilegiar a construção do seu próprio exército comum e uma verdadeira indústria militar europeia, se tiver que aumentar o seu contributo financeiro para a NATO só o deverá fazer quando for ela a decidir o plano estratégico duma organização que desde o fim da guerra fria apenas tem servido os superiores interesses anglo-americanos.