quinta-feira, 29 de novembro de 2007

NAL CADA VEZ MAIS POLÉMICO

Precisamente quinze após aqui ter escrito sobre a necessidade de avaliar a prometida opção Portela+1 como solução válida para o projecto do NAL (pelo menos tanto quanto qualquer outra), retomo o tema após a publicação do estudo encomendado pela Associação Comercial do Porto à Universidade Católica Portuguesa.

Como era de prever o estudo aponta para significativas poupanças face às alternativas já apresentadas – Ota e Alcochete – até porque esta solução apresenta entre outras vantagens a modularidade associada ao facto de iniciar a sua actividade como infraestrutura destinada à operação de voos low cost; assim, face ao custo de três milhões de euros estimado para a opção Ota poderão ser poupados cerca de um milhão de euros, valor que aumentará para mais de 3,5 milhões com outras poupanças na rede de acessibilidades.

É óbvio que mesmo sem dispor de valores concretos nunca tive qualquer dúvida quanto às vantagens que resultarão de uma solução que não passe pela construção de uma pesada infraestrutura aeroportuária (e respectiva rede de acessibilidades) e ainda menos pelo total condicionamento da linha de TGV que deverá ligar Lisboa a Madrid e ao resto da Europa (única que se me afigura como politicamente justificável, já que dificilmente o será do ponto de vista económico).

Mas o que realmente justifica esta minha nova intervenção na questão da construção do NAL é uma notícia de hoje do DIÁRIO DE NOTÍCIAS que assegura que as opções Portela + Montijo e Pinhal Novo[1] não serão contempladas na avaliação que o governo encomendou ao LNEC. Segundo notícia aquele matutino, fonte próxima do processo garante que «”os dois estudos não vão a tempo de ser analisados". Provavelmente, serão incluídos "como anexos" ao relatório comparativo».

Perante esta possibilidade, o mínimo que me ocorre dizer é que o governo de José Sócrates parece disposto a enfrentar os grupos de interesses que defendem as hipóteses Ota e Alcochete, escolhendo um deles, mas de modo algum arriscará enfrentar os interesses do sector da construção civil, prejudicando-os nos vários milhões de euros que qualquer das obras custará. Talvez agora, que o governo parece convencido de ter vencido o déficit orçamental, já não seja preciso “obrigar” os donos das empresas de construção civil a deixar de embolsar os muitos milhares de euros de lucros que a realização da obra lhes proporcionará.

De qualquer das formas mantenho na íntegra a convicção de que continua por justificar a necessidade de um novo aeroporto e que a opção pela construção de mais uma obra faraónica só fará sentido para proporcionar um acréscimo de lucros a alguém... com o corresponde prejuízo de todos nós!
_________
[1] Resultado de um trabalho desenvolvido pelo engenheiro Pompeu dos Santos, investigador do LNEC, ontem noticiado pela TSF e que aponta a localização no Pinhal Novo como a melhor alternativa para o futuro aeroporto.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

PUTIN FOREVER

Enquanto se aproxima a data das eleições legislativas na Rússia tem-se assistido a um crescendo da limitação das actividades dos oposicionistas a Vladimir Putin. que parece já se ter decidido a ser o próximo primeiro-ministro depois de abandonar a presidência.

Particularmente mediática, pelo menos entre a imprensa ocidental, foi a detenção no último fim-de-semana do mais conhecido líder da oposição, o ex-campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, a par com outras figuras da oposição.

Mais popular na Rússia pela sua actividade enquanto jogador de xadrez que pela sua actividade política, Kasparov é apontado como possível candidato presidencial da coligação «A OUTRA RÚSSIA» que junta a sua Frente Civil Unida ao Partido Nacional Bolchevique, de Eduard Limonov, e ao Partido Republicano da Rússia, de Vladimir Ryzhkov, o que o poderá ter colocado na primeira linha dos opositores a Putin.

Num país onde o leque de forças políticas se tem revelado particularmente fluído e do qual a informação que nos chega é invariavelmente enviesada pelo ponto de vista dos partidários de Putin ou pelos seus críticos (as vozes independentes são praticamente inexistentes) e a situação interna é algo quase tão difuso como o foi ao tempo da União Soviética, torna-se particularmente difícil avaliar a correcta dimensão da informação que nos vai chegando.

Certo, para já, é que a par com o favoritismo do Partido Rússia Unida, onde pontifica a figura de Putin, os EUA e a UE já manifestaram as suas dúvidas quanto ao modo como se prepara o acto eleitoral do próximo fim-de-semana e a presença da equipa de observadores da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) parece comprometida, com responsáveis da organização e do governo russo a trocarem acusações mútuas e Putin a vir a público declarar que o que o ocidente pretende é minar a legitimidade do acto eleitoral.

Este tipo de situação, ao invés de servir os opositores de Putin poderá constituir um ponto de partida muito favorável ao actual presidente russo, tanto mais que em matéria de legitimidade eleitoral o ocidente não pode pretender-se o papel de exemplo impoluto. Veja-se os EUA – o autoproclamado bastião da democracia e da liberdade – que tem revelado enormes fragilidades democráticas, ou já foi esquecida a forma como ocorreu em 2000 a eleição de George W Bush[1] para o seu primeiro mandato? E que dizer do acordo que se diz existir entre os partidos nacionais do PS e do PSD para rever a lei eleitoral autárquica?[2] Como classificar a persistente recusa na aceitação dos votos brancos como votos validamente expressos?

Seguramente que os países ocidentais prestariam melhor serviço aos partidários russos de um sistema mais aberto, caso investissem mais na criação de modelos idóneos e de dignidade no interior dos seus próprios sistemas eleitorais e se essa mesma experiência fosse depois utilizada no sentido de melhorar aqueles sistemas, abdicando de uma estratégia de confrontação (ainda que meramente retórica) em benefício de uma prática pelo exemplo. Mas isso, todos nós sabemos que é bem mais difícil...
____________
[1] Na corrida entre o democrata Al Gore e republicano George W Bush, em face de uma sucessão de procedimentos legais interpostos pelas duas candidaturas e um interminável processo de contagem de votos no estado da Florida (onde por acaso, ou talvez não, o governador era irmão deste último) o Tribunal Supremo decidiu nomear o candidato republicano independentemente do resultado da contagem dos votos.
[2] Ver, por exemplo esta notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS.

domingo, 25 de novembro de 2007

CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ - II

3 – A questão da distribuição da água

Raras vezes referida durante os períodos de conflito ou de negociações, a água, a para com aterra, tem sido uma das questões fulcrais para o conflito entre israelitas e palestinianos.

Quem já esqueceu que a Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi despoletada por causa da água, concretamente por causa de uma intenção de desviar o Rio Jordão?

Quando é mundialmente reconhecida importância de que se reveste o acesso às fontes de água potável e sabendo-se que o território do Médio Oriente é uma das zonas mais áridas do planeta, não é de estranhar que para um estado, como o israelita, que a par com uma agressiva política de imigração apostou no desenvolvimento de uma indústria agro-comercial que é utilizadora intensiva de água, o controlo dessas fontes seja encarada como uma questão vital e de segurança nacional. Evidência desta realidade é a localização da maior parte dos colonatos judaicos em território palestiniano (sempre próximo de reservas aquíferas cuja exploração será ainda mais facilitada com a construção do famigerado muro de protecção) e a ainda hoje controversa ocupação dos Montes Golan sírios que mais que razões de natureza militar visa assegurar o acesso aos rios Jordão e Yarmouk.

4 – Os refugiados

Sessenta anos após a declaração unilateral de independência de Israel e quarenta após a Guerra dos Seis Dias os palestinianos contam, segundo dados referidos pela ONU cerca de 4,5 milhões de refugiados, constituindo hoje o povo que nessa matéria apresenta a pior situação mundial.

Dispersos em cinco grandes zonas – Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Síria e Líbano – os palestinianos pretendem manter viva a possibilidade de retorno aos territórios de onde fugiram em virtude das guerras israelo-árabes ou, mais rigorosamente, donde foram expulsos pelas tropas israelitas. Esta realidade, condenada pelas leis internacionais, tem sido negada pelos governos israelitas, mas para quem queira observar as práticas nos territórios ocupados onde é normal o tsahal[1] destruir as casas dos palestinianos suspeitos de apoiarem as acções armadas, não se torna difícil admitir que a razão estará maioritariamente do lado palestiniano.

Desde a sua formação que uma das preocupações constantes dos poderes israelitas tem sido a de assegurar uma supremacia da população judaica face ao povo que habitava aquele território. Confrontados com a pressão israelita (e com a sua poderosa máquina militar) os milhões de refugiados palestinianos rapidamente se viram convertido em joguetes dos interesses particulares de cada um dos estados árabes vizinhos onde procuraram refúgio, não sendo por isso de estranhar que para eles a questão do “direito de retorno” se tenha convertido em algo muito mais que simbólico e que melhor que ninguém deveriam ser os próprios judeus, cuja história foi fértil em acontecimentos idênticos, a entenderem.

5 – A definição das fronteiras e dos colonatos

Tão antiga e importante quanto as questões anteriores tem sido a definição das fronteiras entre Israel e os estados árabes vizinhos. Os anos que passaram já viram algumas delas resolvidas, como foi o caso das fronteiras com o Egipto e com a Jordânia (objecto de acordos bilaterais em 1979 e 1994, respectivamente), mas outras permanecem em aberto.

Além dos permanentemente sujeitos a alteração, como é o caso das delimitações da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, as fronteiras com o Líbano e a Síria permanecem questões em aberto.

A questão dos colonatos judaicos implantados em território palestiniano tem sido mais uma das eternas disputas entre árabes e judeus. Fruto de uma activa política de atracção de imigrantes não tem deixado de crescer o número de colonatos, facto que além de manter viva a animosidade ainda constitui uma importante fonte de reivindicação de novos territórios. Normalmente constituídos pelas facções judaicas mais radicais, os colonatos há muito perderam o halo mítico e equalitário dos velhos kibutz[2] tendo-se convertido em meras pontas de lança das políticas mais agressivas contra os palestinianos.

É um facto conhecido que hoje pouco mais de 400 mil judeus ocupam cerca de 40% de uma Cisjordânia onde 2,5 milhões de palestinianos foram relegados para os restantes 60%, que por acaso apresentam os solos mais pobres e mais secos. Após a ocupação militar dos Montes Golan, ter-se-ão instalado na região cerca de 20 mil colonos judaicos e que só na Cisjordânia existirão mais de uma centena de colonatos ilegais (sem aprovação das autoridades israelitas, mas que estas nada fazem para eliminar).

Este cenário revela bem as dificuldades que qualquer liderança palestiniana tem em aceitar novas concessões territoriais a Israel, tanto mais que será crescente o número de palestinianos que recusam a solução da existência de dois estado. Seja por pretenderem, como os integristas do Hamas, a instalação de um único estado muçulmano, seja por entenderem que um estado palestiniano com as limitações que lhe pretende impor Israel nunca será um estado viável, as teses dos defensores da formação de um único estado começam a tornar-se cada vez mais visíveis.

E agora...

A avaliar por uma notícia do jornal israelita Haaretz os documentos preparatórios da reunião de Annapolis não contemplam questões sensíveis como o estatuto de Jerusalém, a definição de fronteiras e o “direito de retorno” dos refugiados, que apenas serão alvo de discussão numa fase posterior. Numa palavra – e na sequência daquilo que já nos vem habituando – a administração Bush prepara-se para mais uma manobra de propaganda de resultados muito duvidosos.

Com este breve quadro talvez se torne mais fácil entender porque é que o conflito israelo-árabe continua por resolver. Enquanto o lado palestiniano parece dividido em três grandes grupos - os que apoiam a OLP e a constituição de um estado palestiniano, os que apoiam o Hamas ou outros grupos mais radicais e pretendem o fim do estado de Israel e os que advogam o princípio de um estado dois povos – o lado judaico parecendo mais homogéneo e partidário do princípio de cedência de terra em troca de paz (que esteve na origem do ineficaz Acordo de Oslo e da constituição da Autoridade Palestiniana), nem por isso deixa de também apresentar os seus dissidentes, sendo que estes, fruto do seu extremismo religioso a par com os integristas muçulmanos, parecem constituir mais uma parte do problema que parte da sua solução.

O grupo de estados árabes, vizinhos de Israel, apresenta-se igualmente dividido, oscilando entre posições como a da Arábia Saudita, que manifestou a sua intenção de presença em virtude da decisão favorável da última cimeira árabe[3], e a da Síria que faz depender a sua presença da inclusão da questão dos Montes Golan na agenda da reunião, ciente de que aquela é indispensável à estratégia norte-americana na medida em que por seu intermédio se poderão representar os interesses do Hamas, organização que governa e controla a Faixa de Gaza mas não foi convidada a participar na reunião.

Por tudo isto não será estranho que muita gente veja o futuro do Médio Oriente bastante negro… …mesmo sem querer reduzir o mérito aos muitos que no terreno vão procurando implementar pontes de diálogo entre judeus e palestinianos, arrostando muitas vezes com a incompreensão e as perseguições do seu próprio povo, muito continua por fazer até que se possa falar num verdadeiro processo de paz. Talvez aqueles que vêm defendendo novas abordagens ainda possam vir a dar um decisivo contributo para o problema, mas para tal os judeus terão que abdicar do seu sacrossanto princípio de hegemonia cultural e os palestinianos de aceitar presença daqueles no território.
______________
[1] Designação pela qual também é conhecido o exército de Israel.
[2] Um kibutz é uma forma de colectividade comunitária israelita, semelhante ao que designamos por cooperativa. Constituíram uma forma de organização do trabalho particularmente importante nos primeiros anos da existência um papel essencial na criação de Israel. Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutz foram uma experiência única israelita, neles foram formados grande número dos seus líderes militares e políticos, até porque exerceram nos primeiros conflitos israelo-árabes a função de verdadeiras bases avançadas, com colonos dispondo de treino militar e armas que combateram os exércitos árabes até à intervenção do tsahal.
[3] Este é um exemplo perfeito dos delicados equilíbrios que a dinastia Al Saud continua a praticar para assegurar a sua permanência na condução dos destinos de uma Arábia Saudita que a par com papel de guarda de dois dos mais importantes lugares religiosos (Meca e Medina) é local de origem de uma das correntes islâmicas mais radicais, o wahabismo, um dos principais países exportadores de petróleo e habitual aliado dos EUA.

sábado, 24 de novembro de 2007

CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ - I

O spot da conhecida marca de whisky que assegura que a tradição já não é o que era ainda não deve estar a passar nas televisões norte-americanas, pelo menos a julgar pelo que vai ocorrer naquele país na próxima semana. Cumprindo a tradição a administração americana em vias de abandonar a Casa Branca vai patrocinar nova conferência de paz para o Médio Oriente.

As expectativas de sucesso para a reunião que terá lugar em Annapolis são de tal maneira reduzidas que os próprios promotores nem a designam como uma conferência; ainda assim a equipa liderada por George W Bush não se tem poupado a esforços e a secretária de estado Condoleezza Rice tem-se desdobrado em contactos com os diferentes países da região, sem que isso se tenha traduzido em maiores garantias de sucesso porque não só cada estado coloca as suas próprias pré-condições de participação, como é longo o historial das iniciativas anteriores e sobejamente conhecidas as razões para o respectivo insucesso.

Independentemente de quem estará ou não presente na fotografia final junto de Bush e por mais entusiásticos que possam ser os comentários finais, dificilmente a martirizada região da Palestina e o seu povo poderão vir a beneficiar algo de significativo. Se recordarmos que desde 1967, esta será mais uma “oportunidade” em que directa ou indirectamente se debate e desenha uma solução para o conflito e onde novamente se vai voltar a falar de questões tão velhas como a definição das fronteiras dos estados de Israel e da Palestina, o futuro de Jerusalém e a situação de ocupação israelita, os colonatos judaicos na Cisjordânia e o famigerado “direito de retorno” dos palestinianos escorraçados pela guerra de 1948.

De concreto não existe um único sinal de concertação de posições sobre estes assuntos, tanto mais que recentemente Israel veio juntar uma nova exigência – o reconhecimento como “estado judaico”. Questão polémica para muitos israelitas que não se revêem num estado religioso, é-o ainda mais para os palestinianos porque da sua aceitação resultará uma automática renúncia ao reconhecimento do “direito de retorno”.

Esta estratégia israelita de fazer subir o nível das exigências nas vésperas de mais uma ronda de conversações confirma que tal como em situações passadas estes voltam a um processo negocial cientes de que poderão contar desde a primeira hora com o total apoio dos EUA e que do lado oposto continuam a prevalecer as divergências que lhes têm permitido manter a população palestiniana numa situação de total dependência.

O novo processo negocial que parece iniciar-se, tal como os anteriores, terá o seu sucesso dependente de cinco grandes questões:

1. o historial dos sucessivos fracassos;
2. o estatuto de Jerusalém;
3. a repartição da água;
4. a situação dos refugiados;
5. definição das fronteiras e dos colonatos;

que merecem uma observação mais detalhada.

1 – Breve historial das iniciativas de paz

Em ocasiões anteriores, como os Acordos de Camp David em que Israel e o Egipto assinaram um acordo de paz, ou acordos posteriormente firmados com a Jordânia e a Síria, separadamente, sempre os diferentes estados árabes foram obtendo e realizando concessões a expensas dos palestinianos, não sendo de antever que agora, quando as divisões entre os árabes não são menores, se venham a registar melhores resultados. Um pouco contra a corrente desta lógica verificou-se em 1993 a assinatura do chamado Acordo de Oslo, ao abrigo do qual judeus e palestinianos acordaram na retirada das tropas israelitas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, na criação de uma Autoridade Palestiniana que regularia os aspectos da vida corrente palestiniana e na futura criação de um estado palestiniano seguindo as Resoluções 242 e 338 da ONU.

A sequência destes acordos é já parte da história diária de todos nós. Após as sessões fotográficas em que Yitzhak Rabin e Yasser Arafat apertaram as mãos e o mundo pareceu acreditar na pacificação da Palestina não tardou que movimentos extremistas dos dois lados se apropriassem da agenda política. Em Israel Rabin viria a ser assassinado por um radical religioso enquanto nos territórios ocupados alguns movimentos, nomeadamente o Hamas, se recusaram a aceitar o fim dos confrontos e mantiveram a prática de ataques suicidas contra os israelitas. Com a subida ao poder em Israel de uma facção mais conservadora não tardou que ressurgisse nova onda de violência que rapidamente fez esquecer os possíveis progressos alcançados por Rabin e Arafat.

Mesmo considerando que Arafat pouco mais conseguiu dos israelitas que o papel de polícia dos palestinianos mais extremistas, os Acordos de Oslo podem bem ser considerados o momento em que se esteve mais perto de alguma forma de acordo entre palestinianos e israelitas, porque as tentativas seguintes foram ainda menos conseguidas que aquela.

Em 2000, e na fase final do seu segundo mandato, Bill Clinton reuniu em Camp David Ehud Barak e Yasser Arafat para nova ronda de conversações que, talvez fruto das respectivas conjunturas internas, não teve qualquer resultado prático; idêntico destino teve a proposta apresentada em 2002 pela Arábia Saudita (que uma cimeira árabe retomaria no ano em curso), segundo a qual os países árabes se comprometiam a reconhecer o estado de Israel caso este aceitasse regressar às fronteiras de 1967, reconhecesse a criação de um estado Palestiniano na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e aceitasse a implementação de uma “solução justa” para o problema dos refugiados.

Em 2003, com provável origem na necessidade sentida pela administração americana de amenizar os efeitos da auto proclamada “Guerra contra o Terror” junto das populações árabes, os EUA, a UE, a Rússia e a ONU lançaram um plano que ficou conhecido como o Roteiro para a Paz que previa a constituição de dois estados (um israelita e outro palestiniano) na região e definia o ano de 2005 como data para a sua concretização. Minado por insanáveis contradições, quer entre os membros do quarteto proponente quer entre israelitas e palestinianos, foi mais uma das iniciativas fracassadas.

A este curto historial de iniciativas políticas, mais ou menos bem intencionadas ou mais ou menos “armadilhadas” por forma a assegurar a predominância israelita e americana numa região que o petróleo tornou estratégica, podem ainda acrescentar-se algumas iniciativas mais ou menos privadas, como aquela que foi promovida em finais de 2003 por Yossi Beilin (um dos mentores israelitas dos Acordos de Oslo) e Abed Raboo (ex-ministro palestiniano da informação), que ficou conhecida como o Acordo de Genebra e que previa uma estratégia inversa à do Roteiro para a Paz (construção de um acordo para a consolidação da confiança e da segurança) e outra proposta por Ami Ayalon (ex-membro do Shin Bet, o serviço de segurança interna) e Sari Nusseibeh (antigo representante da OLP em Jerusalém); em comum os dois grupos propunham um acordo baseado na cedência palestiniana do “direito de retorno” em troca da constituição de um estado palestiniano na Cisjordânia.

2 – O estatuto de Jerusalém

Enquanto cidade reclamada pelas três principais religiões monoteístas, Jerusalém ocupa uma posição central no conflito israelo-árabe, constituindo o seu estatuto de capital um ponto de honra para os dois povos.

Sujeita a sucessivas mudanças de mãos ao longo de séculos de história, o lado oriental de Jerusalém foi militarmente ocupado por Israel durante a guerra de 1967 e rapidamente os sucessivos governos israelitas se asseguraram de que os palestinianos não pudessem voltar a ocupar esse espaço. Mesmo em flagrante violação das inúmeras resoluções que a ONU foi aprovando sobre a cidade e sem o reconhecimento internacional, os israelitas asseguram hoje uma posse efectiva dessa parte do território palestiniano, bem como das cercanias da cidade. Em termos práticos os quase 250.000 palestinianos que ainda a habitam constituem uma pequena fracção da sua população inicial, obrigada a fugir, ou mais prosaicamente expulsa, aquando da destruição das suas casas e, mesmo beneficiando de melhores condições que os que vivem na Cisjordânia, consideram-se alvo de discriminação e objecto de regulares perseguições pelos israelitas.

Apesar do cuidado posto durante a fase de ocupação na preservação dos principais lugares religiosos, nem por isso os governos de Israel têm deixado de regularmente recordar a muçulmanos e cristãos que são eles que governa uma cidade que agora apresenta no seu interior partes do famigerado muro de protecção que por iniciativa israelita está a ser erguido entre os dois povos.

(continua)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

AFINAL, TEMOS MINISTRO!

Segundo afirma o PORTUGAL DIÁRIO, o ministro das finanças, Teixeira dos Santos, afirmou no discurso de encerramento da discussão do Orçamento do Estado para 2008 que «…se não houvesse incumprimento por parte daqueles que se evadem e procuram defraudar o fisco, os contribuintes cumpridores poderiam pagar quase menos 38% de IRS ou menos 25% de IVA».

Então o que espera o ministro e o conjunto do governo de José Sócrates para decretar a redução daqueles impostos e, já agora, legislar também no sentido de que o crime de evasão fiscal passe a ser punido com prisão efectiva e sem direito a pena suspensa nem indulto presidencial.

Mesmo que as prisões nacionais ficassem um pouco mais cheias estou em crer que a maioria dos portugueses sentir-se-iam um pouco menos injustiçados e talvez até bem mais alegres por cumprirem as suas obrigações ficais.

Só mesmo num país de muito brandos costumes é que um governante teria o despudor de fazer uma afirmação deste género…

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

JUVENTUDE OU LEVIANDADE

Quando estão prestes a concluir-se três meses sobre a célebre declaração do jovem professor de Princeton, Ricardo Reis, ao DIÁRIO ECONÓMICO - “Num mês não se falará nesta crise do crédito” – a propósito da crise do “subprime” continuam a avolumar-se os sinais que a crise está para durar e é crescente o número de especialistas que em declarações avulsas vão confirmando este cenário e até antevendo um possível agravamento.

É nesta linha que se pode incluir a entrevista que o EXPRESSO realizou ao veterano Jagdish Bhagwatti[1] quando este, a propósito da pergunta se a crise do “subprime” já acabou, afirma: «Não, de maneira nenhuma. Já alterou muitas realidades na economia. Há quem tenha de vender casas por um quinto do seu valor, mas há os restantes que compram essas casas beneficiando bastante a sua situação patrimonial. Temos de fazer contas a essas duas realidades. À dos que perdem e à dos que ganham. É verdade que os receios de uma recessão podem agravar o clima económico, de forma talvez exagerada. Os investidores retraem-se e os consumidores também. Mas hoje nos EUA há mais pessoas a comprar casas porque os preços caíram. Tudo é dinâmico. Por isso, acredito que as hipóteses sobre uma recessão nos EUA são 50/50», contrariando abertamente as “teses” dos especialistas que nos últimos tempos têm tentado escamotear a dura realidade de uma economia que se julgava acima de todas as outras e de todos os problemas.

Mesmo que se procure inserir as declarações mais optimistas entre o grupo dos que defendem a imperiosa necessidade de salvaguardar a confiança dos mercados (como se os mercados fossem uma entidade asséptica e sem a mínima ligação com a economia real) é inegável que essas vozes mais optimistas estão a confrontar-se inevitavelmente com o cenário que analistas como os do LEAP – Laboratoire Européen d’Anticipation Politique já anunciavam em finais do ano passado[2].

Ainda haverá dúvidas quanto à natureza da crise que os EUA atravessam?

Desde que em finais de Agosto escrevi o post «CRISE? QUAL CRISE...» que não têm parado de crescer os sinais de que a crise apenas terá começado, pelo que me parece perfeitamente lógico reafirmar o que então disse e preparar tempos ainda mais difíceis, mesmo que essa não seja uma posição politicamente correcta, porque prefiro engrossar as fileiras dos “velhos do Restelo” a poder ser apontado como mais um dos (novos ou velhos) que levianamente esperam que tudo corra pelo melhor ou que o mercado se encarregue de tudo equilibrar.

Mas como nem tudo é negativo e é durante os períodos de maiores dificuldades que costumam surgir alguns grandes avanços teóricos, parece-me de saudar iniciativas como a há dias apresentada por uma figura de topo de um ministério indiano, que propôs uma reforma do mercado do petróleo mediante a eliminação da negociação de contratos a prazo sobre aquela mercadoria, como forma de eliminar a especulação que está a provocar a subida do respectivo preço[3].
______________
[1] Professor de economia, de origem indiana, formado em Cambridge e com um PhD pelo Massachusetts Institute of Technology, é actualmente professor de economia na Universidade de Columbia; o seu mais recente título académico é um doutoramento “honoris causa” atribuído pela Universidade Nova de Lisboa. Além do seu trabalho enquanto docente foi conselheiro de organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio, o GATT – General Agreemente on Tariffs and Trade e é autor de diversos livros onde defende os princípios e benefícios do comércio livre e da globalização.
[2] Entre outros ver este artigo datado de Dezembro de 2006.
[3] Ver a notícia do COURRIER INTERNATIONAL e já agora o que escrevi aqui sobre a mistificação do preço do petróleo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

REALISMO NACIONAL

Ao ler a mais recente crónica de Daniel Amaral no EXPRESSO na qual o autor procura demonstrar a inevitabilidade dos reduzidos aumentos salariais praticados em Portugal, país que no contexto da UE de que é membro é o que apresenta os salários mais baixos, veio-me à memória uma notícia que li, no mês passado, num jornal italiano.

Em finais do mês passado o jornal italiano LA REPUBBLICA deu á estampa uma notícia sobre algo tão aparentemente anacrónico como absolutamente impensável no mundo respeitável que é o dos negócios. O proprietário de uma fábrica local de massas alimentícias decidira unilateralmente aumentar os seus empregados em mais 200€ mensais após ter ensaiado viver durante um mês com o ordenado de 1.000€ que lhes pagava e justificava esta decisão com dois argumentos simples: primeiro, a produtividade dos trabalhadores aumentará se estes não tiverem que enfrentar o “stress” associado às dificuldades financeiras; segundo, dispondo de melhor poder de compra poderão adquirir um maior valor dos próprios produtos que vende.

Esta lógica aparentemente irrefutável é, há largos anos, contrariada por toda a teoria e argumentação económica que os mais sérios, dedicados e profundos pensadores universais têm produzido. Entre estes conta-se seguramente Daniel Amaral, porque também ele explica no seu artigo que «...acréscimos superiores à inflação mais a produtividade (3,4%) fariam subir os custos salariais unitários, o que seria péssimo. Vale a pena explicar porquê. Em termos médios, o peso dos custos laborais nos bens que produzimos é hoje da ordem dos 51% e está a subir. O mesmo peso no conjunto dos países que são nossos parceiros comerciais não vai além de 48% e está a descer. Quer isto dizer que, assumindo como equivalentes todos os outros factores, o factor preço desequilibra as relações de troca e penaliza as exportações

Enquanto o anónimo industrial Enzo Rossi se propõe esbanjar mensalmente uns milhares de euros, felizmente, continua a haver quem se preocupe com a estabilidade da vida dos trabalhadores portugueses (mesmo que os seus rendimentos representem 67% da média da zona Euro) e apele à necessidade de contenção destes no sentido de assegurar os mesmos, ou maiores, níveis de lucros aos donos das empresas; a isto chama-se realismo, até porque tudo será feito em nome dos indispensáveis equilíbrios macro-económicos.

Haverá para qualquer governante ou industrial nacional maior desígnio que o do equilíbrio das balanças?

Se este grupo diariamente se sacrifica pelo bem comum como é que não se deverá exigir idêntico esforço daqueles que trabalham?

Ajuizadamente actua o governo de José Sócrates e as confederações patronais quando, previdentemente, pretendem fixar os aumentos salariais para 2008 em 2,1% (a famigerada inflação esperada) evitando aproximar-se dos perdulários 3,4% (inflação mais ganhos de produtividade) estimados por Daniel Amaral; assim ficarão assegurados objectivos como o do equilíbrio da balança comercial (preços mais concorrenciais por via da redução dos custos de produção), a contenção da inflação e até, milagre, uma redução do endividamento.

No limite estaremos (os trabalhadores) quase todos mortos de fome, mas conseguirão (os políticos e os industriais) resolver os importantes desequilíbrios da nossa economia!

sábado, 17 de novembro de 2007

A CIDADE E AS SERRAS

O título poderia sugerir uma reflexão sobre a obra homónima ou o seu autor – Eça de Queirós – mas prosaicamente devo confessar que surgiu ao ler as notícias sobre o actual surto grevista em França.

Há quatro dias que vários sindicatos ligados ao sector ferroviário estão a provocar o caos na capital daquele país. Para quem conheça a cidade (a sua eficiente rede de transportes ferroviários) ou sobre ela tenha lido alguma coisa, sabe que uma paralisação naquele sector nevrálgico se traduz invariavelmente pela instalação do maior pandemónio, bastando para tal recordar que a população da cidade e arredores já ultrapassará os 12 milhões de habitantes, além dos sérios prejuízos provocados sobre uma economia que é considerada a sexta a nível mundial[1].

Seis meses volvidos sobre a tomada de posse de Nicolas Sarkozy como Presidente da República eis que surge a primeira verdadeira prova de força entre o novo poder e os sindicatos com a questão do alargamento da idade da reforma a assumir o papel de leit motiv da contestação, a qual deverá agravar-se quando no dia 20 a função pública e os professores entrarem também em greve. Nada disto constitui novidade para ambas as partes (os sindicatos franceses são há muito conhecidos pelas suas manifestações de força e Sarkozy já desempenhara as funções de ministro do interior no governo de Dominique de Villepin) salvo o facto da principal reivindicação agora apresentada constituir um dos temas mais escaldantes por essa Europa fora.

Bom, por toda a Europa não! Existe um pequeno rectangulo onde os governantes ainda conseguem introduzir alterações daquele tipo sem dificuldades de maior; apesar de algumas vozes de protesto e uma ou outra crítica mais feroz, o governo de José Sócrtaes conseguiu fazer em Portugal o que Sarkozy está agora a tentar.

Há semelhança da dicotomia que Eça de Queirós estabeleceu entre a França e o Portugal dos finais do século XIX, também agora se manifesta uma evidente diferenciação entre uma classe trabalhadora que resiste a mudanças gravosas no regime de previdência e segurança social e outra que pacificamente aceitou mudanças de idêntico calibre.

Bom, para um observador mais atento talvez a aceitação não tenha sido assim tão pacífica...

O que na realidade marca a diferença entre os que resistem e os outros é que no caso nacional grande número dos visados com as novas medidas estarão a adaptar-se ao novo modelo! Como?

Simples, recorrendo à proverbial capacidade de adaptação que os lusos manuais de história costumam louvar. Mesmo que de forma inconsciente uns, consciente outros, o que estará a acontecer é que os trabalhadores tenderão a ajustar o seu esforço a um período de tempo de trabalho mais dilatado.

Com a inteligente solução de aumentar a vida útil de trabalho como forma de ultrapassar a imprevidência (quando não a pura desonestidade) com que têm sido geridos os fundos que supostamente deveriam gerar os rendimentos necessários ao pagamento das reformas futuras[2], o que os modernos governos liberais e neoliberais, que campeiam por esse mundo fora, vão alcançar é uma muito provável redução da sua sacrossanta produtividade.

A confirmar-se esta hipótese, as gerações mais jovens devem ir-se preparando para sucessivos alargamentos do período de vida útil (caminha-se a passos largos para um círculo vicioso onde no limite será proibido a qualquer trabalhador morrer antes de tempo
[3]) e a uma muito provável recuperação de antigas práticas utilizadas nos tempos da escravatura para assegurar a produção mínima – a aplicação de castigos físicos aos mais “preguiçosos”...
_____________
[1] Atrás dos EUA, Japão, Alemanha, China e Grã-Bretanha.
[2] Sobre esta questão ler os seguintes posts sobre o assunto: A PROPÓSITO DA FALÊNCIA DA SEGURANÇA SOCIAL, AS MENTIRAS DA FALÊNCIA DA SEGURANÇA SOCIAL e O MODELO FUTURO PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
[3] Os governantes mais espertos, cientes da ineficácia de uma medida de mera proibição, introduzirão, no mínimo, a obrigação legal dos herdeiros pagarem os descontos a que o defunto se tenha eximido por ter morrido antes de atingido o número máximo de anos de descontos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

ENREDOS OU TEIAS?

Apesar de não haver dia que um outro meio de comunicação não refira a polémica construção do NAL, estratégia que pode bem constituir um meio para “cansar” a opinião pública e na qual não quero embarcar, não posso deixar passar em claro o que escreveu António Vitorino na sua habitual crónica semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS.

Ciente do peso institucional que lhe conferirá a sua posição de comentador nacional (figura inventada por Marcelo Rebelo de Sousa após as fracassadas tentativas de construção de uma carreira política e autárquica), com presença semanal nos écrans de televisão e sustentado no seu currículo de ex-ministro, vem novamente António Vitorino abordar aquela questão. Fá-lo de forma hierática como que querendo convencer os seus leitores que nenhum interesse particular o move, chegando mesmo a referir a necessidade de fazer acompanhar os processos de decisão política de avaliações independentes, quando escreve que «[e]m Portugal não existe a tradição, como existe, por exemplo, no Reino Unido, de constituição de comissões independentes de avaliação dos factos e de identificação das opções para resolver um problema ou tomar uma decisão. A ausência dessa tradição pode explicar-se pela dificuldade de constituir comissões que sejam reconhecidamente independentes. Mas essa dificuldade não dispensa a necessidade de alicerçar a legitimidade de uma decisão numa avaliação dos factos susceptível de ser aceite por todos os decisores políticos»

Como jurista e cultivador da dialéctica própria de qualquer processo negocial, António Vitorino, nem sequer esquece a vertente de aconselhamento quando lembra que «...nenhuma decisão política pode prescindir de se estribar numa valoração da realidade fáctica sobre que incide e em relação à qual vai agir» mas rapidamente abandona o cultivo de hipérboles e parábolas para colocar sob a mira os seus verdadeiros alvos: «...aqueles que entendiam que era desnecessário enveredar pela construção de um novo aeroporto internacional em Lisboa».

Afinal António Vitorino sempre tem uma posição e algum interesse na matéria – é um dos que entende que a construção do NAL é algo que se pode identificar com um desígnio nacional – tanto que confunde o “silêncio” imposto pelos meios de comunicação com um processo de aceitação tácita.

Se muitos se mostram satisfeitos com o simples facto de ter surgido uma alternativa à construção de um faraónico aeroporto na Ota e que esta seja um desnecessário aeroporto em Alcochete, outros tantos como eu mantém intactas as dúvidas iniciais porque continuam à espera de ver cabalmente justificada a necessidade de uma nova infraestrutura. Este é o primeiro passo indispensável ao início do debate. Caso se comprove aquela necessidade deverá então dar-se início ao debate de uma segunda questão: que tipo de aeroporto necessitaremos na realidade?

Um novo e grande aeroporto internacional ou apenas um que complemente o actual? Por último, e em função desta opção se deverá dar início ao processo de escolha da sua futura localização.

Para não variar quase tudo tem sido feito ao contrário. Desde uma polémica opção pela construção de uma gigantesca infraestrutura, decida há décadas e sem se ter em conta as novas realidades no sector dos transportes, até à escolha da sua localização em função de uma futura rede de comboios de alta velocidade cujo desenho me parece desaconselhável para a dimensão e falta de meios financeiros do país.

Por tudo isto e agora reforçado pela leitura do artigo de António Vitorino, estou cada vez mais convencido que a intenção de construção de um NAL não é apenas uma manifestação pacóvia de mais um governante nacional que quer ficar recordado na História em associação com um qualquer Campeonato da Europa de Futebol e os dez estádios construídos de raiz, uma Exposição Internacional, um Centro Cultural, a adesão à CEE, a Exposição do Mundo Português, um Convento de Mafra ou um Mosteiro do Jerónimos, o que realmente estará por detrás de toda esta movimentação é o favorecimento a uma plêiade de especuladores que continuam a laboriosamente tecer a teia do nosso subdesenvolvimento.

Por detrás da pobreza de espírito de quem quis e continua a querer ser reconhecido pelas obras de betão, em detrimento do bem-estar dos seus contemporâneos, sempre estão os que se aproveitam da pequenez daqueles e dos incautos que julgam ser todos os outros.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

ARAFAT CONTINUA A MATAR

Este podia bem ter sido o título escolhido por algum jornal mais sensacionalista que tivesse coberto as celebrações do terceiro aniversário da morte do histórico líder palestiniano e em especial as organizadas na Faixa de Gaza, na sequência das quais um novo tiroteio entre militantes da Fatah e do Hamas se saldou por sete mortos e cento e trinta feridos.

Este incidente é apenas mais um que assinala e aprofunda a divisão entre palestinianos que deveriam encontrar na situação criada pela ocupação israelita dos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza uma razão acrescida para a sua unidade e identificação de objectivos. Sem esquecer que ambos os territórios vivem uma realidade político-militar distinta – a Faixa de Gaza é, desde Junho deste ano, governada pelo Hamas enquanto a Cisjordânia se mantém sob controlo da Fatah – que poderá bem ser fruto de muito mais que a mera disputa política entre aqueles grupos já que desde 1948, ano da criação do Estado de Israel, que têm conhecido sortes distintas[1].


A realidade é que o governo israelita continua a manter uma posição de recusa de negociações o que efectivamente prolonga a ocupação dos territórios palestinianos, continua a degradar as débeis condições de vida das populações e mantém a prática de anexações territoriais sem que da comunidade internacional se façam ouvir vozes suficientemente poderosas para porem termo a esta situação.

Actuando com total impunidade e mais recentemente sob o manto da luta contra o terrorismo, os governos israelitas continuam a destruir casas e terrenos de cultivo palestiniano com o simples propósito de expulsar os seus proprietários e assim procurar disfarçar a inegável realidade que constitui o facto da população judaica representar uma minoria face à população palestiniana.

No terreno as populações palestinianas continuam a depender do auxílio internacional que vai chegando por entre as apertadas restrições e as constantes limitações impostas pelas medidas de segurança israelitas, que mais não pretendem que perpetuar a situação de dependência palestiniana enquanto se asseguram da máxima liberdade para prosseguirem a política de apartheid que há décadas impõem a uma maioria palestiniana cada vez mais empobrecida e de tudo desprovida.


O sucesso desta estratégia, para qual Yasser Arafat também deu o seu contributo[2], está agora particularmente dependente da passividade e subserviência do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, pelo menos até que a II Intifada tenha produzido uma nova geração de líderes mais disposta a apontar novos rumos à luta de libertação. Isto mesmo poderá já estar a acontecer quando começam a ser comuns apelos como o de Mohammed Khatib[3]:

«No fim todos teremos de viver nesta terra como iguais. Quando esse tempo chegar descobriremos que temos mais em comum do que pensamos. Até lá não aceitaremos pequenos nadas feitos de palavras como “estado” e “soberania” quando sabemos que no interior do nosso “estado” não temos acesso à nossa água ou à liberdade de movimentos sem a autorização israelita. Não serei livre enquanto os colonatos e os muros dividirem e roubarem a minha terra e cercarem a minha capital, Jerusalém.

Sofremos demasiado, durante demasiado tempo. Não aceitaremos um apartheid disfarçado de paz. Não nos contentaremos com menos que a nossa liberdade.»[4]

Pelo menos a esperança não estará perdida!
___________
[1] Com a declaração unilateral do Estado de Israel a Cisjordânia foi colocada sob a tutela administrativa da Jordânia enquanto a Faixa de Gaza ficou sob administração egípcia, factos que terão desde logo ajudado ao “afastamento” entre as populações dos dois territórios.
[2] Quando, esquecendo uma das reivindicações mais caras ao povo palestiniano – a do direito ao regresso dos refugiados provocados pelas guerras israelo-árabes -, aderiu à negociação com Israel e à política de «paz por terra» que culminou no Acordo de Paz de Oslo de 1993 e na criação da Autoridade Palestiniana como entidade gestora dos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
[3] Mohammed Khatib é membro do Conselho Municipal de Bil’in e um dos membros mais influentes do Comité Popular Contra o Muro de Bil’in.
[4] Versão integral do texto, em inglês, aqui.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

ESTARÃO AS COMADRES ZANGADAS?

A avaliar pelas notícias que ontem e hoje começaram a circular nas televisões e jornais tudo indica que os vários interesses e interessados na instalação do NAL não estarão placidamente à espera da decisão do governo de José Sócrates.

Ontem o próprio presidente da CIP, Francisco van Zeller, veio a público denunciar o que diz ser uma campanha orquestrada pelo ministro Mário Lino contra a solução que a sua corporação apresentou. Verdade ou não o que é facto é que nos últimos dias foi dada a conhecer a posição da RAVE sobre a opção Alcochete para a instalação do NAL e esta pronuncia-se contra a solução da construção de uma ligação Beato-Montijo e a favor da Chelas-Barreiro.

Enquanto se vão divulgando paulatinamente algumas questões em torno das duas grandes opções até agora apresentadas, Ota ou Alcochete, e os respectivos paladinos vão esgrimindo argumentos e contra-argumentos, continuamos à espera de ver respondida a questão essencial em torno da construção do NAL – PRECISAREMOS MESMO DE UM NOVO AEROPORTO?

Para todos os efeitos ainda não terá sido produzido nenhum estudo actualizado sobre o futuro do transporte aéreo tendo em conta variáveis actuais como o preço dos combustíveis e a influência da entrada em funcionamento de ligações ferroviárias de alta velocidade; a título de exemplo recordo que na vizinha Espanha após a instalação de uma linha de Alta Velocidade ligando Sevilha a Madrid se registou uma significativa inflexão no uso das diferentes alternativas de transporte que o gráfico documenta.

Porque mais importante que os ganhos que alguns sectores da economia poderão obter da construção do NAL é avaliar os custos reais associados a um projecto que por ausência de adequado planeamento e real necessidade mais não servirá que para aumentar os ganhos do usual grupo de especuladores que há muito já iniciaram a “corrida aos melhores lugares”.

Por isso, desde a primeira hora que defendo a indispensabilidade do estudo da opção zero como ponto de partida para a decisão de construção do NAL, que caso se justifique terá ainda que ser comparado com uma terceira opção já referida, mas ainda não estudada, a chamada Portela+1.

Só depois de todas estas opções avaliadas é que os decisores políticos poderão afirmar estar na posse da informação mínima para a tomada de decisão. Sem estarem cumpridas estas etapas a decisão, qualquer que ela seja, não deixará de ser ditada por outros interesses que obviamente não serão os da maioria da população portuguesa.

sábado, 10 de novembro de 2007

O DILEMA PAQUISTANÊS

Prometida em Agosto passado por responsáveis governamentais paquistaneses, eis que chegou a implantação do estado de emergência àquele país islâmico[1].

Quando parecia estar a dar frutos a estratégia norte-americana de futura divisão do poder entre o actual ditador militar Pervez Musharraf e a ex-primeiro-ministro Benazir Bhutto, eis que pretendendo manter o país sujeito à sua vontade, sob permanente pressão dos movimentos islâmicos radicais e receando uma decisão desfavorável do Supremo Tribunal que o impedisse de manter a presidência do país, Musharraf terá optado pelo mal menor e pela solução que melhor conhece – o uso da força e a declaração do estado de emergência.

Tal como já aconteceu este ano, quando Iftikhar Mohammad Chaudhry, o presidente do Supremo Tribunal, foi afastado das suas funções[2], os advogados e juízes voltam a manifestar-se como a principal fonte de oposição ao poder militar enquanto se aguarda que a recém chegada líder do PPP (Partido do Povo Paquistanês) Benazir Bhutto decida se também pretende engrossar a lista dos contestatários ou manter-se fiel aos acordos firmados com a secretaria de estado norte-americana e aguardar pelo desenrolar dos acontecimentos.

As incógnitas são múltiplas, porque se pouca gente duvida da verdadeira razão para a aplicação do estado de emergência[3] e a limitação das poucas liberdades vigentes no Paquistão, começa a crescer a convicção de que os principais beneficiados estarão a ser os grupos radicais islâmicos contra os quais Musharraf diz ter agido. Enquanto americanos e ingleses tentam desesperadamente não “perder” o grande aliado na «guerra contra o terror» inventada pelos neocons, no terreno o confronto entre Musharraf e Benazir Bhutto parece estar a ganhar novos contornos.

Afastados parecem os tempos em que tudo se resumiria a uma briga de cão e gato (ou gata) apadrinhada pela inefável secretária de estado norte-americano, Condoleezza Rice, como então os retratou Jeff Danziger nas páginas do New York Times...

porque embora se mantenha a indefinição quanto à posição de Benazir Bhutto e do seu PPP – dividida que está entre manter os acordos com os americanos que lhe darão acesso directo e rápido ao poder e integrar o movimento que nas ruas vai contestando a política de Musharraf – esta veio recentemente reafirmar os termos para o acordo, quando ameaçou apelar à mobilização dos partidários do PPP caso Musharraf não aceite restaurar a constituição, não anuncie a data das próximas eleições e não abandone o cargo militar de chefe do estado-maior.

Enquanto se sucedem as notícias sobre prisões de opositores (com as prisões domiciliárias de Chaudhry e de Benazir a revelarem-se respectivamente a mais representativa e as mais mediática), o correspondente local da BBC[4] assegura que aqueles mesmos termos terão sido reafirmados telefonicamente por George W Bush e que poderão até já ter produzido algum efeito uma vez que o general anunciou posteriormente a realização de eleições em 15 de Fevereiro do próximo ano. Porém, na opinião dos seus opositores esta não passará de mais um logro uma vez que têm sido múltiplos os avanços e recuos dos militares quanto à realização de eleições e o inevitável regresso aos quartéis.

Como que a dar razão a esta leitura, em resposta às suas declarações Benazir Bhutto foi colocada em situação de prisão domiciliária e impedida de participar em qualquer manifestação; este facto não parece preocupar uma parte da oposição na medida em que para alguns dos seus líderes a actuação de Benazir Bhutto caracteriza-se por uma manifesta indecisão quanto a integrar o movimento de oposição aos militares.

Um dos críticos assumidos de Benazir é Imran Khan líder do PTI (Pakistan Tehreek-e-Insaf ou Movimento para a Justiça, partido que ajudou a fundar em 1997) e ex-capitão da equipa paquistanesa de cricket[5] que venceu a Taça do Mundo em 1992, que se opõe frontalmente a que Musharraf continue a exercer qualquer tipo de cargo no Paquistão; o seu principal problema é que continua a ser mais conhecido pelos feitos desportivos e pelo papel de playboy que pela sua actuação política e não dispõe da capacidade de mobilização popular equivalente à de Benazir.

A estratégia ambivalente desta deverá começar a ser cada vez mais encarada como uma parte do problema, tanto mais que paralelamente se torna cada vez mais evidente a incapacidade dos militares paquistaneses lidarem com os extremistas islâmicos, num território que além de vizinho partilha fortes ligações tribais com o cada vez mais problemático Afeganistão.

Aliás, o fenómeno da ambivalência parece der uma nota dominante na política paquistanesa. Começando na já referida actuação de Benazir Bhutto durante a actual crise, passando pela de Musharraf que justifica a instauração do estado de emergência como meio de combate aos extremistas islâmicos mas deste resulta a suspensão das liberdades cívicas, a prisão de juízes, advogados, políticos oposicionistas e estudantes enquanto liberta extremistas islâmicos ao abrigo de um acordo de troca de prisioneiros e acabando nas conhecidas ligações entre o ISI (serviços secretos paquistaneses) e a Al-Qaeda[6], tudo reforça a imagem de reduzida credibilidade de um país que desde a sua fundação há sessenta anos nunca conheceu uma verdadeira estabilidade de regime, oscilando entre períodos de alguma democraticidade com outros de ditadura militar.

Talvez por tudo isto a preocupação dos países ocidentais com o desenvolvimento da actual crise seja perfeitamente justificada, tanto mais que o Paquistão, a par com a Índia e Israel, é um dos países da zona que dispõe de tecnologia nuclear (do seu interior terá partido o know how[7] que facilitou à Coreia do Norte a entrada no clube dos países com armamento nuclear) e a instabilidade reinante pode bem constituir uma oportunidade de ouro para grupos extremistas conseguirem obter material e equipamento nuclear. Esta hipótese estará entre as principais preocupações da administração Bush e é apresentada como principal justificação para o apoio que mantém ao general Musharraf, mesmo quando este se tem revelado totalmente ineficaz na estratégia de combate à Al-Qaeda.

________________
[1] Veja-se o que a propósito desta hipótese e da crise da Mesquita Vermelha escrevi aqui.
[2] No início deste ano o presidente do Supremo Tribunal paquistanês foi afastado do cargo, decisão a que se seguiu um período de manifestações e confrontações entre autoridades e advogados até à reinstalação de Chaudhry no cargo.
[3] O estado de emergência traduz-se entre outras medidas na suspensão das salvaguardas constitucionais sobre liberdades e segurança, aumenta os poderes policiais de detenção e privação de assistência jurídica, suspende o funcionamento dos meios de informação.
[4] Veja a notícia aqui.
[5] Desporto considerado por muitos como parecido com o basebol americano; as suas origens remontam à Idade Média tendo-se tornado num desporto bastante admirado no Reino Unido, na Índia e no Paquistão. É disputado por duas equipas com onze jogadores, num campo sem dimensões fixas, com cada uma das equipas a tentar, à vez, atingir o alvo do adversário (três varetas fincadas no solo, chamadas wicket); os jogadores das duas equipas tomam posições de ataque ou defesa, de acordo com a posse da bola, e agem com o objectivo de atacar ou defender o wicket.
[6] Esta organização, que sempre tem mantido fortes laços com a CIA, foi por esta utilizada para fomentar o movimento taliban na oposição à presença soviética no Afeganistão e, como recentemente se pode comprovar no incidente da Mesquita Vermelha, com ele continua a manter relações particularmente estreitas.
[7] É habitualmente atribuído ao paquistanês Abdul Qadeer Khan, designado pai da bomba atómica paquistanesa, a proliferação dessa tecnologia por outros países, entre os quais a Coreia do Norte.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O PAPEL DAS ONG

O incidente recentemente ocorrido no Chade que envolve uma ONG francesa - a Arche de Zoé - e uma centena de crianças que esta pretendia transportar para a Europa, alegadamente órfãos da região do Darfur[1], para serem alvo de adopção, recolocou na ordem do dia uma questão que recorrentemente surge: a da actuação das ONG em cenários de catástrofe.

Há muitos anos que se multiplicam as interrogações sobre a utilidade da maior parte destas organizações. Mesmo sem querer pôr em causa o voluntarismo e a boa vontade que moverá a grande maioria dos intervenientes, casos como este não só deterioram o clima de trabalho das restantes ONG (onde quer que estas operem) como colocam os seus voluntários em situação de crescente risco.

Polémica política aparte – e neste capítulo o governo de Sarkozy terá agido particularmente mal em quase todas as fases do processo quer quando, conhecedor dos contornos da operação ou não, disponibilizou meios militares em apoio da Arche de Zoé para em seguida informar o governo chadiano sobre a acção da ONG e acabar agora pela voz do seu presidente a afirmar que «resgatará todos os detidos seja qual for o crime que cometeram» - e após um completo apuramento das responsabilidades dos envolvidos no polémico assunto (já se fala em pagamentos de vários milhares de euros realizados pelas “famílias adoptantes”) deveria ser dado lugar a um profunda reflexão sobre os modelos de actuação das ONG em acções humanitárias.
Independentemente do evidente conflito de interesses que mantém vivo o que tudo indica seja um cenário de limpeza étnica no Darfur e da inegável tentação de intervenção militar que o governo francês vem revelando, o debate sobre os modelos de funcionamento das ONG e os princípios éticos e diplomáticos que terão que respeitar parece cada vez mais necessário e deveriam ser os principais responsáveis pelas ONG a fomentar e facilitar esse mesmo debate.

Além das questões de natureza ética que deveriam presidir à actuação destas organizações há ainda que considerar a avaliação dos efeitos da sua presença em termos culturais e religiosos[2], porque o facto do Ocidente ter abandonado os modelos colonialistas não significa que os territórios e as populações até há poucas gerações colonizados não sintam ainda o seu prolongado efeito[3].

Neste caso, como em tantos outros no nosso dia-a-dia, é bem adequado o ditado popular que lembra que «de boas intenções está o Inferno cheio» e serão seguramente meritórias todas as iniciativas que contribuam para minorar os efeitos físicos e materiais dos conflitos que um pouco por todo o lado continuam a deteriorar as condições de vida das populações das regiões mais carenciadas, mas que de modo algum interfiram com o direito dos povos escolherem e manterem os seus modelos culturais.
____________
[1] O Darfur é uma região do Sudão, próxima da fronteira com o Chade, a República Centro Africana e a Líbia, onde decorre um conflito armado, iniciado em Fevereiro de 2003, que opõe principalmente forças muçulmanas de origem árabe aos não-árabes da área; segundo algumas fontes os milicianos estarão a ser apoiados pelo governo sudanês que nega o envolvimento. Embora não oficialmente reconhecido como genocídio a Organização Mundial de Saúde estimava em 2004 que já teriam morrido mais de 50 mil pessoas enquanto diversas ONG apontam para que o número atinja os 400 mil mortos e 2 milhões de deslocados. Enquanto isto, em termos diplomáticos, arrasta-se a decisão tomada pela ONU em Agosto de 2006 de enviar uma força internacional de manutenção de paz face à oposição do governo sudanês.
[2] Recorde-se o caso recentemente ocorrido no Afeganistão com os membros de uma organização religiosa sul-coreana
[3] Exemplo disso mesmo surge neste caso recente quando se debate a nacionalidade das crianças que a Arche de Zoé pretendia transferir do Chade; em regiões onde imperam ainda estreitos laços tribais o conceito de nacionalidade (associado à definição de linhas fronteiriças artificiais que não respeitam os tradicionais limites tribais) é algo de muito vago ou de todo em todo inexistente.

domingo, 4 de novembro de 2007

ATENÇÃO AO QUE SE LÊ NOS JORNAIS

Na semana que agora terminou voltou a ser notícia um novo recorde do preço do petróleo. O DIÁRIO ECONÓMICO informava num dia que o petróleo bate novos recordes em Londres e Nova Iorque e no dia seguinte que o choque petrolífero será a sério em 2008, fundamentando esta afirmação no pressuposto de que «...o euro deixará de proteger a economia da subida imparável dos preços do petróleo (importado) e do qual Portugal é totalmente dependente».

Por curiosidade, no mesmo dia o LE MONDE escrevia que o petróleo e o euro continuam a subir e que os mercados anteviam já que o FED voltasse a cortar a sua taxa de referência na sua reunião de final do mês (o que se confirmou com a redução de 4,75% para 4,5%), que o mesmo é dizer que será de esperar que o dólar continue a perder valor, ou pelo menos não o recupere rapidamente, face ao euro e às principais moedas mundiais.

O que deve pensar quem tenha lido estas notícias?

Será que vamos mesmo enfrentar um ciclo de subida generalizada dos preços?

Para facilitar a resposta, separemos as duas questões: o comentário das notícias e o da situação real.

Fazendo fé no LE MONDE o que escreveu Luís Reis Ribeiro no DIÁRIO ECONÓMICO deixa de ser um exercício de análise económica para passar a ser uma mera manobra de desinformação. Que os preços aumentarão em Portugal no próximo ano não me suscita qualquer dúvida (bem como o facto de dependermos totalmente do petróleo importado), já as razões para esse aumento de preços serão diversas da enunciada pelo articulista.

Repetindo uma expressão que usei no meu “post” anterior, a tese da culpabilização do petróleo pela subida generalizada dos preços constitui apenas mais uma barbaridade pseudo económica.

Duvidam?

Então vejamos qual tem sido a evolução do preço do petróleo.

Segundo dados disponibilizados na página oficial da OPEP na Internet, os preços médios anuais do barril de petróleo pago no mercado internacional, têm sido os seguintes desde 1994:

Este gráfico que traduz a evolução do preço médio anual “spot[1] de um cabaz de países produtores deve ser comparado com a evolução das cotações do petróleo nos mercados a prazo (por exemplo o NYSE):
no qual se verificam os tais preços “históricos” que são objecto de notícia nos meios de comunicação, mas de modo algum reflectem o preço a que o barril é realmente transaccionado.

Para o confirmar vejam os dois gráficos sobrepostos[2]:

e notem que os preços médios anuais são tanto mais divergentes com as cotações a prazo quanto maiores forem as respectivas oscilações[3].

Se isto parecer pouco claro, note-se que sendo inegável a tendência de subida do preço do crude, particularmente visível após a invasão americana do Iraque, não é menos verdade que o preço a que efectivamente as gasolineiras adquirem a matéria prima para refinação e transformação se encontra longe dos valores normalmente referidos nas notícias, porque estas respeitam a preços especulativos praticados num mercado a prazo que pouco ou nada têm a ver com os efectivamente praticados no mercado à vista.

Clarificada a questão da interpretação das notícias com que diariamente somos bombardeados, vejamos o que será de esperar no futuro próximo.

Se para os mais informados, ou mais pessimistas, não restarão muitas dúvidas de que o próximo ano trará novo aumento generalizado dos preços, tanto mais que os últimos números adiantados para a inflação em 2007 andam entre os 2,3% e os 2,4% quando em média os salários no início do ano sofreram uma actualização inferior a 2%, resta perceber qual o peso representado pelos combustíveis.

Sendo facilmente entendível a importância que tem para os orçamentos das famílias a variação do preço dos combustíveis, agora que a globalização dos mercados determinou um aumento exponencial do volume de transporte das mercadorias cuja produção foi deslocalizada para regiões de mão-de-obra mais barata ou dotadas de melhores condições naturais, é preciso conhecer melhor como é formado aquele preço. Contrariando a tendência dominante entre nós de atribuir o aumento do preço dos combustíveis à componente fiscal, Eugénio Rosa chamou oportunamente a atenção num recente artigo sobre a explicação para o crescimento dos lucros da GALP[4], demonstrando que não é apenas o agravamento fiscal o responsável pelos aumentos mas principalmente o aumento do lucro daquela empresa oligopolista[5]. Na comparação que realizou para os quinze países da UE ressaltam algumas conclusões interessantes:

nomeadamente as variações registadas nos preços sem impostos e nas cargas fiscais que revelam que Portugal integra o grupo de países que apresentam preço antes de impostos, preço de venda e imposto superiores à média, que a Grécia (economia em muito comparável à nossa) é o país que apresenta o segundo preço sem imposto mais elevado mas graças ao menor peso da carga fiscal é o que apresenta o preço de venda mais baixo do conjunto observado e que a Inglaterra beneficiando de um dos preços antes de impostos mais reduzido (para algo deverá servir a sua posição de ex-colonizador no Médio Oriente e o seu pronto alinhamento com a política norte-americana) é o que aplica uma maior carga fiscal.

Vistos há muitos anos como meio fácil de receita fiscal, os combustíveis têm sofrido o efeito da subida do preço do crude (petróleo bruto à saída dos poços de extracção), mas principalmente o aumento da carga fiscal e do ganho dos intermediários em todo o processo de refinação (transformação do crude nos múltiplos derivados dele obtidos) e de distribuição, não sendo por isso de estranhar o seu importante contributo para o aumento generalizado dos preços o que reforça a ideia transmitida pelo articulista do DIÁRIO ECONÓMICO de que em 2008 tudo será mais caro!

Mas o que ninguém deve esquecer é que os aumentos que o próximo ano nos trará não serão consequência principal do aumento do petróleo, tanto mais que o seu preço medido em euros está inferior ao registado em 2006 e não é previsível que o dólar (moeda em que ainda é cotado o crude) venha a valorizar-se significativamente, mas resultado da incapacidade de sucessivos governos para prosseguirem políticas que não subordinem o bem estar das populações à exclusiva necessidade de contenção do deficit nem pactuem com o oportunismo daqueles que tentam esconder o acréscimo dos seus lucros por detrás da cortina do preço do petróleo.
_____________

[1] Designa-se por preço “spot” ou “á vista” aquele que é efectivamente pago no acto de transacção de bens e serviços por oposição ao preço “a prazo”, ou seja aquele que alguém pode vir a pagar.
[2] Esta sobreposição é um “trabalho caseiro” pelo que os resultados não podem ser entendidos como rigorosos, mas é suficiente para visualizar a ideia que pretendo transmitir.
[3] É este fenómeno que se designa por volatilidade e traduz, nem mais nem menos, que a incerteza que se pensa existir sobre o produto em causa; no caso concreto do petróleo são normalmente aceites como factores influentes sobre a volatilidade os possíveis cenários de conflito nas zonas de produção, as tempestades (por causa das plataformas “offshore”) e as flutuações do dólar (moeda em que tradicionalmente se denominam os contratos).
[4] Ver o artigo Porque os lucros da GALP aumentaram 71% no 1º semestre de 2007?.
[5] Empresa que pratica, conjuntamente com outra ou outras do mesmo sector de actividade, uma forma de domínio e concertação sobre o mercado, seja através da criação de barreiras à entrada de novos concorrentes seja na concertação dos preços de venda dos seus produtos. Esta prática de concertação de preços, a forma mais simples de oligopólio, também se designa por cartel; formas mais avançadas de oligopólio são o trust - quando as empresas abdicam da sua autonomia para constituírem uma única organização empresarial - e o holding - quando criam uma nova entidade para gerir o conjunto das participações sociais.