domingo, 29 de junho de 2008

RUMORES CADA VEZ MAIS FORTES

No passado dia 18, tomando como mote um artigo de Mário Soares publicado na véspera no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, dei aqui conta das conclusões apresentadas no último relatório do “think tank” europeu LEAP/E2020 que apontava entre outras previsões para a falência do sistema financeiro mundial, o rebentamento das bolhas especulativas e a entrada em recessão das economias europeias periféricas, com as do centro a abrandarem o crescimento, previsões que muita gente terá recebido sem grande atenção por as considerar demasiado alarmistas; porém, logo no dia seguinte àquele “post” o EXPRESSO publicou uma notícia – “Crash” bolsista – onde veiculava as opiniões de um especialista do Royal Bank of Scotland, Bob Janjuah, apresentado como o estratega que no ano passado antecipou a crise do “subprime”, que na essência se resume a dizer que «…as bolsas, a começar pela Wall Street, poderão ter um "crash" de grandes proporções depois do Verão».

Caso tal não bastasse, voltou uma semana depois o mesmo EXPRESSO a publicar nova notícia sobre o tema. Com origem noutra grande casa financeira – o BARCLAYS – repete-se o aviso de alerta para uma tormenta financeira originada na baixa credibilidade da Reserva Federal americana (FED).

Embora com fundamentações um pouco diferentes – as conclusões do LEAP/E2020 baseiam-se na observação de um conjunto de fenómenos políticos, económicos e geo-estratégios, enquanto as dos analistas ingleses radicam fundamentalmente no comportamento dos mercados financeiros – todas as conclusões apontam para uma ainda maior degradação da situação global.

E não pensem os mais optimistas que apenas os países mais desenvolvidos, com mercados financeiros mais sofisticados ou mais dinâmicos irão sofrer os efeitos da recessão anunciada, pois como noticiou o DIÁRIO ECONÓMICO as perdas acumuladas pelo PSI-20[1] desde o início deste ano já atingem os 29% e na última sessão da semana nem uma das acções que compõem aquele índice registou qualquer subida!

Aliás, basta uma rápida olhadela ao gráfico da evolução do índice nos últimos doze meses para confirmar aquela realidade que é extensível à generalidade das praças financeiras mundiais.

No final da semana passada receitou-se mais uma descida generalizada com as praças europeias de Paris, Londres e Frankfurt a descerem para níveis idênticos aos registados em Março passado após o anúncio da falência do Bear Stearns; no caso da praça francesa o LE MONDE refere mesmo que desde as cotações terão caído cerca de 30% desde o verão de 2007. Este movimento das bolsas europeias foi mero reflexo do que se registou nas congéneres americanas, onde os índices DOW JONES[2] e NASDAQ[3] caíram cerca de 3%, e asiáticas onde o NIKKEI[4] perdeu 2% e a bolsa de Shangai mais de 5%.

Este clima é comentado pelos operadores nos diversos mercados como explosivo, devido ao longo período de subidas constantes nas cotações da sacções, e tanto mais preocupante quanto a verdadeira dimensão da crise originada no “subprime” continua por avaliar, pelo menos a julgar pela mesma notícia que dá conta de novas situações de escassez de liquidez ou de capitais de bancos, como o anúncio pelo grupo belgo-holandês FORTIS da necessidade de reunir 8 mil milhões de euros e pelo BARCLAYS que anunciou necessitar de mais 6 mil milhões de euros, isto enquanto o americano CITIGROUP anunciou novos prejuízos para o segundo trimestre.

Quando à crise imobiliária e financeira se junta o efeito inflacionista da subida descontrolada do preço do petróleo e dos produtos alimentares, as possibilidades de todo o sistema económico e financeiro, arquitectado a partir dos EUA no período de entre as duas guerras mundiais, abrir brechas é obviamente grande e cada vez maior.

Bem podem os analistas e especialistas do mercado de capitais vir agora criticar a política de descida das taxas de juro que o FED vem praticando, porque quando ela serviu os interesses dos banqueiros enredados nas malhas do “subprime”, financiando a sua recuperação a taxas inferiores à da inflação o que se ouviu foram aplausos e incentivos à continuação. Agora que a situação de crise económica se revela cada vez mais forte e em que os sinais de aumento da inflação são cada vez mais evidentes, os maiores críticos de Ben Bernanke são precisamente os que mais o aplaudiram (a ele e ao seu antecessor Greenspan) e à sua política de dinheiro fácil e barato (para os bancos).

Agora que o grande receio das principais economias é o de enfrentarem um período de estagflação, ou seja um período em que se verifique um crescimento fraco ou nulo e uma subida da inflação, surgem as primeiras críticas e, principalmente, o apelo à inversão da política do FED, mas nunca uma proposta de efectiva reflexão sobre os erros cometidos e muito menos sobre o que realmente poderá evitar a sua repetição – o lançamento de novas políticas de controlo de fiscalização dos mercados financeiros e da desmesurada especulação a que estes têm estado sujeitos.



[1] Nome do índice da bolsa de Lisboa (Portuguese Stock Índex) que integra os vinte títulos com maior liquidez.
[2] Nome do principal índice da bolsa de Nova York que agrupa as principais empresas industriais cotadas.
[3] Nome do índice que agrupa as empresas das novas tecnologias (informática, electrónica, telecomunicações, etc.).
[4] Nome do principal índice da bolsa de Tóquio.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

ISTO É DE DEIXAR QUALQUER UM GAGO…

Realizada que foi ontem uma reunião para debater/esclarecer a proposta de construção de um estabelecimento prisional entre as povoações de Paço dos Negros e Marianos, constato hoje, tristemente, que o maior destaque dado ao evento foi o da divisão entre os seus participantes[1].

Não que aquele facto não tenha sido uma realidade, mas porque isso não traduz um geral sentimento de dúvida, senão de contestação aberta.

Para entendermos melhor tudo isto talvez se justifiquem duas ou três breves referências aos contornos e ao desenvolvimento do projecto:

Primeiro – estarão as autoridades locais cientes que além da proposta de implantação da construção em terrenos que integram a Herdade dos Gagos (propriedade da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim, na qual se encontra instalada uma das maiores manchas nacionais de sobreiros cuja viabilidade futura o projecto porá em risco) acarretar o derrube de uns milhares de sobreiros[2], ainda haverá que contemplar a necessidade de restituir os fundos comunitários empregues nos processos de reflorestação e adensamento da mata de sobro por não cumprimento integral do estipulado nos programas AGROS e AGRI, ao abrigo dos quais foram realizados aqueles melhoramentos?

Segundo – estarão as populações locais conscientes da profunda mistificação que constitui o anúncio de contrapartidas como a melhoria da assistência média, o usufruto de instalações desportivas, os potenciais ganhos para o comércio local, o aumento da oferta de emprego e a melhoria das acessibilidades e de transportes públicos na medida em que os estabelecimentos prisionais não estão dotados de especiais instalações de saúde nem de outras, o movimento originado pelas visitas aos detidos representam estadias de muito curta duração (uma hora ou duas semanal), os estabelecimentos prisionais deslocam-se com a sua própria mão-de-obra especializada e a indiferenciada que emprega é constituída pelos próprios detidos que, esses sim poderão até concorrer com algumas pequenas actividades locais e que se houver melhoria no serviço de transportes públicos este ocorrerá apenas nos dias e às horas de início e fim dos períodos de visitas?

Terceiro – estarão os eleitores do concelho conscientes da gravidade da actuação da Câmara Municipal de Almeirim e da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim quando, à revelia dos restantes eleitos, optaram por apresentar a decisão como um facto consumado?

Como se este processo não justificasse profundas dúvidas face à enormidade da proposta de derrube de uns milhares de sobreiros, ainda acresce a total falta de transparência e de informação que o tem rodeado. Mesmo admitindo que os autarcas de Almeirim procurem apenas minimizar o efeito negativo que notícias menos fundamentadas pudessem originar, o nível actual de “ruído” e uma quase total ausência de informação por parte daqueles a quem foi confiada a gestão autárquica, ou seja a defesa dos interesses dos munícipes, é além de profundamente condenável fomentador de maiores e mais graves suspeitas.

Se os Presidentes da Câmara e da Junta de Freguesia estivessem conscientes das vantagens que resultariam da instalação de um estabelecimento prisional, não teriam seguramente dúvidas (nem enjeitariam a oportunidade para procurar capitalizar ganhos políticos) em anunciar aos seus munícipes as condições em que estarão a negociar o acordo com o Governo.

Ou será que existem inconfessáveis contrapartidas envolvidas em todo este “negócio”?

O secretismo e as “manobras” perpetradas na Assembleia de Freguesia que aprovou a proposta de instalação na Herdade dos Gagos deixam antever o pior, tanto mais que o mandato em curso desta equipa autárquica tem primado por “casos” e “tricas” quer entre as forças políticas representadas na Assembleia Municipal quer entre as que registaram vereadores eleitos.

Iniciativas da natureza desta não podem ser decididas nas costas dos munícipes e, pior ainda, no secretismo dos gabinetes autárquicos e/ou ministeriais. Instalar uns milhares de presos[3] em qualquer região deverá merecer sempre uma cuidada ponderação das respectivas vantagens e dos inconvenientes, sem subterfúgios nem mentiras, porque não estão apenas em causa questões de natureza psicológica (a priori ninguém gosta de viver próximo de uma prisão ou de um cemitério) mas principalmente questões de natureza securitária (a proximidade do estabelecimento prisional deverá atrair o pouco desejável comércio de drogas), de sanidade pública (é sobejamente conhecida a existência de patologias infecto-contagiosas entre as populações prisionais e embora a propagação para o exterior não seja um acontecimento normal essa eventualidade não pode ser descartada) e económicas (será que as vantagens resultantes do crescimento de algum pequeno comércio local são superiores às desvantagens originadas).

E já agora, permitam-me mais uma dúvida. Andando há algum tempo no ar a possibilidade de privatização dos serviços prisionais, a peregrina ideia defendida pelo Presidente da Câmara de Almeirim não será apenas uma forma muito interessante de entregar à iniciativa privada algo mais além dos 42ha de sobro agora em questão?

É que com tanto secretismo e tantas negociações de bastidores, tudo isto pode ser bem mais profundo do que aparenta!
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[1] Quer o jornal regional O MIRANTE, que escolheu para título da notícia um eloquente: Nova prisão divide população de Paço dos Negros e Marianos, quer o matutino PUBLICO, que assegura no cabeçalho da peça que dedica ao tema: Almeirim: população dividida sobre construção do estabelecimento prisional, quer a RÁDIO RENASCENÇA, que na sua página na internet optou por um mais sintético: Prisão divide população, não deixaram de salientar aquele facto e até O RIBATEJO, que chamou para o título uma das afirmações proferidas por Moita Flores: “Prisão pode ser boa, se for bem negociada”, não deixa de salientar no desenvolvimento que: «os populares «...» pareceram divididos quanto à aceitação da construção de uma cadeia próxima destas duas aldeias do concelho de Almeirim».
[2] De acordo com a informação disponível que refere a desafectação de uma área de 42ha (30 para o edifício prisional e 12 para o indispensável perímetro de segurança) e a informação prestada na reunião de ontem pelo agrónomo convidado – Engº Carlos Arraiolos, que foi o responsável pela reflorestação da área – de que a densidade das árvores plantadas na herdade ronda os 135 pés/ha, fácil e torna concluir que o número de sobreiros a abater será superior a 5.000.
[3] As notícias que têm vindo a público referem uma população prisional a instalar da ordem dos 800 indivíduos, mas durante a reunião de ontem Moita Flores esclareceu que para tal bastaria uma área da ordem dos 10ha, o que leva a supor que no final o número de detidos deverá situar-se próximo dos 2.500.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

HAJA SAÚDE

Sob o título «Clínicas privadas discriminam beneficiários da ADSE» dava ontem o DIÁRIO DIGITAL conta de uma realidade que não deveria surpreender senão os mais distraídos ou mais crédulos.

O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que também abordou o tema nesta notícia, refere que as queixas dos utentes já começaram a chegar à ADSE e que dos acordos que aquele organismo de assistência aos funcionários públicos estabelece com os prestadores privados de cuidados de saúde consta uma cláusula que proíbe qualquer tipo de discriminação.

Tanto quanto informam os dois órgãos de comunicação, casos daquela natureza têm-se registado em unidades dos grupos Mello e Espírito Santo (ESS - Espírito Santo Saúde), sendo mais grave no caso deste último, cuja unidade hospitalar (o Hospital da Luz), com pouco mais de um ano de funcionamento já regista lista de espera para todas as consultas, o que não tem impedido marcações mais céleres para os clientes privados ou possuidores de seguros de saúde privados.

Confrontada com esta realidade é uma administradora da ESS que justifica a situação com a grande procura dos serviços e o cenário de futuro incerto que vive aquele subsistema de saúde.

Além de não ser de esperar outra coisa de uma empresa (porque na realidade é disso mesmo que se trata) senão a de acautelar primeiro os interesses dos bons clientes – os que pagam directamente os custos da saúde ou aqueles a quem as seguradoras asseguram esse mesmo pagamento – que garantem os elevados lucros dos accionistas, deixando os restos para a ralé, não seria também de ver amanhã, ou depois, publicada a notícia da rescisão do contrato que liga a ADSE àqueles hospitais privados?

Como em Portugal, país onde campeia a maior das impunidades, tal será praticamente impossível de ocorrer, os “espíritos santos” e os “mellos” continuarão a facturar às custas da generalidade dos cidadãos e a cobro dos políticos que nos têm governado, só tenho pena que aqueles que tanto se têm empenhado na privatização de tudo o que possa interessar a iniciativa privada, que têm recorrido aos mais disparatados argumentos[1] para alcançarem esse fim, não tenham um dia de passar pelo mesmo tipo de tratamento a que votaram os trabalhadores deste país!

Não que me mova um qualquer sentimento mesquinho ou de vingança, mas porque tenho perfeita consciência que no fundo, lá muito no fundo, eles só fizeram isto porque não crêem que venham a ser afectados pelas suas próprias asneiras...
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[1] Veja-se, a propósito dos falsos argumentos para justificar as políticas de privatização, esta notícia do DN sobre a famigerada questão do peso da função pública no conjunto do emprego nacional, hoje mesmo publicada.

domingo, 22 de junho de 2008

JÁ CHEGA? APRENDESTE A LIÇÃO?

Sempre que surge o anúncio de mais uma trégua entre beligerantes deveria ser indício de aproximação enter as partes e de concertação de uma solução mais duradoura. Tal não tem sido habitual no conflito israelo-palestiniano e poucos são os sinais que sugerem que seja agora o caso da trégua estabelecida entre Israel e o Hamas.

Apesar de ser inegável que este acordo introduz significativas alterações na perspectiva que Israel vinha defendendo[1] relativamente ao movimento islâmico do Hamas – a trégua pressupõe um reconhecimento da importância e das capacidades daquele movimento – não é menos evidente que ele terá resultado mais das fragilidades que palestinianos e israelitas vêm apresentando – do lado palestiniano era por demais evidente que o bloqueio imposto pelo governo de Ehud Olmert estava a atingir proporções insuportáveis (com as populações privadas de praticamente todo o tipo de bens essenciais) e que poderiam conduzir a uma revolta contra a liderança do Hamas ou à pura extinção por inanição, enquanto fragilizava a posição do Hamas face à Fatah, movimento que controla a Autoridade Palestiniana e dirige a Cisjordânia, enquanto do lado israelita, a persistente resistência dos militantes de Gaza, o fantasma do recente fracasso da acção militar contra o Hezbolah libanês, a contínua flagelação de localidades fronteiriças como Ashkelon e Sderot (com os óbvios efeitos psicológicos de insegurança, apesar do quase nulo resultado em vítimas israelitas) e a crescente fragilidade interna de um primeiro-ministro cada vez mais envolvido no escândalo dos financiamentos ilegais – que um verdadeiro desejo de entendimento.

Estas contradições parecem particularmente evidentes numa peça jornalística da BBC que dá voz ao sentimento das populações e que ilustra perfeitamente as perspectivas israelitas e palestinianas deste longo conflito. Enquanto os palestinianos entrevistados se manifestam satisfeitos pelo cessar-fogo e pelo levantamento do bloqueio, esperançados no cumprimento de ambas as partes mas conscientes das muitas dificuldades que a todos esperam, os cidadãos israelitas pendem entre o céptico e o frontalmente oposicionista ao cessar-fogo. Há mesmo quem (apresentada como mãe de sete filhos) afirme categoricamente que «...não quero um cessar-fogo – mesmo que funcione. Quero que Israel avance e elimine os terroristas».

Pelo reduzido universo de depoimentos transcritos (apenas quatro) e pelas características dos depoentes – os dois palestinianos são jovens estudantes e as duas israelitas andam na casa dos quarenta anos – perde-se parte do seu valor de amostragem, embora não deixe de ser significativo verificar-se que parece existir menor ou nula confiança no sucesso da iniciativa do lado israelita que do lado palestiniano, facto a que não deverá ser estranha a já referida diferença de gerações, embora o principal factor explicativo possa ser o visceral pavor entre os judeus na eventual necessidade de convívio com os palestinianos.

Mais comedidos, os comentadores locais (também citados noutro trabalho da BBC) apontam para o facto do acordo representar uma aparente vitória do Hamas, traduzida não só na evidente capacidade de resistência ao moderno e bem equipado exército israelita, mas principalmente no facto das negociações (mesmo que mediadas pelo vizinho Egipto) representarem um efectivo reconhecimento daquele movimento islâmico pelo governo israelita, enquanto deixou fora dos termos do acordo questões tão importantes como a libertação de prisioneiros e o fim da expansão dos colonatos judeus e da anexação de mais terras.

Estas questões deverão ser objecto de mais negociações caso o cessar-fogo se sustente, mas se não durar mais que o tempo necessário ao reequipamento e ao descanso dos “guerreiros” (de ambas as partes), os mediadores do conflito israelo-palestiniano (EUA, UE e Rússia) deverão ser chamados a explicar às respectivas opiniões públicas quais os responsáveis por mais um fracasso, nomeadamente as verdadeiras razões pelas quais o Tsahal nunca suspendeu as operações na Cisjordânia (território governado pela Fatah) nem pôs cobro aos permanentes abusos e ocupações de terras em que os colonos israelitas continuam empenhados.

Reflexo desta realidade é uma notícia da BBC que há dias referia a prisão de dois colonos israelitas acusados de agressões a palestinianos visando expulsá-los das terras. A agressão foi documentada em filme graças a um programa lançado pelo grupo israelita de defesa dos direitos humanos, B’Tselem, que tem distribuído câmaras de vídeo pelas populações palestinianas para possibilitar a documentação da violência de que são alvo[2].

Embora o principal efeito positivo do cessar-fogo seja a melhoria das condições de vida da população palestiniana confinada por decisão israelita à Faixa de Gaza, este talvez não tivesse ocorrido sem o que aparenta ser um evidente enfraquecimento da política da administração norte-americana para a região do Médio-Oriente, tanto mais que quando se avizinha o fim do mandato de George W Bush e com ele o reinado dos “neocons” na administração norte-americana[3], avolumam-se os sinais de alguma mudança na relação de forças locais de que a recente decisão da UE de incluir Israel no grupo de países com os quais irá estreitar relações no âmbito da política europeia de vizinhança[4] é um exemplo.

Outro possível sintoma, foram as declarações[5] que a secretária de estado Condoleezza Rice proferiu durante a sua última deslocação a Israel, quando classificou os mais recentes planos de expansão dos colonatos judaicos nos territórios ocupados como um efeito negativo nos esforços para a paz. A importância destas declarações não resulta apenas do facto de aparentar alguma flexibilização do apoio que os EUA sempre proporcionaram a Israel, nomeadamente à sua intransigente política de anexações territoriais, mas principalmente por aflorar uma das questões fundamentais para os palestinianos – a posse da terra e o indissociável direito de regresso e a questão de Jerusalém Oriental que os palestinianos reivindicam como capital e os judeus afirmam como sua capital eterna e indivisível, contra a opinião da ONU e da comunidade internacional.

Com tudo isto, e apesar do cessar-fogo agora em vigor, por muitos que sejam os sinais de possível desanuviamento continuam cinzentas as nuvens que pairam sobre judeus e palestinianos.
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[1] O governo israelita que vinha recusando qualquer diálogo com o Hamas sob a alegação de se tratar de um grupo terrorista, aceita agora, mesmo que o negue conforme refere esta notícia do JN, o estabelecimento das tréguas e o não menos curioso facto de deste acordo resultar uma certa marginalização de Mahmoud Abbas e da Fatah, movimento que lidera a Autoridade Palestiniana e governa a Cisjordânia, que assim perde o papel de interlocutor único com Israel.
[2] Para mais informações sobre este projecto de actuação do B’Tselem, iniciado em Janeiro de 2007, ver no endereço: http://www.btselem.org/English/Video/Shooting_Back_Background.asp
[3] Tudo indica que mesmo em caso de vitória do candidato republicano aquela facção se verá arredada dos principais cargos que ocupa.
[4]A notícia do LE MONDE refere que este compromisso «…originará um relacionamento mais estreito com Israel o qual deverá ser considerado num contexto mais amplo que inclui a resolução do conflito israelo-palestiniano pelo reconhecimento de dois estados».
[5] A notícia da BBC que refere a matéria pode ser lida aqui.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

QUEM TE AVISA TEU AMIGO É…

Como se vem tornando hábito Mário Soares deixou na sua coluna semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS mais um aviso ao governo de José Sócrates: a crise global vai chegar cá!

Para os que ontem mesmo leram o texto e pensaram que o aviso pode apresentar algum exagero, recomendo a leitura do último relatório do Laboratoire Européen d’Antecipation Politique (LEAP/E2020), cujo resumo é mais que suficiente para fundamentar aquele alerta.

Em poucas palavras os investigadores do “think tank” europeu apresentam com elevada probabilidade a hipótese de no segundo semestre deste ano se registar um agravamento das condições nas principais economias mundiais; depois de confirmado:

- o contágio por via do elevado endividamento americano;

- a queda generalizada nas principais bolsas mundiais (com especial destaque para a norte-americana e as asiáticas);

- o rebentamento das bolhas imobiliárias (principalmente nos EUA, no Reino Unido e em Espanha);

- a forte volatilidade monetária, com o dólar americano em queda acentuada contra as principais divisas;

- os sinais de estagflação das principais economias, com a agravante da economia americana apresentar evidentes sinais de recessão;

- as alterações geo-estratégicas, com especial relevo na instável região do médio-oriente e/ou originadas pela crise energética mundial;

o LEAP/E2020 avisa agora para a forte probabilidade de:

- agravamento da tendência de desvalorização do dólar e para os efeitos negativos que isso terá sobre a respectiva economia;

- falência do sistema financeiro mundial;

- confirmação do esboroar da economia norte-americana (não apenas a vertente financeira mas também o que resta da produtiva);

- entrada em recessão das economias europeias periféricas, com as do centro a abrandarem o crescimento;

- abrandamento das exportações e crescimento da inflação nas economias asiáticas;

- crescimento das dificuldades na América Latina, com a Argentina e o México a entrarem também em crise;

- aumento da instabilidade nos países árabes com uma forte possibilidade de convulsões em todo o Magreb, na Líbia e no Egipto;

- aumento da probabilidade de ocorrência de um ataque ao Irão;

- rebentamento das bolhas especulativas.

Mesmo que nem todas estas previsões se venham a concretizar, as mais gravosas delas estão, infelizmente, perfeitamente dentro de um horizonte de probabilidade aceitável, tanto mais que a maior parte apresenta um fortíssima correlação com o valor do dólar norte-americano e com a cada vez mais evidente debilidade daquela economia.

Se a par com esta realidade surge a natural tendência para a perca da hegemonia das teses económicas monetaristas e neo-liberais, não é menos verdade que parece ainda prematuro apontar qual a solução que virá a ser adoptada como via para a minimização dos prejuízos e se alguns veteranos mais avisados vão relembrando, como o fez Mário Soares, a necessidade de recuperar as preocupações sociais, outros vão procurando a nova forma capitalista que substitua com vantagens a que agora conhecemos enquanto tudo isto decorre os políticos que nos governam, perdidos nos cenários idealistas e desabituados ou formalmente incapazes de pensarem vão queimando tempo com os seus discursos de modernidades e sobre um ou outro “fait divers” que escondam a sua total inépcia para enfrentar a actual conjuntura.

Totalmente desprovidos de ideias próprias e quiçá incapazes de entenderem a verdadeira dimensão e a multiplicidade de opções disponíveis, governo e oposição, enleados nas suas próprias contradições internas (um governo que aplica as políticas da oposição e encontra no seu próprio seio a maior oposição) assistem ao dealbar da crise como se simples autistas se tratassem.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

SOBRE A VERGONHA DA AUTÊNTICA CRISE SOCIAL

Em A VERGONHA DA AUTÊNTICA CRISE SOCIAL, título da sua última coluna semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, o Prof. César das Neves aborda a interessantíssima questão da desigualdade económica e social em Portugal.
Este tema tem sido matéria de recentes intervenções de políticos, jornalistas e analistas das variadas áreas e esta parece-me merecer especial relevo por ser assinada por quem é. Economista de formação, o Prof. César das Neves inicia a questão pela perspectiva que melhor conhece e afirma que «[a] economia não está em recessão, nem sequer próxima; o crescimento económico abrandou ligeiramente do nível baixo que tem há anos. O desemprego não subiu, nem se prevê que venha a subir muito para lá do nível alto em que permanece há bastante tempo. Mesmo nos preços, em que os rumores dos mercados do petróleo e alimentos prometem terríveis desenvolvimentos, as mudanças são mínimas: a inflação acelerou, mas para níveis aceitáveis «...». De facto, o cenário económico que as instituições respeitáveis traçam para o futuro próximo do nosso país não é catastrófico. Pelo contrário, parece copiado da situação que vivemos há algum tempo», para concluir que «...a crise que sofremos é bastante mais subtil e complexa do que as abordagens comuns asseguram. Existem muitos sinais, não de um agravamento do fundo da escala social, mas de sérias dificuldades nos extractos imediatamente acima. A nossa crise social está na classe média

Uma apreciação crítica do texto tem obrigatoriamente que se iniciar pelos pressupostos técnicos em que este se baseia e, como é cada vez mais evidente, a primeira questão a colocar versa a origem e a fiabilidade da informação estatística utilizada. Mesmo sem querer abrir aqui uma polémica sobre a qualidade do trabalho dos organismos que produzem aquela informação, é inegável que o senso comum dos cidadãos aponta para uma evidente redução da sua credibilidade. Assim, sustentar análises sobre aqueles dados sem primeiro os submeter a algum escrutínio parece-me propiciador de conclusões enviesadas, pouco fiáveis e tecnicamente criticáveis.

Mesmo admitindo que a ausência de comentários não é uma manifestação de aceitação acrítica da informação estatística, ainda assim as conclusões merecem uma leitura crítica, nomeadamente quando afirma que a crise social está apenas na classe média.

Se a conclusão de César das Neves fosse verdadeira, que dizer das conclusões do Relatório Sobre a Situação Social na União Europeia[1], publicado por Bruxelas em finais de Maio, no qual se afirma que Portugal é o país da União Europeia com maior desigualdade na distribuição de rendimentos e que é no nosso país onde o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é maior? É que mesmo admitindo as correcções propostas pelo INE[2] o resultado não deixa do nos colocar na pior posição entre os parceiros europeus, com cerca de um milhão de pessoas (aproximadamente 10% da população nacional quando nos restantes países da UE a média é de apenas 5%) a viverem com menos de dez euros por dia.

Afirmar que a classe média portuguesa tem vindo a registar uma significativa degradação do seu poder de compra não merece grandes dúvidas, mas extrapolar a afirmação para dizer que «[o] problema merece atenção cuidada, mas está longe de ser a prioridade aflitiva que os propósitos mediáticos afirmam», argumentando que a comparação foi feita com os países do mundo onde a desigualdade é menor e porque o crescimento daquela desigualdade era inevitável devido ao desenvolvimento registado após o 25 de Abril, esquecendo a óbvia legitimidade de comparar parceiros do mesmo espaço económico (ou será que para o ilustre Prof a integração europeia se deveria resumir à dos estratos sociais mais altos?) e que desenvolvimento económico não tem que ser sinónimo obrigatório de agravamento das desigualdades sociais.

Mas a falta de rigor do autor estende-se ainda à análise que apresenta das razões para o empobrecimento da classe média – que atribui à ambição pessoal e à crendice «...nos discursos que os governantes andam a produzir há dez anos» que a induziu ao endividamento e que o desemprego, o trabalho precário e o aumento dos juros empurrou para as actuais dificuldades – e às soluções que prevê venham a ser aplicadas.

Esquecendo que os “discursos” não remontam apenas aos governos de António Guterres, mas também ao dos governos de Cavaco Silva (de quem o Prof. foi um dos distintos conselheiros) e que os níveis alarmantes de desemprego, de trabalho precário e de subida dos juros não são obra da credulidade das populações mas sim consequência das políticas económicas, fiscais e sociais dos governantes, talvez espere que ninguém erga o dedo acusador às políticas monetaristas e ao fracassado modelo de desenvolvimento conhecido por globalização, de que é um dos grandes defensores, enquanto sub-repticiamente vai deixando o recado de que o importante é resolver o problema (talvez recorrendo a uma ainda maior liberalização dos mecanismos económicos e mais umas quantas privatizações) e não calar os críticos, entre os quais se pode colocar Joseph Stiglitz[3], que no artigo ESCASSEZ NA ERA DA ABUNDÂNCIA, publicado no DIÁRIO ECONÓMICO, expõe também o seu ponto de vista sobre o mesmo problema, defendendo um regresso de uma política fiscal que não isente os rendimentos de capital em detrimento dos outros rendimentos.
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[1] O texto integral do relatório pode se lido aqui.
[2] O texto da nota explicativa do INE está disponível aqui.
[3] Economista norte-americano, professor na Universidade de Columbia, foi conselheiro económico de Bill Clinton e economista do Banco Mundial e galardoado com o Prémio Nobel da Economia em 2001, conjuntamente com A. Michael Spence e George A. Akerlof, pelo seu trabalho de desenvolvimento dos fundamentos da teoria dos mercados com informações assimétricas; defensor dos princípios neo-keynesianos de intervenção do Estado na economia, é um crítico severo das teorias neo-liberais as quais não tem poupado nos seus principais trabalhos.

domingo, 15 de junho de 2008

E ISTO NÃO ERA UMA CONSTITUIÇÃO…

Fosse qual fosse o resultado do referendo irlandês do Tratado de Lisboa, já antes da sua conclusão se tornara evidente a fragilidade daquele texto e da maioria dos argumentos pró e contra, a começar pelo facto essencial deste não passar de um “remake” do abortado projecto de Constituição Europeia.

Mau grado o esforço dos dirigentes políticos europeus, com José Sócrates à cabeça, para convencerem os seus eleitores de que o Tratado de Lisboa é algo completamente diferente da Constituição que franceses e holandeses referendaram e rejeitaram em 2005, eis que na Irlanda, único estado europeu constitucionalmente obrigado a referendar o texto do Tratado, este se viu rejeitado, recolocando na ordem do dia o respectivo futuro e demonstrando o fracasso da estratégia daqueles dirigentes.

Tomando por medida de exemplo o primeiro-ministro irlandês que reconheceu publicamente que não leu a totalidade do tratado ou o comissário europeu irlandês que afirmou que ninguém “são de espírito” o faria[1], que mais seria preciso dizer para demonstrar a impraticabilidade de um texto que pretende ser “fundador” e “orientador” da vida dos cidadãos europeus?

Se a sua extensão e a complicação são duas importantes razões para originar fundamentadas dúvidas à sua aplicação, há ainda que acrescentar a estas as muitas outras que os cidadãos de cada um dos estados colocam relativamente a pontos importante do articulado que entendem ferir os seus direitos e hábitos.

A tudo isto a resposta dos políticos europeus foi a de fazer ratificar o tratado nos respectivos parlamentos (os últimos a fazê-lo foram a Finlândia, a Estónia e a Grécia que aprovaram o tratado na véspera da consulta na Irlanda), e assim evitar a repetição dos resultados franceses e holandeses que em 2005 ditaram a rejeição do projecto de Constituição Europeia apadrinhada por Valéry Giscard d'Estaing. Mas a Irlanda que por imperativo constitucional não pôde evitar o referendo, teve que colocar nas mãos dos seus 3 milhões de eleitores (menos de 1% da população da UE) a futuro do Tratado de Lisboa.

O resultado de mais esta consulta sobre a UE vem reafirmar um sentimento de desconfiança das populações relativamente às opções dos políticos que elegeram; racionalmente poucos serão os eleitores que desejam abandonar a UE[2], mas muitos apresentam sérias dúvidas quanto à forma como têm decorrido vários dos seus processos.

A necessidade de concertação das grandes linhas de actuação da UE, e em especial a definição de uma política externa comum e a constituição de um exército comum, é inegável mas dificilmente se tornará uma ideia aceite em todo o espaço da União se não for acompanhado de um processo de clarificação e informação junto dos cidadãos. A estratégia da negociação e aprovação dos princípios por um conjunto reduzido de intervenientes (tão mal ou pior informados que os eleitores que os elegeram) pode ser útil ao grupo a quem os princípios aprovados mais interessem, mas dificilmente será aceite por aqueles que os elegeram.

Enquanto o eixo Paris-Berlim lamenta o sucedido e apela à continuação do processo de ratificação do Tratado[3], nos países onde este ainda não ocorreu (caso da Inglaterra e da Holanda) a pressão para a rejeição ou para a realização de referendos tenderá a crescer. Com os diversos políticos nacionais envolvidos das mais variadas formas na farsa que tem constituído este processo de ratificação do Tratado de Lisboa é muito duvidoso que nos próximos tempo se registe alguma alteração significativa de estratégia, incluindo a mirabolante e quase antidemocrática proposta francesa[4] de repetir o referendo, até porque, ao contrário do que muitas vezes se diz, a posição irlandesa não coloca o funcionamento da UE em risco.

No rescaldo ainda muito acalorado deste processo é seguramente cedo para esperar que os eurocratas de Bruxelas retirem todas as devidas conclusões da situação[5], a começar pela forma precipitada e mal estruturada como se vem realizando o processo de alargamento a leste[6] (contrariamente ao que se pretende fazer crer parece que o fantasma do “urso russo” ainda pesa demasiado em todo este processo) em detrimento da consolidação das políticas de coesão interna e de projecção para o exterior do espaço europeu.
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[1] A referência foi extraída desta notícia do PUBLICO.
[2] Segundo o jornal LE MONDE, que refere os resultados da última sondagem Eurobarómetro publicada em Dezembro de 2007, os Holandeses e os Irlandeses contam-se entre os Europeus com opinião mais favorável da EU. Entre 79 % e 74 % consideram a UE como "uma coisa boa" contra 54 % para a média europeia (60 % para o caso francês). Os mais cépticos são os Ingleses (34 %) e os Letões (37 %)
[3] À excepção da Bélgica, da Espanha, da Holanda, da Itália, do Reino Unido e da República Checa, todos os restantes 18 países-membros já procederam à respectiva ratificação parlamentar.
[4] Ver a notícia de hoje no DIÁRIO DE NOTÍCIAS.
[5] O mesmo poderá ser dito dos dirigentes nacionais, a avaliar por declarações como as de Cavaco Silva, citadas pela RTP, que a partir de Espanha onde se deslocou para a inauguração do pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Saragoça afirmou que nenhum estado europeu deveria referendar o Tratado de Lisboa.
[6] A este propósito recorde-se que a UE se foi constituindo a partir do Tratado de Paris, que em 1951 criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, e os Tratados de Roma, assinados em 1957 e que instituíram a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica ou Euratom, foram assinados por seis membros fundadores: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos; desde aquela data a UE levou a cabo seis alargamentos sucessivos: em 1973, Dinamarca, Irlanda e Reino Unido; em 1981, Grécia; em 1986, Portugal e Espanha; em 1995, Áustria, Finlândia e Suécia; a 1 de Maio de 2004, República Checa, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta e Polónia; a 1 de Janeiro de 2007, Bulgária e Roménia, processo que promete continuar com a Croácia, Turquia e Macedónia, candidatos à adesão desde Outubro de 2005, data em que iniciaram oficialmente as negociações. O número de estados-membros poderia ser já de 29 caso a Noruega e a Suíça não tivessem rejeitado a adesão em referendos que realizaram em 1972 e 1994, respectivamente.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

TSUNAMI SILENCIOSO


Concluída sem grandes novidades a Cimeira da FAO que teve lugar na passada semana em Roma, além das habituais declarações de boas intenções e do aparente consenso sobre a gravidade da situação da penúria alimentar mundial, de concreto temos as dezenas de manifestações e motins que ocorreram já este ano em alguns dos países mais carenciados – com especial destaque para os Camarões, Senegal, Costa do Marfim, Etiópia, Madagáscar, Egipto, Filipinas, Indonésia e Haiti – e que ontem chegaram à Bélgica, no coração de uma Europa onde alastra a contestação de alguns sectores económicos contra o aumento descontrolado dos combustíveis[1].

Perante um cenário de aumento generalizado dos preços dos bens alimentares, que insuspeitos organismos defensores do primado do mercado e das principais teses do liberalismo económico, como o Banco Mundial e o FMI, já classificaram de preocupante[2] e levou a responsável do PAM (Programa Alimentar Mundial) a apelidá-lo de «tsunami silencioso», a recente cimeira da FAO não passou de uma reunião preparatória da próxima cimeira do G8 que terá lugar em Julho e na qual não se conseguiu alcançar mais que declarações de intenções, entre as quais a de investir 6,5 mil milhões de dólares para combater a fome, valor que representa pouco mais de 20% dos 30 mil milhões julgados necessários por aquele organismo.

O evidente insucesso da cimeira (mais um na já longa carreira da FAO) já levou alguns críticos[3] a questionarem sobre a utilidade de uma mega-organização como esta e sobre as estratégias e os responsáveis que as têm defendido. Se este tipo de crítica acaba por ser justificada pelos resultados a que temos assistido, outra assente na própria metodologia de funcionamento parece-me ainda mais importante.

Que esperar como resultado de uma cimeira para debater o problema mundial da fome quando entre os seus principais participantes se encontram as empresas multinacionais produtoras de sementes, pesticidas, fertilizantes e outras que controlam o mercado dos produtos alimentares? Para quem factura milhões à custa de um crime planetário como o que permitiu patentear sementes de plantas (algo que sempre constitui um património da humanidade), ou que ao longo das últimas décadas incutiu nas populações e nos seus governos o conceito da indispensabilidade da indústria química, através do uso e abuso de fertilizantes e pesticidas, para a produção agrícola, a noção de escassez é apenas resolúvel com maior utilização dos factores que eles próprios produzem; por outras palavras, a solução do problema mundial da fome passará pelo aumento dos seus lucros.

Mesmo quando é do domínio público o clamoroso fracasso das estratégias assentes na industrialização forçada da agricultura nos países subdesenvolvidos, dos participantes na Cimeira de Roma – os produtores de OGM’s, de sementes, de junk food, todos os que criaram um circuito alimentar com milhares de quilómetros, fiéis aliados da grande distribuição – apenas é expectável uma solução do tipo mais do mesmo...

As perspectivas de agravamento da crise alimentar, e o ainda mais patético facto dos seus principais alvos serem precisamente os agricultores dos países subdesenvolvidos, e o comprovado fracasso das políticas agrícolas ditadas pelos países desenvolvidos e pelas suas indústrias agro-químicas deveria ser motivo suficiente para justificar a aplicação de um modelo diferente, um modelo que assentasse numa agricultura descentralisada e praticada em pequena escala, baseada em princípios de autosustentação e não orientada para a monocultura destinada à exportação ou aos agrocarburantes.

É certo que este tipo de prática, idêntica à que historicamente as populações locais desenvolveram e na qual basearam modelos pré-coloniais de trocas sustentadas, não proporcionará elevadas taxas de crescimento do PIB, mas assegurará a subsistência das populações locais e a produção de excedentes que adequadamente geridos sustentarão o crescimento dos seus países.

Aqui começa o segundo problema associado ao crescimento da fome – a formação de governos corruptos, associados e dependentes dos mesmos interesses económicos que têm vindo a condenar as suas populações à inanição.

O fenómeno da fome apenas poderá começar a ser mitigado quando à alteração do modelo de desenvolvimento for associada uma radical mudança no panorama político local e internacional, que trate todos os povos (ricos ou pobres) com o respeito e a dignidade que merecem.
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[1] Sobre esta questão ver os artigos da BBC NEWS e do LE MONDE.
[2] Entre outros ver estes artigos do LE MONDE, do NOUVEL OBSERVATEUR e da BBC NEWS.
[3] Ver este artigo de Carlo Petrini, o fundador da ONG SLOW FOOD, a propósito da cimeira da FAO.

domingo, 8 de junho de 2008

AINDA O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS

Não faltaram ao longo da passada semana muitas e variadas matérias nacionais susceptíveis de abordagem. Desde o interessante, e bem revelador das insaciáveis necessidades financeiras do aparelho do Estado, negócio do SIRESP, passando pelos ecos e reacções à intervenção de Manuel Alegre numa iniciativa política com o Bloco de Esquerda e terminando no omnipresente “romance” do preço dos combustíveis, todos têm merecido a minha atenção.

No caso deste último continuam a surgir em cada dia novas (vestidas de novas roupagens ou despudoradamente enxovalhadas nas mesmas vestes e nos desgastados argumentos) notícias. Entre as primeiras poderá referir-se a apresentação no Parlamento do Relatório da Autoridade da Concorrência sobre o Mercado dos Combustíveis em Portugal com os resultados de investigação sobre a existência de um cartel entre as gasolineiras, de que, obviamente, o presidente daquela entidade assegurou não ter encontrado provas, nem sequer quanto à existência de entraves à acção de outros operadores no mercado, embora a VISÃO cite aquele responsável como tendo afirmado que «[n]ão detectámos que hajam obstáculos significativos, embora não esteja a dizer que não existam», afirmação que no mínimo poderá ser extrapolada para a primeira das conclusões e dizer-se que a AdC não detectou provas da existência de cartelização dos preços dos combustíveis, embora não possa dizer que aquela não exista.

Absurdo? De modo algum. A obtenção de provas incriminatórias quanto à organização de um cartel é algo que além de normalmente difícil (regra geral os seus membros não costumam “deixar rasto”) era absolutamente inviável logo que a tarefa foi publicamente encomendada pelo ministro Manuel Pinho; daqui a concluir que o relatório e as conclusões da AdC não passaram de mera operação de desinformação vai não só um passo, como um bem pequeno de dar.

Para completar esta encenação nem sequer faltou a pronta e rápida intervenção de um dos muitos escribas que regularmente veiculam nas páginas dos jornais nacionais, e noutras fontes de informação, as teses mais favoráveis aos poderes e interesses instalados, como foi o caso do editorial publicado no dia seguinte no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que partindo das irrefutáveis provas apresentadas pela AdC prontamente concluiu que estas constituíram «…uma verdadeira decepção para quem só vê conspirações à sua volta».

Esteve mal o director daquela publicação tomando o incerto por certo e os leitores por parvos, mas não se ficou por aqui, pois logo à frente disse que «[t]odos ganhamos em saber mais acerca da cadeia de valor (matéria-prima, refinação, armazenagem, transporte, retalho) que desagua nos preços alarmantes na bomba de gasolina», talvez referindo-se aos valores publicados pela AdC e pelo JORNAL DE NEGÓCIOS:

mas que em boa verdade pouco mais esclarecem que o facto do principal responsável pelos elevados preços dos combustíveis ser a elevada carga fiscal (entre 50% e 60% em função do tipo de combustível).

Por abordar continuam questões como: a formação do preço à saída da refinaria[1], o facto da GALP ser a única empresa a dispor de refinarias em território nacional e os elevados lucros que as petrolíferas apresentam. Se as duas primeiras foram abordadas no relatório da AdC, as conclusões apresentadas foram no sentido de afirmar que embora qualquer operador possa importar livremente combustíveis, não o faz porque negoceia descontos à saída da refinaria com a GALP, enquanto sobre a segunda a AdC não se pronunciou.

Embora, em jeito de conclusão, se possa concordar com a leitura que Francisco Louçã fez do relatório da AdC[2], isso, por mais evidente que o seja, não basta para fundamentar a crítica que temos que manter a uma situação que ameaça arrastar-nos no seu vórtice.

Há muito que nos habituámos a ouvir (e a sentir na carteira) relacionar os preços dos bens essenciais ao custo dos combustíveis, pelo que esta situação não pode ser deixada em claro e ainda menos a respectiva evolução ao sabor dos interesses das petrolíferas ou dos seus principais clientes – os industriais do sector dos transportes rodoviários.

Para os primeiros, como referi no post intitulado BOICOTES, a situação é não só inevitável como altamente atractiva e dificilmente realizarão o mínimo esforço para contrariar a tendência altista dos preços. Para os segundos o que está verdadeiramente em causa não é o elevado preço dos combustíveis mas sim a crescente dificuldade em repercutir esses mesmos preços sobre os seus clientes e no aumento das suas margens; estivesse o tecido empresarial nacional disposto a acompanhar aqueles aumentos que não seriam seguramente os industriais da camionagem a erguer a voz (ou a mexer um dedo) para contestar a situação.

A fragilidade da economia portuguesa e o avassalador empobrecimento da nossa população é que é o verdadeiro problema da crise dos combustíveis. Por incrível que possa parecer a AdC tem razão quando afirma que o nível médio dos preços dos combustíveis em Portugal é idêntico ao praticado no resto da Europa, o que aquele organismo não faz, nem os nossos governantes, é comparar o poder de compra do nosso país com o da média europeia. Aí sim é que a diferença se nota, como se pode concluir do último relatório sobre Salário Mínimo 2007, publicado pelo EUROSTAT, no qual se constata que o SMN em Portugal é apenas ligeiramente superior a 1/3 do valor médio de países como a Irlanda, o Reino Unido, o Luxemburgo, a Holanda, a Bélgica e a França (todas com SM superiores a 1.000€) e 80,7% do valor médio de países como a Grécia, Espanha, Malta, Eslovénia e Portugal, que tinham em 2007 um SM entre 400 e 1.000€.

Relação que não sofre grandes melhorias quando medida em PPC (Paridade de Poder de Compra), pois se relativamente ao primeiro grupo esta passa de 34,6% para 43,5%, já relativamente aos menos “ricos” se agrava dos referidos 80,1% para 77%. E que mais não faz que confirmar que face a um nível de rendimento das famílias mais baixo os aumentos dos combustíveis ganham contornos e um peso tanto mais preocupante quanto este é apenas mais um indicador da degradação do seu poder de compra.


Conhecidas as conclusões do estudo da Autoridade da Concorrência, a APETRO (Associação das Empresas Petrolíferas) e a ANAREC (Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis) manifestaram reacções contrárias, com a primeira a aplaudir os resultados e a segunda a reafirmar que há concertação de preços e concorrência desleal entre os operadores[3], mas a mais curiosa de todas foi a de Patrick Monteiro de Barros que, segundo notícia do DIÁRIO ECONÓMICO reuniu mesmo com o presidente da AdC para esclarecer os contornos da abortada intenção de instalação de uma terceira refinaria em território nacional, não controlada pela GALP, que se gorou há cerca de dois anos.

Parecendo óbvia a inutilidade do contributo do trabalho apresentado pela AdC para minorar os efeitos da crise dos combustíveis, mantendo-se as condições macroeconómicas[4] para a continuação da tendência altista do preço do “crude” e a intransigência de mudanças na política fiscal, talvez acabemos por chegar à conclusão que acções de protesto como as organizadas por pescadores e camionistas, um pouco por toda a Europa, se irão tornar notícias de primeira página.
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[1] Sobre esta questão ver o “postNOVAS ABORDAGENS.
[2] Ver com maior pormenor as declarações nesta notícia do PUBLICO.
[3] Estas reacções podem ser lidas em duas notícias do PUBLICO, esta sobre a ANAREC e esta sobre a APETRO.
[4] Que se podem resumir num cenário de fragilidade da economia norte-americana - traduzido na sucessiva desvalorização do dólar - agravado pela reacção dos países produtores de petróleo àquela desvalorização e origina uma natural subida dos preços do “crude”, as desastrosas consequência da política externa norte-americana para o Médio Oriente e a reorientação de investidores e especuladores do mercado de capitais para o mercado das “commodities”.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

TEMOS NAS NOSSAS MÃOS O TERRÍVEL PODER DE RECUSAR

Será que no meio do negrume originado pelo clima geral de incerteza em que a crise da economia norte-americana mergulhou o resto do mundo, assistimos ontem ao rasgar de algum véu?

A avaliar por alguns órgãos de comunicação o gesto personificado por Manuel Alegre parece que constituirá mesmo algum marco significativo; desde o arrebatado título da edição do EXPRESSO on line – Alegre surpreende a esquerda – até ao mais contido do PUBLICO – Manuel Alegre declara lealdade “aos que votaram PS e estão na pobreza” – e terminando no pragmático – Manuel Alegre defende diálogo à esquerda para “alternativas” – usado pelo DIÁRIO DIGITAL, todos parecem anunciar novas e promissoras alvoradas…

Mas, será mesmo essa a leitura que se deve fazer da simples presença de um político da velha guarda do PS num comício do Bloco de Esquerda?

Talvez aqueles que não viveram nenhum período de real agitação política, achem tudo isto particularmente importante e decisivo, mas a realidade que a experiência aconselha a reter é que em política poucas vezes os grandes discursos revelam efectiva correspondência com a resolução dos grandes problemas das populações.

A avaliar pelas actuações dos governos do PS, pelo manifesto fracasso da prometida convergência económica e social com os restantes países membros da UE, pela escandalosa cedência à atracção pelo poder em detrimento dos princípios e valores, fases que Manuel Alegre acompanhou no interior do PS, quase sou tentado a dizer, como há dias o fez Miguel Sousa Tavares: “Por favor, não governem mais!”, ou como Baptista-Bastos, em “A crise da esquerda”: «O "realismo" político da esquerda tem sido o do cumprimento das regras, sem contrariar o domínio do capitalismo global, cada vez mais selvático. A esquerda tem, somente, tentado salvar a mobília com que ataviou a sua história, aceitando, como mal menor, as imposições do "mercado"

De forma mais simples e directa (sempre a melhor forma de abordar problemas), mais que o teor dos discursos que ontem encheram a sala do Teatro da Trindade é no texto do manifesto que originou o comício que deve ser encontrado o rumo a seguir: «Não nos resignamos perante as dificuldades. Como escreveu Miguel Torga – “Temos nas nossas mãos / o terrível poder de recusar”. Mas também o poder de afirmar e de dar vida à democracia

segunda-feira, 2 de junho de 2008

SIRESP[1]

Lendo a notícia do PUBLICO que refere que o Estado gastou 485 milhões em negócio que valia um quinto, talvez se entenda melhor porque é tão complicado reduzir qualquer forma de imposto no nosso país.

A importância da peça jornalística, assinada por Mariana Oliveira, vai além da mera descrição de factos ou das opiniões de Almiro de Oliveira – o especialista em sistemas e tecnologias da informação que presidiu ao grupo de trabalho que estudou a estrutura doe Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP)[2] – pois além disso expõe o que qualifica de ligações perigosas entre um conjunto de personalidades ligadas aos últimos governos da república (desde os de Guterres até ao de José Sócrates, passando pelos de Durão Barroso e Santana Lopes) e a empresa a que foi adjudicado fornecimento do sistema – a Sociedade Lusa de Negócios.

Ao que reporta a peça, o Ministro da Administração Interna do governo de Santana Lopes – Daniel Sanches, ex-magistrado do Ministério Público, ex-director adjunto da PJ, ex-director do Serviço de Informações de Segurança e ex-administrador no grupo Sociedade Lusa de Negócios – adjudicou a um consórcio integrado por aquele grupo um contrato de mais de 500 milhões de euros em data posterior às eleições legislativas.

Contrariando a mais elementar lógica de gestão da coisa pública, o ministro que lhe sucedeu na pasta – António Costa – não anulou o concurso, tendo-se limitado a renegociar o contrato que graças a uma assinalável redução de 50 milhões de euros acabou por se fixar nuns módicos 485 milhões.

Objecto de inquérito por parte do Ministério Público, o negócio do SIRESP, foi arquivado por decisão de um magistrado que, apesar de fazer parte deste o estudo que previa um custo cinco vezes menor, não encontrou matéria para admitir qualquer ligação entre o antigo ministro e a SLN.

Estranho? Talvez!

Improvável? Talvez não, até porque são vários os casos suspeitos de irregularidades que envolvem a SLN e o BPN-Banco Português de Negócios[3].

Esta entidade financeira, que integra aquele grupo, tem sido alvo de recentes investigações pelo Banco de Portugal, a ponto do seu anterior presidente – José Oliveira e Costa, também ele ex-membro de um governo de Cavaco Silva – se ter afastado voluntariamente do cargo. Além desta investigação, encontra-se também envolvido na chamada “Operação Furacão” por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais; enquanto notícias recentes dão conta do interesse de grupos estrangeiros na sua aquisição (entre estes contar-se-á o Carlyle Group, ligado ao ex-embaixador dos EUA em Portugal e ex-director da CIA, Frank Carlucci, que esteve na fundação da empresa EUROAMER, com o jornalista Artur Albarran, também ela relacionada com o BPN noutra acusação de fuga fiscal).

Mera coincidência a ligação entre o grupo SLN e elite política nacional? Seguramente que não, uma vez que o nome de quem se fala para substituir Oliveira e Costa é o do preterido na corrida à liderança do BCP – Miguel Cadilhe – também ele ex-governante do tempo de Cavaco Silva.

Para concluir, e para os mais cépticos ou incautos, sempre recordo que a SLN foi afastada, no início deste ano, de um negócio em Cabo Verde[4] por alegada prática de corrupção e tráfico de influência.
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[1] SIRESP sigla que tanto pode ser utilizada para designar o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal, como o Sistema para Ilibar de Responsabilidades os Eleitos para o Serviço Público.
[2] O SIRESP é um sistema de comunicações que visa permitir aos elementos das várias forças de segurança, dos serviços de informação, da emergência médica e da protecção civil uma comunicação mútua assente numa plataforma comum.
[3] O BPN, além da investigação referida, encontra-se também envolvido na chamada “Operação Furacão” por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais; enquanto notícias recentes dão conta do interesse de grupos estrangeiros na sua aquisição (entre estes conta-se o Carlyle Group, ligado ao ex-embaixador dos EUA em Portugal e ex-director da CIA, Frank Carlucci), recorde-se que este esteve na fundação da empresa EUROAMER, com o jornalista Artur Albarran, também ela relacionada com o BPN noutra acusação de fuga fiscal.
[4] Ver a notícia original em VOZDIPOVO-ONLINE.

domingo, 1 de junho de 2008

OS DOIS LADOS DE CADA CELEBRAÇÃO

Se o mês que agora terminou marcará ou não uma nova etapa na antiga e delicada questão israelo-palestiniana, apenas o tempo poderá responder... mas não deixa de ser significativo que próximo da data em que se assinalaram os 60 anos da proclamação unilateral do Estado de Israel tenham ocorrido alguns factos que se poderão revelar determinantes para o futuro da região e dos povos que a habitam.

Para a generalidade da imprensa ocidental o que fez manchete foram as comemorações israelitas – poucos se referiram ao facto de do outro lado do muro os palestinianos estarem a assinalar a al-Nakba (a Catástrofe), designação pela qual conhecem o processo de ocupação de terras e a expulsão de mais de 700 mil palestinianos[1], levada a cabo durante as guerras que se seguiram à proclamação do Estado de Israel, nem às consequências que ainda hoje se fazem sentir – e a presença de George W Bush, que na qualidade de convidado especial não perdeu a oportunidade para reafirmar o estreito alinhamento do seu governo com as teses e os desejos israelitas.

Qualquer observador, mesmo menos atento, há muito está ciente da estreita relação de interesses entre americanos e judeus – começando no facto de historicamente a comunidade judaica deter uma forte posição no sistema financeiro mundial, passando pela permanente disponibilidade norte-americana para o fornecimento de material bélico da última geração (incluindo o discreto apoio à capacidade nuclear judaica[2]) e concluindo com a importância de poder dispor de um aliado (e agente) na região do Médio Oriente – manifesto até no facto de os EUA terem sido o primeiro país a reconhecer o auto-proclamado Estado de Israel.

Mesmo descontando a euforia do momento, o mínimo que alguém de bom senso pode dizer das declarações de Bush é que este terá hipotecado as parcas hipóteses de sucesso para o acordo que pretende apadrinhar entre Ehud Olmert e Mahmoud Abbas.

Se não bastasse o enorme ressentimento e a muita desconfiança que ainda separa judeus de palestinianos[3], este despropositado alinhamento de George Bush com o estado judaico, anulando qualquer credibilidade para ser reconhecido como árbitro minimamente imparcial, serviria como argumento para os grupos que se opõem a qualquer forma de entendimento.

Ora o diálogo é o que mais tem estado ausente de uma região onde o conflito e a intriga têm sido a dominante. Várias iniciativas para normalizar as relações entre Israel e os vizinhos estados árabes ou redundaram em fracassos ou em acordos mais formais que práticos.

Mesmo o chamado Roteiro para a Paz, que possibilitou uma situação de aparente autonomia palestiniana, não tem passado de um logro ao abrigo do qual as condições de vida das populações palestinianas não têm parado de se degradar e, pior, está a contribuir para um crescente distanciamento entre a população e os seus dirigentes.

O desgaste da Fatah em resultado de uma pretensa governação dos territórios palestinianos tem sido habilmente explorado pelos governos israelitas que não têm perdido uma oportunidade para tirar partido das dificuldades inerentes à gestão de um espaço militarmente ocupado por outro Estado, estrategicamente retalhado por muros de betão e postos de controlo militar, despojado das principais fontes de abastecimento de água potável, sem um aparelho produtivo minimamente funcional e uma população com níveis de formação muito baixa; o elevado nível de desemprego entre a população palestiniana e as limitações à circulação e ao comércio impostas pela presença militar israelita têm fomentado confrontos regulares e desproporcionados, de que a Intifada (guerra das pedras), os atentados suicidas, os “rockets” e os assassinatos selectivos têm sido imagem corrente.

Este fenómeno não ditou apenas a ascensão ao poder do Hamas, por via eleitoral, mas também a fragilização da Fatah (movimento histórico fundado por Yasser Arafat e que liderou o processo de desanuviamento que permitiu a constituição da Autoridade Palestiniana) face aos crescentes casos de corrupção entre os seus membros.

Em finais de Abril Jimmy Carter personificou uma tentativa de aproximação e diálogo com o grupo palestiniano, de tendência islâmica, que governa a Faixa de Gaza – o Hamas – que as administrações americana e israelita diabolizam e persistem em marginalizar, com esta última a manter um boicote económico e um bloqueio militar àquele território. Que esta iniciativa começa a produzir efeitos é já confirmável pelas notícias difundidas pelo LE FIGARO que reportam os primeiros contactos “privados” entre o governo francês e aquele movimento, mas ainda estamos muito longe de se poder falar na existência de uma via alternativa de diálogo.

Nesta nebulosa teia de interesses integram-se outras situações, como a invasão do Líbano que Israel levou a cabo no ano passado (a pretexto de alcançara a libertação de dois soldados capturados pelo Hezbollah) e as recentes notícias da existência de conversações entre Israel e a Síria com vista à normalização de relações, que ultrapassam em muito o mero problema da segurança do Estado de Israel. Uma e outra apenas podem ser entendidas no contexto de um jogo de interesses muito mais vasto e que passa, inevitavelmente, pelo controlo de uma região estrategicamente fundamental pelas reservas petrolíferas de que dispõe. Quando Israel invadiu o Líbano não o fez apenas com o objectivo de aniquilar o Hezbollah e fragilizar o Irão (país que apoia aquele movimento islâmico), mas também para influenciar o futuro político de um país cujas ligações históricas à Síria são fortes mas onde a elite política se divide em dois campos antagónicos – pró-ocidentais e pró-sírios.

O próprio processo de normalização de relações entre judeus e sírios é o espelho das contradições e dos interesses envolvidos na região. Tecnicamente em situação de guerra desde a ocupação israelita dos Montes Golan, em 1967, os contactos entre os dois estados têm-se sucedido em função de iniciativas próprias ou de terceiros (mediadores), sendo aqui de destacar o papel que recentemente a Turquia – estado islâmico que normalizou relações com a Israel, de quem é parceiro na NATO, com quem mantém estreitos interesses económicos ligados ao “pipeline” de Baku-Tbilisi-Ceyhan e da sua futura ligação ao de Ashkelon-Eilat[4] e que anseia exibir este sucesso diplomático para “facilitar” a integração na UE – tem desempenhado nesta aproximação.

Mas, tal como sucede com os palestinianos, também com os sírios a população israelita revela grandes dificuldades de entendimento. Segundo o THE JERUSALEM POST mais de 65% da população mostra-se contrária à retirada dos Montes Golan (indispensável a qualquer tentativa de acordo), mesmo que esta seja apenas parcial, e mais de 50% mostram-se mesmo contrários a qualquer negociação num momento em que Ehud Olmert volta a ser acusado de corrupção[5]. Embora o jornal israelita não o refira explicitamente, o resultado da sondagem dever-se-á ao proverbial receio do cidadão comum pela segurança interna mas, a par com esta, existem outras razões para defender a manutenção da ocupação daquele território, nomeadamente o facto deste constituir a chave para o acesso a duas das principais fontes de água potável na região (os rios Jordão e Yarmouk), de nele se terem estabelecido quase 20.000 colonos e de haver sempre quem possa extrair dividendos de um clima generalizado de insegurança.

Aliás esta estratégia de agitar espantalhos é mais antiga entre os habitantes de Israel que a constituição do seu próprio estado[6].

Tal como há sessenta anos, ainda hoje o medo atávico dos árabes constituiu um importante factor de união de um povo que em muitos casos pouco mais tem em comum que os seus dogmas religiosos[7].
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[1] Actualmente as estimativas apontam para a existência de aproximadamente 4 milhões de palestinianos a viver na situação de refugiados, número resultante do crescimento demográfico dos refugiados originais.
[2] Ainda recentemente o PUBLICO fez eco de declarações do ex-presidente Jimmy Carter que referiu publicamente (a primeira vez que alguém responsável ou ex-responsável da Casa Branca o fez) que Israel disporá de cerca de 150 ogivas nucleares
[3] Sobre esta questão recomendo vivamente a leitura de «ISRAEL PALESTINA – PAZ OU GUERRA SANTA» de Mário Vargas Llosa, que além da habitual qualidade da sua escrita apresenta um ponto de vista de alguém que habitualmente alinha em posições pró-israelitas relata o ponto de vista dos “dois lados”.
[4] Sobre esta questão a relação de interesses entre judeus e turcos, ver os posts: «Dubitando at veritatem pervenimus» e «A realidade além daquilo que vemos».
[5] Sobre estas acusações ver o artigo de Yigal Sarna «The man who wanted to be king», publicado no YEDIOT AHARONOT.
[6] Sobre esta questão e a título de panorâmica geral do conflito israelo-palestiniano ver os “posts”: «Contributos e obstáculos para a paz –I» e «Contributos e obstáculos para a paz –II».
[7] Estima-se que apenas 68% dos cerca de 7 milhões de habitantes de Israel sejam naturais do território (nascidos após a independência); os restantes 32% são originários dos mais variados territórios e a título de exemplo só no início da década de 1990 entraram no país mais de 200 mil emigrantes originários da antiga União Soviética.