segunda-feira, 30 de julho de 2007

POLÍTICA E DESPORTO – A MESMA ÉTICA

A queda dos padrões éticos (principalmente num “mundo” sempre tão pouco transparente como o da política internacional) há muito parece estar a generalizar-se a outros sectores da vida humana.

Até em sectores, como o desporto, onde deveriam imperar arreigados princípios éticos este fenómeno se tem vindo a generalizar. Quem não tem acompanhado o “folhetim” em que se converteu a mais importante prova ciclista mundial – a Volta à França – que levou até o humorista Schneider a realizar este “cartoon”?


Não está apenas em causa o descrédito de uma modalidade desportiva, mas também o de milhares praticantes e tudo isto, em nome de quê? De chegar primeiro? não, de vender mais!

A imoralidade do recurso ao “doping” é idêntica, embora menos gravosa que a do recurso ao fomento de conflitos para assegurar a venda do respectivo armamento.

Acham que ninguém seria capaz de fazer isso?

Então vejam o recente exemplo das notícias[1] que dão conta da venda à Arábia Saudita, pelos EUA, de 20 mil milhões de dólares de armamento, durante os próximos 10 anos, sob o argumento da necessidade de apoiar os estados árabes moderados para contrariar a tendência hegemónica do Irão.

Como se não bastassem os chorudos lucros que a indústria armamentista está a obter à conta de guerras como a do Afeganistão e do Iraque (que ninguém de boa fé refutará que foram desencadeadas por exclusivo interesse norte-americano), ainda vai poder vê-los aumentados com o argumento de que há que combater a instabilidade na região...

Nesta situação, como em tantas outras, nada acontece de forma isolada e assim, poucas horas após o anúncio deste importante “contrato”, eis que a mesma fonte[2] anuncia o aumento das vendas de armamento a Israel, cujo valor actual se situa em cerca de 2,4 mil milhões de dólares anuais. Para não deixar desprotegido o seu “amigo” de sempre, a administração Bush vai aumentar em 25% aquele valor anual (atingindo os 30 milhões de dólares nos próximos dez anos) e assim assegurar a manutenção da supremacia militar na região.

A evidente contradição que constitui o armamento da Arábia Saudita, conhecendo-se as ligações entre o movimento “wahhabita[3] e a Al-Qaeda e a instabilidade do próprio regime saudita, o difícil entendimento de como poderá este opor-se ao Irão e a situação em todo o Médio Oriente aponta para a necessidade de procurar outro tipo de explicação para esta decisão, tanto mais que recentes declarações de Zalmay Khalilzad[4] denunciando o menor empenho da Arábia Saudita na resolução do conflito no Iraque vêm contrariar os pressupostos do acordo.

A menos que se considere a benesse do novo armamento como contrapartida para uma alteração na política saudita, traduzida num maior apoio à posição norte-americana e no endurecimento das medidas contra o movimento “wahhabita”.


Num mundo onde os princípios foram substituídos pelos interesses particulares e estes mudam ao sabor de ventos e marés, todas as hipóteses são plausíveis e merecedoras de atenção e reflexão. Por exemplo, para fechar o ciclo desporto-política-desporto, e se a recente vitória da selecção iraquiana de futebol na Taça Asiática não tivesse passado de uma manobra política para tentar desviar a atenção da situação naquele país e acalmar alguma animosidade ocidental contra o regime saudita? É que a vitória foi alcançada sobre a selecção da Arábia Saudita...
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[1] Ver notícia da BBC aqui
[2] Ver notícia da BBC aqui
[3] Wahhabitas, são os membros de uma seita islâmica composta pelos seguidores de Muhammad bin abdul Wahhab, que no século XVIII iniciou um movimento de carácter puritano e extremista, que com o apoio da família Saud (a família real saudita) logrou uma posição de dominância na região. O puritanismo wahhabita (à semelhança do ramo salafita, dele derivado) é partidário do uso de violência até contra outros ramos islamitas (sunitas e xiitas) e tem feito uso das suas grandes disponibilidades financeiras para difundir por diferentes regiões os seus ideais; habitualmente o movimento “taliban” e a Al-Qaeda são considerados como próximos dos ideias wahhabitas.
[4] Zalmay Khalilzad é o actual embaixador Americano na ONU e as declarações podem ser lidas aqui.

sábado, 28 de julho de 2007

NOVAS IDEIAS PARA A PALESTINA?

De acordo com uma notícia publicada na página ELECTRONIC INTIFADA, baseada em documentos divulgados na página electrónica do Hamas após a expulsão das forças da Fatah da Faixa de Gaza, membros da liderança da Fatah conspiraram com Israel para assassinar Yasser Arafat.

Esta situação não constitui verdadeira novidade (muito se especulou nos dias próximos da sua morte) nem pode ser encarada como mais uma “teoria da conspiração”. Ao longo de toda a sua vida Arafat constituiu um alvo a abater por Israel (ou pelo menos par aos seus sectores mais radicais), facto que não tinha que mudar drásticamente após a tentativa de conciliação que constitui os Acordos de Oslo.

Mesmo procurando manter alguma reserva (e distância intelectual), a importância da revelação de um documento como uma carta de Mohamed Dahlan (ex-chefe de segurança da Fatah para a Faixa de Gaza) dirigida a Shaul Mofaz (antigo ministro da defesa israelita) que confirme o conluio entre uma facção palestiniana e o governo israelita para eliminar Yasser Arafat, constitui motivo suficiente para a referência e justifica a necessidade de alguma reflexão.

O texto de suporte da notícia, que li, é da autoria do próprio Director Executivo da EI, um americano de ascendência palestiniana (Ali Abunimah) especialista em questões do Médio Oriente e professor na Universidade de Chicago, e constitui ele próprio uma interessante reflexão sobre a situação palestiniana, uma clara denúncia do papel de Israel no continuado descrédito dos Acordos de Oslo e uma tentativa de interpretação da estratégia israelita.

Em dada altura o autor interroga-se sobre as razões que poderão justificar a actual estratégia israelita de apoio a Mahmoud Abbas, algo aparentemente anacrónico face à possibilidade de deixar os dois “inimigos” (Fatah e Hamas) digladiarem-se até à extinção e assim reivindicar uma vitória total; a resposta encontra-a no facto dos líderes israelitas necessitarem de escamotear uma realidade ainda mais perigosa que a dos ataques suicidas – a evolução demográfica corre contra Israel. Nos territórios controlados pelos israelitas (Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia) a população palestiniana é maioritária (e a tendência é para continuar a crescer) o que torna indispensável a existência de uma Autoridade Palestiniana que funcione no local à semelhança do que a África do Sul fez há décadas quando criou um sistema de bantustões (estados negros aparentemente autónomos) que possibilitou à minoria branca resistir mais alguns anos no poder.
Embora Abunimah nunca refira o facto de na sua origem o Hamas ter contado com o discreto apoio de Israel (então com o objectivo de dividir o movimento de resistência palestiniano e fragilizar a autoridade da OLP e de Yasser Arafat) e não esconda a denúncia dos métodos utilizados pelas Brigadas Ezadin al-Qassam (o braço armado do Hamas), nem por isso deixa de recordar que contrariamente ao que correntemente se diz e escreve no ocidente, o Hamas tem feito grandes esforços no sentido de moderar muito do seu discurso radical, facto que Israel e os EUA têm conseguido fazer esquecer com o embargo político e financeiro que decretaram contra o governo palestiniano democraticamente eleito no início de 2006.

Se a carta de Dahlan é uma clara confirmação da forma como Israel tem vindo a lidar com o problema palestiniano, não só através de sucessivas inflexões na sua estratégia, alternando fases aparentemente mais moderadas e conciliadoras com outras mais duras, mas também mediante recurso à infiltração nos círculos mais internos do movimento palestiniano, é igualmente a prova de que a actual direcção da Fatah (e da Autoridade Palestiniana) se encontra totalmente subordinada aos interesses israelitas.

Perante um cenário em que o Hamas tem sido conduzido do exterior (Israel, EUA, e UE) para posições e acções progressivamente mais radicais e em que o divórcio entre a liderança da Fatah e o povo palestiniano é cada vez mais evidente (a revelação da carta de Dahlan é apenas mais uma achega) que esperança resta aos palestinianos?

Esta questão é tanto mais importante quanto os palestinianos continuam a ser privados pelos israelitas da possibilidade de substituir as lideranças falhadas, pelo menos enquanto, como referi no “postO QUARTETO E A PALESTINA, estes continuarem a manter sob prisão a geração de novos líderes.

De forma mais pragmática, Ali Abunimah, preconiza como solução o abandono do conceito dois povos–dois estados, propondo em sua substituição a alternativa da existência de um único estado onde as duas comunidades partilhem interesses e poderes.

Veiculando uma tese tão provocadora, mas intelectualmente interessante, estou ansioso por ler o livro - ONE COUNTRY: A BOLD PROPOSAL TO END THE ISRAELI-PALESTINIAN IMPASSE – onde o autor desenvolve a ideia.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

PREDADORES E PRESAS

Na sequência do seu artigo de opinião da passada semana, no qual reflectia sobre a responsabilidade dos políticos nos fenómenos de migração laboral, volta hoje Baptista-Bastos a abordar o “mundo do trabalho”. Não aquele mundo distante e asséptico tão do agrado dos teóricos, mas o que é sentido um pouco no dia-a-dia de cada um de nós.

Após ter traçado um retrato amargamente real dos nossos políticos que «não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis», revelam uma «mediocridade exultante (...) típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social», no artigo intitulado «OS NOVOS GAIBÉUS», vem agora em «AÍ ESTÃO OS PREDADORES» denunciar o lado mais negro e reaccionário dos subscritores da POSIÇÃO COMUM DAS CONFEDERAÇÕES PATRONAIS, quando estas surgem a defender o fim da proibição dos despedimentos sem justa causa, ou por motivos políticos ou ideológicos.


Sem eufemismos nem falsos argumentos, a única coisa que se pode pretender com o fim daquela limitação legal é a restauração de um tipo de despotismo, que para quem conheça as características dos “capitães da indústria” nacional, nem sequer se pode apresentar como esclarecido ou iluminado.

Quem leia a fundamentação da proposta não encontra nela uma única referência desabonatória nem de carácter autoritário; como dizem os subscritores «nenhuma entidade empregadora pretenderá fazer cessar a sua relação laboral com trabalhadores competentes e capazes mas tão só com aqueles que não demonstram aptidões ou vontade para o respectivo desempenho profissional», até porque estes prejudicam «a performance da empresa como um todo e (...) a posição dos demais trabalhadores». Tudo é proposto na defesa dos interesses da maioria contra «os menos diligentes, mais absentistas e menos competentes».

A leitura desta proposta das confederações patronais não pode ser desligada doutra já apresentada pelo actual governo e que consiste na hipótese de processo disciplinar aos funcionários públicos que mereçam duas classificações de desempenho negativas, nem dos casos de “afastamento” de funcionários dos Ministérios da Educação e da Saúde aparentemente pouco colaborantes.

Muitas mais questões poderiam ser levantadas a todos este processos de avaliação – os pretendidos pelas confederações patronais, os que o Estado irá aplicar aos seus funcionários e aos que já hoje são aplicados em muitas empresas no nosso país – mas esta é principal: quem assegura a qualidade e a isenção dos avaliadores?

No Estado ou no sector privado, com a actual legislação ou com outra mais liberal, ninguém pode assegurar a equidade do sistema que rotula (e continuará a rotular) os trabalhadores, quando este apenas prevê avaliações baseadas em sistemas hierárquicos sustentados no poder.

Baptista-Bastos tem amplas razões, e profundo conhecimento causa, para pretender travar o regresso dos “predadores”, mas a realidade mostra que eles há muito estão infiltrados entre nós e os estragos são cada vez mais visíveis, com a agravante de que talvez possamos impedir o regresso dos “leões”, mas as “hienas” nunca as exterminámos!

domingo, 22 de julho de 2007

O QUARTETO E A PALESTINA

«Tony Blair disse esta quinta-feira, em Lisboa, que os seus primeiros passos como enviado especial para o Médio Oriente serão, em primeiro lugar, ouvir as partes palestinianas e israelitas, reflectir sobre essas audições e, só depois, apresentar propostas concretas para atingir o duplo objectivo da criação de um estado viável na Palestina e de garantir a confiança de Israel na sua segurança

Assim começava uma das muitas notícias (a citação é de uma do PORTUGALDIÁRIO) publicadas sobre a mais recente reunião do Quarteto da Paz[1], que recentemente ocorreu em Lisboa e que, fazendo fé nas palavras do ex-primeiro ministro britânico, deveria ter marcado um novo ciclo na crise do Médio Oriente.

Qualquer pessoa que procure efectivamente uma solução negociada para o problema palestiniano (ou para qualquer outro que envolva um conflito aberto ou latente) deverá começar por ouvir (e tentar compreender) as partes.

Talvez Tony Blair venha a fazer um esforço efectivo para procurar pacificar aquela região, mas ao ler as suas declarações, outras me vieram à memória. Concretamente, estou a referir-me a uma alocução proferida por Jorge Sampaio (pouco tempo após a sua nomeação como Alto Representante da Aliança das Civilizações[2]) na abertura da Conferência “Civilizations and the Challenge for Peace: obstacles and opportunities”, quando afirmou: «Estou aqui hoje mais para ouvir que para falar, para tomar notas mais que para fazer afirmações, para aprender com os vossos pensamentos, preocupações e desejos mais que para apresentar a minha própria visão e estratégia»[3], palavras que na sua boca soarão de forma muito diferente às de Tony Blair, especialmente a ouvidos mais habituados aos inflamados discursos de apoio à Guerra contra o Mal de George W. Bush que na defesa de princípios como o da igualdade e justiça entre os povos
Pois é, se o Quarteto espera que os estados árabes do Médio Oriente acolham Tony Blair qual “pomba da paz”, correm o sério risco que estes não o vejam com melhores olhos que aqueles que usou o caricaturista Dave Brown, no
THE INDEPENDENT

onde o retratou como aquilo que muita gente o vê – o caniche de Bush.

E o maior erro do Quarteto está longe de ter sido a nomeação de Blair para o papel de mediador, uma vez que persiste na estratégia de marginalização do Hamas enquanto parceiro nas negociações.

Este erro grosseiro, que além de ter degradado ainda mais as já muito precárias condições de vida das populações palestinianas, de ter conduzido a uma situação de confrontação armada entre os dois principais grupos palestinianos (Hamas e Fatah)[4], ainda se traduz no mais completo desrespeito daquilo que o ocidente diz defender – a democracia – pois o governo liderado pelo Hamas resultou de um processo eleitoral que a generalidade dos observadores ocidentais classificou como o mais democrático até então realizado em países árabes.
Questões como esta e um longo historial de apoio incondicional às políticas israelitas conduziram à situação de impasse na região e à óbvia degradação da imagem do ocidente entre os povos islâmicos. Mesmo sem querer defender a diferença pela diferença, tanto mais que vou aqui recorrer a uma citação de alguém absolutamente insuspeito nessa área, recordo o que há tempo escreveu Adriano Moreira numa sua
crónica sobre o indispensável diálogo entre o Islão e o Ocidente: «é indispensável reformular o diálogo e diminuir os erros de comunicação e de compreensão (…) para que minorias indisciplinadas sejam identificadas como minorias pela opinião pública, de modo a que as solidariedades intercomunitárias se fortaleçam no apoio à paz da sociedade civil e às leis do Estado». Ora o ocidente, e o seu Quarteto, parece cada vez mais apostado numa estratégia de fraccionar os palestinianos e não na construção de verdadeiras vias para a pacificação da região.

Mesmo sendo certo que Tony Blair apresenta no seu currículo a “pacificação” da Irlanda (mesmo carecendo do aprofundamento da sua real influência no processo, algo que só o tempo revelará), ninguém negará que a realidade no Médio Oriente é bem mais complexa e que a sua resolução apenas deverá ocorrer quando árabes e judeus forem “forçados” a negociar numa posição de maior igualdade, nunca enquanto os segundos se sentirem protegidos pelos seus “irmãos” ocidentais.

Persistindo numa estratégia de privilegiar a facção da Fatah (liderada pelo presidente da Autoridade Palestiniana) em detrimento do Hamas, sob a alegação de aquele é um movimento terrorista (quando o principal argumento para tal é a recusa no reconhecimento do Estado de Israel), não só este grupo tenderá a assumir posições cada vez mais radicais, como se estará a entregar a condução do processo de formação de um estado palestiniano a uma força política que a população acusa de práticas de corrupção e cujos líderes já demonstraram a sua incapacidade na condução do processo de pacificação resultante dos Acordos de Oslo.

Embora neste último caso quer o já falecido Yasser Arafat quer Mahmoud Abbas não sejam os únicos responsáveis pelo fracasso (Ariel Sharon e Ehoud Olmert partilham enormes responsabilidades nesta matéria), o facto é que as populações palestinianas continuam a viver em situação muito precária e num estado de total dependência do governo de Israel. A decisão deste governo de libertar duas centenas dos milhares de prisioneiros palestinianos que detém, poderá ter grande efeito na opinião pública ocidental mas dificilmente se traduzirá num movimento para a normalização da vida palestiniana (e principalmente da vida política) enquanto a nova geração de líderes, responsável pelo lançamento e condução da segunda Intifada, permanecer encarcerada. Mesmo admitindo que homens como Marwan Barghouti não resolvam por si só a crise, a sua intervenção directa na vida política palestiniana não poderia deixar de ser positiva; o verdadeiro problema é que Israel quase sempre tem preferido uma estratégia de confrontação (particularmente adequada a quem quase meio século volvido sobre a II Guerra Mundial persiste em se apresentar como mártir exclusivo da política de genocídio dos não-arianos decidida pela Alemanha nazi) como forma de justificar as acções de represália indiscriminada que regularmente exerce sobre os territórios palestinianos e a manutenção no poder de um líder fraco e contestado como Mahmoud Abbas é-lhe particularmente vantajosa.

Mas as indispensáveis mudanças do lado palestiniano apenas produzirão frutos se algo de idêntico ocorrer do lado judaico. Isso mesmo deixou bem claro o escritor peruano Mário Vargas Llosa num conjunto de crónicas que o jornal espanhol EL PAIS publicou em 2005[5]; este facto é tanto mais relevante quanto ao longo de muitos anos aquele foi um acérrimo defensor de Israel e dos seus métodos de actuação e pode constituir um claro sinal de que começam a registar-se mudanças na forma como muita gente “vê”, no ocidente, a situação palestiniana.

A questão agora é saber se o Quarteto e o seu “enviado especial” conseguirão (ou quererão) aproveitar os novos tempos… ou se iremos voltar a assistir aos inúteis desfiles de personalidades que além dos seus pomposos discursos pouco mais produzirão de útil para a resolução de uma das mais complicadas sequelas da II Guerra Mundial e para o justo tratamento dos cerca de cinco milhões de palestinianos (dados da UNRWA[6] disponíveis aqui) que se viram expulsos do seu território e forçados a viver como refugiados nos países vizinhos.

Para quem tanto tem lamentado a diáspora hebraica e tudo tem feito para a reparação dessa injustiça, quando começará a pensar enfrentar a resolução da diáspora palestiniana?

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[1] Designação que a par com a de Quarteto do Médio Oriente designa o conjunto dos EUA, UE, Rússia e ONU, grupo constituído em finais de 2002, numa altura em o conflito na região do Médio Oriente recrudesceu de intensidade, que é suposto procurar uma solução para o conflito israelo-palestiniano.
[2] A Aliança de Civilizações é uma iniciativa do secretário-geral da ONU, apoiada pelos governos espanhol e turco, que pretende incentivar vontades políticas e mobilizar acções concertadas para combater os preconceitos entre culturas e religiões. Foi lançada em 2005 por Kofi Annan e actualmente é seu Alto Representante o ex-presidente Jorge Sampaio.
[3] Ver o texto integral aqui (versão em inglês)
[4] Ver o post IRMÃOS INIMIGOS
[5] As referidas crónicas, em número de oito no seu formato original, estão agora disponíveis em livro (com tradução em português e edição da QUASI) sob o título ISRAEL PALESTINA – PAZ OU GUERRA SANTA e na sua introdução escreve o autor «Estive quinze dias em Israel/Palestina, entre 30 de Agosto e 15 de Setembro de 2005, para escreve esta reportagem. (…) Embora esperasse que a minha reportagem fosse alvo de críticas, fiquei surpreendido com a sua quantidade e virulência de algumas delas, sobretudo aquelas que conhecendo a minha trajectória de solidariedade para com Israel, me acusam de ter passado para o inimigo. Qualquer pessoa que leia este livro de forma desapaixonada comprovará que essa acusação é absurda. (…) As minhas críticas ao governo israelita pela política que leva a cabo em relação à questão palestiniana são inspiradas nos mesmos princípios de amor à liberdade e à justiça que me levaram a defender Israel contra aqueles que o caricaturaram como um mero peão do imperialismo no Próximo Oriente. E, claro, não aceito a chantagem a que recorrem muitos fanáticos que chamam «anti-semitas» a todos aqueles que denunciam os abusos e crimes que comete o Governo de Israel.» texto que é bem revelador do clima de pressão internacional que os grupos judaicos exercem sobre a opinião pública ocidental.
[6] A UNRWA –United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East é uma agência especializada da ONU no apoio à educação, saúde, serviços sociais e ajuda de emergência a mais de 4,4 milhões de refugiados palestinianos que vivem na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

EDUCAÇÃO – MAIS UM ANO PERDIDO

Embora ainda não se encontre concluído o processo de avaliação do secundário, o Ministério da Educação apressou-se a emitir no início deste mês uma nota na qual se congratula com a melhoria global dos resultados da 1ª fase dos exames do secundário.

Porém, uma observação da série temporal dos últimos 10 anos nas disciplinas de Português e Matemática, transmite uma imagem bem menos agradável.


Através desta, o que se constata é que após a entrada em vigor de novos programas, em 2006, a tendência de melhoria dos resultados a Matemática é acompanhada de uma degradação dos de Português. Se na globalidade os desta disciplina ainda são positivos (9,9 valores para Português A e 10,77 valores para Português B), já os de Matemática são claramente negativos (9,4 valores para Matemática A e uns confrangedores 7,49 valores para Matemática B).

Não sendo natural esperar uma significativa melhoria dos resultados nos exames da 2ª fase (por norma recorrem a esta os alunos que não alcançaram resultados positivos na 1ª fase), torna-se particularmente evidente o pessimismo de que se reveste o artigo publicado pelo DIÁRIO ECONÓMICO, que sugestivamente se intitula «Insucesso escolar em Matemática é nefasto para o crescimento» e que enumera os muitos problemas resultantes da inexistência de trabalhadores com formação adequada nas áreas técnicas.

Se este é o cenário pouco animador ao nível do ensino secundário, os resultados dos exames no 9º ano de escolaridade, que actualmente corresponde à escolaridade obrigatória, são ainda mais preocupantes. Com uma classificação média de 3,21 (numa escala de 1 a 5) à disciplina de Português e de 2,12 na de Matemática, estes resultados são ainda piores que os do 12 º ano e revelam resultados ambivalentes relativamente a 2006, ano em que as médias foram de 2,65 e 2,39 a Língua Portuguesa e Matemática, respectivamente.

Concretamente quanto a esta última disciplina os resultados revelam bem mais que as dificuldades que o Ministério da Educação admite (ver nota de 11 de Julho) tornando pouco credível o tom de optimismo com que defende a eficácia futura do Plano de Acção para a Matemática.

Mesmo sem querer por em causa a boa vontade de todos os que se têm vindo a debruçar sobre a implementação de uma estratégia para a inversão da tendência actual, continuo a insistir na ideia de que a primeira grave lacuna no sistema de ensino no nosso país é a inexistência de um sistema que premeie o esforço. A ideia em tempos lançada e que parece continuar a vingar entre os responsáveis pela definição das políticas educativas nacionais de que o processo de aprendizagem é algo que se pode realizar no âmbito de um processo lúdico, conduziu a que os jovens realizem o seu percurso de escolaridade obrigatória sem nunca serem alvo de um processo de avaliação que determine o nível de competências efectivamente adquirido e que, simultaneamente, funcione como estímulo/recompensa pelo esforço despendido.

Assim, não creio que por melhor estruturado, elaborado e implementado que seja este, ou outro, Plano de Acção para a Matemática possa obter os resultado que efectivamente necessitamos, a menos que o mesmo seja acompanhado de uma radical alteração no funcionamento do nosso sistema de ensino, traduzida na recuperação do princípio de que a aprendizagem exige esforço e trabalho (a professores e alunos) e que é precisamente isso que a sociedade lhes exige.

Enquanto não substituirmos o “nacional porreirismo” e o facilitismo que imperam no nosso sistema de educação (e na sociedade em geral) dificilmente alcançaremos os resultados que se julgam necessários e se diz pretendermos alcançar.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

PASCUA-LAMA

Mão amiga enviou-me há dias um “mail” sobre um projecto de exploração mineira a efectuar por uma empresa multinacional – BARRICK – em território sul-americano. Mais concretamente aquela empresa mineira está em vias de obter a autorização dos governos do Chile e da Argentina para iniciar a exploração a céu aberto de ouro, prata e cobre numa região remota entre aqueles dois estados, num projecto conhecido por PASCUA-LAMA.

Além deste projecto a BARRICK explora um conjunto de 27 minas e desenvolve 8 projectos (entre eles o de PASCUA-LAMA) distribuídos pelos cinco continentes.



Sucede porém que naquela zona existe um conjunto de glaciares que alimentam dois rios dos quais os agricultores locais retiram a água para irrigar as suas culturas e é precisamente sob eles que se localiza parte do veio a explorar.


Há vários meses que esta polémica se arrasta e que um pouco por todo o lado têm pululado críticas e protestos contra este projecto; grupos ecologistas latino-americanos (entre os quais a OCLA – Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales) e de outras nacionalidades têm originado um movimento de protesto que forçou a própria multinacional americano-canadiana a apresentar na sua página na Internet (http://www.barrick.com/CorporateResponsibility/ PascuaLama/PascuaLamabrQA/default.aspx) a sua posição sobre o projecto.

Enquanto acusada de pretender destruir dois glaciares a multinacional mineira defende-se alegando que o projecto foi sujeito a aprovação pelas competentes entidades chilenas e argentinas e incorpora os mais elevados padrões de segurança e protecção do meio ambiente, porém este projecto já se arrasta desde 1994 e tem vindo a registar sucessivas alterações, muitas delas impostas por acções judiciais ganhas pelos seus opositores.
No momento ainda não se iniciou a exploração devido a um diferendo entre o Chile e a Argentina sobre a repartição dos rendimentos (80% para o primeiro e o restante para o outro), mas os ecologistas e a população local mantém sérias reservas sobre a benignidade do projecto, receando além da destruição dos glaciares pela degradação da qualidade da água dos rios que atravessam a região, já que é norma na actividade de mineração o recurso a produtos químicos, como o cianeto e o ácido sulfúrico, durante o processo de lavagem do minério.
Os esforços até agora desenvolvidos têm logrado ajudar a adiar o início do processo de mineração, mas seguramente que mal seja resolvido o diferendo sobre a repartição dos ganhos entre os governos chileno e argentino os aldeões da região, os grupos ecologistas e todos nós iremos assistir à destruição de mais um ecossistema e a mais um passo na redução das fontes naturais de água.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

AS ELEIÇÕES E O ACTO DE VOTAR

Encerrado o processo eleitoral para a principal autarquia nacional, observados os resultados e o friso dos principais candidatos uma questão me assalta o espírito:



Como é que os membros de cada uma das seis listas agora eleitos como vereadores encaram a sua próxima tomada de posse, quando o processo de que resultou aquela eleição registou uma taxa de participação inferior a 40%?


Em termos práticos pouco mais de 10% dos eleitores lisboetas votaram na lista vencedora, como se pode comprovar pelo quadro comparativo entre os Resultados Provisórios e os corrigidos do efeito abstenção.


Mesmo reconhecendo que este exercício meramente académico não possa ter efeitos práticos, porque da sua aplicação resultaria algo de parecido com o preenchimento de apenas 1/3 dos lugares de vereação, não deixa de ser curioso observar o seu efeito em termos da real representatividade de cada uma das listas concorrentes.

Tudo isto serve apenas, em meu entender, para que das eleições ontem realizadas em Lisboa se extraiam três conclusões:
  1. o problema da abstenção não se deve apenas ao muito propalado “cansaço dos partidos”, uma vez que nem as duas listas “independentes” lograram contrariar a tendência de crescimento do número dos eleitores que simplesmente se alheiam dos processos eleitorais;

  2. tal como aconteceu nas últimas legislativas continua a ser compensadora a apresentação de candidatos sujeitos a processos judiciais – Carmona Rodrigues não foi apenas o principal responsável pelo estado de ingovernabilidade a que a Câmara chegou, como dirigia uma equipa sob a qual impendem fortes suspeitas da prática de várias irregularidades – pelo menos a atestar pelo resultado da lista «Lisboa com Carmona»;

  3. é urgente e indispensável que no país se proceda a uma ampla reflexão sobre os modelos eleitorais a aplicar no futuro e até a reequacionar a hipótese de obrigatoriedade do voto.

Porque que esta última hipótese me repugna profundamente, tanto que só a contemplo como via para a educação dos cidadãos no sentido do voto, julgo muito mais importante que o processo de reflexão a realizar o seja no sentido de reconquistar os cidadãos para a participação na vida pública (seja em eleições ou noutras formas de actividade social), assim, a este processo deveriam ser chamadas muitas outras organizações além dos partidos e grupos de reflexão política e social. Mesmo utópico que pareça, a importância das pequenas colectividades, sejam elas de bairro ou de vilas e aldeias, deveria ser reconhecida e fonte de estímulo para a reorganização da vida comunitária.

A falência do modelo actual, que reserva quase exclusivamente aos partidos políticos o papel de representação das populações, é um dado inegável e cuja evidência não pode continuar a ser escamoteada pelos líderes partidários nem pelos analistas (pelo menos por aqueles que não queiram ser mais que meros repetidores dos primeiros) cujas vozes ouvimos regularmente. De pouco serve ouvirmos Marcelo Rebelo de Sousa aconselhar estratégias em directo ao líder do PSD, quando o mesmo se remeteu a um silêncio por demais confrangedor sobre o real problema que constitui o facto dos cidadãos abdicarem do seu direito de voto.

Se os responsáveis políticos, a nível nacional e local, persistirem numa estratégia de avestruz - omitindo a realidade - na expectativa que o problema se resolva sozinho, restará aos que ainda acreditem nas virtualidades de um sistema político minimamente participativo tomarem em mãos a dinamização das comunidades onde se inserem. Não será fácil, mas ainda é possível...

domingo, 15 de julho de 2007

ELEIÇÕES EM LISBOA

No final do dia de hoje conhecer-se-á qual dos doze candidatos será eleito como futuro presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

O curioso (e anormalmente elevado) número de candidatos pode prestar-se a todo o tipo de análises e considerações, desde as de natureza político-partidária até às de consonância bíblica (alguém reparou que o número de concorrentes iguala o dos apóstolos?), sem esquecer as que mais prosaicamente recordam o elevado interesse (político e financeiro) em presidir aos destinos do caos em que foi transformado o município e que o caricaturista João Fazenda tão bem retratou no último número da VISÃO.

Dilacerado pelo peso excessivo dos encargos, fragilizado por quem não hesitou em sacrificá-lo aos seus interesses pessoais (caso da ruptura da plataforma eleitoral PS/PCP que através de Jorge Sampaio e de João Soares governou a cidade durante vários anos e do abandono de Santana Lopes para substituir na chefia do governo Durão Barroso, também ele “fugitivo” para Bruxelas), exaurido por uma máquina administrativa demasiado pesada e totalmente enfeudada às estruturas partidárias dos principais partidos políticos, eis que as sucessivas crises originadas pelas constantes suspeições e investigações quanto à credibilidade da equipa de gestão acabaram por conduzir à queda do executivo camarário e à subsequente convocação de eleições.

Da campanha eleitoral resultaram os habituais discursos de promessas e mais promessas; em termos práticos, fracassada a hipótese de renovação da plataforma PS/PCP (que mal ou bem teve pelo menos a virtualidade de ter oferecido um período de estabilidade à autarquia) surgiram candidatos de todas as áreas políticas (incluindo monárquicos e nacionalistas) e até duas candidaturas independentes, sendo uma delas a do anterior presidente Carmona Rodrigues (eleito com o apoio do PSD), os candidatos apoiados pelos partidos que nunca exerceram a condução dos destinos da autarquia desdobraram-se em críticas aos que já o fizeram e todos se desfizeram em promessas e mais promessas…

Na prática todos, ou quase todos, parecem ter-se esquecido que a finalidade da sua eleição será a de conduzirem a capital do país no sentido da melhoria das condições de vida (habitação, tráfego, segurança e espaços verdes) daqueles que por teimosia ou total ausência de alternativas, ainda habitam a cidade.

Mesmo entendendo que a dimensão e a importância de ser a capital transformem Lisboa num caso especial, ninguém, verdadeiramente digno de desempenhar o cargo a que se candidata, podia ter esquecido aquela realidade e agora resta esperar que os eleitores de Lisboa revelem o discernimento que faltou àqueles políticos.

A acreditar no resultado das sondagens conhecidas, não restarão grandes dúvidas de que o próximo presidente da autarquia será o socialista António Costa (ex-número dois do governo de José Sócrates) ficando apenas a dúvida quanto à composição do elenco executivo.

No meio de tanta dúvida e incerteza é de assinalar (pela negativa) que em concreto nenhum dos principais candidatos apresentou um plano de acção suficientemente credível para resolver o problema do passivo financeiro da autarquia, situação que dificilmente será resolvida com a eleição de uma nova equipa de origem política diferente (PS) da que lidera a Assembleia Municipal (PSD).

A avaliar pelo longo historial de quezílias entre PS e PSD e pela natural sobreposição dos interesses pessoais e partidários sobre os interesses comuns (os dos munícipes), é bem natural que Lisboa continue a ser uma cidade adiada por mais dois anos…

sábado, 14 de julho de 2007

BASTILHAS DE ENTÃO E DE AGORA

Dia Nacional em França, instituído em 1880 e que comemora a tomada da Bastilha pelos parisienses em 1789, o início da Revolução Francesa e o fim do “Ancien Régime”.
Importante pelo lançamento de uma nova ordem, personificada na divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e pelo relançamento da França na cena política internacional, trata-se de uma data a assinalar na História do Progresso dos Povos e pode muito bem tornar-se novamente mais relevante agora que a França dispõe de um novo presidente – Nicolas Sarkozy – de quem alguns esperam que personifique um aumento da influência francesa na EU.

Muitas vezes comparado a um novo Napoleão[1] (em especial pelos seus seguidores mais fiéis), Sarkozy poderá ser capaz do melhor e do pior, pelo menos a avaliar pelo seu percurso político, não isento de “casos”, e pela sua passagem pelo governo de Villepin.

Posição mais prudente, ou realista, têm outros que preferem compará-lo ao sobrinho do grande imperador (Napoleão III[2]) que não constituiu mais que uma pálida sombra do famoso tio e acabou recordado mais pelo seu “dandismo” político que pela relevância da sua acção. Tal como esta personagem do Segundo Império, também Sarko corre o sério risco de ver rapidamente humilhado o seu populismo.

Mesmo que para a Europa seja de inegável importância a existência de uma França fortemente empenhada no desenvolvimento do projecto europeu, não só como forma de combater alguma tendência para o hegemonismo germânico, mas principalmente para “forçar” a Inglaterra a assumir definitivamente a sua posição, duvido que isso venha a ser alcançado sob a liderança de Sarkozy.

Tal como em 1789 a tomada da Bastilha não constituiu um acto de libertação de um símbolo opressor (há muito que aquela fortaleza deixara de ser uma prisão política para se transformar num mero depósito de munições) mas um prosaico processo de armamento da população, também agora a subida ao poder de Nicolas Sarkozy não deverá passar de um simples episódio de pouca monta.
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[1] Napoleão Bonaparte, general francês (natural da Córsega, onde nasceu em 1769), dirigiria a França entre 1799 (após o golpe do 18 de Brumário) e 1814. Reputado estratega conquistou e governou grande parte da Europa central e ocidental. Acabaria derrotado por uma aliança das principais casas reinantes europeias (Inglaterra, Áustria, Rússia e Prússia), não sem antes ter influenciado fortemente o mapa da Europa moderna.

[2] Carlos Luís Napoleão Bonaparte (1808 – 1873), sobrinho de Napoleão Bonaparte, restaurou o império francês com um golpe de estado, em 1852, que se tornou exemplo clássico de audácia política. Mentor de um governo autoritário proporcionou à França duas décadas de prosperidade, mas revelou-se incapaz de vencer a guerra em que se envolveu contra a Prússia.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

NOVO ESTUDO, A MESMA POLÉMICA

Graças à deslocação de Carlos Matias Ramos, o presidente do LNEC, ao parlamento, a questão da construção do novo aeroporto voltou a ser notícia. Segundo a generalidade dos jornais nacionais aquele responsável assegurou que o organismo que dirige procederá à contratação de especialistas de outras áreas do conhecimento afim de assegurar uma avaliação mais global das duas opções de localização do novo aeroporto.

Se as afirmações constituem factor de acréscimo de confiança no trabalho que o LNEC estará a produzir, já a indicação dos nomes de alguns daqueles especialistas pode ser interpretado em sentido inverso.

Como se não bastasse o facto das opções em análise se limitarem à famigerada Ota e à recente Alcochete, afastando liminarmente outras opções como a Portela +1 e não prevendo a indispensável avaliação do que em termos técnicos se designa por opção 0 (na prática não construir nova unidade), ainda se verifica que os especialistas externos são, na sua maioria, os mesmos que já avaliaram e se pronunciaram favoravelmente à opção Ota.

Não estando em causa a credibilidade do LNEC (organismo cuja valia técnica, no ramo das engenharias, é sobejamente reconhecida no país e no estrangeiro), já algumas das escolhas podem ser questionadas e, no mínimo, colocar em sérios riscos a credibilidade do resultado final.

As notícias que de ora em quando vão surgindo, longe de afastarem antes avolumam as certezas de que o aparente recuo do governo de José Sócrates não passa de uma manobra dilatória para no final do ano voltar a “impingir-nos” uma solução já amplamente demonstrada como trágica.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

GUERRAS DO FUTURO, OU DE HOJE?

Depois da polémica que no final de Abril envolveu a mudança de local de um monumento aos Heróis da II Guerra Mundial e que culminou com manifestações e confrontos com a polícia, a Estónia continuou a ser notícia. Desta feita tratou-se da divulgação por parte das autoridades daquele país de um ataque cibernético, cuja autoria atribuem a Moscovo.


Esta alegação, prontamente desmentida pelo Kremlin, apenas merece referência por chamar a atenção para o facto de as “guerras” poderem assumir facetas bem diversas. Há muito que são conhecidas (e utilizadas) múltiplas vias para infligir danos aos adversários (reais ou imaginários) e as chamadas “guerras económicas” são apenas uma dessas vias. Admitindo que os ataques informáticos podem visar pontos nevrálgicos das comunicações e que actualmente o ciberespaço é utilizado para todo o tipo de transacções (com particular relevo para as financeiras) e que podem paralisar toda uma economia, um acontecimento desta natureza ganha novos contornos.


Deve tudo isto servir para recordar que numa época em que a dependência das sociedades face às tecnologias é cada vez maior, o cuidado com as questões de importância estratégica para cada estado deve ser mais que proporcional. Longe vão os tempos em que a cada um bastava defender os percursos de penetração geográfica; hoje, a evolução tecnológica e a sofisticação dos meios transformaram muitas outras vertentes em alvos bem mais sensíveis...

domingo, 8 de julho de 2007

PARAÍSOS FISCAIS E DINHEIRO SUJO

Uma das grandes notícias do início do ano foi a “descoberta” da existência de oferta de serviços financeiros orientados para a fuga ao fisco; pelo menos é o que referiram alguns órgãos de comunicação nacional (DIÁRIO DE NOTÍCIAS e TSF) de forma simples e directa. Na prática consultores (normalmente advogados) e empresas financeiras (normalmente bancos) disponibilizam aos seus clientes um esquema que consiste na criação e utilização de sociedades no estrangeiro, através das quais é produzida facturação (prestação de serviços ou transacção fictícia de bens) geradora de custos artificiais posteriormente contabilizados pelas empresas nacionais que assim obteriam benefícios em sede de liquidação de impostos.

Para os menos familiarizados com o funcionamento deste tipo de mecanismos deve-se acrescentar que parte muito significativa destes movimentos é realizada através de “offshores” (muito correctamente designados por paraísos fiscais) e da movimentação de contas numeradas (disponibilizadas por bancos onde o sigilo é a única regra).

O volume destes “negócios” em Portugal não é conhecido, mas a avaliar por estudos efectuados por organismos internacionais (entre os quais se incluem algumas ONG’s) apontam para valores da ordem dos 2% a 5% do PIB mundial, pelo que extrapolando para o caso português se situará entre os 4 e os 10 mil milhões de euros (cálculos sobre o PIB de 2006, estimado em 192 mil milhões de euros).

Terá sido a enormidade das estimativas dos valores envolvidos em todo o tipo de negócios ilícitos – estimados entre 300 e 550 mil milhões de US$, com aprticular destaque para os 120 a 200 mil milhões de US$ resultantes do tráfico de drogas, os 80 a 120 mil milhões de US$ da contrafacção de mercadorias e os 50 os 100 mil milhões da extorsão – que levou Raymond Baker, director do Center for International Policy[1], a classificar no seu livro «Capitalism Achilles Heel» o dinheiro sujo proveniente de desvios, corrupção, evasão fiscal, tráfico de armas e drogas, contrabando, prostituição e falsificação como um calcanhar de Aquiles do capitalismo que representa uma ameaça à estabilidades e à prosperidade mundial.

Mas os maiores volumes de “dinheiro sujo” ainda são os que resultam das manigâncias praticadas pelas multinacionais quando transferem produtos entre as suas filiais a preços calculados por forma a maximizar os ganhos fiscais, valor que aquele autor estima entre os 700 mil milhões e o bilião (10^12) de US$
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[1] Organização Não Governamental norte-americana que visa a promoção de uma política baseada na cooperação internacional, na desmilitarização e no respeito pelos direitos humanos

sexta-feira, 6 de julho de 2007

DIFERENTES? NEM TANTO!

Não há como as chamadas “férias” para pôr em dias leituras antigas e alguma ordem nos papéis que vamos acumulando, actividades que por vezes trazem à memória notícias como esta que há uns meses recortei do COURRIER INTERNATIONAL:

Face ao constante aumento dos acidentes de viação, o emirato não encontrou melhor solução que encomendar uma “fatwa” (decreto religioso) condenando o excesso de velocidade e o desrespeito da sinalização luminosa. Segundo um responsável pela circulação rodoviária a experiência revelou-se positiva e os jovens “aceleras” transformaram-se em condutores responsáveis depois de algumas prédicas explicando que teriam que assumir as consequências da sua atitude quando chegassem ao “outro mundo”.

Para quem tenha lido aquela “notícia” e a tenha entendido como mais uma prova da profunda diferenciação cultural e da extrema influência do fanatismo islâmico na vida quotidiana daquele povo, não resisto a lembrar algumas decisões tomadas por governantes ocidentais (entre os quais se contam os nossos) como a da proibição do fumo e as absurdas campanhas que têm sido implementadas contra esta prática e outras equivalentes.

Em nome do politicamente correcto as sociedades ocidentais revelam-se tanto ou mais fundamentalistas quanto as islâmicas, fazendo tábua rasa daquilo que exigem a estas, esquecendo (quando lhes convém) que a liberdade começa na própria liberdade individual.

terça-feira, 3 de julho de 2007

O CARÁCTER PEDAGÓGICO DA INFORMAÇÃO

Na primeira página da edição de hoje do CORREIO DA MANHÃ figura a notícia de que o Estado perdeu 1,2 mil milhões de euros durante o ano de 2006 em virtude de decisões judiciais e da prescrição de dívidas.

A enormidade dos números merece alguma atenção, tanto mais que da leitura do corpo da notícia ressaltam outras questões:

  1. se o Estado tem vindo a aumentar a participação dos cidadãos nos custos com a saúde, seja mediante redução das comparticipações seja mediante o aumento das taxas moderadoras, como se explica o agravamento de quase 15% nas dívidas do Serviço Nacional de Saúde?
  2. se os reembolsos e as restituições fiscais feitas pelo Estado aumentaram 6,2 por cento em 2006, como é que se explica que aqueles efectuados em sede de IRS e IRC tenham caído 7,7% e 1,9%, respectivamente?
  3. a que outro título foram pagos os 6,37 milhões de euros contabilizados?

Quando se divulga que os benefícios concedidos pelo Estado ascenderam em 2006 a 910 milhões de euros é preciso explicar mais que o simples facto de entre aqueles se contarem os 12 milhões concedidos a contribuintes desportistas (mediante a redução em 40% da incidência para cálculo do IRS); é indispensável apurar se os rendimentos declarados por aquele grupo de contribuintes constitui a totalidade, ou apenas parte, dos seus rendimentos reais, tanto mais que as bonificações para a generalidade dos contribuintes (Planos Poupança-Reforma, Planos Poupança-Habitação e Planos Poupança-Acções, por exemplo) foram substancialmente reduzidos.

A necessidade de explicações adicionais é tanto maior quanto todos sabemos que a realidade fiscal em Portugal é um muito diferente do que parece.

Para informar os cidadãos e criar nestes uma efectiva consciência cívica não basta anunciar os milhões que terão ficado por pagar, fruto de uma política de isenções e outros benefícios (por mais discutíveis que estes possam ser); o que verdadeiramente importa é conhecer a dimensão do fenómeno da evasão fiscal e daqueles que vivem cada vez melhor à sombra dessa prática.

domingo, 1 de julho de 2007

A PROPÓSITO DA PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA UE

De pouco mais se fala hoje em Portugal que do início da presidência portuguesa da União Europeia. Marcada para a Casa da Música, no Porto, e comemorada com um concerto da Orquestra Nacional do Porto que melhor forma poderia haver para iniciar algo de tão importante e grandioso como a presidência do maior bloco económico mundial?

Polémicas políticas à parte, de momento pouco importa se Sócrates conseguirá revelar-se “o bom aluno” que todos esperam até ao final do ano (e da presidência portuguesa) consiga levar à assinatura do novo tratado europeu; facto que ninguém conseguirá “roubar-nos” é que esta é já a segunda vez que assumimos o papel da presidência europeia, algo que só deverá voltar a repetir-se daqui a treze anos, lá para 2020, se entretanto o número de países membros não voltar a aumentar.

Ora é precisamente isto, e a associação deste evento à construção de espaços culturais, que me começa a deixar preocupado!

Se a cada presidência portuguesa se associar a construção de um Centro Cultural - para marcar a primeira presidência portuguesa foi construído o Centro Comercial de Belém, desculpem, o Centro Cultural de Belém (nunca consigo deixar de me recordar que cada entrada no CCB é mais cara que na Gulbenkian) e agora se associa a esta a Casa da Música, no Porto – e como o país se encontra dividido em dezoito distritos e duas regiões autónomas, é bem possível que apenas daqui a dois séculos se venha a agendar a inauguração de uma presidência nacional para o distrito de Santarém e apenas então se venha a registar a necessidade de edificação de um centro cultural na região.

Esperar dois séculos por tal eventualidade é muito tempo… demasiado tempo para quem já há séculos espera por ver a sua região incluída no mapa cultural nacional.