domingo, 30 de maio de 2010

DIETA, PURGA OU MÁ-CONSCIÊNCIA?

Quando se avizinha a próxima aplicação das mais draconianas regras fiscais previstas no PEC II continuam a surgir nos meios de comunicação notícias e comentários sobre as virtudes e os inconvenientes das opções tomadas.


Entre estas pode bem contar a mais recente crónica que Perez Metelo assina no DN, onde, comparando a opção mais orientada para a redução da despesa com a mais orientada para o aumento da receita, conclui que se «...a dose da purga for demasiado forte e concentrada, o doente esvai-se na pretensa cura: a economia, em vez de arrancar, resvala de novo na recessão» algo que faz todo o sentido quando a “purga” se reduz (como o faz o autor que atribui a “receita” ao PSD e ao CDS) à redução dos gastos públicos pela via exclusiva da redução de salários e reformas dos funcionários.


Embora possa ser discutível (e os visados contestá-lo-ão seguramente) que aqueles dois partidos apenas tenham referido a componente salarial da despesa pública, não é menos verdade que muitas outras iniciativas visando a redução da despesa poderiam ter sido incluídas na reformulação do PEC.


Ainda que não quantificados, são do perfeito domínio público os ostensivos gastos em deslocações, incluindo viagens e viaturas, o desproporcionado recurso a “outsorcings” com resultados de duvidosa qualidade mas de seguro retorno para os proprietários das empresas escolhidas, a constante contratação de assessores e demais consultores políticos, para já não falar da dimensão de governo e parlamento.


Ora precisamente nos últimos dias tem aquele órgão de soberania sido objecto de especial atenção, seja pela petição popular apresentada nesse sentido (
como é aqui noticiado), seja pelo debate sobre o seu orçamento, sobre o qual pode ler-se que, pasme-se, «Orçamento da AR aumenta em tempo de crise».


Embora dentro da linha do politicamente correcto o
PUBLICO noticie que, o Presidente da Assembleia, «Jaime Gama exorta políticos a proporem cortes nas subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas», enquanto o ECONÓMICO assegura que «Gama pede contenção ao Governo e a Belém», o que se conclui de tudo o resto é que os parlamentares parecem bem mais preocupados consigo próprios que com a população que os elegeu, tanto mais que segundo informa o DIÁRIO DIGITAL os «deputados vão gastar este ano em transportes mais 25%», talvez como forma de compensação para o anunciado corte de 5% nos seus vencimentos.

É evidente que propostas e medidas avulsas, principalmente na actual conjuntura, prestam-se às maiores demagogias e que nestas matérias o que se impunha era uma apreciação fria e ponderada das melhores alternativas; porém, quando os sinais transmitidos pelos próprios dirigentes são da natureza dos anteriormente referidos como é que se pode esperar que num debate sobre a opção entre a “dieta” e a “purga” não surja de imediato à superfície muita da má-consciência que existe no seio da classe política.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

LENDO AS NOTÍCIAS

Duas notícias da imprensa económica nacional – «China nega que esteja a sair da dívida europeia», publicada no JORNAL DE NEGÓCIOS e «Euro avança mais de 1%», publicada no ECONÓMICO – despertaram hoje a minha atenção, pelo que podem servir de exemplo sobre a forma como devem ser lidas as notícias.

Sem aparente conexão (salvo o facto de ambas se referirem à Europa e à sua moeda única), as notícias poderão ser entendidas seja como reflexo uma da outra[1] (o euro sobe porque surgem notícias sobre as intenção de um dos grandes investidores nessa moeda e a China reafirma a sua intenção de continuar a fazer aplicações em euros porque esta moeda mantém os seus pontos fortes) seja como sinal para os mercados de que a economia que apresenta maior liquidez (a chinesa) mantém a apetência pela aquisição da divisa e da dívida nela titulada.

Dever-se-á concluir que agora tudo estará bem no reino da eurolândia?

De modo nenhum, mas notícias deste tipo representam um claro exemplo de quanto a informação sobre problemas como os das dívidas soberanas ou os das oscilação de cotações nos mercados de capitais ou de preços nos mercados das matérias-primas pode ser falaciosa, deturpadora e/ou manipuladora da opinião pública.
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[1] Curiosamente o ECONÓMICO estabelece uma relação entre a notícia da valorização do euro e uma outra que ele próprio publicou e que reflecte a afirmação de um antigo governador do Bundesbank, Helmut Schlesinger, de que o «Euro não está em perigo», como se esta tivesse um peso significativo em detrimento da outra.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A GRANDE FRAUDE

Ao ler o título do mais recente artigo do Prof. César das Neves (que pode ser lido aqui na página do DN) cuidei que o insigne professor e não menos notável conselheiro económico de governos e presidentes, iria finalmente abordar a questão que há anos ilude – a do desbaratar dos fundos de coesão que a então CEE colocou à disposição de um governo ao qual ele prodigalizou conselhos e nunca poupou encómios.

Mas, ao continuar a leitura rapidamente corrigi aquele pensamento.

Afinal a grande fraude, no entender de César das Neves, não foi o investimento em betão (mais concretamente nas auto-estradas que a CEE pagou mas, que os nossos governantes venderam às concessionárias para que estas cobrassem portagens e de quem agora se diz que a «BRISA vai acabar com operadores nas portagens e propõe rescisão a 1280 trabalhadores») antes o esboço de um política social, construída segundo o mesmo a expensas e em prejuízo da «...assistência comunitária e religiosa [...] espoliando e sufocando as múltiplas organizações que a sociedade e a Igreja operam há séculos».

Mesmo que não se possa deixar de lhe reconhecer razão na crítica que faz quando afirma que «...quando o descontrolo orçamental exige disciplina e austeridade, os primeiros cortes foram precisamente aí...» (na assistência social), uma leitura mais atenta do artigo de pronto revela que a verdadeira motivação do autor é outra quando assegura que «...o Estado transforma em impostos e subsídios o que sempre foi solidariedade. Intromete-se entre os beneméritos e as organizações sociais...», numa palavra, destrói aquilo que sempre foi tão caro às estruturas eclesiásticas e a quem sempre nelas encontrou apoio para a prossecução das suas políticas de concentração da riqueza: a tão importante caridadezinha católica.

domingo, 23 de maio de 2010

ENREDADOS

A avaliar pelas notícias que dão conta de que as economias mais desenvolvidas continuam mergulhadas em grandes dificuldades, como sejam a persistência das altas taxas de desemprego, a dificuldade sentida no crescimento do ritmo e da dimensão das trocas internacionais, o fraco crescimento do investimento e os baixos níveis de confiança de empresários e trabalhadores, a que se acrescenta o sobe e desce diário das bolsas de valores, alimentadas, é certo, por aquelas notícias mas principalmente pela imensa desinformação e contra informação com que diariamente jornais, rádios e televisões nos bombardeiam, as decisões dos dirigentes políticos traduzem cada vez mais a sua própria incapacidade para lidarem com a situação.

Veja-se o que sucedeu com o anúncio dos grandes dirigentes europeus (Merkel e Sarkozy) de que a UE iria apoiar financeiramente uma Grécia colocada à beira do colapso; após uns primeiros sinais de normalização das taxas de juro e de câmbio do euro, eis que tudo voltou à situação anterior, fenómeno rapidamente explicado pelos analistas pelo facto dos “mercados” não acreditarem que as medidas tomadas seriam suficientes para resolver o problema grego e ainda menos os da UE e da sua moeda.

Empurrados (ou não) pela pressão dos “mercados”, os dirigentes europeus decidiram que o prioritário era eliminar rapidamente a situação deficitária das respectivas contas públicas e assim assistimos à profusão de medidas visando esse objectivo; variando ora entre as orientadas para a redução da despesa ou para o aumento das receitas, ora combinando as duas. O pior é que neste capítulo, como em tantos outros, voltámos a assistir à mais completa desorganização e descoordenação entre os Estados-membros; por exemplo, enquanto o governo da nossa vizinha Espanha decidiu optar por privilegiar a redução da despesa (anunciando um corte de 5% nos salários da função pública e de 15% para os cargos políticos) em Portugal a opção foi a habitual subida dos impostos (aumento de 1 e 1,5% do IRS e de 1% do IVA, medida tão espantosa quanto ainda há pouco tempo o IVA fora reduzido devido à prejudicial diferença que registava para a economia fronteiriça) acompanhada de uma tímida (e que seguramente será prontamente esquecida) referência à necessidade de conter a despesa, declaração que não passa das habituais intenções de reforço da regra de equilíbrio orçamental nos serviços e fundos autónomos e da redução e cativação das dotações relativas a consumos intermédios (convenientemente defendida pelo líder da oposição e que, se e quando atingir o Governo irá prontamente esquecer)[1].

Os exemplos referidos, a par com o discurso de Angela Merkel (prontamente scundado por Sarkozy) defendendo a intenção de virem a ser fixados, constitucionalmente, valores máximos para o endividamento público dos estados-membros, são bem o espelho da desorganização e da total falta de capacidade de avaliação dos problemas, de definição de objectivos claros e de elaboração das estratégias adequadas para os combater.


Não raras são as análises elaboradas por políticos e especialistas que apontam de forma correcta e adequada os problemas mas que invariavelmente falham rotundamente nas soluções propostas e isto acontece por uma de duas razões principais: pura subordinação aos modelos neoliberais que conduziram as economias ao colapso actual ou, pior, mera incapacidade para entenderem a realidade além do que lhes terão ensinado nos bancos das escolas.


De uma forma ou outra continuamos dependentes daqueles que nos conduziram ao ponto do precipício onde nos encontramos e continuamos a ouvir os pretensos “condutores” a afirmar que a solução é mais do mesmo – no caso concreto das dificuldades financeiras dos países da Zona Euro, originadas no desequilíbrio das contas nacionais de cada um dos estados-membros que foram fortemente agravadas pelas práticas predatórias do sector financeiro que esses mesmos estados salvaram no auge da crise de liquidez a custo do aumento do endividamento público – e que tudo será feito para que o sector financeiro mantenha intactas as suas prerrogativas, os seus ganhos e a maximização dos futuros.


Perante o óbvio descalabro de um modelo económico onde a grande percentagem do crescimento registado se fica a dever a meras manobras especulativas (de que a permanente volatilidade das bolsas de valores é apenas a ponta visível) dificilmente alguém de bom senso poderá aceitar que a solução não passe pela substancial redução (ou até a pura e simples eliminação) dos mecanismos e das facilidades que o possibilitaram. À cabeça destas conta-se o facto dos estados terem abdicado da função de criação de moeda em favor dos bancos (num processo de ruinosa privatização de um bem público e indispensável à realização e à condução da política monetária), de se ter liberalizado o funcionamento os mercados financeiros, ao ponto destes quase não serem sujeitos ao escrutínio público (aqui não se trata apenas de questões ligadas ao sigilo das operações mas de questões ligadas à manipulação das cotações e dos mercado e inclusive à prática de operações de “short selling
[2]) e à criação dos “offshores” ou paraísos fiscais, que mascarados de importante centros de negócios e factores e dinamização económica constituem na realidade verdadeiros centros de operações criminosas que vão desde a lavagem de dinheiros de negócios ilícitos (resultado de subornos e outras “comissões” de intermediação, vendas de armas e de narcotráfico) até à mais despudorada fuga fiscal.


E não se creia que isto é mera figura de estilo ou exagero para atingir o efeito pretendido, pois se o cristianíssimo banco do Vaticano
[3], sedeado no paraíso fiscal que é aquele estado pontifício, não se coibiu de contribuir nos anos 80 do século passado para a falência do Banco Ambrosiano[4], voltou mais recentemente, fruto da operação “Mãos Limpas”[5], a ver-se envolvido na acusação da lavagem dos subornos no caso Enimont[6].
Ainda recentemente, na edição de 13 de Maio da revista
VISÃO, numa entrevista ao jornalista italiano Curzio Maltese, autor do livro «La Questua»[7] onde expõe o trabalho de investigação que efectuou sobre os custos da Igreja Católica para os italianos (trabalho inicialmente publicado no jornal La Repubblica), este afirmou relativamente ao IOR: «É um banco obscuro, ligado a episódios terríveis da vida italiana, relacionados com a Máfia, as bancarrotas, enfim… Nunca foi investigado. Quando o arcebispo Marcinkus foi acusado de provocar o crack do Banco Ambrosiano, o passaporte do Vaticano impediu a sua prisão. É como se essa entidade financeira estivasse nas ilhas Caimão…». A mesma linha de secretismo é igualmente mencionada na Introdução que Gianluigi Nuzzi (outro jornalista de investigação italiano) escreveu para o seu livro «Vaticano S.A.» [8], que: «…por detrás das paredes do Vaticano é o silêncio que impera sempre que as operações dos banqueiros do papa, arcebispos ou purpurados, fazendo uso do dinheiro dos fiéis, se tornam arrojadas, ou até ilegais. O IOR continua a ser um dos lugares mais inacessíveis e é a custo que o Vaticano admite a sua existência. Nas páginas oficiais da Santa Sé não se fala nisso, nem sequer é feita qualquer referência. É como se as finanças do Vaticano não existissem».


Conhecida esta realidade e se esta é a prática e a ética de um banco da Igreja imagine-se o que sucederá noutros… enquanto os políticos mundiais, enredando-nos numa teia de ineficácia, corrupção e compadrios, persistem em nos querer fazer crer que será com débeis e tímidas medidas (como as pomposamente anunciadas pela administração Obama[9] ou a pretensão da chanceler alemã de vir a controlar os mercados de capitais[10], que não serão mais que elos da estratégia de parecer mudar um pouco para que tudo continue na mesma) que o problema se resolverá.
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[1] Não esqueçamos que historicamente os maiores défices públicos têm-se registado durante a vigência de governos do PSD e que na actual conjuntura política nacional será da maior utilidade que este partido capitalize o maior número possível de descontentes por forma a garantir que seja esta formação política a assegurar a constituição do próximo governo e assim se mantenha a tão conveniente alternância entre PS e PSD. No fundo tudo não passará de mais uma manobra de bastidores para assegurar que no próximo ciclo eleitoral tudo possa parecer mudar sem que nada de essencial verdadeiramente mude.
[2] O “short selling” ou venda a descoberto, consiste na venda de títulos de crédito (acções, obrigações ou outros) sem que o vendedor os detenha efectivamente na sua carteira. Na prática este constitui uma forma de possível manipulação dos mercados, pois o vendedor a descoberto pode despoletar um processo de desvalorização dos títulos que irá comprar mais tarde a um preço inferior àquele pelo qual os vendeu.
[3] Também conhecido pela designação de Istituto per le Opere di Religione (ou pela sigla IOR) é um banco privado fundado pelo Papa Pio XII em 1942 e tem sede na cidade do Vaticano. Embora na nomenclatura do Vaticano se refute a ideia de que aquele instituto é o Banco do Vaticano, é sob designação (e função) que tem ficado conhecido.
[4] O Banco Ambrosiano, fundado nos finais do século XIX com a assumida finalidade de ser um banco católico, foi um dos principais bancos privados italianos. A sua ruína começou quando o seu principal responsável, Roberto Calvi, foi envolvido no escândalo da loja maçónica P2 (Propaganda-2) e foram descobertas profundas ligações com o Banco do Vaticano e com operações ilegais. Deste escândalo resultaria o afastamento do todo-poderoso arcebispo Paul Marcinkus, o chefe do Banco do Vaticano.
[5] “Mãos Limpas” (Mani pulite em italiano) foi um processo de investigação judicial de envergadura nacional, realizado nos anos 90 do século passado, que teve como objectivo acabar com a corrupção política. A operação resultou no fim da chamada Primeira República e na extinção de muitos dos partidos então existentes ao expor as relações entre políticos e industriais e a existência de enraizado sistema de subornos. Além de algumas condenações em tribunal resultaram ainda o suicídio de algumas das figuras envolvidas.
[6] A Enimont foi uma empresa resultante da fusão de interesses de dois dos gigantes industriais italianos, a empresa pública ENI (petrolífera) e a MONTEDISON (grupo industrial, química, e financeiro), mas que teve uma curta duração face às lutas internas pelo controlo da maioria do seu capital e que por via dos muitos subornos pagos a partidos políticos, durante todo o processo da constituição e da dissolução, arrastou consigo o prestígio da Primeira República Italiana.
[7] Desconheço a existência de tradução para a obra de Curzio Maltese, mas a versão original de «La Questua» pode ser facilmente encomendado na Internet.
[8] A obra de Gianluigi Nuzzi, «Vaticano S.A.» tem tradução recentemente editada pela Editorial Presença.
[9] A título de exemplo veja-se esta notícia do PUBLICO.
[10] Veja-se a notícia do DIÁRIO DIGITAL que refere o apelo de Angela Merkel nesse sentido.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

MOÇÃO DE CENSURA

Ainda mal tinha começado a semana e já se podia dizer sem margens para dúvidas qual iria ser o assunto dominante.

Na actual conjuntura nem mesmo o anúncio de mais uma alocução presidencial poderia retirar a primazia à moção de censura ao Governo que o PCP anunciou que iria apresentar. Não pela dúvida no resultado, mas principalmente pelo “ruído” que a mesma iria provocar e pela curiosidade de ver quem, qual casca de banana, nela iria escorregar.
Apresentada pelos proponentes como indispensável e «…expressão clara de rejeição de um caminho de estagnação económica, retrocesso social e de liquidação da soberania nacional [e] da necessidade de ruptura e mudança…»[1] em poucas horas ficou claro o que nunca foi duvidoso desde o início. O Governo, pela voz do próprio José Sócrates não resistiu a classificar a iniciativa parlamentar do PCP de “lamentável” e “irresponsável” como se nada mais pudesse ser feito além daquilo que o seu governo já fez.

Mais curiosa (mas nem por isso menos ridícula) foi a rápida posição do PSD, cujo líder parlamentar veio prontamente informar que o seu partido se absteria na votação alegando que «…apesar de o Governo “merecer censura”, o país “não se pode dar ao luxo” de ter uma “crise política” na actual conjuntura de crise económica e financeira»
[2], como se o real problema do PSD não fosse o facto de não querer ver-se na contingência de ter que substituir o PS no governo, por continuar sem encontrar solução para o dilema com que se debate há um par de anos – a sua incapacidade de realizar as políticas que o PS está a realizar.

O CDS, fazendo fé nesta notícia da Rádio Renascença, começou por anunciar, beatificamente, que iria estudar o texto da moção antes de decidir (seguramente para melhor ponderar se deveria votar contra ou abster-se), mas rapidamente decidiu pela abstenção, como informou aqui a TSF, até para que Portas não fique atrás de Passos Coelho.

A decisão também já anunciada pelo Bloco de votar favoravelmente a moção do PCP, atira definitivamente o governo de Sócrates e as políticas que tem vindo a aplicar para o lugar certo – o da direita.

Infelizmente o texto da moção de censura (
que pode ser lido aqui) que é razoavelmente específico nas origens e nas razões para o actual estado das economias é vago ou mesmo omisso quando se trata de avançar com ideias ou medidas concretas, porque nem em Portugal nem em qualquer outro país bastará mudar este (ou outro qualquer) governo para resolver ou apenas melhorar aquela situação.

Por mais correcto, justo ou lógico que seja apontar a necessidade de melhorar as políticas fiscais e redistributivas e denunciar a verdadeira atrocidade que consiste em atirar os ónus da situação sobre quem trabalha (tanto mais que a continuar o ritmo de crescimento da taxa de desemprego não tardará que seja necessário novo agravamento fiscal sobre os “felizardos” que ainda não tenham sido despedidos) o PCP (e a esquerda em geral) continua sem lograr apresentar de forma clara uma alternativa – por exemplo, a efectiva transformação do crédito numa utilidade pública e uma profunda redução da capacidade do sistema financeiro gerar a sua própria moeda.

Como tenho vindo a referir em múltiplas ocasiões, apenas a redução do peso do sector financeiro, a aplicação de regras rigorosas sobre a actividade bancária (incluindo a extinção de iníquos benefícios como os dos “offshores”) e a recentragem dos modelos de desenvolvimento económico na esfera efectivamente produtiva da economia é que poderão contribuir para a resolução de problemas como o do desemprego e do crescimento económico.
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[1] Citação retirada desta notícia do PUBLICO.
[2] Citação retirada desta notícia do PUBLICO.

domingo, 16 de maio de 2010

INEVITÁVEL E FÁCIL DE PREVER

Foi com estas palavras que o ainda governador do Banco de Portugal se referiu à recente decisão do governo de José Sócrates de aumentar os impostos e que o ECONÓMICO usou como título desta notícia.
Não faço esta referência por estranhar as medidas decididas pelo governo nem conteúdo das declarações de Vítor Constâncio, mas tão somente para introduzir outra declaração referida naquela notícia, nomeadamente a afirmação de «as medidas anunciadas [...] são importantes para assegurar o financiamento de Portugal nos mercados».

A afirmação de Constâncio insere-se naquela que pode ser hoje considerada como um “mantra
[1] das modernas sociedades ocidentais – a omnipresença e omnipotência dos “mercados” – que sem igual rege o dia-a-dia dos pobres e tristes mortais, como nós.

O problema é que a falta de isenção e de rigor técnico dos jornalistas e dos economistas, a quem aqueles dão voz, resulta no avolumar da ideia que para combater o défice excessivo não existirá outra alternativa ao agravamento fiscal. Sobre a redução da despesa pública pouco ou nada é dito ou escrito em concreto, salvo para a necessidade de redução da componente dos gastos com salários, bem como sobre a imperiosa necessidade de aplicação de critérios de rigor e boa gestão sobre os efectivos e sobre as despesas correntes da maioria dos ministérios, secretarias, repartições e demais instituições públicas (como sejam os tão populares institutos e fundações que ultimamente se têm multiplicado como cogumelos), autarquias e restantes organismos locais.

É óbvio que nunca esperaria de uma alta individualidade (e para mais dum governador dum Banco Central recentemente eleito para o BCE) qualquer afirmação que pusesse em dúvida quer os seus prodigiosamente elevados conhecimentos económicos e financeiros quer o seu apego à defesa das regras do jogo financeiro mundial, mas talvez não fosse necessário fazer tábua rasa da realidade em que vivemos e produzir afirmações como a de que «…as empresas portuguesas são as mais endividadas da União Europeia, mas que as famílias não têm problemas de liquidez», apenas, e tão só, para justificar as opções governativas de privilegiar o aumento dos impostos indirectos.

Talvez Constâncio, já em plena fase de mudança para Frankfurt, tenha esquecido as conclusões apresentadas pelo “seu” Banco de Portugal em Maio de 2009 quando assegurava que o «
Endividamento das famílias portuguesas é o segundo mais elevado da Europa», que este representava já 135% do rendimento disponível, quando em Maio do ano anterior fora noticiado que o «Endividamento das famílias portuguesas sobe para 129% do rendimento disponível», e que a tendência era para o seu aumento ou a opinião que em Maio de 2009 defendeu perante a Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças de que «cortar salários agravaria recessão em Portugal».

A velocidade e a facilidade com que políticos e pretensos técnicos mudam de opinião, justificadas agora de forma oportunista pela situação conjuntural, só consegue ter comparação com a desfaçatez como mentem sobre a realidade. A crise que atravessamos não começou agora, nem os seus mais de dois anos de duração permitem que alguém minimamente sério a rotule de fenómeno conjuntural, pelo que continuara a propor panaceias orientadas para os seus reflexos conjunturais – por mais graves e preocupantes que estes sejam – nunca irá resolver o problema.

Quando se torna cada vez mais evidente que a origem da crise global é muito mais profunda que o que persistem em nos fazer crer, apenas razões de natureza diversa das invocadas podem explicar o atavismo e a ineficácia dos decisores mundiais perante o problema. Na realidade nenhum dirigente político (no poder ou no seu círculo que incluiu aqueles que alimentem esperanças de o alcançar em breve), nacional ou estrangeiro, dispõe da indispensável vontade para enfrentar o problema de fundo: o sistema capitalista mundial atravessa uma fase de mutação sistémica[2] e as suas contradições internas são de tal modo profundas que se revela absolutamente incapaz de formular uma via para ultrapassar a sua actual situação.

Exemplo dos elevados níveis de incerteza que grassam entre as populações e das limitações das elites políticas podem ser observados no dia-a-dia nas reacções (e em especial nas oportunidades em que os eleitores são chamados às urnas, como recentemente aconteceu no Reino Unido e na Alemanha) e no constante ziguezaguear das medidas anunciadas pelos governantes; a facilidade com que os dirigentes desdizem hoje o deram como assegurado na véspera, prometem para amanhã o que ontem disseram que nunca fariam, não é apenas reflexo da respectiva incompetência, mas também sinal claro da sua mais completa capacidade (e da dos seus mentores) para verdadeiramente entenderem a realidade que os rodeia.

Inevitável e fácil de prever é, como venho dizendo há algum tempo, que as medidas até agora tomadas quer a nível interno, quer a nível da UE, quer nos restantes países (com os EUA à cabeça), são totalmente desadequadas para resolver os problemas. Ninguém alguma vez conseguiu, ou conseguirá resolver problema de natureza estrutural com meros paliativos de dimensão conjuntural. Enquanto esta realidade (difícil de “engolir” para todos aqueles que não têm vindo a fazer outra coisa que servir os interesses dos que nos arrastaram para esta situação) não for entendida pela generalidade dos cidadãos e estes não entregarem a condução dos países e das economias a quem tem vindo a postular, de forma fundamentada, a necessidade de novas políticas e de novas práticas, estaremos condenados a assistir pacificamente ao inexorável “afundar do barco”.
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[1] Um “mantra”, na acepção hindu ou budista é um som, sílaba, palavra, frase ou texto, que detenha um poder específico.
[2] Uso a expressão mutação sistémica no sentido em que perante uma crise da amplitude e profundidade da actual apenas grandes mudanças de paradigma (a organização das principais economias mundiais segundo os ditames e as regras da designada economia de mercado é apenas um dos paradigmas em que assenta o Mundo actual) poderão responder de forma eficaz às actuais necessidades. Se observada do ponto vista histórico a génese da economia capitalista representou a resposta à falência e à desagregação do modo de produção feudal, também agora, numa fase de profundas convulsões do sistema capitalista, poderá haver lugar à concepção de um novo modelo de produção que resolva as insuficiências (sobretudo no capítulo da distribuição da riqueza produzida) e as contradições (no plano económico, entre os sectores produtivos e as franjas especulativas do capital) que não têm parado de aumentar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

NÃO OUVIR, NÃO VER E NÃO FALAR... DO MAL

Este deve ser o moto secreto da Igreja e do seu principal representante, pois este fala, fala e pouco ou nada diz sobre as questões (e não são poucas nem isentas de polémica) em que aquela se encontra cada vez mais envolvida, ou que preocupam, de forma cada vez mais premente, os seus fiéis.

Como se não bastasse o facto da hierarquia da Igreja Católica nunca ter conseguido ultrapassar de forma clara e sem ambiguidades a época em que concentrava todos os poderes e de continuar sem revelar sinais de capacidade (ou vontade) para lidar com a actualidade e com as necessidades e os anseios dos grupos mais progressistas dos seus fiéis, a Igreja que Ratzinger dirige debate-se com um avolumar constante de escândalos aos quais vai reagindo de forma parcimoniosa e quase sempre desastrosa.

A apregoada piedade e amor ao próximo são cada vez mais figuras de estilo quando não pura letra morta, reminiscências de outras eras que muitos dos seus membros deverão questionar interiormente se realmente alguma vez existiram.

Talvez desde os tempos do polémico Pio XII (papado que muitos historiadores apontam como pouco crítico ou mesmo conivente com a hierarquia nazi alemã e que terá até funcionado como meio de encobrimento e de fuga de inúmeros daqueles responsáveis para fora da Europa) que a Igreja Católica não conhecia uma fase de popularidade tão baixa, razão que estará na génese da deslocação a Portugal do actual Papa.

Necessitando de voltar a mostrar ao Mundo banhos de multidão como os que conheceu o seu antecessor (João Paulo II foi sem qualquer resquício de dúvida um actor de mão cheia que poderia bem ter ombreado com muitas das estrelas de Hollywood) que melhor escolha poderia ter sido feita senão a de uma visita a um santuário localizado num país maioritariamente católico (que ainda não logrou libertar-se das peias impostas por uma Concordata subscrita nos tempos de um regime totalitário) e cujos poderes estabelecidos não enjeitariam a oportunidade de aparecer na “fotografia”, nem se atreveriam a provocar-lhe o menor embaraço. Num dos países mais atrasados da Europa (tanto do ponto de vista cultural como do económico) a presença de público era garantida e a bonomia dos governantes (para não falar de pura subserviência) fica cabalmente demonstrada no pronto encerramento da capital do país para que o “ilustre visitante” se possa deslocar em segurança.

Sobre a completa falência dos valores éticos e morais de muitos dos seus membros, mais proeminentes, sobre a perpetuação da exibição de uma opulência ainda mais escandalosa em tempos de crise e sobre os custos que a visita do Papa teólogo acarretarão[1] para um orçamento de Estado que se apresta a ser engordado à custa de aumentos de impostos e da criação de impostos extraordinários sobre os que trabalham, quase não se ouve uma palavra.

Pelos vistos já não é só a Santa Madre Igreja que cultiva a renúncia à realidade (tanto mais quanto esta seja adversa); agora é quase todo um Povo (o português) que aplaude ou assiste passivamente a mais este espectáculo enquanto lhe vazam tranquilamente os bolsos.
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[1] A atestar por notícias da imprensa (REGIÃO DE LEIRIA) só em obras o Município de Leiria deverá gastar um mínimo de meio milhão de euros nas imediações do santuário e as duas missas campais em Lisboa e Porto deverão orçar noutro tanto (segundo esta notícia do CORREIO DA MANHÃ); quanto às despesas na recepção ao “chefe de Estado do Vaticano” não foram divulgados números, da mesma forma que não terão sito feitas grandes contas aos milhões de horas de trabalho “oferecidas” aos funcionários públicos, comprovando à saciedade que afinal sempre existem valores mais altos que a sacrossanta produtividade.

domingo, 9 de maio de 2010

AS ELEIÇÕES INGLESAS

As muito aguardadas eleições inglesas ditaram os resultados esperados… Bom talvez não!

Talvez o líder dos “Tories[1] ainda acalentasse as esperanças de uma maioria parlamentar que as sondagens (e as inúmeras asneiras do inqualificável Tony Blair e do triste Gordon Brown) lhe chegaram a augurar, mas que a realidade (ou a conjugação do bizarro sistema de eleição uninominal e o resultado dos Liberais-Democratas de Nick Clegg) acabou por lhe negar.

A maioria relativa alcançada pelos Conservadores constitui uma raridade numa vida política inglesa programada para gerar maiorias parlamentares, mesmo que contrariando o sentimento (e o sentido de voto) dos eleitores. Pela segunda vez em 36 anos (a última foi em 1974 quando o conservador Edward Heath sofreu uma situação idêntica à que agora vive Gordon Brown) o Parlamento Britânico não apresenta uma maioria estável conservadora ou trabalhista facto que, dada a actual conjuntura económica mundial, poderá até não ser muito estranho, pois já em 1929 (no início da Grande Depressão) ocorreu uma situação idêntica.

A dispersão do eleitorado pode não constituir mais que um sinal da profunda crise que todos atravessamos e a confirmação de que o sistema da alternância bipartidária, tão do agrado e do interesse das elites económicas, começa a ser questionado pelas populações.

A ausência de verdadeiras soluções para os problemas que diariamente afectam as populações, por parte de qualquer da forças em contenda, ficou bem evidente durante a campanha eleitoral inglesa – facto que poderá ter estado na origem do sucesso televisivo de Nick Clegg – fazendo renascer a ideia de que nenhum dos partidos dispõe no seu interior do conhecimento nem das condições para enfrentar a actual conjuntura e até, quiçá, a ideia que substituir os trabalhistas pelos conservadores nada iria mudar na realidade.

A situação económica mundial e a problemática situação das finanças públicas inglesas, cujo défice em 2009 rondou os 12% do PIB (maior que os da generalidade das economias europeias e apenas suplantado pelo grego), constituem mais do que um presente envenenado para quem quer seja o futuro governo e, tudo o indica, proporcionará a já muito gasta situação de vermos dentro de umas semanas os novos governantes a anunciarem que a situação inglesa é muito pior do que alguma vez tinham imaginado (como se nos “corredores” políticos todas as formações não dispusessem já dessa informação) e que novas e maiores medidas de austeridade serão necessárias.

A própria imprensa já se vai fazendo eco de que a «Incerteza deixa os mercados nervosos», notícia que não constituirá mais que um primeiro aviso para o que se seguirá; como chamei a atenção no “post” «O Anel de Fogo» a situação financeira inglesa e da libra é muito mais frágil que a da generalidade dos países do Eurogrupo e do euro.

Aquela fragilidade, conjugada com a conturbada situação política inglesa, irá acelerar o processo especulativo que em pouco tempo poderá mergulhar a economia inglesa numa espiral de problemas que irão muito além das dificuldades de refinanciamento da sua dívida pública, pois a capacidade (e muito provavelmente a própria vontade política da Zona Euro) dos seus parceiros comunitários além de reduzida encontra-se profundamente dividida pela duplicidade que tem caracterizado a actuação inglesa no seio da UE.

Dividida, no plano interno, entre conservadores e trabalhistas; no plano comunitário, entre uma União que nunca a entusiasmou e um proteccionismo envergonhado; no plano internacional, entre os despojos de uma Commomwealth e uma América que sempre a usou como apêndice mas nunca como parceira, a situação da velha Albion[2] e de quem quer que venha a assumir nos tempos próximos o seu governo, é tudo menos invejável e justifica bem que os ingleses se sintam à beira de um ataque de nervos e a necessitarem desesperadamente de uma boa chávena de chá…

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[1] Tradicionalmente a câmara baixa, ou dos Comuns, do Parlamento Britânico era dividida em duas alas, os “Tories” e os “Whigs” consoante as posições dos eleitos se revelassem mais conservadoras e de maior apoio à coroa ou mais liberais. Com a progressiva organização e ascensão das modernas formações políticas a designação foi caindo em desuso, excepto para os Conservadores que ainda hoje são vulgarmente designados por “Tories”.
[2] Albion é uma designação arcaica e alternativa para o território que hoje conhecemos como Grã-Bretanha.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A ERA DOS VULCÕES

Esta podia bem ser a forma como ficará para a História a turbulência que está a agitar a velha Europa.
Despoletada pelo eclodir da crise orçamental grega (economia da Zona Euro que primeiro sentiu os efeitos conjugados da crise económica global e da acumulação de elevados défices orçamentais), ampliada pela actuação especulativa originada em Wall Street e na City e tendo como objectivo final a moeda europeia, esta agitação resiste aos anúncios quase diários de novas medidas económicas.

É assim que após o anúncio pelo governo grego de medidas ainda mais restritivas e uma primeira aparente reacção positiva das bolsas, tudo voltou ao “normal” e os mesmos analistas e comentadores que aplaudiram as iniciativas governamentais para “salvar” a Banca são aqueles que agora, depois de terem apelado a idêntica atitude face ao “problema grego”, dizem que os problemas estruturais da economia helénica e da Zona Euro permanecem imutáveis. Por outras palavras, os especialistas que nunca revelaram a mínima preocupação com questões estratégicas ou de médio/longo prazo, como a necessidade de reestruturar o funcionamento das economias e dos mercados liberalizados, são aqueles que revelam agora tais preocupações e vêem invocar semelhante tipo de questões.

Se dúvidas houvessem quanto à real natureza da sua actuação e dos seus comentários, estarão respondidas com esta simples analogia.

Mas, como haverá quem continue a preferir acreditar no que ouve dizer do que naquilo que a lógica determina, a resposta definitiva àquela questão está para breve quando aos anunciados “vulcões” islandês, irlandês, grego, português, espanhol se juntarem o inglês e o americano.

Às próximas eleições na Grã-Bretanha e na Alemanha[1] e às quase seguras mudanças nas respectivas cenas políticas deverão seguir-se os anúncios da “descoberta” de novos e preocupantes valores para o endividamento público (com especial destaque para o caso da velha Albion cujo défice anual já ultrapassa os 12% do PIB) e uma mais que provável sucessão de novas quebras na cotação da Libra e do Euro e de subidas nas taxas de juro.


Esta previsão deriva de duas realidades diferentes – a óbvia influência das perspectivas de evolução política nos cenários económicos e nas expectativas dos investidores e da evidência de que a incerteza é o motor principal das transacções bolsistas e a fundamentação básica da especulação a elas associadas – e bem diversas das avaliações macroeconómicas que se possam fazer sobre os dados estatísticos nacionais. É por isso que a agitação especulativa que tem imperado sobre o Euro se mantém independentemente das declarações de técnicos e políticos sobre a situação das economias nacionais ou sobre a situação da moeda europeia.


Ao que tudo indica não será a tibieza da acção política da UE, seja ela originada na presidência da EU (função actualmente desempenhada pela Espanha), na presidência da Comissão Europeia (onde pontifica o “nosso” Durão Barroso) ou no Presidente da UE (lugar ocupado por Van Rompuy), que poderá contribuir para resolver uma crise que vai muito além dos limites (sejam eles de natureza física, sejam de natureza ideológica e funcional) da dimensão europeia e em especial da total ausência de união política.


Como em certa medida começa a ser crescentemente referido por alguns observadores
[2], o problema fundamental da UE não é o da fragilidade das economias de cada um dos seus estados-membros, mas o colossal erro que consistiu em ter lançado um processo de integração monetária sem o mínimo resquício de integração política e de harmonização fiscal.


E porque (lá reza a sabedoria popular) “um azar nunca vem só”, àquele erro há ainda que somar um outro, mais antigo, mais insidioso e de proporções ainda maiores: a entrega do poder de criação de moeda à iniciativa privada. Este facto, aparentemente tão simples, a par com a crescente pauperização das famílias conduziu a que os Estados passassem a financiar-se quase exclusivamente junto do sector financeiro o que ainda mais rapidamente originou que aqueles começassem a contrair novas dívidas para suportar os crescentes encargos.


Assim e na ausência de sinais que minimamente indiciem qualquer mudança de rumo, os problema de que padecem as moedas e as respectivas economias parecem sem solução consistente e duradoura; as medidas pontuais (como as que tardiamente foram tomadas relativamente à Grécia) mais não farão que minimizar momentaneamente as dificuldades, adiar e aumentar os respectivos custos e perpetuar um ciclo de enriquecimento que, depois de ter exaurido as famílias e de ter liquidado grande parte dos sectores económicos se prepara agora para destruir os Estados.
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[1] Em ambos os países se realizarão eleições no próximo fim-de-semana (eleições nacionais no caso inglês e regionais no caso alemão) e as sondagens prevêem resultados desfavoráveis aos partidos ou coligações no poder; os trabalhistas de Gordon Brown deverão ceder a maioria aos conservadores, embora seja difícil de prever a respectiva dimensão e haja mesmo quem preveja a formação de um Parlamento particularmente fraccionado, enquanto a coligação entre os alemães da CDU e do FDP enfrenta a forte probabilidade de perder o governo do estado da Renânia do Norte-Vestefália (o maior do país) para uma coligação liderada pelo SPD (sociais democratas).
[2] Entre estes cite-se o artigo recentemente assinado por Wolfgang Munchau, sob o título «A Europa tem duas opções: integrar-se ou desintegrar-se» publicado no ECONÓMICO.

domingo, 2 de maio de 2010

O ENCONTRO

Parecem restar cada vez menos dúvidas que após a tormenta financeira, despoletada pela crise do “subprime” nos EUA, se seguiu uma profunda crise económica global e que ao que tudo indica esta vem acompanhada de uma cada vez mais provável crise financeira dos Estados.

Invoque-se (ou não) o papel dessa entidade quase mítica que são os “mercados” para explicar ou tentar justificar o que está a acontecer um pouco por todo o lado, a realidade é que todos nós – famílias, empresas, governos... – nos colocámos a jeito
[1].

E a prova de que tudo o que nos está a acontecer a nós se deve – seja pela forma como trabalhamos e gerimos as empresas, seja pela forma como participamos (ou não) na vida política nacional e local –, foi cabalmente transmitida pelo muito badalado encontro entre o primeiro-ministro, José Sócrates, e o líder do maior parido da oposição, Pedro Passos Coelho.

Se dúvidas houvesse que grande parte da responsabilidade pelo crescimento do défice público nacional se deve àqueles dois partidos e que estes tudo farão para que nenhuma das medidas necessárias a uma cabal inversão do modelo monetário e de endividamento em que vivemos, poucas deverão restar depois da encenação a que os líderes do PS e do PSD se prestaram.

Mais, o visível silêncio do Presidente da República – em última instância o principal responsável pelas acrescidas dificuldades políticas com que se debate a governação do país – que para alguns sectores é interpretado como intenção de deixar todo o campo de manobra ao Governo para gerir a situação, não passa de uma mera manobra táctica de quem se aproxima a passos largos da corrida para a renovação do cargo.

Que a crise (seja ela financeira, económica ou apenas de confiança) é um mal geral não pode continuar a servir de argumento para que os responsáveis se eximam ao justo escrutínio e ao pedido de explicações dos cidadãos. Mais que nunca ao Presidente da República e aos partidos com representação parlamentar devem ser exigidas explicações sobre as estratégias que levaram a que no último trimestre de 2009 (e já com o cenário da crise financeira grega bem visível) fosse aceite a constituição de um governo monopartidário e minoritário que visivelmente não dispunha das condições mínimas (nem políticas, nem de credibilidade) para produzir qualquer estratégia digna desse nome direccionada ao combate aos verdadeiros problemas nacionais: a ausência de estratégias de crescimento económico (e consequentemente de combate ao desemprego) e o crescimento insustentável de uma dívida pública que continuava a ser orientada para despesas de reduzida ou nula eficácia económica, como sejam as grandes obras públicas traduzidas na construção de mais auto-estradas, de novos aeroportos e de espúrias vias de alta velocidade.

Enquanto se anunciam novas e mais draconianas medidas de redução do défice (traduzidas maioritariamente na redução de benefícios sociais e do poder de compra das famílias), quando na imprensa se avolumam os comentários dos especialistas predizendo ou preconizando a inevitabilidade de novo aumento da carga fiscal, os políticos que nos conduziram à situação actual mostram-se em público muito preocupados e empenhados na busca de soluções enquanto em privado assobiam para o lado...

Não afirmo isto pelo facto de nada ter transparecido para o público sobre o teor da conversa entre Sócrates e Passos Coelho (ainda pertenço ao grupo dos que entendem perfeitamente que muitas conversas devem permanecer entre os que nelas participam, sobretudo se isso significar a manutenção de condições para a continuação do diálogo), mas sim porque destes políticos (mesmo ressalvando a relativa novidade que poderá constituir Passos Coelho) e das suas ideias pouco poderá advir que efectivamente contribua para a ruptura do ciclo de endividamento que é originado por um modelo financeiro que retirou aos Estados a capacidade para a criação da sua própria moeda.

Talvez leve ainda muito tempo, mas chegará o dia em que os cidadãos entenderão que reside nas suas próprias mãos a possibilidade de inverter este ciclo que tem ditado o enriquecimento de muito poucos à custa do empobrecimento de todos os outros.
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[1] A expressão foi recentemente popularizada pelo Presidente do BCP, Santos Ferreira, na apreciação que fez sobre a situação financeira nacional durante a sessão de apresentação de lucros daquele banco e pode ser lida (e ouvida) aqui.

sábado, 1 de maio de 2010

LIBERDADES

É particularmente estranho que quase concomitantemente com a data em que se celebra a liberdade de associação sindical (um dos direitos básicos em qualquer sociedade que se pretenda livre e democrática) um dos estados-membros da UE tenha aprovado legislação que proíbe o uso do véu islâmico em locais públicos.

Antecipando-se a uma anunciada iniciativa francesa (o inefável Sarkozy está em todas) e sob pretextos de natureza securitária, de igualdade do género e de defesa de “princípios democráticos fundamentais”, os parlamentares da câmara baixa belga aprovaram esta semana uma lei que, na prática, discrimina os praticantes islâmicos e para cuja entrada em vigor falta apenas a aprovação da câmara alta (Senado).

A decisão, prontamente difundida pela comunicação social e rapidamente apoiada pelos grupos mais conservadores ou mais xenófobos, constitui apenas mais um claro exemplo da caricata preocupação dos poderes estabelecidos em legislarem sobre matérias de dúbia utilidade quando paralelamente revelam a maior das inépcias em legislarem sobre questões, como matérias laborais, salariais e outras de natureza económico-social, que, essas sim, ferem diariamente os mais elementares direitos dos cidadãos.

Ninguém negará que é muito mais fácil (e talvez até rentável em períodos eleitorais) legislar sobre o uso de véus, o fumo ou a obesidade (mais dia menos dia este será fatalmente tema de uma qualquer proibição), que procurar soluções para o uso abusivo das ditas “liberdades dos mercados” ou para outros abusos e desmandos praticados pelos que rodeiam as esferas do poder político e do poder económico, como aqueles de que regularmente vamos tendo conhecimento.

Era óbvio que após o precedente suíço da proibição da construção de minaretes[1] (elementos arquitectónicos julgados estranhos na paisagem, quando nada é referido relativamente aos equivalentes católicos – as torres e campanários das igrejas – ao à profusão de verdadeiros atentados arquitectónicos de duvidoso gosto) chegaríamos a outras formas de ostracismo e de perseguição aos que pensam ou agem de forma diferente.

Precisamente por reconhecer que existem valores e regras sociais próprios das sociedades ocidentais que se deverão sobrepor a princípios religiosos minoritários (estou por exemplo apensar na questão da poligamia masculina prevista nos princípios islâmicos e que colide de forma objectiva com as regras seculares ocidentais[2]) é que julgo que decisões lamentáveis e quase ridículas como estas mais não farão que acicatar ânimos e justificar os radicalismos (e bem sabemos como os piores destes são os de fundamento religioso) que os representantes das sociedades democráticas tanto dizem combater.

O facto da decisão ter sido tomado pela quase totalidade dos parlamentares (sem qualquer voto contra e apenas duas abstenções) não reduz o seu caracter de arbitrariedade e ainda o enorme precedente criado; é que se agora os deputados belgas resolveram proibir o véu, amanhã poderão resolver proibir o uso de barbas ou bigodes e depois o uso de cabelos compridos ou curtos.

Mais que nunca o apelo à coesão dos que prezam os valores da liberdade de expressão e de opinião será determinante para as sociedades seculares enfrentem os ventos de insanidade e intolerância que sopram por esse mundo fora.
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[1] Sobre o assunto ver algumas notícias da época, como:«Suíços banem minaretes das mesquitas do país», «Le coup de massue», «Le vote suisse, "insulte à l'islam" et "signe de haine"» e «Swiss voters back ban on minarets», publicadas respectivamente pelo DN, pelo Le Temps, pelo Le Monde e pela BBC.
[2] Esta não é questão única na polémica gerada pela presença de grupos religiosos particularmente activos em sociedades crescentemente seculares. Sobre esta questão ver este interessante artigo de Stéphanie Le Bars, muito adequadamente intitulado «Les sociétés européennes crispées face à l'enracinement de l'islam».