quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

OS CAMINHOS DA RECESSÃO

Embora no futuro próximo não devam faltar oportunidades para voltar a este tema, numa fase em que se avolumam os sinais do aprofundamento da recessão económica nem por isso se devem deixar de denunciar de pronto os absurdos que esta apresenta bem como os dos planos que a pretendem contrariar.
Mesmo que seja compreensível que uma primeira resposta à retracção na procura possa passar pela redução da produção e nomeadamente pela redução no emprego, o número de situações, a sucessão de notícias e o óbvio encadeamento com as pressões das associações empresariais e patronais sobre os governos para a injecção de fundos públicos nas empresas, depois do precedente dos milhões oferecidos ou prometidos ao sector financeiro, recomendam que esta estratégia seja escalpelizada.

Os cidadãos não deixaram de adquirir bens e serviços apenas porque uns quantos banqueiros levaram ao extremo os princípios defendidos pelos exegetas do liberalismo económico (com os mantras da “mão invisível” e da auto regulação dos mercados) e inundaram os mercados financeiros de produtos de elevado risco, situação que depois de exposta tem vindo a condicionar os financiamentos que os próprios realizavam entre si. Na realidade o dogma do lucro a qualquer custo (risco) que contagiou todos os sectores económicos regista agora o inevitável refluxo perante a contracção do crédito e os enormes prejuízos que se avizinham e, uma vez que os rendimentos dos gestores das grandes empresas continuam indexados aos lucros, a primeira reacção básica para minimizar aquele efeito é a de reduzir as despesas – leia-se os custos com salários.

A este factor junta-se o facto da generalidade dos tecidos económicos viverem há muitos anos do crédito bancário e não do reinvestimento das mais-valias criadas (essas foram embolsadas pelos accionistas e/ou investidas num processo de desenfreada especulação bolsista), com a agravante daquele se sustentar num mecanismo de sobrevalorização de activos.

Os cidadãos (qualquer que seja a sua nacionalidade) deixaram de adquirir bens e serviços ao ritmo que o vinham fazendo porque este era alcançado por via do sistemático recurso ao crédito; quando a quebra de confiança se propagou do sector financeiro atingiu em pleno as famílias (o elo mais numeroso e mais fraco na cadeia do consumo) seja por via do crescente desemprego seja pelo espectro da sua chegada.

Tentativas para negar isto, como a que recentemente tentou o Prof. César das Neves em «A SOLUÇÃO DA BENDITA CRISE», texto no qual afirma que «[d]esde que entrámos no euro (1999--2007) o produto por trabalhador português cresceu um total de 10,4%, enquanto na média dos Doze crescia 10,9% e a Espanha só 4%. Por que razão ficámos para trás? Porque os salários portugueses aumentaram um total de 7,7% no mesmo período, enquanto a média dos Doze subia só 5,5% e em Espanha caíam 4,5% acumulados. As nossas dificuldades externas e endividamento não vêm de produzirmos pouco, mas de ganharmos de mais para o que produzimos» sem produzir a mínima prova que sustente as afirmações até porque uma rápida consulta à página do EUROSTAT na Internet me levou a encontrar informação que em certa medida contradiz a que refere César das Neves.

Do quadro anterior, que nos dá uma perspectiva da relação entre os 20% mais ricos e os 20% pobres de cada país, constata-se que não só Portugal é o que apresenta uma relação maior, indicadora do nível de desigualdade de rendimentos, como esse valor foi consistentemente dos mais elevados ao longo do período em observação, que por acaso é praticamente igual ao referido naquele artigo, e põe em causa a citada afirmação; ou talvez não, pois o próprio autor diz no parágrafo seguinte que o «…problema não está nos salários dos operários, que na indústria vivem intensa concorrência europeia. São os ordenados dos ministros, funcionários, bancários, professores, médicos e outros. De todos, até dos críticos.»

Mas se o Prof. entende que o problema está nos rendimentos dos 20% mais ricos, pelo menos é o que parece quando afirma que a «…solução para a crise não vem da qualidade da classe política e outros temas habituais dos lamentos. Passa, em boa medida, por uma expressão que Cavaco Silva usava há 15 anos e nunca se ouviu desde então: moderação salarial», então a política de redistribuição de rendimentos que os governos do PS e do PSD (incluindo os de Cavaco Silva) têm vindo a seguir apenas pode ser classificada de desadequada e inconsequente, pois os resultados são os que estão à vista: alargamento do fosso entre ricos e pobres e agravamento do endividamento nacional.

É por tudo isto, mas principalmente pelo evidente erro económico e pela medonha injustiça social criada pela histórica degradação da fatia de rendimento atribuída às famílias, que julgo mais adequada a concepção de um plano de combate à crise que combine medidas de natureza fiscal de apoio às famílias (por exemplo, através da redução da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho), de investimento público produtivo e/ou criador de emprego e inclua medidas objectivas de aumento do rendimento das famílias, por exemplo através da distribuição de um dividendo geral que contribua para a dinamização do consumo.

Numa palavra, a via para contrariar os efeitos da recessão deverá passar por medidas que actuem preferencialmente do lado da procura (famílias) e não pelas que apoiando as empresas contribuam para a manutenção do paradigma da produção barata.

domingo, 25 de janeiro de 2009

ESCOLHA A SUA CÓLERA

São notícias como esta do DIÁRIO ECONÓMICO, que informa que a «Ericsson dispara 14% após anunciar 5 mil despedimentos», que deviam merecer um tratamento jornalístico adequado, muito além da mera descrição dos montantes envolvidos e do número de postos de trabalho a eliminar, e uma especial atenção dos políticos e dos cidadãos.
Aos jornalistas tem que se exigir cada vez mais um trabalho de análise e comentário dos factos, primeiro porque apresentando-se a notícia subscrita não pode limitar-se à mera reprodução (incluindo ou não a tradução a partir do idioma de origem) do despacho de uma qualquer agência noticiosa e depois porque o facto descrito vai francamente além de um mero “happening”. Mesmo quando o dia-a-dia noticioso abunda de casos análogos, o despedimento de uns milhares de trabalhadores de uma das principais empresas mundiais que opera num sector de ponta como o da electrónica e telecomunicações não pode sofrer este tipo de banalização.

Que os políticos permaneçam mudos e quedos perante realidades como a descrita na notícia não será de estranhar, tanto mais que encontrarão cada vez maiores dificuldades para explicar o insucesso das políticas com que dizem pretender combater a crise.

O modelo informativo quase acético que conhecemos é, sem sombra de dúvidas, o que melhor servirá os interesses de políticos e donos de empresas, mas o que pior preparará as condições para a resolução da crise económica que vivemos.

Ao silêncio cúmplice ou comprometido que se regista terão os cidadãos que responder com a exigência das explicações que lhes são sonegadas, porque estas deviam ser parte indispensável de um processo de debate em busca da melhor solução.

Quando se anunciam perspectivas de mais fundos públicos para apoio ao sector financeiro europeu[1] e nos EUA se mantém a expectativa de planos de apoio ao sector automóvel, esta notícia sobre a ERICSSON pode muito bem ser mais um mecanismo de pressão para acelerar a acção dos políticos, que parecem cada vez mais dispostos a intervir no sentido de salvar o maior número possível de postos de trabalho.

Esta aliás é a posição que o primeiro-ministro José Sócrates anunciou na televisão nacional e que na prática se resume a tentar aumentar, por esta via, o consumo, enquanto o grosso do esforço financeiro continua a ser centrado nas empresas. Ora, os planos de salvamento das grandes empresas poderão minimizar os efeitos da crise sobre os que nelas trabalham, mas dificilmente contribuirão de forma sustentada para o relançamento das economias e para contrariar a repetição de mais crises.

A ideia de que a acção política irá centrar-se no lado da oferta, continuando a privilegiar o papel dos empresários em detrimento do dos trabalhadores é a que deverá estar na origem da reacção de valorização da cotação bolsista de uma empresa pelo simples facto desta se preparar para reduzir os custos com os salários.

A própria notícia refere que com o anúncio dos despedimentos a cotação das acções da ERICSSON disparou 14%, mas não gastou um único parágrafo a explicar porque tal aconteceu e se o fizesse, o que diria?

Que a anunciada redução nos custos permite antecipar maiores ganhos nos próximos exercícios, ou que os despedimentos compensam as quebras nas vendas e assim deverá sobrar mais dinheiro para distribuir pelos accionistas? Mas numa economia em contracção mais dividendos para distribuir também podem significar menores investimentos em desenvolvimento de novos produtos e menores resultados no futuro, opção de gestão que o “mercado” deveria penalizar.

O absurdo do dogmatismo económico há-de chegar ao extremo de pretender dispensar o último trabalhador para maximizar os ganhos dos investidores. Nessa economia de sonho não haverá mais crises – esse será o estado perpétuo, logo não identificável, da economia no futuro que os políticos nos propõem – apenas um longo arrastar da situação de crescente pauperização dos que pouco mais possuem que a capacidade para trabalharem.
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[1] Esta notícia da BBC NEWS é um disso um bom exemplo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

MOMENTO HISTÓRICO OU...

Apesar de ainda muito vir a ser escrito e dito sobre a passagem de George W Bush e da facção neoconservadora pela Casa Branca, no dia em que toma posse o seu sucessor continua a merecer a pena ver o episódio pelo ponto de vista de quem tem por função arrancar-nos um sorriso ou uma gargalhada a propósito até dos mais tenebrosos acontecimentos.

Entre estes especialistas proponho-me hoje destacar um caricaturista europeu, Patrick Chappatte[1], que depois de nos deixar uma visão sobre a anterior presidência americana…

apresenta-nos uma visão particularmente lúcida do acontecimento do dia.

Fugindo ao habitual retrato do acontecimento histórico que representou a eleição do primeiro presidente não-caucasiano e da corriqueira comparação com personalidades da história norte-americana, como Abraham Lincoln ou Martin Luther King, e em vez de retratar qualquer antevisão da cerimónia de tomada de posse, Chappatte leva-nos a observar e a reflectir sobre o ambiente de carnaval que está a rodear o acontecimento.

Quando as notícias nos trazem ecos dos milhares de pessoas que se deslocaram para Washington para assistirem (através das televisões, claro) ao espectáculo que promete ser grandioso e cujos ensaios até têm tido tempo de antena nas televisões, como se de verdadeiras notícias se tratassem, quem se poderá espantar com o “merchandising” e o oportunismo que o rodeia?

Mantendo na íntegra o que escrevi nos “posts” sobre as eleições americanas: «O MAIOR CASINO DO MUNDO» e «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», onde procurei desmontar os mecanismos que as rodeiam, não devo, no dia da tomada de Barack Obama, deixar de recordar o que escrevi a propósito da sua eleição em: «MUDANÇA, DISSE ELE…», e perguntar como será quando «…a realidade já começa a perfilar-se no horizonte «...» o panorama começa a perder o brilho e a aura da tão propagandeada mudança começa a desfalecer e a dura realidade a reinstalar-se».

Talvez mais breve que o que agora se pensa se voltará ao assunto…
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[1] De ascendência libanesa, mas suíço de naturalidade, Chappatte é um colaborador habitual de jornais como o LE TEMPS, o INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE e o NEUE ZURCHER ZEITUNG e os seus trabalhos incidem sobre o quotidiano suíço e internacional, com particular destaque para a região do Médio Oriente.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O RESUMO DE BUSH

Embora ainda possa haver quem ache que George W Bush tinha algum talento escondido, talvez os que melhor o retrataram ao longo da sua passagem pela Casa Branca tenham sido os caricaturistas, entre os quais Pat Bagley[1] que até na hora da despedida nos brindou com dois perspicazes “bonecos”, para destacar o legado do presidente que agora sai.

Enquanto no primeiro nos retrata um Bush afadigado na tentativa de encontrar algo de bom na montanha de estrume que produziu, da qual poderemos encontrar uma interessante descrição neste artigo de opinião do NEW YORK TYMES, assinado por Frank Rich,

no segundo mostra-nos um Bin Laden – a proclamada Nemesis de George W Bush – disponível para continuar a farsa que revelou ser a famosa guerra contra o terror, assim o queiram os futuros inquilinos da Casa Branca (e a atender a algumas declarações de Obama, assim deverá continuar a ser)...

Para os mais sentimentais (ou que comecem já a revelar os primeiros sintomas de saudosismo) termino com a visão do canadiano Cam Cardow[2], sobre a futura ocupação de George W Bush…

talvez a única possível após a sua própria apreciação...

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[1] Caricaturista no SALT LAKE TRIBUNE, jornal do estado de Utah, considerado como um dos mais populares nos EUA. Além de caricaturista é igualmente ilustrador de livros infantis.
[2] Caricaturista do jornal THE OTTAWA CITIZEN.

domingo, 18 de janeiro de 2009

MERA ESTREITEZA DE VISTAS?

Enquanto continuamos a assistir ao desenrolar da ofensiva israelita contra a Faixa de Gaza, naquilo que poderá ser, para alguns, uma adequada representação do “choque de civilizações”[1], também entre nós há quem se revele muito empenhado nestes confrontos civilizacionais.

Talvez tenha sido meramente acidental que poucas horas depois de Jorge Sampaio, ex-Presidente da República e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações[2] ter escrito no DN, sob o título de «Cinco Reflexões sobre os Desafios de uma Estratégia Nacional», que «...Portugal é uma nação muito antiga, com uma história ímpar, uma cultura universalista e prestigiada e uma forte identidade, sem conflitos étnicos, religiosos ou regionais...», o cardeal patriarca de Lisboa tenha deixado um alerta às jovens portuguesas para os riscos de casamentos com muçulmanos[3], a propósito de uma participação no primeiro evento da série «125 minutos com..»[4], porém o que ressalta das declarações daquele alto responsável da Igreja Católica não pode, nem deve, ser reduzido a um mero “fait divers”, como canhestramente foi tentado num comunicado do próprio patriarcado, citado nesta notícia do PUBLICO, onde se pretende que: «...o que o patriarca quis destacar foi que as relações com os muçulmanos têm sido "de grande simpatia - poderá mesmo dizer-se, exemplares"».

As afirmações de um alto dignitário da Igreja têm, obrigatoriamente, um peso que não se compadece do local onde sejam emitidas e aquilo que foi transmitido pela imprensa ultrapassa em muito o significado amplo e beatífico que se lhe quis dar. Pior, o cardeal patriarca não se limitou a alertar para potenciais conflitos culturais e/ou religiosos que poderão surgir aos praticantes da sua fé quando envolvidos em ligações com membros de outras comunidades religiosas; foi bem explícito e específico – o problema não ocorre com o judaísmo, o budismo ou com os praticantes de qualquer outra seita mais ou menos cristãs, mas especificamente com o islamismo.

Perante uma afirmação deste jaez como não haverá quem se interrogue sobre a humanidade e os sentimentos de paz, harmonia e compreensão que a Igreja Católica diz professar?

Bem pode a imprensa nacional desdobrar-se em entrevistas e declarações de responsáveis e especialistas, como estas do jornalista Manuel Villas-Boas ou do sociólogo Moisés Espírito Santo, para desdramatizar as palavras do cardeal.

O mal está feito e, pior, foram ainda os considerandos que teceu sobre as relações da Igreja com os homossexuais, a propósito dos quais disse (e cito de memória a partir das imagens passadas num canal de televisão) que serão acolhidos caso abdiquem das suas práticas.

Embora o tempo possa vir a fazer esquecer o que aconteceu, não podemos deixar de nos interrogarmos se o crescendo de intolerância e crispação que se vem registando na hierarquia da Igreja católica se teria registado sem a eleição do antigo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a versão moderna da mais tenebrosa organização de repressão até hoje criada – a Santa Inquisição – responsável por milhares de execuções e pela imposição da censura ao conhecimento e ao desenvolvimento da ciência.

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[1] Teoria proposta Samuel P. Huntington segundo a qual a principal fonte de conflito no mundo pós-Guerra Fria serão as identidades culturais e religiosas dos povos.
[2] Cargo para que foi nomeado em 2007 pelo secretário-geral da ONU Ban Ki-moon
[3] Além desta notícia do PUBLICO, muitas outras poderão se consultadas: «Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, é meter-se num monte de sarilhos», no PORTUGAL DIÁRIO; «D. José Policarpo diz que casamento com muçulmanos é um "monte de sarilhos"», no EXPRESSO e «Casar com muçulmanos é “monte de sarilhos”» no CORREIO DA MANHÃ.
[4] Série de entrevistas, destinado a comemorar os 125 anos do Casino da Figueira, que contarão com a presença de destacadas figuras públicas nacionais.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

OLHO POR OLHO

Enquanto prossegue a ofensiva israelita sobre a Faixa de Gaza e embora os meios de comunicação ocidental sejam impedidos de verificar “in loco” a situação, nem por isso a generalidade deixa de publicar todo o tipo de declarações e argumentações defendendo o princípio do direito de defesa de Israel.

Entre as que reivindicam a aplicação do princípio bíblico do «olho por olho», mesmo quando este é absurdamente desproporcionado...

destaquem-se as declarações do novo embaixador judaico em Lisboa, Ehud Gol, que declarou ao PUBLICO que «crítica a Israel sobre uso desproporcionado da força é "argumento estúpido e cínico"», comentário em que até poderia ter razão se o que estivesse em causa fosse o confronto entre dois exércitos regulares de dois estados independentes e não o confronto entre um dos mais sofisticados e bem equipados exércitos mundiais e um grupo de guerrilheiros que pouco mais dispõe que de armamento ligeiro.

Aliás o entendimento do embaixador é ainda mais claro numa notícia da LUSA a quem declarou: “Vivemos numa vizinhança dura, numa região dura, com inimigos, com países e organizações terroristas que nos querem destruir e enquanto eles tiverem esse objectivo de destruir o Estado judeu, de não nos deixarem viver uma vida normal, nós temos de continuar a defender-nos”. Se dúvidas houvessem sobre a opinião do diplomata – Israel continua a ser um estado perseguido e que penas reconhece inimigos entre os vizinhos – as declarações com que abriu o seu trabalho em Portugal são suficientemente elucidativas da perspectiva do governo que representa e da mentalidade de parte muito significativa da população judaica.

Se não bastarem os exemplos da história recente da Palestina, onde têm abundado os massacres e as perseguições às populações árabes, pode-se ainda referir o tratamento que actualmente continua a ser reservado aos palestinianos que ao longo dos últimos sessenta anos têm procurado resistir à ocupação das suas terras e casas. Representando cerca de um milhão e meio de pessoas, vivem sem direitos políticos[1] nem identidade nacional nos territórios que Israel viu atribuídos por decisão da ONU e nos que ocupou militarmente na sequência das guerras que se foram registando.

Abrangidos por uma «lei dos bens dos ausentes»[2] que lhes retira todo o tipo de direitos (incluindo os de propriedade dos seus próprios bens) foram ainda recentemente objecto de mais uma clara manifestação de racismo nas declarações de Tzipi Livni, a actual ministra dos negócios estrangeiros e grande candidata à sucessão de Ehud Olmert na chefia do próximo governo israelita, que numa reunião com alunos do liceu disse que «a minha solução para preservar o carácter judaico e democrático de Israel consiste em criar duas entidades nacionais distintas...» e acrescentou que criado o estado palestiniano «...poderemos dizer aos cidadãos palestinianos de Israel, aqueles que designamos árabes de Israel, que a solução para as suas aspirações nacionais se encontra noutro lugar».

Que um dos possíveis líderes do próximo governo de Israel defenda de forma tão clara a deportação de cerca de 20% da população do território que poderá vir a governar diz bem do carácter profundamente racista e do ódio que se vive num estado que se diz democrático.

Esta característica, que actuais e antigos governantes de Israel atribuem aos palestinianos, é seguramente reflexo do sentimento de boa parte da população e os constantes apelos dos seus dirigentes à solidariedade internacional no combate que dizem travar contra o terrorismo e o extremismo islâmico não pode escamotear a dura realidade do extremismo judaico. Não só daquele que, nos anos 40 do século passado, fomentou movimentos terroristas como o Irgun[3], que perpetraram um sem número de atentados à bomba contra os palestinianos e as forças britânicas sediadas na Palestina, mas também do extremismo que ainda hoje existe e continua a difundir uma doutrina de ódio e de extermínio contra os palestinianos.

O bíblico princípio do «olho por olho», criticável e condenável desde tempos imemoriais por nada mais lograr que perpetuar as razões para um ódio absurdo e tantas vezes descontextualizado, não pode continuar a servir de “leit motiv” para quem pretende dirigir aquele que se intitula como o único estado democrático do Médio Oriente.

A opinião pública mundial não pode continuar a deixar-se manipular pela propaganda judaica – a que usa e abusa da calamidade que foi o holocausto judaico durante a II Guerra Mundial para agora justificar, escamotear e condenar as vozes que contra si se erguem e tudo rotular de anti-semitismo – e tomar como verdadeiro o axioma de que os judeus são vítimas inocentes dos árabes radicais.

Além de veracidade muito duvidosa, aquela afirmação ainda costuma ser acompanhada de uma orquestrada campanha de intimidação que, sem pejo ou rebuço, apelida todo e qualquer arremedo de crítica de anti-semitismo.

Mesmo correndo esse risco, sempre recordo aqui que a retórica tão cara aos dirigentes israelitas que consiste em apelidar de radicalismo islâmico, ou de anti-semitismo, tudo o que possa pôr minimamente em questão a sua visão unilateral do Médio Oriente, é especialmente branda ou mesmo omissa quando se trata de analisar a sua realidade religiosa interna, onde abundam os grupos ultra-ortodoxos (ou “haredi”) e ortodoxos, que ao longo do tempo se têm revelado tanto ou mais fanáticos que os seus homólogos islâmicos, para o que basta recordar o assassinato de Yitzhak Rabin pelo extremista “haredi” Yigal Amir, em 1995, mais recentemente os confrontos entre os colonos ortodoxos e a polícia encarregue de os desalojar da Faixa de Gaza e os regulares confrontos que provocam com as populações palestinianas vizinhas dos colonatos que persistem em manter na Cisjordânia.

Por último, e fazendo fé nesta notícia do jornal LE TEMPS, refira-se que os próprios dirigentes israelitas não parecem de consciência muito tranquila quanto à natureza e à justificação das suas próprias acções[4], ou pelo menos revelam muito pouca confiança na justiça e/ou na protecção divina, no que respeita a muita prováveis acusações de novos crimes de guerra.
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[1] Hoje mesmo o correspondente em Tel-Aviv do jornal suíço LE TEMPS referia a decisão da comissão eleitoral de Israel de proibir a participação dos partidos políticos árabes nas eleições gerais que terão lugar no próximo dia 10 de Fevereiro, alegando que estes são responsáveis de incitação e apoio ao terrorismo.
[2] A «lei dos bens dos ausentes» (também conhecida como a lei dos bens ausentes) data de 1950 e decreta ausentes as pessoas que mesmo possuindo bens, se tenha encontrado num dado momento entre 29 de Novembro de 1947 e 1 de Setembro de 1948 seja no território da Palestina fora do controlo do estado de Israel (quer dizer, na Cisjordânia ou na faixa de Gaza), seja no território de outro estado árabe; esta lei determina que os bens de um “ausente” serão transferidos para a Apotropos (entidade que gere os bens abandonados pelos palestinianos) sem direito a apelo ou indemnização. Assim, mesmo que o “ausente” se encontre agora presente em Israel perde todos os direitos sobre os seus bens. Esta lei foi mais tarde complementada por outra que restringe a sua aplicação aos palestinianos, permitindo que os habitantes judeus de Jerusalém-Este (parte da cidade só ocupada por Israel em 1967) não sejam apanhados nesta armadilha legal.
[3] Organização criada em 1931 em resultado de uma cisão no Haganah (organização paramilitar cujo nome significa “Defesa” e tinha por objectivo proteger os colonatos judaicos de acções bélicas árabes), fomentou a imigração clandestina de judeus na Palestina, realizou operações de represália e atentados contra civis árabes e lutou contra a presença britânica na região, tendo sido classificada pelas autoridades britânicas como uma organização terrorista; o seu último líder foi Menahem Begin, que mais tarde seria o primeiro-ministro israelita responsável pela assinatura do Acordo de Paz de Camp David (com o egípcio Anwar Al Sadat) e galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
O Irgun, cujos membros seriam integrados no IDF (Forças de Defesa de Israel) após a proclamação da independência em 1948, foi responsável pela realização de vários atentados em cafés, mercados, autocarros, hoteis e até em embaixadas no estrangeiro (Itália) e alguns dos seus membros mais destacados (entre os quais se contavam o já citado Begin e os pais da actual ministra dos negócios estrangeiros Tzipi Livni) viriam a ser os fundadores do partido Herut (Liberdade) que mais tarde originaria o actual Likud (Consolidação), partido responsável por vários governos israelitas desde 1977.
[4] No essencial a notícia refere a preocupação dos dirigentes de Tel-Aviv sobre a possibilidade dos seus altos quadros militares virem a ser alvo, no estrangeiro, de processos relativos a crimes de guerra.

domingo, 11 de janeiro de 2009

QUANDO O ATAQUE ISRAELITA REVELA OS SEUS LIMITES

Cumprida a segunda semana da ofensiva israelita à Faixa de Gaza, ultrapassadas as oito centenas de mortos e os três milhares de feridos, e enquanto a comunidade internacional se continua a afadigar na busca de mais um pseudo acordo de cessar-fogo, a população palestiniana continua a sofrer o que a própria ONU já classificou com uma verdadeira crise humanitária.

Sujeita a um rígido bloqueio militar que se arrasta há 18 longos meses, o minúsculo território designado por Faixa de Gaza alberga nos seus escassos 360 km2 cerca de um milhão e meio de habitantes (o que o transforma numa das áreas do planeta mais densamente povoadas) que além das óbvias carências de bens de primeira necessidade se confronta agora com uma quase total inexistência de condições de assistência aos milhares de feridos.

Embora a responsabilidade por esta verdadeira catástrofe possa ser remontada a 1948 e à criação do estado de Israel, as causas próximas têm que ser repartidas entre os grupos palestinianos do Hamas e da Fatah[1], envolvidos numa luta fratricida pelo poder nos territórios palestinianos, a irresponsabilidade dos políticos israelitas que usam as acções militares como método de campanha eleitoral interna e a hipocrisia dos responsáveis americanos, europeus e árabes que de uma forma ou outra pouco ou nada têm feito para concertarem uma estratégia de apoio à causa palestiniana e em contraposição à manifesta posição pró-israelita assumida pelos primeiros

Parecendo ter aprendido a lição da invasão em 2006 do Líbano, os dirigentes israelitas escolheram um “timing” quase perfeito[2] para o lançamento da ofensiva – pormenor que reduz substancialmente a argumentação de que esta ocorreu em resposta aos sucessivos lançamentos de “rockets” palestinianos sobre o seu território, os quais apenas se intensificaram após meados de Dezembro e da não renovação pelo Hamas da trégua que vigorava – e estão a fazê-la acompanhar de um quase absoluto bloqueio informativo. Alegando razões de segurança mantém-se a proibição de entrada de jornalistas ocidentais na Faixa de Gaza, facto que origina o controlo total da informação disponível. Salvo uma ou outra cadeia árabe (com especial destaque para a Al Jazeera) que ainda vai conseguindo difundir alguma escassa informação, tudo tem sido sujeito ao apertado controlo israelita.

Sabendo-se quão importante é nos tempos actuais o peso da informação e até onde pode chegar o efeito das notícias das frentes de guerra, esta é uma importante vantagem de que os israelitas parecem não querer abdicar. Mesmo assim, esta semana já chegaram notícias do bombardeamento de uma escola (algumas fontes referem duas) sob administração da ONU que albergava refugiados, da qual resultou a morte de quatro dezenas de mulheres e crianças, e uma habitação nos arredores de Gaza para a qual o exército israelita mudara na véspera mais de uma centena de civis[3].

O apregoado desiderato israelita de aniquilar o Hamas e a permanente acusação de que os guerrilheiros deste movimento se escondem entre a população conduz a que nas estatísticas de mortos e feridos se assegure que cerca de 1/3 serão civis e 25% serão crianças, proporção que não espanta quando se sabe que cerca de 48% da população do território tem menos de 14 anos de idade.

Para agravar este cenário também têm surgido notícias acusando o IDF (Forças de Defesa de Israel) de dificultar ou mesmo de impedir a assistência aos feridos, cuja origem são fontes do Comité Internacional da Cruz Vermelha[4] e que a BBC NEWS também tem difundido.
Muitas são as dúvidas que se podem levantar à actuação israelita e até organizações de defesa dos direitos humanos, como Human Rights Watch e a judaica B’Tselem, têm levantado legítimas dúvidas sobre a legalidade de alguns alvos e sobre os meios empregues nos bombardeamentos
[5], dada a manifesta destruição que têm produzido.

É que em matéria de defesa dos direitos humanos Israel não tem parado de evoluir e de surpreender o Mundo com iniciativas tão louváveis como a agora posta em prática nesta campanha em Gaza; antes de cada bombardeamento a aviação lança panfletos a aconselhar as populações a abandonarem as suas casas[6], como se os palestinianos dispusessem de sistemas de abrigos subterrâneos ou de qualquer outro lugar para onde fugir…

A imensa hipocrisia que tem rodeado mais esta acção militar judaica corre bem o risco de se converter mais numa acção para garantir o crescimento das fileiras do Hamas que o seu contrário, pois ao sujeitar toda a empobrecida e faminta população de Gaza ao que se parece mais com uma punição colectiva que qualquer outra coisa e impedindo, sob o argumento da protecção, a entrada de jornalistas estrangeiros no território que destrói a seu belo prazer, não deixará de contribuir para o aumento do número dos que acreditam no uso da força como única via para a resolução de um conflito que se arrasta há já 60 anos.

Talvez os políticos israelitas (desde o conservador Likud, passando pelo moderado Kadima e terminando no Partido Trabalhista), perfeitamente cientes da fraqueza da sua força e cada vez mais conscientes das vozes que na Palestina, em Israel e um pouco por todo o Mundo se vão fazendo ouvir em defesa da única solução que não apresenta a necessidade de dividir territórios – duas Nações, um Estado – prefiram o recrudescimento das organizações palestinianas mais extremistas como via para a manutenção do confronto, para a justificação dos massacres e o da manutenção de uma imensa prisão a céu aberto como sucede em Gaza e na Cisjordânia.
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[1] Recorde-se que os dois grupos se têm confrontado (até pela via das armas) pela liderança da designada Autoridade Palestiniana, desde que em 2006 o Hamas venceu as eleições legislativas enquanto a Fatah mantém a presidência daquela autoridade através de Mahmoud Abbas.
[2] Os bombardeamentos aéreos começaram no dia 27 de Dezembro, data que mediando entre o Natal e o Ano Novo costuma representar para o Ocidente uma época de festividades e de um nítido abrandamento nas actividades políticas, além de que coincide com o período de substituição do presidente norte-americano; tudo factores que assegurariam “a priori” um lapso de tempo maior até ao início das pressões diplomáticas visando a interrupção da ofensiva.
[3] Sobre o bombardeamento da escola da ONU ver esta notícia da BBC NEWS e esta outra do PUBLICO; sobre o outro incidente ver esta notícia da BBC NEWS.
[4] Na página da Cruz Vermelha podem encontrar notícias como esta: «Gaza: ambulâncias salva-vidas precisam ter acesso irrestrito aos feridos».
[5] Sobre esta matéria ver, por exemplo, esta notícia da BBC NEWS.
[6] A ocorrência foi referida em diversas peças jornalísticas, entre as quais esta do PUBLICO.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O VELHO, O JOVEM E O BURRO

Sosseguem os que ao lerem o título possam ter pensado que iria recordar aqui a velha parábola homónima.

Embora nada me mova contra o recurso a essa antiquíssima forma de transmissão de conhecimentos, parece-me neste momento mais importante retomar aqui algumas reflexões a propósito da crise que já chegou a Portugal (finalmente vão deixar de apelidar de “aves de mau agouro” aos que começámos a referir essa inevitabilidade há alguns meses) e em especial sobre as notícias que estão a chegar de França.

De três fontes diferentes (o nacional DIÁRIO DE NOTÍCIAS e os franceses, LE MONDE e LE NOUVEL OBSERVATEUR) respiguei a notícia de que o presidente Sarkozy, na primeira reunião ministerial do ano, se terá declarado disposto a injectar mais alguns milhares de milhões de euros nos bancos franceses. Contente com o sucesso da medida, que diz que terá evitado uma corrida aos levantamentos, e mesmo enquanto debate um plano idêntico para o conjunto da economia manifestou-se disposto a repeti-la.

O velho e experiente governante francês (nasceu em 1955 e desempenhou pela primeira vez funções governativas em 1993 num governo dirigido por Édouard Balladur) preconiza o mesmo tipo de política para o combate à crise que o nosso jovem José Sócrates (nasceu em 1957 e desempenhou pela primeira vez funções num governo de António Guterres, em 1995) – financiar os bancos na expectativa que estes reequilibrem a sua situação financeira e reanimem a economia mediante novos e maiores empréstimos para investimento. Mesmo que se considerem como bem intencionadas, estas medidas demorarão a produzir efeitos, na precisa medida em que a prática demonstrou o completo fracasso do conceito do “trickle down” económico[1], e a contribuir de forma efectiva para a resolução do problema tanto mais que na actual conjuntura não se podem dissociar os problemas de natureza financeira – escassez de liquidez originada pelo colapso dos mercados financeiros e crise de confiança motivada pelo excessivo risco de grande número dos activos financeiros que integram as carteiras do sector financeiro – dos que resultam de mais uma crise de crescimento das economias.

No caso das economias mais débeis (como a portuguesa) deve ainda ser levantada a questão da origem dos fundos públicos que os governos se dispõem a injectar na economia; é que se estes não provierem dos seus próprios orçamentos (fruto de uma situação em que as receitas se mostrem superiores às despesas) apenas poderão ser originados no aumento do endividamento público que mais tarde ou mais cedo se converterá em mais um factor de desequilíbrio orçamental quando houver que fazer face ao aumento dos encargos com o acréscimo do serviço da dívida.

As até agora anunciadas medidas de combate à crise económica, sejam elas o Plano Paulson[2], o Plano Sarkozy ou de José Sócrates, apresentam em comum uma perspectiva de abordagem da crise pelo lado da oferta (apoio aos bancos e às empresas) atribuindo uma menor ou nula preocupação com medidas de apoio às famílias (o lado da procura).

E aqui é que entra em cena o burro (eu e os que como eu defendem como preferencial a intervenção pelo lado da procura) que, confrontando os poderes instalados, pergunta se ninguém nada terá aprendido com as origens da difícil situação que vivemos. É que ninguém duvide que boa parte das razões para o actual estado de fragilidade das economias mundiais se prendem com o facto de nas últimas décadas os decisores políticos se terem limitado à aplicação de medidas objectivamente beneficiadoras da oferta (empresas) esquecendo, e prejudicando, o lado da procura (famílias), facto perfeitamente demonstrado no quadro seguinte:

que revela a menor taxa de crescimento do RNB relativamente à taxa de crescimento do PIB, no período entre 1995 e 2007, e o peso decrescente que aquele agregado representa face ao PIB.

Como é do conhecimento geral os mercados são forçosamente compostos por duas partes – a oferta e a procura – que de modo algum conseguem existir autonomamente; quando de forma cega se privilegia uma das partes em detrimento da outra a hipótese de alcançar uma posição de equilíbrio é particularmente difícil, senão impossível. Bom exemplo disto mesmo podemos encontrá-lo entre nós, na crise que tem afectado o sector da construção civil, em grande parte fruto da conjugação de factores como o excesso da oferta de novas habitações com a redução da procura (algo perfeitamente natural se atendermos ao facto da população portuguesa apresentar uma baixa taxa de crescimento, agravado pelo aumento das taxas de juro e pelos baixos rendimentos das famílias portuguesas), e nas medidas que têm sido tomadas para a resolver que no essencial se têm resumido à prorrogação dos financiamentos contratados pelos construtores e em muito reduzida parte numa indispensável redução dos preços de venda.

Fundamentado nestes exemplos, apetece-me perguntar: e o burro, sou eu??...
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[1] Princípio que preconiza a redução de impostos para as camadas com rendimentos mais elevados na expectativa que a sua maior propensão à poupança se traduza num aumento do investimento e por esta via no aumento dos rendimentos das classes mias desfavorecidas. Tornou-se particularmente popular entre os teóricos da corrente neoconservadora e dos defensores da actuação na economia pelo lado da oferta (supply- side economics).
[2] É o plano que a administração de George W Bush apresentou, cujo nome deriva do seu principal mentor – o secretário de estado do tesouro Henry Paulson – também conhecido como TARP (Troubled Assets Relief Program ou Programa de Auxílio aos Activos Problemáticos) e que no essencial prevê a utilização de 700 mil milhões de dólares para “comprar” os activos desvalorizados que integram as carteiras dos bancos norte-americanos.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

QUO VADIS SÓCRATES

Ainda pairam no ar os ecos da mais recente aparição num canal de televisão nacional do primeiro-ministro José Sócrates e das reacções de parceiros políticos e sociais que não deixaram de manifestar as suas dúvidas, reservas e críticas ao muito pouco que ele disse, e já o EXPRESSO anunciou que «CONSTÂNCIO ANTECIPA RECESSÃO TÉCNICA NO FINAL DE 2008».

Que a economia nacional irá entrar em recessão[1] – ainda que possa ser uma novidade em termos de discurso governativo – não é novidade para ninguém, que o governo irá apresentar uma versão revista do orçamento para 2009, também não; então que novidade transmitiu o primeiro-ministro?

Salvo a tentativa de minimizar o muito propalado (pela imprensa) conflito com o presidente da república, a entrevista saldou-se por mais uma manobra de puro marketing: na véspera da apresentação do Boletim Económico de Inverno do Banco de Portugal (que já seria do conhecimento do governo), Sócrates antecipa-se e diz perante as câmaras que a recessão será uma realidade.

Não seria então caso para ouvirmos algo mais sobre as políticas que o governo prepara para enfrentar a situação? É que repetir até à exaustão que o seu governo tem uma estratégia bem delineada e sustentada em medidas como o aumento do investimento público, traduzido na construção de mais umas centenas de quilómetros de auto-estradas, na modernização do parque escolar nacional, na expansão da rede de banda larga ou na aposta nas energias renováveis, não só parece curto como deixa espaço para todo o tipo de questões, começando pela aparente estratégia de “salvar” tudo o que for possível[2] em nome da manutenção dos postos de trabalho.

É evidente que isto é atractivo para os milhares de trabalhadores que conhecem à saciedade a tradicional estratégia empresarial de encerrar portas às primeiras dificuldades (ainda mais quando essas empresas são detidas por capital estrangeiro que facilmente recoloca a maquinaria em funcionamento noutro ponto do planeta onde possa beneficiar de menores custos, sejam eles subsídios públicos à instalação e menores custos de mão-de-obra), mas deixa por responder a principal das questões a ela ligada: onde dispõe o erário público de meios – dinheiro – para a concretização de tal política?

Anunciar grandes investimentos públicos (presume-se que entre estes estarão o NAL e o TGV) e a preocupação com a manutenção do emprego é bonito e com garantidos dividendos eleitorais, mas apenas poderá convencer os ingénuos ou os crentes nalgum milagre que faça jorrar euros de uma qualquer fonte instalada em São Bento e tanto mais estranho quanto apenas a ausência de disponibilidades financeiras pode justificar aquela que tem sido a prática dos últimos governos – a dilatação dos prazos de pagamento às empresas.

É que embora dura, a realidade nacional é a de uma economia de maus pagadores, onde pontificam o Estado e as Autarquias, e de total ineficácia coerciva da máquina judiciária. Em Portugal, nas últimas décadas, grassam as dívidas e a impunidade dos devedores.

Situação bem mais eficaz na dinamização da economia nacional seria o Estado proceder à regularização das suas dívidas em substituição do anúncio de duvidosas medidas de apoio creditício, que além de necessitarem (e implicarem) a participação da banca ainda terão como efeito primário o aumento dos lucros desta e o aumento dos encargos de um tecido empresarial já sobreendividado.

Outra possível perspectiva de abordagem das políticas de combate à crise passa pelo aumento do rendimento disponível das famílias (o verdadeiro motor do consumo), campo em que limitá-las aos aumentos do abono de família e ao aumento do salário mínimo é não só moralmente errado (apara usar a expressão com que Sócrates referiu as críticas ao investimento público) como absolutamente insuficiente. Na comprovada falência de um modelo de desenvolvimento económico e social sustentado no crédito, caberá aos políticos responsáveis pela condução dos destinos dos povos a capacidade para o recurso a outros mecanismos de “injecção de liquidez” nas famílias, que poderão passar por políticas de redistribuição da riqueza, seja mediante uma revisão em baixa da carga fiscal sobre os rendimentos individuais, seja mediante a aplicação de um plano de pagamentos directos aos cidadãos.

Em qualquer dos casos era igualmente indispensável que José Sócrates tivesse preparado um bem estruturado plano para a redução da despesa pública, principalmente da componente não produtiva, não se limitando a renovar a sua profissão de fé no investimento público e esperar que a crise passe... talvez com a ajuda daqueles que mais contribuíram para a aprofundar.
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[1] Ver a notícia «SÓCRATES: “TUDO APONTA PARA UM CENÁRIO CADA VEZ MAIS PROVÁVEL DE RECESSÃO”»
[2] Ver a notícia «SÓCRATES DIZ QUE GOVERNO VAI SALVAR AS EMPRESAS “QUE PUDER”».

sábado, 3 de janeiro de 2009

A PALESTINA E A POLÍTICA DA AVESTRUZ

O ano que agora se iniciou vai continuar a ser marcado pela crise económica global que a elite financeira mundial conseguiu ampliar a um ponto cuja verdadeira amplitude ainda desconhecemos, mas tal como aconteceu no início do ano passado, no “post” «ANO NOVO, PROBLEMAS VELHOS», também este ano o primeiro tema que vou abordar será o da situação de povos sem Estado, como é o caso dos palestinianos.

Quando decorre uma acção militar contra parte do território palestiniano – a Faixa de Gaza que desde meados de 2007 se encontra sob controlo do Hamas – e se assiste ao habitual coro de protestos das populações árabes, enquanto os líderes mundiais se desdobram em apelos em consonância com o seu maior ou menor grau de aproximação às teses e às políticas israelitas os seus congéneres árabes revelam-se tanto ou mais divididos que aqueles ou os próprios palestinianos, embora a sua maioria continue a privilegiar a política da avestruz.

Desde os primórdios da questão palestiniana que os Estados árabes vizinhos oscilaram nas políticas a adoptar, quer relativamente aos milhares de refugiados originados pela expansão militar judaica, quer relativamente ao relacionamento com o belicismo israelita fortemente apoiado pelos EUA.

Os vizinhos Egipto, Jordânia e Líbano que numa primeira fase acolheram a maioria daqueles refugiados não tardaram a defrontar-se com uma variedade de problemas – desde os mais básicos e prosaicos ligados com a instalação dos recém-chegados, até aos mais delicados e fomentados do exterior – que chegaram a incluir acções militares, de dimensão interna como aconteceu na Jordânia[1] ou verdadeiras agressões externas como foi o caso do Líbano[2] – que por si só não podem servir para explicar a ambivalência das suas posições.

A política egípcia do governo de Hosni Mubarak é neste momento um dos excelentes espelhos da absoluta ineficiência de qualquer estratégia árabe para lidar com o problema palestiniano e o Estado de Israel. Dividido entre as pressões americanas para uma normalização de relações com Israel (o Egipto foi o primeiro país árabe a reconhecer o estado judaico na sequência dos Acordos de Camp David, em 1979), dependente dos mercados ocidentais para a colocação das suas poucas exportações e das remessas dos emigrantes (mais de três milhões trabalham na Arábia Saudita, Emiratos Árabes e Europa), tem que se confrontar com o sentimento pró-palestiniano da sua população e com uma forte oposição de um partido islâmico (Irmãos Muçulmanos) que tem sabido capitalizar o descontentamento de uma população particularmente afectada por uma ineficiente política de redistribuição da riqueza.

Outro importante estado da região, a Arábia Saudita, até pela importância do seu papel como país exportador de petróleo, revela-se tanto ou mais ineficaz que o Egipto já que a sua total dependência das grandes empresas petrolíferas coloca-a mais numa posição de “cavalo de Tróia”, seja no seio da OPEP seja na Liga Árabe, dos interesses ocidentais e judaicos que como possível condutor de uma política pró-árabe.

Com o Iraque reduzido ao estado de país militarmente ocupado e a Síria limitada a pouco mais que ao papel de vizinho pacato, resta na cena política regional o Irão como candidato à liderança; mas este facto longe de introduzir estabilidade na esfera árabe é usado pelo ocidente como argumento para defender as suas posições de apoio a Israel e para fomentar a divisão entre árabes sunitas e xiitas, apresentando estes como radicais e os primeiros como moderados.

Fruto de todas as contradições que a minam, a Liga Árabe na sua última reunião pouco mais conseguiu produzir que um apelo à união entre as facções palestinianas[3] e um outro discurso mais inflamado.

A culminar estas divisões (naturais e fomentadas) há ainda que adicionar a absurda situação das facções palestinianas da Fatah e do Hamas (que em Agosto do ano passado me levou a referi-la no “post” «VISÕES INCONCILIÁVEIS») enquanto a situação do povo palestiniano não pára de degradar-se. Às quase cinco centenas de mortos palestinianos já registados mais se somarão, agora que o Exército de Israel invade a faixa de Gaza e mesmo que fique por confirmar o solene aviso do Hamas de que Gaza será um cemitério para Israel, continuarão a ser as populações palestinianas as mais afectadas e cada vez mais longínqua a solução «dois povos-dois estados» que agora parece tanto do agrado dos países ocidentais e de Israel.

Inegável é que quer esta nova operação militar de Israel, que além de contar com o beneplácito do “amigo americano” ainda recebe deste e da presidência checa da UE o epíteto de acção militar defensiva, se traduza ou não numa nova ocupação das escassas três centenas e meia de quilómetros quadrados constitui mais uma evidência da impraticabilidade daquela solução e que o conflito israelo-palestiniano só conhecerá um fim duradouro quando a comunidade internacional aceitar mediar negociações que efectivamente introduzam propostas de solução aos problemas que a implantação de um estado artificial e segregacionista originou na região.

A curto prazo e após alcançado um novo cessar-fogo, o governo israelita e o Hamas clamarão a sua vitória; de concreto ficarão os mortos e os feridos, o acirrar dos ódios e, naturalmente, a melhoria da imagem do Kadima nas sondagens eleitorais israelitas a par com a continuação do lançamento de “rockets” palestinianos sobre território de Israel, porque à semelhança das ocasiões anteriores, nada de substancial terá mudado, pois se Israel lograr destruir os arsenais do Hamas rapidamente estes os voltarão a encher.

Mais do que nunca, numa época de profunda crise económica que necessita dos líderes das principais economias a tomada de decisões que estão para além dos meros fenómenos económicos (a crise como se tem visto também é em boa medida uma crise de valores e de ética), talvez esta possa ser uma boa oportunidade para que no seu rescaldo a ONU, os EUA, a UEE, os países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) e a Liga Árabe acordem na aplicação de novas regras nas negociações da paz para a região e satisfazendo direitos básicos dos palestinianos, como o direito ao retorno, assegurem aos judeus as condições de tranquilidade que tornem exequível a única solução que poderá trazer uma nova era de paz à Palestina, sob o princípio duas Nações um Estado.

Talvez seja esperar demasiado – ver o fim de um conflito que se arrasta há mais de duas gerações e que tanto ódio tem criado de parte a parte – mas enquanto tal não ocorrer creio que dificilmente veremos outras imagens do Médio Oriente além das de destruição.
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[1] Referência ao episódio que ficou conhecido como o Setembro Negro, quando em 1970 o exército jordano usou a força para expulsar do seu território os guerrilheiros da OLP.
[2] Referência à invasão israelita de 1982 que ficou tristemente assinalada pelos massacres dos campo de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila, que embora perpetrados por falangistas libaneses beneficiaram do claro apoio do exército israelita, cujo ministro na época era Ariel Sharon. Em 1983 o Supremo Tribunal de Israel responsabilizou Ariel Sharon por não ter assegurado a protecção dos civis (algo perfeitamente enquadrado no que fora a sua linha de actuação enquanto comandante da Unidade 101, de forças especiais, que já em 1953 se vira envolvido no massacre de Qybia) e forçou a sua demissão do ministério.
[3] Isso mesmo pode ser lido nestas notícias do EXPRESSO e do PUBLICO.