quarta-feira, 31 de maio de 2006

A HIPOCRISIA DO ANTITABAGISMO

Hoje, Dia Mundial Sem Tabaco, é uma boa oportunidade para voltarmos a reflectir sobre questões como o tabagismo, os antitabagistas fundamentalistas, a legislação antitabagista em preparação, os negócios que rodeiam este meio (o das tabaqueiras e o da indústria farmacêutica) e os fumadores.

Como seria de esperar os órgãos de comunicação social não deixaram passar esta data em claro e alguns aproveitaram para nos lembrar de coisas tão importantes, díspares e desconcertantes como:
  • a quebra das vendas registada pelas tabaqueiras (cerca de 300 milhões de euros de 2004 para 2005);
  • o aumento das receitas da indústria farmacêutica de 4,5 para 10 milhões de euros em períodos homólogos;
  • a quebra das receitas fiscais sobre o tabaco da ordem dos 39%;

nada foi dito sobre o aumento das receitas do IVA sobre os medicamentos antitabágicos a par da existência de cerca de 2 milhões de fumadores e do facto de 70% destes manifestarem, de alguma forma, vontade de deixar de fumar.

Se circunscrevermos o problema do tabagismo ao número de fumadores, esquecendo de avaliar do grau de dependência dos mesmos, e centrarmos as iniciativas na pura e simples proibição de fumar em locais públicos como cafés e restaurantes (conforme intenção legislativa do governo de José Sócrates e matéria que já aqui abordei), estaremos a cometer erros grosseiros quer na definição do problema – nem todos os fumadores se encontram em estado de dependência da nicotina – quer na forma de actuação, uma vez que se foi entendido que a solução passa pela proibição, então o que havia a proibir seria o acto da venda de tabaco e não o respectivo consumo (é por isto que as penas normalmente aplicadas aos “vendedores” de produtos psicotrópicos, vulgo drogas, são muito mais pesadas que as aplicadas aos respectivos consumidores).

Se for entendimento do conjunto da sociedade portuguesa que o fumo é prejudicial à saúde e que o mesmo representa um assinalável aumento dos custos com a saúde pública, a par com a futura legislação antitabágica deveria ser produzida idêntica legislação antialcoólica, proibindo-se o consumo de bebidas daquele tipo em cafés e restaurantes. Não sendo este o caso, e havendo uma notória disparidade na forma como os poderes públicos encaram os dois problemas, talvez se justifique entendermos porquê! Se ambos os comportamentos (consumo excessivo de álcool e de tabaco) são lesivos para a saúde dos consumidores e para o cada vez mais magro orçamento público para a saúde, deveriam merecer actuações idênticas, a menos que outras razões existam que justifiquem a diferença.

Entre estas a primeira que me ocorre é o natural prejuízo que seria imposto ao sector vinícola nacional e ao sector da restauração e bebidas (que embora também afectado pela vertente antitabágica, sê-lo-á muito mais pela vertente antialcoólica), mas talvez a principal razão se prenda com o facto de até esta data a indústria farmacêutica não ter desenvolvido qualquer “medicamento” para reduzir a vontade de beber.

Observado nesta perspectiva (e nada parece indicar que seja menos válida que qualquer das outras que por aí circulam) o problema da luta antitabágica resume-se a um claro aproveitamento pela indústria farmacêutica e como até esta data nunca consegui encontrar alguém que me explique de forma clara e sustentável as razões pelas quais deva abdicar das poucas gramas mensais de tabaco que queimo num dos meus cachimbos, afirmo, por mais politicamente incorrecta que esta minha posição possa ser, com a lei que se aproxima ou qualquer outra que venha a ser inventada, o meu direito à diferença e ao prazer de continuar a fumar!

terça-feira, 30 de maio de 2006

AVALIAÇÃO DE PROFESSORES? SIM, MAS...

A passada semana revelou-se fértil em notícias a propósito da educação; além da proposta do PSD para alteração do modelo de gestão escolar (comentada aqui) conheceu a apresentação de uma iniciativa governamental para a área da educação. Analisadas as propostas de forma imediatista, parece que o PS respondeu à iniciativa do PSD para “abrir” a gestão das escolas a não-docentes, com uma proposta para estender aos encarregados de educação a participação no processo de avaliação dos docentes.

Esta ideia, incluída pelo governo na proposta do novo Estatuto da Carreira Docente a discutir com os sindicatos, conheceu uma pronta resposta de repúdio por parte das estruturas representativas dos professores. Mesmo não se conhecendo na íntegra a forma como o governo pretende aplicar esta iniciativa, não me parece difícil concluir que em última instância o resultado será a degradação da imagem dos encarregados de educação e uma potencial fragilização dos esforços que as suas estruturas representativas vêm fazendo para fortalecer a sua posição no sistema de gestão das escolas. Quem, de bom senso, terá alguma dúvida dos efeitos “perversos” que resultariam da aplicação prática de uma tal ideia?

Como muito a propósito perguntava Eduardo Prado Coelho na edição de 29 de Maio do PUBLICO «…mas os pais avaliam o quê? Se os professores são bonitos ou feios? Se as professoras usam ou não as saias curtas? Se vão à escola regularmente?»

Fazendo todo o sentido que os professores sejam avaliados, na componente didáctica e pedagógica da sua actividade (por forma a que apenas exerçam essa actividade os profissionais dignos de tal designação), esta deverá ser assegurada por profissionais do mesmo ramo a quem sejam reconhecidas capacidades técnicas, pedagógicas e assertivas adequadas para a função. A proposta, nos termos anunciados, parece-me profundamente desadequado que para aquela avaliação sejam adicionados contributos dos encarregados de educação, tanto mais que os pais poderão manifestar a sua opinião caso exista uma verdadeira autonomia de gestão no processo de contratação de docentes.

A minha experiência enquanto membro de Associações de Pais diz-me que uma proposta desta natureza terá como efeito seguro uma degradação das condições de ensino e aprendizagem na generalidade das escolas, uma vez que os professores tenderão a reduzir ainda mais os seus já mínimos critérios de exigência por forma a obviarem “opiniões” menos abonatórias da generalidade dos encarregados de educação para quem, como se sabe, a preocupação única é o aproveitamento escolar no final do ano lectivo.

Contrariamente às estruturas representativas dos professores, que desperdiçaram uma excelente oportunidade para vir a público defender a qualificação dos respectivos membros, assumiram de pronto uma atitude profundamente corporativa; já a CONFAP (entidade que congrega grande número das associações de pais) revelou-se mais prudente; contrariamente ao que escreveram hoje jornalistas do PUBLICO e do JORNAL DE NOTÍCIAS que referem a congratulação daquele organismo, a minha interpretação de uma nota de imprensa publicada na página da CONFAP é a de que esta pugna pela defesa da ampliação da participação dos pais no processo de gestão das escolas. É óbvio que também se fizeram ouvir vozes defendendo a crescente habilitação dos encarregados de educação para participarem num processo daquela natureza, que julgo reflectirem mais opiniões pessoais e circunstanciais do que opiniões resultantes de um processo adequado de discussão do problema.

Não devendo estar, como já o afirmei, em causa a indispensabilidade de um processo de avaliação que possibilite uma selecção qualitativa dos melhores professores – acto absolutamente indispensável se quisermos vir a dispor de um sistema de ensino capaz de difundir competências e cultura nas próximas gerações – parece-me intempestivo transformá-lo numa espécie de “caça às bruxas” medieval. O que será de todo em todo em todo indispensável é agir no sentido de introduzir novos conceitos (e mentalidades) no processo de gestão das escolas, começando por garantir o empenho das estruturas representativas dos professores na formação de novas mentalidades no seu interior, que possibilitem uma progressiva aceitação dos encarregados de educação (e das suas estruturas representativas) enquanto parceiros efectivos no processo de gestão escolar, contrariando a actual situação em que estes são normalmente encarados como mais um empecilho.

Declarações ontem proferidas pela ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e hoje referidas em notícias do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e do JORNAL DE NOTÍCIAS, apontando situações concretas de má gestão e endossando a responsabilidade do insucesso escolar para os professores, apenas irá contribuir para exacerbar o clima de confronto para o qual estruturas como a FENPROF já manifestaram a respectiva disponibilidade.

Porém, nem tudo o que a ministra terá dito deve ser entendido como panfletário. Algumas das suas observações são pertinentes e entendíveis num sentido mais amplo do insucesso escolar. Veja-se a este propósito o interessante trabalho publicado na edição de domingo do JORNAL DE NOTÍCIAS, a propósito de um trabalho da autoria do sociólogo Ivo Domingues, segundo o qual mais de 70% dos alunos universitários recorrem ao “copianço” nos exames. Esta prática foi iniciada pelos jovens nos níveis de ensino anteriores e poderá resultar de factores como o peso excessivo que o nosso ensino atribui à memorização em detrimento da compreensão (e aqui sim, é determinante o papel desempenhado pelos professores) e da extensão dos programas (problema que deverá ser abordado entre professores e ministério da educação).

Mas, como estou em crer que o verdadeiro objectivo da proposta do novo ECD não é a inclusão dos encarregados de educação enquanto agentes avaliadores dos professores, esta questão será antes um mero artifício para vir a obter dos sindicatos cedências noutras matérias. Se entre estas se contar o aprofundamento do modelo de gestão escolar, com maior participação dos encarregados de educação, das autarquias e das comunidades locais, e uma tentativa séria para melhorar o funcionamento das escolas e uma efectiva melhoria nos níveis de aquisição de competências e aprendizagem, poderemos estar em vias de dar passos significativos para o futuro dos nossos filhos e, por via deles, deste país.

Para alcançar esta meta nem sequer me parece necessário introduzir grandes alterações nos modelos em vigor, bastando apenas que o Ministério da Educação, os sindicatos, os professores e as associações de pais se revelem empenhados em transformar o actual modelo de escola, de ensino e de participação. Sim, porque até esta data o interesse da grande generalidade dos encarregados de educação no processo de aprendizagem dos seus educandos tem sido diminuto, pouco construtivo e raramente produtivo. Nesta área da vida nacional, como em todas as outras, tem sido a fraca participação dos encarregados de educação a principal responsável pelo estado a que chegou o ensino no nosso país. Enquanto continuarmos confortavelmente instalados frente aos televisores em vez de participarmos na discussão dos problemas dos nossos filhos (e do nosso país), estaremos a permitir com o nosso laxismo actuações como as daqueles que nos últimos trinta anos conduziram o ensino em Portugal ao estado em que este se encontra.

De nada servirão algumas boas ideias e outras poucas boas intenções; apenas a mobilização dos interessados (principalmente dos pais e dos alunos) determinará a forma como se desenvolverão o ensino e a formação nos próximos anos.

domingo, 28 de maio de 2006

O QUE SE PASSA REALMENTE EM TIMOR-LESTE?

Mesmo após o desembarque das primeiras tropas australianas em Timor-Leste a situação continua confusa, para mim.

Após o pedido de auxílio internacional emitido pelas autoridades timorenses, ao qual responderam a Austrália, a Malásia, a Nova Zelândia e Portugal, a que se seguiu o rápido envio das primeiras tropas australianas e as primeiras declarações do primeiro-ministro australiano, John Howard, referindo a existência de um problema de governação naquele território, parece-me cada vez mais importante entender o que se está realmente a passar naquele país.

Os primeiros incidentes graves terão começado em Fevereiro, com uma greve de militares reivindicando melhores salários e melhores condições de trabalho. Acalmada esta crise o governo, liderado por Mari Alkatiri, dispensou em Março quase 50% dos efectivos militares, tendo os primeiros motins, atribuídos aos militares dispensados, rebentado em Abril, após a celebração de um congresso da Fretilim (partido do governo) que muitos acusam ter sido manipulado por Mari Alkatiri. A intensificação destes motins determinou a decisão do pedido de ajuda internacional.

Neste capítulo importa realçar dois aspectos – a rápida resposta favorável de países como a Austrália e o número de tropas a deslocar para Timor. Dentro de dias aquele país terá maior número de soldados deslocados em Timor que no Iraque (1.800 contra 1.300), facto que revelará a importância atribuída à sua pacificação.

As posições dos responsáveis timorenses pouco ajudam para clarificar a situação; evidente parece o distanciamento entre o presidente Xanana Gusmão e o primeiro-ministro Mari Alkatiri, com este a afirmar a unidade do governo enquanto se vão ouvindo declarações pouco concordantes do seu ministro dos negócios estrangeiros, Ramos Horta.

Há evidência parecem estar em jogo diversos interesses, havendo mesmo quem se interrogue sobre a relativa passividade da estrutura local da Igreja Católica e quem associe isso ao facto do primeiro-ministro ser um muçulmano laico.

Que a intervenção australiana revela evidentes sinais de “elevado” interesse, que o seu primeiro-ministro não revelou qualquer hesitação na nomeação de responsáveis pela situação e que começam a chegar relatos de populares que acusam as tropas australianas de nada fazer para proteger as populações (ver notícia de hoje no PUBLICO), são factos inegáveis. Quando no próprio dia das declarações de John Howard o ministro dos negócios estrangeiros português, Freitas do Amaral, se apressou a classificá-las de ingerência nos assuntos internos de um país soberano, não posso deixar de questionar o que poderá estar por detrás de tudo isto.

Será que o problema de Timor-Leste é apenas fruto de rivalidades internas, agravadas pelas fracas condições de uma economia muito débil, pela existência de um elevado número de cidadãos que pouco mais aprendeu a fazer que usar armas para resolver diferendos e pela dependência de mecanismos de ajuda internacional que, normalmente, pouco mais fazem que consumir parte significativa dessa mesma ajuda? Ou será que o que tem feito mover toda esta agitação é o interesse económico da Austrália pelo controle das águas territoriais timorenses, como se sabe abundantes em petróleo?

A resposta não tardará a surgir. Mas as últimas reacções não prometem nada de muito bom para as tropas portuguesas a deslocar para aquele país, nem um futuro muito tranquilo para os timorenses.

sexta-feira, 26 de maio de 2006

COMO VAMOS DE CORRUPÇÃO?

Foi publicado na passada quarta-feira um relatório sobre o combate ao crime económico em Portugal. Este, trabalho da autoria de um grupo de peritos do Conselho Europeu, procura analisar a forma como os estados-membros da União Europeia abordam questões como a corrupção e o crime económico.

As conclusões daquele trabalho, das quais destaco:
  • a falta de meios materiais, financeiros e humanos;
  • a ausência de qualquer condenação há mais de vinte anos;

só poderão espantar dois tipos de pessoas:

  • as que nunca ouviram falar em corrupção em Portugal, nem noutra coisa qualquer;
  • as que “vivem” nos meandros da própria corrupção.

Aliás, para os mais distraídos, o relatório inclui um conjunto de recomendações que revela bem o “pântano” em que mergulhou o nosso país. Como é possível entender que não existam regras precisas quanto à transferência de pessoal entre o sector público e o privado, nem quanto ao exercício de actividades paralelas pelos funcionários públicos e ainda menos no que respeita aos mecanismos de recrutamento e admissão na função pública?

Onde se viu que o Estado não disponha de mecanismos de protecção a quem denuncie situações de corrupção, permitindo assim que aqueles venham a sofrer retaliações?

Como se não bastasse a vergonha a que diariamente assistimos quando se fala de matérias judiciais – demoras inexplicáveis nos julgamento dos processos, informação veiculada sobre processos em julgamento, facilidade com que figuras de relevo se eximem ao sistema judicial – temos agora a confirmação da degradação em que se encontram os padrões nacionais de ética e de moral, não propalada por anónimos cidadãos (apesar de tudo ainda vamos existindo alguns que persistem na denúncia das situações amorais e na exigência de novos padrões éticos) mas relatada por especialistas europeus.

Para quem ainda possa ter dúvidas é certo que o equilíbrio financeiro do Estado e a resolução do deficit público são questões importantes, que o crescimento da economia portuguesa é indispensável para se poder equacionar novas políticas de redistribuição da riqueza, que a melhoria da economia nacional deverá passar pela melhoria dos níveis de educação e formação dos trabalhadores, mas também é igualmente verdade que tudo isto só fará sentido e se poderá converter na organização de uma sociedade mais justa quando erradicarmos todos os que sobrevivem à custa de práticas ilegais, mesmo das que aparentem ser pouco lesivas.

Mesmo que a sociedade portuguesa não atravesse uma fase tão degradante como a italiana, nada indicia que esteja para breve uma qualquer operação “mãos limpas”; pelo contrário, aquilo a que continuamos a assistir é a um diário desfile de personalidades das mais variadas áreas que, impunemente, continuam a exibir com soberba e arrogância a sua capacidade para manipular a seu belo prazer este país e as suas gentes.

Sendo louvável que o Presidente da República, Cavaco Silva, se sinta “desconfortado” com as situações de pobreza e exclusão social que grassam por este país, sempre gostava de saber se se sentirá “confortado” com o estado de corrupção e nepotismo em que vivemos?

quarta-feira, 24 de maio de 2006

SOBRE A GESTÃO DAS ESCOLAS

Conforme anunciado pelo Presidente do PSD, Marques Mendes, no discurso de encerramento do último congresso daquele partido, no passado dia 21 de Maio, foi ontem apresentada aos órgãos de informação uma proposta de projecto de lei para o ensino básico e secundário a submeter à Assembleia da República.

Além dos inevitáveis considerandos sobre a forma como tem funcionado o sistema de ensino em Portugal, esquecendo que a maior parte do tempo foram responsáveis daquele partido a tutelar a respectiva pasta ministerial, propõe-se agora o PSD introduzir profundas alterações no modelo de gestão e autonomia das escolas de todos os graus de ensino. Em linhas gerais, a proposta do PSD pretende liberalizar a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar pelos jovens, assim como o respectivo modelo de gestão que poderá, ou não, ser conduzido por uma personalidade exterior à escola.

Embora nada disto constitua verdadeira novidade, como muito bem recorda o DIÁRIO DE NOTÍCIAS num artigo que dedica ao assunto, pois já no tempo do ministro David Justino o governo de Durão de Barroso avançara com uma proposta idêntica, vejamos quais os possíveis efeitos práticos desta proposta.

A hipotética escolha de estabelecimento de ensino pelos encarregados de educação dos jovens apenas deverá produzir efeitos significativos nos centros urbanos de maiores dimensões, onde a oferta escolar não se limite a um único estabelecimento e onde exista uma rede de transportes que assegure cabalmente as necessidades de deslocação dos jovens; mesmo admitindo que seja crescente o número de cidades do país onde existe mais que uma escola a leccionar o mesmo grau de ensino, o que na realidade estará subjacente a uma proposta desta natureza é a possibilidade de numa segunda fase o Estado passar a subsidiar o ensino privado através de transferências para as famílias e quiçá numa fase posterior propor a privatização do parque escolar nacional.

Quanto à proposta de alteração do modelo de gestão escolar que permitiria encarregar da respectiva gestão uma personalidade exterior à escola, logo se fizeram ouvir as vozes contestárias das federações (educação e professores) e muito em especial no que respeita à possibilidade dessa escolha ser efectuada por uma maioria de não-docentes.

Para quem dedique, ou tenha dedicado, algum do seu tempo a acompanhar o percurso escolar do(s) seu(s) educando(s), integrando activamente as respectivas associações de pais, sabe que estas propostas enfermam por excesso de optimismo e/ou maquiavelismo. Optimismo quando parece admitir que existem profundas diferenças em métodos de gestão e ensino entre escolas e que os professores e as respectivas estruturas representativas aceitarão de bom grado abdicar dos privilégios (redução de horário de docência, privilégios na escolha dos horários, etc.) associados ao exercício da gestão escolar; maquiavelismo quando, em nome da livre escolha prepara cuidadosamente o terreno para a privatização de mais uma função fundamental do Estado – a educação e a formação dos seus cidadãos.

Curiosamente as duas medidas podem até revelar-se contraditórias, quando propõe mecanismos para dotar as escolas públicas de melhores equipas de gestão e simultaneamente cria mecanismos para desviar os alunos para outras escolas públicas ou privadas.

Não se creia com isto que a proposta do PSD não contenha virtualidades, nomeadamente a que cria a possibilidade das escolas virem a ser geridas por personalidades que não integrem o respectivo quadro docente.

Apesar de também aqui se notar o desconhecimento da forma prática como funciona o actual modelo de gestão escolar, quando se propõe que a escolha daquela personalidade seja efectuada pela assembleia de escola. O já referido artigo do DIÁRIO DE NOTÍCIAS diz especificamente que «O que o PSD quer é que o director passe a ser alvo de um processo de recrutamento, a cargo da assembleia de escola, que deverá ser constituída, na sua maioria, por elementos exteriores - desde pais a outras individualidades locais». Para que possa ser viável é indispensável que:

  1. a composição daquele órgão de gestão, como os restantes, deixe de apresentar uma maioria de docentes na sua composição;
  2. as autarquias assumam de forma clara e empenhada a sua participação na comunidade educativa local;
  3. os encarregados de educação adquiram uma representatividade condigna à sua posição de representantes dos interesses dos alunos;
  4. o tecido empresarial local entenda os benefícios que pode colher de uma melhor educação/formação dos seus futuros trabalhadores e que actue investindo (não só em termos financeiros mas também em disponibilidade) em conformidade com as potenciais vantagens;
  5. a representação naquele órgão seja estendida ao movimento associativo local, em particular às associações de caracter cultural;
  6. em caso algum a gestão administrativa possa colidir com a pedagógica.

Tanto quanto julgo saber, uma vez que não conheço em pormenor o texto da proposta de projecto de lei do PSD, estas condições encontram-se muito longe das perspectivas e pensamento dos redactores do projecto.

Mas, para além destas limitações existem ainda outras, que só quem nunca integrou um órgão de gestão escolar (assembleia de escola ou conselho pedagógico) é que pode ignorar, das quais destaco a necessidade de alteração a legislação complementar, como seja a legislação de trabalho, que possibilite efectivas condições para que os trabalhadores encarregados de educação possam comparecer às reuniões daqueles órgãos nas datas e horários para que são convocados. Nesta matéria não basta criar um diploma que preveja a participação dos encarregados de educação nos órgãos de gestão escolar, quando estes funcionam em horários laborais e aqueles não dispõem de qualquer cobertura legal que permita a sua comparência.

O actual estado de alheamento e desinteresse dos encarregados de educação pela vida escolar dos seus educandos não é apenas fruto de factores como os baixos níveis de escolaridade daqueles, nem uma cultura de generalizada apatia que a sociedade portuguesa vem revelando; outras justificações devem ser adiantadas como sejam:

  1. a crescente pressão a que os encarregados de educação são sujeitos nos seus locais de trabalho;
  2. o sentimento de impotência para fazerem valer as suas opiniões, resultante da posição de gritante minoria nos órgãos onde se fazem representar;
  3. a ausência de cobertura legal para as actividades de exercício obrigatório durante os seus horários de trabalho.

Poderá ser politicamente muito correcto apresentar propostas de legislação contemplando grandes ideais de liberalismo e de protecção à iniciativa privada, mas em termos práticos, na área da educação (como em muitas outras da vida das populações) o fundamental deveria ser garantir-se a existência de efectivas condições para a participação dos encarregados de educação, a existência de redes escolares eficazes, que sirvam as populações em proximidade e proporcionem, àqueles que dentro de uns anos estarão a debater-se com estes mesmos problemas, melhores competências para potenciarem a sua participação na definição dos futuros modelos que continuem a criar cada vez melhores e mais activas gerações de cidadãos.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

SERÁ APENAS UMA QUESTÃO DE BOTIJAS?

Chamou-me a atenção uma notícia hoje inserta no JORNAL DE NOTÍCIAS, segundo a qual estarão a ser anualmente comercializadas no nosso país sete mil toneladas de gás engarrafado proveniente da vizinha Espanha.

Este negócio terá particular incidência nas zonas fronteiriças e a ANAREC - Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis – mostra-se particularmente preocupada com a situação e pretende exigir acção do governo de José Sócrates para pôr cobro a esta situação. Segundo aquele organismo o gás proveniente de Espanha «...é mais pobre, tem uma mistura de propano menos rica...» e «...não cumpre algumas regras de segurança (gola de protecção da válvula) impostas pela lei portuguesa» motivos a que acrescenta o risco de falência de 500 famílias da zona fronteiriça do norte de Portugal, dependentes da venda de gás que correm o risco de falir e de serem lançadas para o desemprego.

A verdadeira preocupação da ANAREC é que os seus membros, revendedores nacionais dos três operadores autorizados (GALP, REPSOL e BP), estarão a comercializar menos 540 mil botijas, num valor da ordem dos nove milhões de euros e para estimular o interesse dos poderes públicos sempre vai lembrando que o erário público estará a ser lesado em mais de 2 milhões de euros de fuga ao IVA e ao ISP.

Aquilo com que a ANAREC (nem o governo português) não se preocupa é em explicar como é que o diferencial de preço de um bem de primeira necessidade entre Portugal e Espanha atinge um valor da ordem dos 40% (este diferencial é confirmado pelas declarações do presidente da ANAREC para acusar o negócio de “dumping”).

Será que o enriquecimento da mistura e a gola de protecção da válvula justificam o diferencial de 40%?
Será que os senhores da ANAREC não procederiam melhor em questionar a APETRO - Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, sobre as origens deste diferencial de preço? Ou preferem ignorar as leis do mercado de livre concorrência (a que aludem vagamente quando acusam os espanhóis de “dumping”) para garantirem a manutenção dos seus lucros à custa do bolso dos consumidores?

Não será tudo isto matéria suficiente para a intervenção da Autoridade da Concorrência?

domingo, 21 de maio de 2006

75º ANIVERSÁRIO DA BANDA MARCIAL DE ALMEIRIM

Completam-se hoje mesmo os 75 anos de existência e actividade da mais antiga associação cultural do concelho de Almeirim e uma das poucas que se dedica exclusivamente à prática de actividades daquela natureza.

Como quase todas as associações nacionais, ao longo da sua vida tem alternado períodos de maior actividade com outros de menor relevo, muito em função dos elementos que a foram compondo e das condições económicas e sociais da região. Para a história ficarão algumas iniciativas que viram a luz do dia no seu seio; caso do Orfeão de Almeirim que na década de 1980 deu os seus primeiros passos como Grupo Coral e se viria a autonomizar em 1993 e mais recentemente do Grupo de Teatro Narizes Perfeitos, que iniciou a sua actividade em 2003.

Não fora esta actividade teatral e a Banda Marcial de Almeirim estaria reduzida apenas à área musical, a qual desenvolve em duas vertentes distintas: a Filarmónica, que persiste em manter viva uma intervenção regular quer no concelho quer fora dele, e a Escola de Música que continua a constituir o único meio de ensino musical disponibilizado gratuitamente à população.

Nos primeiros anos deste século a Banda Marcial de Almeirim dispôs ainda de outra estrutura - uma Orquestra Juvenil - que reflectindo a pujança que então vivia a sua Escola de Música constituiu um importante patamar de formação dos músicos mais jovens da Filarmónica e chegou a apresentar alguns concertos de nível muito aceitável, mas que actualmente se encontra desactivada.

Mas o que agora importa não é escalpelizar as razões que terão conduzido a situações como esta; o importante é que a Banda Marcial de Almeirim há três quartos de século que vem contribuindo para a formação de sucessivas gerações de jovens, mantendo vivo neles e na população em geral o gosto pela música.

Aos seus fundadores (Manuel Ferreira Raposo; Alfredo Oliveira Soares; Fernando Manuel Andrade e Manuel Ferreira), a todos os Músicos, Actores e Directores que ao longo dos anos contribuíram e contribuem com a sua dedicação e o seu esforço para o funcionamento e crescimento da colectividade parece-me justificar-se uma manifestação de gratidão dos almeirinenses, a qual poderá assumir a mais singela das formas – a sua presença no Concerto que a Banda Marcial de Almeirim vai apresentar hoje, pelas 17h30 no Cine Teatro de Almeirim.

Lá nos encontraremos todos para a merecida celebração de uma associação cultural, que numa época em que o efémero impera, tem sabido ultrapassar muitas dificuldades para manter a sua actividade.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS

No próximo Sábado (20 de Maio) pelas 21H30, estará no palco do Cine-Teatro de Almeirim o Grupo de Teatro “O BANDO” com o seu espectáculo “GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS”.
Esta companhia de teatro independente, que conta já trinta anos de actividade ininterrupta, procura com este trabalho fabricar uma realidade cénica mais acutilante que a realidade de todos os dias, e ao exercitar o virtuosismo dos actores na vida em palco, procura estimular a capacidade lúdica dos outros actores no palco da vida.

Este espectáculo, dramatizado e encenado por João Brites a partir do romance homónimo de João de Melo (galardoado com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores em 1988), mostra que também o teatro permite avançar e recuar no tempo a nosso belo prazer. Não é só o cinema que nos permite viajar no espaço sem sair do mesmo lugar, ser simultaneamente um e um outro; ora ter a voz de uma criança e logo a seguir a voz de um velho decrépito, porque, também no teatro, se pode contar, comentar e dialogar vivendo a acção em tempo real.

Sobre a obra que adaptou diz João de Brites:

«João de Melo faz-nos conhecer países que existem por baixo dos mapas, lá onde se confundem passado e presente. A multiplicidade das vozes engendradas pelo autor ecoam no nosso imaginário como se fossem dirigidas por um maestro de palavras e de silêncios suspensos num tempo parado. “O silêncio incomparável do silêncio. A mágoa. O deserto do mar com água e o deserto da água sem mar” contextualizam-se num cenário onde se digladiam as paixões de um casal desavindo. Um casal que representa a saga do ser humano obstinadamente em busca de uma felicidade que se redimensiona à escala do Mundo de hoje. Se na vida conseguíssemos parar o tempo, podíamos distanciar-nos das coisas, relativizar as lágrimas e os risos de uma vida ridiculamente tão curta

Sobre a obra adaptada, disse o seu autor João de Melo:

«Há como que uma estranheza alegre e positiva: as vozes, os rostos, os movimentos ocupam o espaço em branco e o silêncio da escrita; os nomes passam da pura e duvidosa invenção de quem os escreveu à ocupação e à identidade de um mundo imitado que se torna real; tudo aqui é teatro porque a única verdadeira realidade de que falamos nos livros começa e acaba nessa «poética da imitação» que toca os passos e os horizontes da vida.

Gente Feliz com Lágrimas, enquanto romance, pressupõe da parte de quem o adapta um cuidado duplo: construir um texto autónomo e “representável”; e manter a inteireza e a essência da obra original. É esse o primeiro mérito do trabalho de João Brites

Texto: João de Melo
Encenação e Dramaturgia: João Brites
Interpretação: Nelson Monforte e Sara de Castro

A NÃO PERDER!

quarta-feira, 17 de maio de 2006

O PODER DE UMA CARTA

No início deste mês foi tema de quase todos os órgãos de comunicação a notícia de uma missiva do presidente iraniano – Mahmud Ahmadinejad – ao presidente norte-americano – George W. Bush. Mais relevante que o respectivo conteúdo, que viria a ser conhecido uns dias mais tarde, foi a resposta americana, ou melhor, a sua ausência.

Independentemente de quem julgue o texto enviado por Ahmadinejad um completo chorrilho de disparates, o que fica (e ficará para a história) é a atitude de silêncio absolutamente inexplicável da administração americana, tanto mais que (fazendo fé nas traduções em inglês e francês que li) existem pontos dignos de crítica e contestação.

Num estilo floreado (muito característico dos povos orientais) e teológico, Ahmadinejad vai apresentando um conjunto de razões explicativas da diminuta simpatia que muitos povos nutrem pelos americanos, centrando a sua atenção particularmente em Israel, na situação palestiniana, na injustificada invasão do Iraque e no apoio americano a Saddam Hussein no tempo da guerra com o Irão e aos movimentos autoritários que têm cerceado as liberdades na América Latina. Ahmadinejad leva ainda mais longe a sua análise, a ponto de questionar Bush sobre o inexplicado 11 de Setembro de 2001, sobre o clima de insegurança e o nível de indigência de um número crescente de cidadãos americanos, para terminar com uma exortação ao respeito pelos ensinamentos das religiões monoteístas e à abertura de diálogo entre os dois governos.
Conhecendo-se o pano de fundo das relações iraniano-americanas, suspensas desde o derrube do Xá Reza Pahlevi e a subida ao poder do ayatolah Khomeini, em 1979, e a tensão criada com a pretensão iraniana de dominar o processo de enriquecimento de urânio, é simplesmente incompreensível o silêncio americano a esta iniciativa.

Como estou convicto que tal não resulta da dificuldade em encontrar tradutor adequado, nem na inexistência de capacidades para contradizer alguns dos argumentos apresentados por um regime teocrático e autoritário, apenas posso concluir que o silêncio se deverá a uma estratégia há muito tempo concertada – a administração de George W Bush prepara-se para levar a cabo a linha de actuação que sempre norteou a sua actuação naquela região do planeta e o Irão será o próximo alvo da “guerra tecnológica” americana. Respeitando a inspiração dos sectores neo-conservadores americanos esta arrogante estratégia de silêncio contribui também para entender o aparente recuo americano na última reunião do Conselho de Segurança da ONU, donde resultou a aceitação da tese de apresentar ao Irão um nova proposta (atribuída à UE), segundo a qual esta se dispõe a partilhar tecnologia nuclear (reactor de água ligeira) com aquele país e facilitar o seu acesso à Organização Mundial do Comércio, caso este aceite suspender a produção de urânio enriquecido (limitando se a adquiri-lo à Rússia).

Contrariamente ao que possa parecer, os falcões americanos não arriscaram rigorosamente nada nesta estratégia. Dando a ilusão de aparente disponibilidade para resolver diplomaticamente a crise, ganharam algum campo de manobra junto dos seus críticos ocidentais enquanto tinham assegurada a recusa iraniana, uma vez que um governo com as características do iraniano não pode aceitar trocar ouro por doces (conforme noticiou hoje o ”Le Monde”, terá sido esta a resposta de Ahmadinejad).

Tudo isto terá tido a utilidade de revelar, se dúvidas houvessem, os objectivos dos dois governos:
  1. o iraniano que pretende dispor de condições para vir a produzir armamento nuclear;
  2. o americano que visa eliminar mais um dos «Eixos do Mal» e aproveita para “vingar” velhas afrontas (a revolução islâmica e o assalto à sua embaixada em Teerão) a pretexto de contrariar esta intenção.
Como já o referi em anteriores ocasiões, honestamente não creio que a comunidade internacional disponha de um único argumento válido para impedir o Irão de aceder ao clube nuclear, nem que o risco de um conflito nuclear no mundo aumente por esta via. Quando o Paquistão, outro país tão islâmico como Irão, a Índia (arqui-rival confessa do Paquistão), a Coreia do Norte (outro estado totalitário e militarista) e Israel já dispõem daquele tipo de armamento, porque é que o acesso do Irão a este clube fará alguma diferença? Ficará o território norte-americano mais exposto a um ataque nuclear iraniano que a um ataque russo ou brasileiro (país que também desenvolve um programa nuclear que tem conhecido “dificuldades” com os inspectores da AIEA)?

Sendo a resposta evidentemente negativa resta procurar algures a razão para todo este imbróglio. E nem sequer é preciso ir longe, a resposta está na região e na política israelita!
Quem na realidade não pode admitir um Irão nuclear é Israel, porque esta situação alterará substancialmente a sua posição de única potência nuclear na região. Não que Israel tenha necessidade de “discutir” a sua posição de potência regional, mas porque esta situação eliminaria uma das suas grandes vantagens na região (a outra é o apoio sem reservas dos EUA) e poderia mesmo condicionar a sua política expansionista e unilateralista face ao problema palestiniano e aos seus demais vizinhos árabes.

Relativamente a estes outros estados Israel tem logrado “manietá-los” paulatinamente; assim cada vez que um deles assume uma postura de maior evidência ou eventual tentativa de liderança sobre os restantes, algo os reconduz a uma posição de inferioridade. Foi isso que aconteceu com o Egipto que desde a Guerra do Yom Kippur, em 1973, abdicou de novos conflitos com Israel (opção que viria a cimentar nos Acordos de Camp David) pelo que tem vindo a beneficiar de um tratamento benigno por parte da comunidade internacional. A Síria, menos disposta a concessões, continua a ver parte do seu território (a área estratégica dos Montes Goulan) ainda hoje ocupado por Israel e sofre constantes ameaças por parte dos EUA, enquanto o Iraque viu, em 1981, o seu território bombardeado por Israel com o objectivo de destruir um reactor nuclear em construção e vê-se agora ocupado pelo exército americano e a viver uma situação muito próxima de uma guerra civil.

Até por este historial, não é de estranhar que o país que mais tem ameaçado recorrer a uma acção militar contra o Irão seja os EUA, sempre sob uma constante pressão judaica expressa em regulares declarações de dirigentes judaicos (que ameaçam que a sua aviação se encarregará disso) se os EUA não puserem cobro à “loucura” iraniana.

Opinião diversa desta expressou hoje o jornalista Vicente Jorge Silva, num artigo de opinião incluído na edição do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, no qual classifica o silêncio norte-americano como fruto do enfraquecimento da posição daquele país e da Inglaterra face à situação caótica que se vive no Iraque ocupado. Já o quotidiano pan-árabe “Al-Quds Al-Arabi”, citado pelo COURRIER INTERNATIONAL, afirma que «Teerão poderá renunciar temporariamente às suas ambições nucleares em troca do reconhecimento do seu papel predominante no Iraque. O Irão tornar-se-ia assim uma potência regional incontestável, juntando aos seus recursos petrolíferos as riquezas do subsolo iraquiano».

Seja qual for o desenvolvimento que este caso venha a registar e porque continuo convicto da plausibilidade da minha formulação, termino recomendando a leitura de outro artigo de opinião do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, assinado pelo Profº Adriano Moreira, que reflecte bem o estado a que tudo isto chegou…

domingo, 14 de maio de 2006

AS MENTIRAS DA FALÊNCIA DA SEGURANÇA SOCIAL

No final do mês passado abordei aqui a questão da insolvência do sistema de Segurança Social e as propostas que o governo de José Sócrates veio apresentar para resolver aquela situação.

Espero ter deixado claro muito do que demagogicamente tem vindo a ser dito sobre a situação e parece-me ser agora o momento de abordar de forma mais minuciosa as linhas gerais da proposta governativa.


Admitindo, como o fiz anteriormente, que os cálculos apresentados pelo governo estarão correctos e que dentro de poucos anos não haverá mais condições financeiras que sustentem o pagamento das pensões de reforma, aquilo que o nosso governo vem agora propor é o aumento do tempo de descontos por forma a garantir a tal sustentabilidade futura. Esta proposta, à qual já teci algumas críticas, resulta do simples facto de entenderem os nossos governantes que as pensões de aposentação devem ser “pagas” pelos trabalhadores no activo e as respectivas entidades patronais, ou seja, aquilo que nos é dito é que o sistema de Segurança Social nacional funciona à semelhança de qualquer outro sistema de financiamento correntemente denominado como “pirâmide”, onde os rendimentos dos participantes são garantidos pelo número de novos participantes.

Para quem queira um mínimo de trabalho a consultar algumas obras sobre o assunto constatará que qualquer sistema que pressuponha a realização de pagamentos periódicos para originar um rendimento futuro (seja ele pago de forma faseada ou numa única prestação) deve ser sustentado por um processo de capitalização dos fundos recolhidos e não por um sistema do tipo “pirâmide”.

Como se não bastasse este processo aberrante de concepção do financiamento da Segurança Social, lembro que ao longo das últimas décadas esta questão sempre tem sido encarada de forma enviesada (e remetendo para um futuro ignoto a sua milagrosa resolução); é que já nos anos de 1980 um governo da época, chefiado por Mário Soares, introduziu uma subtil alteração legislativa que, em termos práticos, colocou os aposentados a descontar para a sua própria aposentação quando limitou as pensões dos trabalhadores reformados ao salário líquido de um trabalhador no activo com a mesma categoria e o mesmo tempo de serviço (mesmo parecendo de elementar justiça o que já então se estava a assegurar não era o aumento das receitas capitalizáveis mas sim a redução da despesa mensal com as pensões) e isto porque pouco tempo antes fora já introduzida uma outra fortíssima perturbação no sistema, quando uns milhares de ex-funcionários públicos das ex-colónias (na época integrados num designado Quadro Geral de Adidos) passaram a auferir uma pensão de aposentação independentemente da sua idade, quando os congéneres originários do continente se viam obrigados a aguardar pelo limite de idade (salvo erro 65 anos) para se candidatarem a igual regalia.

Pelo que anteriormente ficou dito é imperioso extrair as seguintes conclusões:
  1. nas últimas duas ou três décadas o sistema de Segurança Social conheceu importantes alterações (das quais a principal foi o aumento desproporcionado de novos pensionistas) que subverteram totalmente a sua forma natural de funcionamento;
  2. o sistema nacional de Segurança Social não perdeu sustentabilidade pelo aumento da esperança média de vida nem pela inevitável inversão registada na pirâmide etária;
  3. que a situação de pré-falência financeira do sistema resulta da irresponsabiliddae de quem assumiu aquelas alterações sem o correspondente reforço da componente financeira.

Como se não bastasse este acumular de erros, o habitual facilitismo e desresponsabilização que grassam nas estruturas político-partidárias que têm governado este país e na própria estrutura directiva do aparelho de estado (minada por nomeações partidárias), conduziu a que num afã para “tapar o Sol com uma peneira” se tenha convertido o sistema de Segurança Social de um modelo baseado na capitalização das receitas por forma a assegurar os reembolsos futuros, num outro onde as responsabilidades actuais são asseguradas pelos pagamentos actuais. Desta forma não é preciso ser um especialista em estatística ou calculo actuarial para prever uma rápida falência para este modelo, em resultado da redução do número de trabalhadores activos (seja pela regressão que vem registando o crescimento da população, seja pelo aumento do desemprego).

Assim, não resta outra conclusão sobre o que governo, associações patronais, sindicatos e outros especialistas vêem dizendo que classificá-la de clamorosa MENTIRA, bem como recusar a aplicação das medidas propostas – aumento do período de vida útil de trabalho ou aumento das comparticipações a descontar para a Segurança Social – na medida em que o desequilíbrio não se resolverá enquanto não se substituir o sistema de assegurar os pagamentos actuais com os descontos actuais pelo sistema de capitalização destes descontos para pagamento das pensões futuras.

Em resumo, apenas deverão ser ponderados eventuais sacrifícios (aumento da idade da reforma ou agravamento dos descontos para esse efeito) quando, e só quando, o governo assegurar a correcção da situação mediante a injecção dos capitais indispensáveis à viabilidade dos encargos que governos anteriores assumiram.

sexta-feira, 12 de maio de 2006

POLÉMICAS NA SAÚDE

Há algumas semanas que o tema quase diário nos meios de comunicação nacional tem sido a intenção do governo de José Sócrates proceder ao encerramento dos blocos de partos de algumas maternidades em funcionamento por esse país, por alegada falta de condições de segurança.

Tanto quanto tenho acompanhado as notícias, neste grupo encontram-se as maternidades em funcionamento nos hospitais de Barcelos, Elvas, Lamego, Oliveira de Azeméis, e Santo Tirso, devendo as futuras parturientes ser “canalizadas” para os hospitais alternativos mais próximos. Alega o ministro da saúde - Correia de Campos - que os blocos de obstetrícia daqueles hospitais não reúnem condições para assegurar o respectivo trabalho (argumento que obviamente toca profundamente qualquer cidadão minimamente consciente), mas que tem vindo a ser rebatido pelas populações directamente interessadas, autarcas e profissionais de saúde.

Para cúmulo o DIÁRIO DE NOTÍCIAS publicou hoje um relatório de avaliação de 50 hospitais com blocos de parto, elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública, que em certa medida não confirma a tese defendida pelo governo nem as escolhas dos blocos a encerrar. As conclusões deste trabalho foram de pronto contestadas pela Comissão Nacional de Saúde Materna e Neo-natal, que produziu o relatório em que o governo se baseou para avançar com o encerramento dos blocos de partos em causa, que reafirma a validade técnico-científica das suas propostas.

Como hoje refere com muita oportunidade José António Teixeira - Director do DN – no seu editorial: «Sabemos que o País não tem meios técnicos e humanos suficientes para manter uma rede concelhia de blocos de partos e que a concentração de alguns serviços pode assegurar maior segurança e eficácia no atendimento sanitário.«…» Tudo isto parece ser verdade. O encerramento de algumas maternidades será vantajoso para a saúde portuguesa. Admitamos que há racionalidade nesta opção e que ela não decorre apenas de um cálculo economicista, ainda que legítimo tendo em conta a debilidade dos nossos recursos» mas ficam-nos algumas questões por esclarecer:
  1. porque é que nunca foram apresentados de forma clara e precisa os critérios que determinaram a escolha dos blocos de partos a encerrar?
  2. porque é que às populações mais directamente afectadas pela medida continua a ser escamoteada a mais elementar das informações?

A estas dúvidas, que há alguns dias venho colocando a mim próprio, junto agora, depois de conhecidas as declarações do presidente do colégio de ginecologia-obstetrícia da Ordem dos Médicos, que ontem veio afirmar que existem quase duas dúzias de maternidades com sérias deficiências (reduzida dimensão e actividade) e que os obstetras deste país são insuficientes, estão envelhecidos e não se vislumbra a possibilidade da sua próxima substituição, mais outra:

para quando se prevê o encerramento do último dos blocos de parto deste país?

Embora colocada de forma humorística esta questão é tanto mais pertinente quanto outras estratégias se perfilam no horizonte no momento em que já se começa a falar no interesse dos hospitais privados em assegurar mais essa valência mediante prévio acordo com o Estado. O interesse dos grupos privados que actuam no sector da saúde vem, pelo menos aparentemente, refutar a tese da falta de obstetras, apenas faltando que venham a assegurar esse serviço nas mesmas instalações que o governo (a conselho da tal comissão) agora considera “perigosas”.

É por estas questões e pelo exemplo de outras ocorrências noutros sectores nacionais que as dúvidas que me assolam justificam respostas, as quais temos pleno direito de exigir àqueles a quem foi entregue a gestão da “coisa pública” nacional.

terça-feira, 9 de maio de 2006

A PROPÓSITO DE UM IDEAL

No dia em que na Europa se assinala o lançamento do ideal da integração europeia, deparei-me com uma notícia divulgada pela Associated Press segundo a qual um conjunto de médicos nigerianos acusa o laboratório farmacêutico americano (PFIZER) de ter utilizado crianças daquele país africano para a realização de testes a um novo medicamento. Aproveitando um surto de meningite que ocorreu naquele país em 1996, a empresa farmacêutica procedeu a ensaios de um medicamento – Trovan – do qual resultou a morte de cinco crianças e o desenvolvimento de sinais de artrite em muitos outros.

O próprio laboratório confirma a experimentação do medicamento, mas assegura que o governo nigeriano tinha conhecimento da situação e que o ensaio respeitou as normas em vigor naquele país.

Independentemente de uma potencial polémica em torno da forma como o governo nigeriano terá autorizado os testes, fica por esclarecer uma questão não menos importante: até onde podem as populações confiar na integridade e honorabilidade dos seus governos em matérias tão polémicas como esta?

O laboratório, que garante ter respeitado as normas nigerianas em vigor, omite deliberadamente a acusação de violação das normas internacionais, facto que justifica uma outra questão: até que ponto as normas nacionais (nesta e noutras matérias) são (intencionalmente ou não) mais permissivas que as internacionais?

Será que na União Europeia nunca veremos relatados casos idênticos e será esta capaz de impor regras apertadas à actuação de entidades como a PFIZER, dentro e fora dos seus limites territoriais? Quando tal se verificar teremos efectivamente criado uma união digna desse nome e com efectiva capacidade para influenciar positivamente os estados que a rodeiam.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

9 DE MAIO UM DIA DA EUROPA DIFERENTE

No próximo dia 9 comemora-se mais um Dia da Europa, desta vez associando uma iniciativa não apenas nova mas potenciadora de uma certa ideia de comunidade; naquela data em 27 cafés dos países comunitários e dos candidatos Bulgária e Roménia decorrerá a iniciativa “Café da Europa”, na qual se pretende dar a conhecer informação sobre a UE e simultaneamente o que de doce se cozinha em cada país.

Actualmente sob a direcção austríaca, não será de estranhar que a presidência da UE tenha lançado este tipo de iniciativa que conjuga a divulgação do ideal europeu com o conceito do local de convívio e tertúlia por excelência que é o “café”.

Mais importante que a ideia de escolher um café em cada uma das 27 capitais – em Lisboa o escolhido foi o Martinho da Arcádia – e de divulgar um doce local – em Lisboa vai ser o “pastel de nata” – fica a iniciativa de associar ao conceito comunitário um local de convívio e a apresentação de uma peça literária, subordinada ao tema “Seduzido pela Europa”, de cujo conjunto resultará a primeira obra pan-europeia e que servirá de suporte para um debate sobre a União Europeia.

A presidência austríaca revelou sensibilidade ao promover uma iniciativa contribui de forma muito objectiva para o despertar da importância e necessidade da reanimação de locais de fruição, convívio e debate (de ideias e problemas) tão importantes como o são os cafés; não aqueles espaços assépticos de balcão corrido e “manjedouras”, como há uns anos começou a ser “moda”, mas cafés com mesas e cadeiras confortáveis onde se cruzem todo o tipo de clientes, tornando praticável a “instalação” de tertúlias onde entre uma bebida ou outra se comentem livros, cinema, teatro, música ou até flua o debate dos problemas locais, nacionais ou internacionais.

Esta excelente iniciativa (que apenas vem reforçar a ideia que muita gente vem lembrando em torno da importância destes locais de socialização) poderá pecar por tardia entre nós, caso se confirme a iniciativa governamental de alargar a proibição de fumar a tais locais – ou será que semelhante ideia é porque continua a haver entre nós muita gente que tem medo que os outros conversem, troquem ideias e descubram que afinal há muita gente a pensar do mesmo modo?

sábado, 6 de maio de 2006

EXISTIRÁ UMA GUERRA CIVIL NAS ESTRADAS PORTUGUESAS?

Apesar do cuidado posto na busca e leitura de informação de diferentes origens e de diversas partes do mundo, nada se compara ao contacto local com essa mesma informação.

Esta é uma situação que neste últimos dias pude confirmar. Durante uma estadia por terras de Espanha tive a oportunidade de contactar de forma diversa com a informação que regularmente leio do país vizinho; assim ao escutar alguns emissores locais de rádio não pude deixar de registar mentalmente uma notícia que julgo dever partilhar com todos.

Durante o fim-de-semana prolongado do 1º de Maio, registaram-se nas estradas de Espanha mais de 50 mortes em resultado de acidentes de viação.

Dito desta forma simples e sem comentários adicionais, pode parecer estranho que um número que representa mais do dobro dos óbitos registados em Portugal em igual período de tempo e pela mesma razão, não tenha sido acompanhado rosário de culpas (excessos de velocidade e de consumo de álcool, desrespeito pelas regras do código da estrada, etc., etc.) a que estamos habituados, mas quase encarado como facto natural.

Exagero à parte, a primeira coisa que me ocorreu após ouvir a notícia foi: Qual a razão por trás do grande alarido que invariavelmente rodeia este tipo de notícia entre nós?

Muitas hipóteses de resposta me ocorreram de pronto; justificar novas alterações ao código da estrada (de agravamento em agravamento alcançaremos a taxa máxima de sucesso quando pura e simplesmente proibirmos a circulação de viaturas); ir “preparando” os portugueses para uma redução na taxa máxima de álcool no sangue permitida aos condutores; justificar os constantes agravamentos nos prémios de seguro (que a lei nos obriga a pagar) com que as companhias de seguros continuam a engrossar os seus lucros. Embora nenhuma me tenha agradado individualmente, no seu conjunto todas me parecem perfeitamente plausíveis, tanto mais que raramente se tem ouvido nesta matéria falar de outras razões que, essas sim, contribuem para o “tal quadro negro” de que os nossos responsáveis pela segurança rodoviária tanto gostam de falar.

Se uma das razões tantas vezes apontadas aos condutores é a sua falta de civismo, porque não começar por alterar todo o processo de ensino e aprendizagem da condução? Porque não começar por aferir do que cada candidato a condutor aprende e a respectiva escola de condução lhe ensina? Que técnicas de prevenção de acidentes são ministradas? Que técnicas de controlo de uma viatura em situação de emergência são ensinadas? Que conhecimentos teóricos e práticos possuem os instrutores das nossas escolas de condução?

Embora crendo saber a resposta correcta à maioria destas questões (os que quiserem pensar um pouco, ou lembrar a sua experiência de instruendo de condução, facilmente concluirão que muito há a fazer neste capítulo), ainda levanto mais umas quantas. A existência de vigilância e fiscalização policial é, infelizmente, uma inevitabilidade, mas quantos dos agentes da autoridade com que diariamente nos cruzamos nas estradas e ruas do nosso país dispõe de uma sólida formação orientada para a correcção de erros, em detrimento da fácil e simples “caça à multa”? Quando teremos uma efectiva presença policial orientada para um trabalho pedagógico (capaz de distinguir o que é a infracção inevitável pelas condicionantes de tráfego daquela que é efectivamente perigosa) em vez da pura e fácil acção repressiva?

Infelizmente a prevenção de acidentes não se resume aos condutores habilitados de viaturas, até porque não são os exclusivos utilizadores de estradas e ruas; basta recordar que nas nossas estradas circulam (de forma legal ou mais ou menos legal) todo um conjunto de veículos que vão muito além do simples automóvel ou motociclo. Como se pode compreender que a mesma legislação que pretende punir de forma crescentemente gravosa os condutores encartados infractores, permita a circulação de viaturas (tractores agrícolas e viaturas de quatro rodas que dispensam a adequada habilitação) cujos condutores dispõe de reduzidas ou nenhumas noções de circulação rodoviária, já para não falar na idade e nas capacidades físicas adequadas?

Outro importante sector que deveria ser alvo de uma completa revisão de métodos e avaliação de resultados é o das Obras Públicas. Quantas estradas nacionais não apresentam perfis de construção completamente desajustados, pisos degradados em último grau, bermas sem qualquer manutenção ou conservação? Quando começaremos a encontrar acessos a auto-estradas e vias rápidas com perfis adequados em substituição daquelas curvas apertadas para poupar uns metros de terreno e faixas de aceleração (na entrada) e de desacelaração (na saída) com a adequada dimensão? Quando deixaremos de encontrar estradas cuja sinalização vertical se encontra coberta pela vegetação que foi crescendo, originando depois mudanças bruscas de direcção, travagens e outras manobras que por vezes resultam em acidentes?

Quando conseguirá a Direcção Geral de Viação, ou outro qualquer órgão responsável pela sinalização de estradas e ruas, instalar sinalização vertical que não seja discordante da horizontal, ou vice-versa? Quando haverá poder estabelecido que ponha cobro à completa anarquia que é a sinalização de obras e outras intervenções nas nossas estradas?

Recordando outro tipo de utilizadores das vias públicas (os peões), questiono-me quando entenderão os nossos legisladores que a bem intencionada regra de atribuir prioridade aos peões nas passadeiras se transformou na total arbitrariedade destes utilizadores perante os restantes, quando deixaram de assumir qualquer tipo de cautela ou precaução no acto de atravessar uma rua para se lançarem nas passadeiras como se as viaturas pudessem estacar em todas e quaisquer circunstâncias.

A indispensável redução dos acidentes em Portugal não pode deixar de constituir um desígnio de todos nós, mas não pode continuar a ser objecto da mais descuidada atenção dos responsáveis pela segurança rodoviária, que persistindo numa visão parcelar e retrógrada da realidade que é hoje a circulação rodoviária. Como em muitos outros sectores da vida nacional há que começar por elevar os padrões de formação cívica e de segurança dos cidadãos, começando por aqueles que melhor podem e devem absorver essas mesmas noções – as crianças e os jovens.

Para este grupo da população há que investir em campanhas de formação nas escolas (porque não inclui-las nos próprios programas do 1º ciclo do ensino básico), não só para que interiorizem rapidamente uma nova abordagem do problema da circulação rodoviária, mas para que anos mais tarde, quando candidatos a condutores, exijam dos seus instrutores a disponibilização de conhecimentos efectivamente úteis e indispensáveis.

Do governo (incluindo a Direcção Geral de Viação e a Prevenção Rodoviária Portuguesa) há que exigir uma reformulação da sua prática no sentido de procurar respostas a questões como as que de deixei mais atrás e, sobretudo, o fim das práticas que tem vindo a usar (culpabilizando sempre os condutores), escondendo-se atrás de uma legislação em muitos casos desajustada e recusando-se a pensar em soluções inovadoras. A propósito, porque será que o país da UE que apresenta menores taxas de sinistralidade rodoviária é aquele onde não existe limite de velocidade nas suas auto-estradas?

quinta-feira, 4 de maio de 2006

DESABAFO

Tinha pensado deixar nesta oportunidade uma pequena nota sobre uma noticia que ouvi aqui em Espanha, que dava conta dos mais de 50 mortes ocorridas nas estradas durante o fim-de-semana do 1 de Maio.

Se fosse em Portugal, onde o numero de mortes apenas atingiu metade, ter-se-ia ouvido de imediato todo aquele arrazoado sobre a irresponsabilidade dos condutores, os excessos de velocidade e alcool, etc., etc.... Aqui, na vizinha Espanha, este tipo de noticia parece fazer quase parte do dia-a-dia de toda a gente.

Porque sera que insistimos em abordar esta questao de forma diferente?

Quem lucra com este tipo de atitude?

Hei-de abordar esta questao numa proxima oportunidade (com um teclado que escreva portugues correctamente)!

segunda-feira, 1 de maio de 2006

O DIA DO TRABALHADOR

Não há comentador, jornalista ou analista que a propósito da economia portuguesa não refira a necessidade de aumentar a produtividade e a competitividade, como via para inverter a situação de marasmo e alcançar o seu relançamento.

Comemorando-se hoje o dia do trabalhador, que melhor tema para reflectir que a situação que vive este grupo social, quando confrontado com aqueles “chavões”. Se recordarmos que a origem desta comemoração remonta a um levantamento que teve lugar em Chicago, no distante ano de 1886, reivindicando a jornada de 8 horas diárias e que esta apenas viria a conhecer o reconhecimento oficial em 1919, quando pela primeira vez o senado francês ratificou tal pretensão, talvez muitos reconheçam que não estamos assim tão longe daqueles tempos como isso.

Para quem esteja a pensar que actualmente a maior parte das empresas praticam até horários inferiores, sempre recordo a necessidade de observar a diferença entre a teoria e a prática, conselho que deve igualmente ser estendido a questões como as da produtividade e da competitividade.

É hoje comummente aceite a necessidade das empresas verem melhorada a sua produtividade (como forma de aumentar os seus resultados e garantir a sua própria continuidade) e a competitividade dos seus produtos (como forma de garantirem lugar em marcados cada vez mais concorrenciais e a prática de melhores preços), para que estas também se reflictam nos resultados de cada país, ou seja naquele indicador económico a que todos hoje se referem: o PIB.
Todos estaremos “a priori” de acordo com a necessidade de melhorarmos práticas e aumentarmos os resultados que cada um obtém; se o lograrmos estaremos a aumentar os resultados que todos poderemos alcançar e a maximizar as possibilidades usufruirmos de melhores condições de vida. Isto admitindo-se que o que cada um produz contribui para a satisfação de todos.

Quem ouça falar a maioria dos nossos políticos e muitos dos especialistas nestas coisas da economia, de pronto fica com a ideia que a baixa produtividade e o seu fraco crescimento se devem ao facto de se trabalhar pouco e mal; porém, noutras ocasiões citam-se casos de sucesso de investimento estrangeiro que até glorificam o trabalho nacional e a elevada produtividade alcançada comparativamente com unidades sedeadas noutros países.

Esta aparente dualidade de critérios e de avaliações é de muito fácil explicação.
Desde Adam Smith e David Ricardo (finais do século XVIII e princípios do século XIX) que se começou a entender a produção de uma qualquer unidade económica como o fruto da junção de dois factores: o capital (expresso no investimento necessário à aquisição de instalações, maquinaria, matérias-primas, energia, etc., etc.) e o trabalho (engenho e arte capaz de idealizar novos instrumentos, novas técnicas, ou mais simplesmente, de transformar as matérias-primas em novo produtos), os quais são “combináveis” em proporções diversas. Teoricamente um mesmo produto poderá ser obtido por distintas combinações daqueles factores, sendo que o que varia serão as quantidades (ou a qualidade) do artigo produzido. Fácil se torna então explicar e entender aquela questão.

O que realmente faz aumentar a produtividade e/ou a qualidade do produto não é o “trabalho” nele incorporado mas sim o “capital” nele investido.

Por outras palavras a proverbialmente baixa produtividade portuguesa não resulta da falta de vontade de trabalhar da sua população, mas sim da fraca capacidade de investir do seu tecido económico, seja esta resultado de escassez de capital seja de uma particular tendência para o lucro rápido e fácil dos nossos “capitalistas”.

Numa época em que tão importante quanto uma boa ideia é uma ideia bem aplicada, continuamos entre nós a “sonhar” com as glórias do passado ou a desejar que tudo continue como dantes. Os empresários nacionais clamam contra a intervenção do Estado na economia, mas não perdem a mínima oportunidade para “embolsar” uns subsídios e adiam investimentos na expectativa de que um próximo governo lhes proporcione melhores condições, por outro lado os governos têm-se desdobrado em “projectos maravilha” que iniciando-se nuns milhões de euros de subsídios e isenções fiscais, anos mais tarde se saldam, invariavelmente, nuns milhares de despedimentos.

Isto é algo em que me parece que TODOS devemos reflectir quando se comemora mais um DIA DO TRABALHADOR!