quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O NÓ

Pese embora a inegável habilidade que António Costa demonstrou ao longo deste último ano (começando no processo negocial que levou à formação dum inédito governo com apoio da esquerda parlamentar, passando pela negociação com Bruxelas de assuntos delicados como o orçamento e a recapitalização da CGD e acabando na evitável polémica das sanções comunitárias), o muito que se disse e escreveu sobre o processo de recapitalização da CGD e da nomeação duma nova administração que procurou por todos os meios eximir-se à obrigação legal de entregar as obrigatórias declarações de rendimentos e património, acaba por constituir o único escolho no seu percurso.


A demissão de António Domingues (o nome escolhido para liderar uma equipa vinda quase exclusivamente do BPI) tornou-se inevitável e pela sua demora acaba por atirar sobre si uma responsabilidade que deveria ser distribuída pelo Governo e por uma oposição que à míngua de capacidade e de motivos acabou por usar o problema para tentar desgastar o governo de António Costa.

Resta agora esperar que este desate mais um nó – nomear nova administração – para avaliarmos até que ponto a real preocupação de PSD e CDS, que enquanto parceiros no anterior governo forçaram a CGD a vender a sua participação na CIMPOR abaixo do preço de mercado, assistiram (sem qualquer sinal de preocupação) ao acumular de prejuízos e a obrigaram a recorrer às ajudas ao abrigo do programa da troika (quando à evidência o que necessitava era dum aumento de capital),  não vai além do velho desejo de ver a CGD privatizada.

sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO

A notícia da morte de Fidel Castro tomou hoje de assalto os meios de informação. Esperada,dado o evidente estado de degradação física daquele que dirigiu uma revolta nacionalista contra o governo de Fulgêncio Batista. A reacção do vizinho norte-americano à substituição dum regime oligárquico e favorável ao domínio económico que vinha exercendo sobre o território, acabou por forçar Fidel e o novo governo a uma aproximação à União Soviética, transformando-o no “perigo comunista” que a crise dos mísseis de Cuba (episódio famoso da Guerra Fria, originado na intenção da URSS  instalar mísseis com ogivas nucleares a escassas milhas da costa americana) confirmaria.


Ainda anterior a este episódio foi a imposição pelos EUA, em 1960, dum bloqueio económico em retaliação pela nacionalização de interesses norte-americanos na ilha, entre os quais, diga-se, se destacava a importante indústria do jogo (sob controlo da máfia) e que perdura até à actualidade. Bloqueio que agravou as condições de vida da generalidade do povo cubano e a implosão da URSS (no início da última década do século passado) transformou num total isolamento da ilha.

Esta morte, por muitos ansiada como potencial fim dum bloqueio desumano, foi celebrada com fogo de artifício e vivas a Donald Trump por milhares de cubanos radicados na Florida, muitos dos quais têm beneficiado do lucrativo contrabando que o bloqueio imposto pelos EUA alimenta e que agora esperam participar na renovação dum país que muito terá a ganhar com a normalização das relações comerciais, mas igualmente a recear do regresso dos “interesses” que levaram a que, no tempo de Batista, a ilha fosse conhecida como o bordel da América.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O MESMO ERRO DE SEMPRE

Na sessão de abertura do Fórum Banca 2016, promovido pelo Jornal Económico, o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, elencou «Os erros que a banca não pode voltar a cometer», assim sintetizados:
  • excesso de crédito arriscado;
  • concessão de crédito para compra de participações sociais;
  • subavaliação do risco de crédito e maximização da concessão de crédito para obter resultados no muito curto prazo;
  • financiamento de sectores demasiado dependentes da capacidade de endividamento dos clientes;
  • excesso de financiamento a empresas com baixos capitais próprios;
  • demasiado crédito a particulares com elevada exposição ao ciclo económico;
mas pouco ou nada disse sobre a forma de corrigir esses erros. Claro que não deixou de lembrar que «Os bancos “não são uma empresa qualquer”», mas não o afirmou para sustentar o endurecimento das regras de supervisão nem para defender qualquer alteração significativa.


Tal como referi no comentário que fiz a um paper de Carlos Tavares (ver o post «AINDA A ECONOMIA DE CASINO»), repete-se aqui a situação em que a uma avaliação das causas não sucede nenhuma conclusão construtiva, nem sequer uma proposta para a resolução do crédito malparado, que o próprio Banco de Portugal estima em 21 mil milhões de euros.

De forma quase asséptica, Carlos Costa branqueia a responsabilidade dos banksters nacionais (os mesmos que acusa de terem concedido demasiado crédito de alto risco, quando não destinado a meras manobras de concentração accionista, e orientado para ganhos imediatos, ou seja altamente especulativos) e na qualidade de regulador dum sector económico que se arroga um estatuto especial escuda-se atrás do argumento daquele não ser um problema exclusivamente nacional para repetir a táctica de “assobiar para o lado” e sair o melhor possível na “fotografia de família” que perpetuará certamente mais este areópago de especialistas financeiros.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

AINDA A ECONOMIA DE CASINO

Foi o artigo de Nicolau Santos, «A caminho de uma nova e mais violenta crise», que me levou à leitura do paper de Carlos Tavares «A CRISE FINANCEIRA: APRENDEMOS AS LIÇÕES?», onde o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários deixa a sua análise sobre a crise financeira despoletada em 2007/2008.

Não sendo um tema novo neste espaço (deixo à curiosidade e paciência individual a pesquisa dos inúmeros posts escritos desde 2008 sobre o assunto) o regresso ao tema justifica-se, que mais não fosse, pelo facto de partilhar as preocupações de Carlos Tavares e muito particularmente a formulação que delas faz Nicolau Santos quando põe a ênfase numa possível repetição do fenómeno. Nas palavras deste, a análise de Carlos Tavares resume perfeitamente o que temos vivido quando diz: «Os bancos deviam ser mais pequenos? Pois tornaram-se maiores. Os Estados, famílias e empresas deviam diminuir o endividamento? Pois estão mais endividados. Os mercados deviam ser mais regulados? Pois não se melhorou nada. Os produtos financeiros deviam ser mais transparentes? Pois estão de regresso os produtos cujo risco ninguém consegue medir. Bancos, auditores e agências de rating deviam mudar de comportamentos? Pois voltaram ao “business as usual”», ou talvez pior quando constatamos que não só continuam a transaccionar-se enormes volumes de produtos derivados (os tais de elevada complexidade e difícil avaliação do risco intrínseco) como estas transacções são preferencialmente executadas fora dos mercados regulados e completamente invisíveis nos balanços dos bancos.

Por isso, se a análise das origens da crise feita por Carlos Tavares parece minimamente aceitável, já a solução proposta para evitar nova crise – o reforço da coordenação entre supervisores, bancos centrais e agentes políticos – afigura-se resposta pífia e tão piedosa quanto as tonitruantes declarações proferidas por esses mesmos agentes no auge da crise de 2007/2008, que, digam o que disserem os panegiristas do costume, ainda hoje continuamos a atravessar e cuja solução permanece dependente de decisores tíbios ou enfeudados aos interesses da economia de casino elevada pelos banksters de todo o mundo à categoria de deus ex machina da existência humana.


Embora não estranhe, é lamentável que Carlos Tavares, conhecedor como mostra dos meandros e dos sofismas dos mercados de capitais, reduza à qualidade profissional e ética dos agentes de mercado a via de solução que não pode deixar de passar pela reformulação e endurecimento das regras de funcionamento dos mercados (veja-se a mero título de exemplo o completo absurdo que é o de permitir a negociação ilimitada de contratos de produtos derivados sobre bens e serviços de produção limitada) e a recuperação da velha regra de separação entre bancos comerciais e bancos de investimento (impedindo aos primeiros o acesso ilimitado aos mercados de capitais e aos segundos a recepção de depósitos do cidadão comum)... mas isso, depois da eleição dum reconhecido especulador como Donald Trump para a presidência dos EUA, parece cada vez mais distante.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

LEONARD COHEN


Leonard Cohen não escreverá mais aquelas Canções de Amor e Ódio com que nos foi maravilhando ao longo dos anos.

Canadiano, de ascendência judaica, surgiu no universo da música quando já era reconhecido como poeta – Let Us Compare Mythologies (1956), The Spice-Box of Earth (1961), Flowers for Hitler (1964) e Parasites of Heaven (1966) – e escritor com créditos firmados; os seus dois livros em prosa (The Favourite Games, de 1963, e Beautifull Losers, de 1966, obra que levou o prestigiado Boston Globe a compará-lo a James Joyce) são anteriores ao seu primeiro trabalho discográfico: Songs of Leonard Cohen, de 1967.


Das mais de duas dezenas discos editados, incluindo 5 colectâneas e 7 gravados ao vivo, ficarão na memória colectiva temas como Suzanne, Halleluja, First We Take Manhattan, Dance Me To The End Of Love ou So Long, Marianne, que na sua voz e inconfundível interpretação se revelaram intemporais e manterão Cohen bem vivo entre nós.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

TRUMPLAND

No rescaldo da noite eleitoral norte-americana até poderia dizer, como Ricardo Costa escreveu no EXPRESSO, que «Trump não é o princípio nem o fim do mundo. Mas é outra coisa», o que me leva a ter uma leitura diversa duma eleição que à partida pareceria improvável, mas nunca poderia ser apresentada como impensável.

Claro que existe o perigo real de ver Trump transformar os EUA numa Trumpland, mas uma observação mais atenta do fenómeno que foi o resultado da votação britânica sobre a permanência na UE (se é que alguma vez o Reino Unido foi convictamente parte integrante da União) e das reacções dos que já vão dando conta da profunda diferença entre votar contra ou votar com conhecimento, talvez dentro em pouco muitos dos que agora votaram pela “mudança” venham a perceber que isso não existe.


Donald Trump (e outros fenómenos idênticos que por esse mundo fora vão surgindo) é mais um puro produto duma sociedade de consumo mediático. Trump não é um político nem mostrou ter qualquer ideia estruturada de mudança; Trump é o Berlusconi dos EUA (mas este também foi primeiro.ministro de Itália), se é que não será também o Boris Johnson do Reino Unido (aquele que depois de vencer o referendo sobre o brexit não sabe o que fazer com ele). Em resumo: Trump é Trump e a probabilidade de defraudar completamente as esperanças que nele colocaram é mais que grande ou enorme, é certa, pois o Trump que se apresentou ao eleitorado com uma espécie de paladino da luta contra o establishment, mais que um seu produto é o lídimo representante do que o mundo dos negócios tem de pior no que respeita ao laxismo e ao oportunismo. Ao contrário do que gosta de aparentar Trump não integra o muito apreciado paradigma do self made man (particularmente grata à mentalidade protestante da elite WASP e mito permanente nos EUA) nem construiu outro império que não o baseado na especulação imobiliária.

O pior é que nos tempos actuais, tempos de grande crise económica e ainda maior crise de valores que apresentam enormes semelhanças com os vividos no início do século passado e que estiveram na origem de grandes movimentos anti-democráticos, não podemos esquecer, como escreveu Daniel Oliveira em «Ponto sem retorno», que foi permitido a «...um privilegiado de recorte fascista a liderar o descontentamento popular e a transformá-lo em poder pessoal».

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

VÉSPERA ELEITORAL

Na véspera dumas eleições americanas que há uma semana pareceram voltar a reanimar as hipóteses e que davam «Trump à frente de Clinton. Sondagem dá vantagem de 1% a candidato republicano», quando dados das últimas horas indicam que «Clinton lidera sondagens com vantagem de três a quatro pontos» mantém-se em aberto a expectativa e reacende-se a polémica em torno de anteriores resultados, como o da eleição em 2000 que opôs o democrata Al Gore ao republicano George W Bush.


Já em 2012 referia no post «ELEIÇÕES E FARSAS ELEITORAIS» que “...o farol da democracia mundial tem o seu presidente eleito por um colégio eleitoral e não pelo voto directo da sua população. E ocasiões houve em que o candidato eleito pelo colégio foi o que recebeu menor número de votos dos eleitores (a farsa vai ao pormenor de pôr o eleitores a votar num candidato quando na realidade estão a eleger os delegados estaduais ao Colégio Eleitoral), como sucedeu em 1876 quando o candidato republicano, Rutherford B. Hayes, foi eleito apesar do seu oponente, o democrata Samuel J. Tilden, ter obtido quase 300.000 votos a mais; novamente em 1888, o candidato democrata Grover Cleveland obteve cerca de 100.000 votos a mais que o republicano Benjamin Harrison que viria a ser eleito; mas a pior e mais discrepante situação ocorreu em 2000 quando o democrata Al Gore foi preterido a favor do republicano George W Bush apesar de ter obtido mais 500.000 votos.

A explicação para estas discrepâncias resulta da distribuição estadual dos representantes poder distorcer o somatório de votos individuais dos cidadãos; o facto de todas as vezes terem sido os candidatos republicanos a beneficiar será meramente acidental, ainda que no caso de George W Bush nunca se possa esquecer que a maioria dos membros do tribunal que decidiu a seu favor tenha sido nomeada durante a presidência de George Bush (pai)”.

Mesmo agora muitos comentadores e políticos - incluindo o ex-presidente Jimmy Carter – continuam a acreditar que em 2000 o Supremo Tribunal ofereceu injustamente a eleição a Bush, numa decisão que muitos classificaram como a pior decisão de sempre daquele órgão judiciário.

Muitos liberais também acreditam que o "Brooks Brothers Riot" contra a recontagem foi uma manobra perpetrada por operacionais republicanos de alto nível (a própria designação do movimento que se manifestou contra a recontagem dos votos no Estado da Florida alude a uma conhecida marca de fatos então muito popular entre os executivos), mas o elefante na sala que a maioria dos democratas se recusam a admitir é a fraude eleitoral. Isso é estranho, já que há provas substanciais de que esta tem sido generalizada nos EUA nos últimos anos.

E não o admitem por todos (Democratas e Republicanos) beneficiarem duma falsa aparência de eleições livres e justas, o que pode ser visto como a aceitação do status quo num sistema de eleições baseadas no poder do dinheiro (em 2008 escrevi no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS» que na “...presença de um intrincado processo eleitoral que normalmente se inicia com mais de um ano de antecedência faz todo o sentido tentar compreender as razões que sustentam a sua manutenção. Para muitos poderá servir a invocação da dimensão continental do território da União para justificar o processo e a sua morosidade, para outros o tradicional gosto americano pelo espectáculo também terá o seu peso, mas pessoalmente estou em crer que a real razão para tudo isto é tão somente a necessidade de assegurar a eleição do candidato certo!

Se não vejamos... que melhor forma haverá para as grandes empresas e os interesses económicos para assegurar a maior conformação do presidente às suas “necessidades” que obrigar os candidatos a dispor de colossais meios financeiros para suportar a realização de duas campanhas eleitorais (as primárias e a eleição geral) e um sistema eleitoral de por via indirecta?
(...)
Quem honestamente poderá esperar dos candidatos que recolheram milhões de dólares de fundos alguma independência face aos interesses económicos que financiaram as suas campanhas e a eleição?

Pessoalmente apenas conheço outro mecanismo mais eficaz para assegurar a impossibilidade de alguém ser eleito fora deste circuito de interesses – a ascensão ao poder por via hereditária ou mediante o recurso ao poder militar) e, sabendo que o país regista uma taxa habitual de abstenção entre os 55% e os 60%, numa tentativa para não minar ainda mais a confiança dos eleitores no processo "democrático" americano.

Assim, as eleições nos EUA (como a de amanhã) continuarão a apresentar-se como uma oportunidade igual para ambas as partes manterem uma farsa democrática nacional em que o dinheiro conta mais do que a verdade, ou, numa visão mais cínica, porque quer a “liderança” democrática quer a republicana acreditam poder bater o “adversário” numa eventual trafulhice eleitoral semelhante à de 2000.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

OS “ARTISTAS”

A repetição de casos de falsas declarações de habilitações literárias entre a classe política nacional é um sinal de degradação de valores básicos que deveria ser devidamente interpretado e merecer uma reacção adequada, que não a da habitual chicana política onde poder e oposição usam hoje os argumentos que antes contestaram.

A recente demissão de dois membros do governo de António Costa - Rui Roque e Nuno Félix, respectivamente adjunto do gabinete do primeiro-ministro e chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto – trouxe inevitavelmente de volta o caso Miguel Relvas – o ministro do governo de Pedro Passos Coelho que obteve um diploma académico graças a um regime especialmente favorável de equivalências – o que motivou o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim, a falar em "artistas" que tentam "pateticamente" comparar as licenciaturas falsas, como se a canhestra mentira dos de agora fosse coisa substancialmente mais grave que a esperteza saloia do seu correlegionário.

No essencial estão bem uns para os outros e casos como estes repetir-se-ão enquanto continuarmos a aceitar de forma pacífica a substituição de valores morais e éticos, como a integridade e o respeito próprio, por valores da moda como a ganância e o primado do sucesso a qualquer preço...


...que estão a minar a credibilidade da própria democracia.