sábado, 11 de janeiro de 2020

O ORÇAMENTO DO ESTADO


Ficámos a conhecer ontem, com o número de abstenções necessárias, o anunciado desfecho sobre a aprovação de mais um Orçamento do Estado.



Este documento que dita a governação financeira anual de um país (por isso deve ser apresentado no Parlamento até 15 de Outubro e votado até 15 de Dezembro), tem natural impacto no dia a dia das famílias e das empresas, e resulta da elaboração de uma proposta governativa onde devem constar as linhas mestras para a governação.

Funções e Elementos do Orçamento

É por isso que são normalmente destacadas as seguintes três grandes funções do orçamento:
  • Económica
  • Política
  • Jurídica
onde a primeira se destina a permitir uma melhor gestão dos dinheiros públicos e em simultâneo possibilitar ao Governo o acompanhamento da política económica global do Estado; a segunda procura assegurar direitos fundamentais dos cidadãos, impedindo a cobrança de impostos sem a devida autorização dos seus representantes eleitos, a par com o equilíbrio e a separação dos poderes, pois sem a aprovação da Assembleia da República, o Governo não pode executar quaisquer medidas, enquanto a terceira limita a Administração Pública mediante um conjunto de normas que regulam o seu funcionamento, a sua organização e o seu relacionamento com os cidadãos.

No seu todo o Orçamento do Estado engloba um conjunto de elementos, que vão desde as previsões (sejam as de natureza económica sejam as mais específicas, como as receitas e as despesas) às linhas de política económica. Assim, o documento apresenta uma parte dedicada às previsões de indicadores com destaque para o Produto Interno Bruto, o défice, as exportações e importações, o consumo interno, a inflação, a par com outra onde o destaque vai para as previsões sobre as receitas e despesas públicas.

O Orçamento do Estado serve ainda como documento de apresentação da política económica de cada governo para o ano seguinte; nele são indicadas as medidas que pretende implementar, como sejam mudanças nas prestações sociais ou nos impostos cobrados a famílias e empresas, e onde é autorizada a Administração Financeira a cobrar impostos e a realizar despesas.

A experiência acumulada ao longo dos tempos levou à elaboração de estudos e à fixação de algumas normas para a elaboração de documentos da importância de um Orçamento de Estado, o que levou à definição de cinco regras orçamentais clássicas.

As regras clássicas

Embora nem sempre cumpridas as cinco regras clássicas são as seguintes:
  1. Anualidade - que determina que o Orçamento tenha validade e execução anual;
  2. Integridade (unidade e universalidade) – que define a existência de apenas um orçamento por ano (unidade), no qual todas as despesas devem estar incluídas (universalidade);
  3. Discriminação orçamental – dividida noutras três regras que definem a forma como as receitas e as despesas surgem no Orçamento:
    • Regra da especificação (cada receita e cada despesa deve ser especificada e individualizada);
    • Regra da não-compensação (as verbas devem surgir no Orçamento na forma bruta e não líquida, isto é, sem qualquer compensação ou desconto);
    • Regra da não-consignação (todas as receitas deverão servir para cobrir todas as despesas);
  1. Publicidade – que obriga o Orçamento do Estado a ser publicado;
  2. Equilíbrio orçamental – que determina que as receitas previstas devem cobrir, na totalidade, as despesas estimadas.
Para comprovar que estas regras nem sempre são cumpridas basta recordar o recorrente recurso a orçamentos suplementares, violando a regra da integridade, ou a normal violação da regra do equilíbrio orçamental com a apresentação de orçamentos deficitários, onde as receitas não cobrem as despesas.

Apreciação, Votação e Promulgação

Após a apresentação, a proposta de orçamento é discutida e votada na generalidade no Plenário, baixa às comissões de especialidade e a este regressa para discussão e votação na especialidade; não havendo dúvidas sobre a sua constitucionalidade, situação em que o diploma poderá ser enviado para fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional, o texto final é então promulgado pelo Presidente da República e publicado em decreto.

É especialmente durante este processo que se avolumam as notícias e as declarações políticas sobre um documento cuja importância é tantas vezes desvalorizada quantas é sobrevalorizada.

Considerandos finais

Um orçamento (seja ele de âmbito mais restrito, como o familiar, ou de âmbito mais alargado, como o nacional) é sempre um projecto de curto prazo e especialmente orientado numa perspectiva de tesouraria, ainda que nada impeça a incorporação de objectivos e projectos de maior duração, pois qualquer investimento de prazo plurianual terá sempre que se iniciar num determinado ano. 

Esta ambiguidade dever-se-á em boa medida às próprias características de um documento meramente conjuntural que não raras vezes é apresentado e avaliado como se incorporasse outras qualidades. É assim que frequentemente se confunde um plano de curto prazo (o orçamento) com outro de duração mais longa e maior alcance (Grandes Opções do Plano), transformando numa dimensão estratégica – aquela que procura formular uma orientação para um grupo de actividades ou operações visando um objectivo comum – o que em caso algum pode passar de um conjunto de acções, com efeitos pontuais que visam alcançar um determinado objectivo segundo uma estratégia previamente estabelecida, ou seja um plano de natureza táctica.

Outra razão para a confusão prende-se com questões de natureza política, melhor dizendo do jogo político-partidário; o governo e o partido (ou partidos) que o apoia(m) e produz o Orçamento de Estado procurarão, na busca de argumentário, relevar as suas qualidades tácticas e de rápido efeito político, enquanto a oposição sublinhará, à falta de melhor, as falhas estratégicas, pelas quais o documento não pode conceptualmente responder.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

AQUELE OBJECTO DE DESEJO CHAMADO… INFLAÇÃO


A progressiva monetização do nosso dia-a-dia e a persistente tendência para a subida generalizada dos preços trouxeram para o vocabulário comum o termo inflação, que os dicionários descrevem como o «desequilíbrio económico caracterizado por uma alta geral dos preços e que provém do excesso do poder de compra da massa dos consumidores (particulares, empresas, Estado) em relação à quantidade de bens e de serviços postos à sua disposição» (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) e que com o desenvolvimento do movimento sindical acabou transformado numa espécie de indexante salarial com vista a que os assalariados pouco perdessem do seu poder de compra.




No último quartel do século passado, num período em que passou a vigorar a expectativa numa progressiva redução da taxa de inflação e graças a um artifício estatístico (para muitos nunca terá passado de uma simples artimanha), deixou de se considerar a inflação registada – aquela que era conhecida e poderia ser medida de forma mais ou menos exacta – para se adoptar (na realidade deverá dizer-se que foi uma opção imposta pelos governos) o conceito de inflação esperada como indexante para as actualizações salariais e outras variáveis de natureza macroeconómica indispensáveis à elaboração de orçamentos e demais peças previsionais.

Logo se percebeu na altura que o objectivo deste “ajustamento” era fundamentalmente o de aumentar ainda mais o já existente fosso entre rendimentos do trabalho e do capital, assegurando por via administrativa um certo controlo de parte dos custos de produção, facilitado pela inevitável confusão nas terminologias (inflação estimada ou prevista e inflação registada ou simplesmente inflação) e pela reduzida informação da generalidade dos cidadãos.

De uma forma ou outra a ideia vingou e em todo e qualquer processo negocial a parte mais forte foi impondo a sua utilização e, muito em particular, usando e abusando daquela confusão. E chegamos à actualidade para verificarmos que não só a confusão fez escola como agora se generaliza o uso e abuso dos dois conceitos – inflação registada e inflação esperada – na produção de peças da importância do Orçamento do Estado quando se actualizam salários e escalões do IRS com base na inflação do ano anterior (a inflação registada) enquanto se anuncia uma inflação esperada (aquela de determinação polémica e inexacta) que começou a ser utilizada por mero interesse táctico mas é prontamente abandonada logo que as condições reais se inverteram.

Para cúmulo este comportamento tacticista vem agravar ainda mais o longo período de estagnação/regressão salarial imposto a pretexto duma crise de origens e causas incertas e diz bem das reais intenções equalitárias de quem subscrever este orçamento.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

ENGLOBAR, OU NÃO…


Depois de uma primeira ideia favorável ao englobamento de todos os rendimentos em sede de IRS, eis que o governo de António Costa dá o dito por não dito e até já admite que nem em 2020 nem provavelmente nunca


É verdade que mal a ideia foi anunciada logo surgiu a avalanche de críticas, comentários e lamúrias lembrando o medonho dano que se faria à já frágil capacidade de poupança nacional ou agitando o desgastado espantalho da fuga do investimento estrangeiro. Muito barulho para a habitual cortina de fumo com se continua a escamotear uma triste realidade nacional onde se aplicam taxas mais elevadas aos rendimentos de trabalho que aos de capital (rendas, juros e dividendos) e ainda se tem o despautério de classificar a hipótese niveladora de agravamento fiscal, como se a introdução de critérios equiparados e niveladores constituísse outra coisa senão um agravamento para o conjunto de rendimentos que tem beneficiado de injustas prerrogativas.

Em resumo, este é apenas mais um exemplo do conhecido aforismo da entrada de leão e saída de sendeiro; António Costa e o PS continuam a bloquear as políticas que possam trazer maior equidade fiscal, mantendo a famigerada prática de pouco ou nada beliscar os interesses dos mais ricos e poderosos.