terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

O CARNAVAL DA JUSTIÇA

De acordo com o calendário encerra-se hoje um período festivo que, para os católicos, antecede o início de uma época de jejum e abstinência.

Há semelhança de muitas outras festividades, também o Carnaval regista as suas origens em períodos históricos muito anteriores ao cristianismo, corrente religiosa que inteligentemente procedeu à conversão de todas as festividades que pode de forma a retirar-lhes a faceta pagã que ostentavam. Talvez o Carnaval tenha sido a que melhor resistiu a este processo de “purificação”, tendo ao longo do tempo mantido na prática o conceito que esteve na sua génese – época de festa e de excessos, comemorativa da fecundidade da terra e própria do início da Primavera.

Terá morrido como rito de fertilidade, mas manteve o ar de festa e de excessos a ponto de na linguagem popular se chamar carnaval a todas as situações que ultrapassem os conceitos e regras estabelecidos pelas normas gerais.

Parece-me por isso perfeitamente lógico falar hoje de um verdadeiro carnaval que teima em persistir no nosso país e que há muito ultrapassou as barreiras temporais normalmente associadas aos dias de folia carnavalesca. Estou-me a referir, como é óbvio, à situação que o nosso país atravessa em termos de Justiça.

Mesmo deixando para outras observações casos como o da “Casa Pia” ou o do “Parque”, ou outros envolvendo abusos e maus tratos de crianças, os habituais como os do tráfico de drogas e os ditos de “colarinhos brancos”, ficam ainda muitas situações para explorar e tentar entender.

Que outra coisa se pode dizer de actuações como a dos juízes portugueses que há uns meses fizeram greve, ou do próprio funcionamento da justiça portuguesa que para além de muito lenta é constantemente alvo de persistentes dúvidas quer na actuação durante o decorrer dos processos, quer no seu desfecho. É óbvio que não sendo a interpretação da lei um conhecimento vulgarizado a todos os cidadãos, parece-me absolutamente indispensável que as decisões (pelo menos as mais polémicas e mediatizadas) sejam cabalmente explicadas para que a maioria dos cidadãos as entendam, mesmo em situações de desacordo.

Caso se pretenda (como já ouvimos a alguns responsáveis políticos e judiciários) inverter a imagem de desconfiança e descrédito com que a generalidade dos cidadãos caracteriza o sistema judicial português é indispensável que esta imagem de TUDO POSSO, QUERO E MANDO, que geralmente aparece associada ao funcionamento da justiça, seja invertida e que os seus principais responsáveis (magistrados e juristas) nos transmitam uma melhor imagem de isenção e transparência.

Outros factores deverão igualmente ser corrigidos, como seja o caso sempre falado do segredo de justiça. Se é difícil explicar aos leigos, que somos todos nós cidadãos comuns, o seu funcionamento (com regras e limites que em muitos casos parecem completamente absurdos) deverá ser claro e a sua violação prontamente denunciada, corrigida e condenada.

Não podemos é continuar a assistir a situações como a de aparecerem notícias em jornais sobre matérias aparentemente em segredo de justiça, sem que até esta data um único dos respectivos infractores tenha sido julgado. Grave, é para a opinião pública apenas ser divulgada a actuação sobre quem difunde a informação (independentemente de haver ou não razões para tal actuação), ficando no “segredo dos deuses” quem beneficiando de acesso directo às fontes de informação (os tais processos em situação de segredo de justiça) divulga os seus conteúdos, ou partes, que a alguém interessará ver divulgadas.

Mais importante que julgar e condenar jornalistas (e muitos haverá que já o deveriam ter sido) é julgar e condenar (com maior severidade, porque a responsabilidade é infinitamente superior) quem na realidade deu o primeiro passo para a violação da lei, seja ele juiz, magistrado do ministério público, advogado, escrivão do tribunal, funcionário de limpeza, ou o que for…

O carnaval que tem sido a justiça em Portugal tem que conhecer um fim, sob pena de a breve trecho se iniciarem processos de julgamento pessoal (vinganças) ou popular.

De uma sociedade que se diz moderna e civilizada mas cujos governos não conseguem fazer funcionar os seus tribunais em clima de isenção, seriedade e confiança, apenas se pode dizer que existe para servir os interesses de um número diminuto de indivíduos que vivem e prosperam à margem da lei.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

FOMENTO DA LEITURA, FOMENTO DA CULTURA

Provando que nem tudo são más notícias e nem todos se acantonam em soluções de imobilismo, eis que, de acordo com uma notícia de O MIRANTE, a Biblioteca Municipal Calouste Gulbenkian do Sardoal está a tentar lançar uma iniciativa de vulto.

A ideia consiste em disponibilizar nos cafés da vila uma “ementa” de livros para utilização pelos clientes. Estas obras destinam-se exclusivamente a leitura no local e serão alvo de um processo de rotação mensal.

Que tal uma iniciativa idêntica aqui na cidade de Almeirim?

Parece-me uma óptima forma de estimular a leitura e talvez voltássemos a ter nos nossos cafés os locais de tertúlia que já tivemos.

BOAS NOTÍCIAS, MÁS PERSPECTIVAS...

Quem hoje tenha lido ou ouvido a notícia sobre o acordo firmado entre russos e iranianos para a constituição de uma sociedade de mista destinada ao enriquecimento do urânio de que o Irão necessita para o funcionamento da suas centrais nucleares, poderá pensar que estão ultrapassadas as razões que têm conduzido ao agravamento das relações entre os países ocidentais, com os EUA à cabeça, e aquele país do Médio-Oriente.

Puro engano. Não só o Irão não irá abandonar as possibilidades de pesquisa e exploração na área nuclear, como nada fará inverter a política americana de provocação e criação de “factos políticos” tendo em vista a desestabilização do Irão e do conjunto do Médio-Oriente.

Nos tempos actuais ao governo americano já pouco importará que ninguém, de bom senso, lhe reconheça qualquer credibilidade para formular acusações sobre programas de armamento (nuclear ou químico) implementados por outros estados. Tivemos o recente exemplo das acusações contra o Iraque que redundaram numa guerra e na ocupação de um país, sem que até hoje as acusações tivessem sido corroboradas ou que os agressores tenham, por acção da comunidade internacional, retirado e procedido ao pagamento das respectivas indemnizações de guerra.

No actual estádio de desenvolvimento do modelo imperial americano (há semelhança do que tem acontecido com todos os modelos idênticos) a guerra passou a ser um “modo de vida” e uma razão indispensável para a manutenção de importantes sectores da indústria e da investigação (da sua economia doméstica de um modo geral), pelo que nos tempos próximos continuaremos a assistir ao lançamento de campanhas militares uma após a outra, até que o mundo entenda que a sua origem está precisamente naqueles que dizem actuar em defesa de terceiros.

domingo, 26 de fevereiro de 2006

AS CONTRADIÇÕES AMERICANAS E O HAMAS

Na passada semana a secretária de Estado americano, Condollezza Rice, levou a efeito um périplo por alguns países árabes tendo em vista assegurar destes uma política de isolamento ao Hamas.

Após visitas relâmpago a alguns estados do Médio-Oriente, que de acordo com diferentes fontes de informação se saldou pelo insucesso, eis que hoje o jornal norte-americano WASHINGTON POST publica uma entrevista com Ismail Haniyeh, o membro do Hamas indigitado por Mahmud Abbas (o presidente da Autoridade Palestiniana) para formar o próximo governo dos territórios palestinianos.

Nesta entrevista, Haniyeh, expõe as posições do futuro governo palestiniano quanto a matérias particularmente sensíveis para a administração americana como seja a questão do reconhecimento do estado de Israel, algo a que o Hamas se tem recusado. Segundo aquele dirigente manter-se-á em aberto a questão enquanto Israel não regressar às fronteiras definidas em 1967 (o que implica o abandono dos territórios ocupados bem como de Jerusalém leste), não libertar o prisioneiros palestinianos e não autorizar o livre regresso dos exilados.

Sem nunca fechar as portas ao fim da guerrilha nem ao reconhecimento de Israel, o Hamas mantém firme o princípio de que a responsabilidade e os primeiros passos no sentido da paz serão responsabilidade de Israel, fortemente questionada por actuações como a da construção do muro de protecção iniciado por Ariel Sharom.

Ontem mesmo, David Welch, secretário de Estado adjunto da administração americana, manteve um encontro em Ramallah com Mahmud Abbas, durante o qual terá manifestado o apoio da sua administração ao povo palestiniano e assegurado a manutenção da ajuda humanitária aos palestinianos. Na véspera, o presidente americano, George W Bush, voltara a ameaçar a suspensão da assistência se o Hamas não renunciasse às suas posições radicais.

Neste “jogo de palavras” as partes persistem em medir forças, enquanto os palestinianos continuam sujeitos às arbitrariedades israelitas e, pior que tudo, às degradantes condições de vida que têm conhecido nos últimos 50 anos.

PAUL MARCINKUS

Faleceu na passada terça-feira (dia 21de Fevereiro) no estado americano do Arizona, Paul Casimir Marcinkus, natural de Chicago.

Para quem este nome na sugira, talvez o de “banqueiro de Deus” traga algumas reminiscências. É verdade, morreu o arcebispo Marcinkus, o homem que durante cerca de vinte anos foi uma das mais poderosas figuras do Vaticano.

Nascido nos arredores de Chicago em 1922, foi ordenado padre em 1947 e alcandorar-se-ia à cúpula directiva do IOR (Instituto para as Obras da Religião), também conhecido por Banco do Vaticano, em 1971, sob o papado de Paulo VI.

Chegou a esta posição depois de ter integrado a Secretaria de Estado (espécie de órgão governativo do Vaticano) com funções específicas de chefe de segurança do papa Paulo VI. Enquanto desempenhou estas funções terá estabelecido importantes contactos com os serviços secretos do Vaticano, também conhecidos pela designação de Santa Aliança, facto que muito poderá ter contribuído para que em 1969 o papa o consagrasse bispo e o nomeasse secretário do IOR.

Daí a dois anos seria nomeado responsável máximo do IOR e encetaria uma rede de relações entre as quais se contavam:

- Michele Sindona - presumível membro da família Gambino (máfia), foi conselheiro financeiro de Paulo VI e membro da loja maçónica (?) P2;

- Roberto Calvi - de simples trabalhador do Banco Ambrosiano chegou rapidamente a seu administrador, foi responsável por inúmeros negócios ilegais que envolveram o IOR, membro da loja maçónica (?) P2; em 1982 apareceu enforcado em Londres, em Blackfriars Bridge;

- Umberto Ortolani - chefe dos serviços secretos italianos durante a II Guerra Mundial, especialista em contra-espionagem, dispunha de importantes ligações na América Latina e foi membro destacado da loja maçónica (?) P2);

- Licio Gelli - lutou no exército de Franco durante a Guerra de Espanha, foi membro das SS alemãs em Itália, colaborou na rede de protecção e fuga dos nazis para a América Latina, participou em redes de contrabando de armas, nomeadamente no fornecimento de mísseis Exocet à Argentina, no período que antecedeu a Guerra das Malvinas; foi fundador da loja maçónica (?) P2).

Esta intrincada teia de interesses e os múltiplos negócios ilegais em que Marcinkus se envolveu resultaram num buraco de 1,4 mil milhões de dólares nas contas do Banco Ambrosiano e de 250 milhões de dólares nas do IOR.

Apesar de se desconhecer o destino destas somas, entre as quais havia seguramente dinheiro da máfia, especula-se que possam ter servido para:

- utilização em contas privadas;

- apoiar a loja maçónica (?) Propaganda Due (P2);

- financiar golpes militares como os ocorridos na Grécia em 1967 e o da Nicarágua, que conduziria ao poder Anastácio Somoza;

- financiar o então ilegalizado sindicato polaco Solidariedade, numa operação montada entre a CIA e a Santa Aliança;

- financiamento da operação da CIA que ficou conhecido pelo escândalo Irão-Contras;

- possível financiamento das actividades da Gládio, grupo paramilitar italiano de orientação neofascista.

Para além destes “negócios” em que terá estado envolvido, Marcinkus é igualmente figura de destaque noutro acontecimento ocorrido no Vaticano.

De acordo com David Yallop (autor de “In God´s Name”) - jornalista que investigou a estranha morte de Albino Luciani (o papa João Paulo I), ocorrida 33 dias após a sua eleição, em Agosto de 1978, e num momento em que estaria a preparar uma intervenção profunda no IOR – o cardeal Marcinkus foi seguramente um dos grande beneficiados por aquela ocorrência.

Outro investigador da história vaticana, Eric Frattini (autor de “A Santa Aliança”), refere a existência, na altura da morte de João Paulo I, de uma dupla investigação interna sobre a infiltração no Vaticano de membros de associações secretas e sobre os “negócios” em que o IOR se encontraria envolvido. Estas seriam conduzida pela Santa Aliança ou pelos serviços de contra-espionagem (o Sodalitium Pianum), mas um dos homens sob observação, em qualquer dos casos, era seguramente Marcinkus.

Curiosamente, um outro investigador da morte de João Paulo I, John Cornwell (autor de “AThief in the Night”), recusa a hipótese de assassínio do papa sem contudo deixar de mencionar o envolvimento de Marcinkus nos “negócios” já referidos, bem como a sua posição de grande beneficiário.

Com a falência do Banco Ambrosiano, em 1982, e os grandes prejuízos que acarretou ao IOR, seu principal accionista, Paul Marcinkus, que fora nomeado arcebispo há um ano, começou a ver a sua “estrela” a empalidecer, mas não tanto que levasse o papa João Paulo II a destitui-lo imediatamente das suas funções no IOR.

A polémica morte de Roberto Calvi ,o ex-administrador do Banco Ambrosiano, levou a polícia italiana a formalizar acusação contra Marcinkus que graças ao apoio do papa manteve a sua liberdade e acabou por se ver livre de mais problemas.

Paul Marcinkus deixaria o Vaticano em 1990 para se instalar nos EUA. Primeiramente próximo de Chicago (sua região natal), para em 1991 se mudar para o estado do Arizona onde viria a falecer.
Durante todo este tempo a justiça italiana tentou mais que uma vez que sucessivas administrações americanas colaborassem na extradição do prelado sem sucesso.

sábado, 25 de fevereiro de 2006

POLÉMICA EM TORNO DE “O CÓDIGO DA VINCI”

Notícia esta tarde difundida numa página da TIMES ONLINE, dá conta de uma acusação de plágio sobre Dan Brown.

O autor do mundialmente célebre “O CÓDIGO DA VINCI” vê-se acusado de plágio por Michael Baigent e Richard Leigh, co-autores com Henry Lincoln de um trabalho publicado há mais de vinte anos e intitulado “O SANGUE DE CRISTO E O SANTO GRAAL”. Pretendem estes autores que a estrutura da sua obra se encontra reproduzida no trabalho mais recente de Dan Brown.

Para quem já tenha lido os dois livros é óbvio que Dan Brown leu o “SANGUE DE CRISTO E O SANTO GRAAL” e dele retirou boa parte da intriga histórica que serve de pano de fundo ao seu trabalho ficcional. No próprio enredo uma das personagens refere a existência do trabalho daqueles três autores, que contrariamente a Dan Brown produziram uma perturbadora obra de investigação.

Um tribunal inglês julgará se as leis de “copyright” incluem a protecção da reprodução de ideias ou apenas a própria ideia; entretanto a estreia próxima de um filme já rodado e baseado no “best-seller” de Dan Brown poderá ver a sua estreia adiada até à resolução deste conflito legal.

A propósito, lembram-se de há uns dias aqui ter referido os esforços da Opus Dei para ver “censuradas” algumas partes do filme que a Sony-Columbia tinha produzido?

Será que também foi ela a “inspirar” Michael Baigent e Richard Leigh a agora interporem esta acção?

Ou pelo contrário trata-se de uma manobra para que a Sony-Columbia disponha de mais tempo para “retocar”o filme e evitar o confronto com a toda poderosa Opus Dei?

As respostas surgirão a seu tempo, as perguntas e as inquietações aqui ficam.

A INTERNET PODE TER FUTURO PROMETEDOR E ACESSÍVEL

Ao longo deste mês de Fevereiro deparei-me com algumas curtas notícias sobre o “mundo” da comunicação que, não merecendo destaque especial quando lidas separadamente, se me afiguram importantes no seu conjunto e em especial para uma antevisão do que poderá bem vir a ser o futuro próximo das redes de comunicação.
Enquanto a GOOGLE (empresa produtora do motor de busca mais utilizado na Internet) e a SKYPE (empresa produtora de um software para comunicações P2P grátis) anunciaram que se encontram a preparar o lançamento de uma mega-rede de wi-fi (comunicação sem fios) que disponibilizará um acesso em banda larga e sem fios acessível em qualquer ponto do globo, de França chegam notícias sobre a disponibilização ainda este ano de uma biblioteca digital europeia para consulta pública.

Este projecto, que congrega vários países europeus, já foi definido como uma «biblioteca pública dos saberes» e consiste num portal que deverá incluir todo o tipo de obras, sejam as que já fazem parte do domínio público ou outras sujeitas a direitos de autor.

A conjugação destas duas notícias que apontam para a simplificação e massificação do acesso à rede global e a um forte acréscimo do volume disponível de informação de elevada qualidade, para além de positivas, transmitem um claro sinal do desenvolvimento futuro da Internet orientado para uma grande redução nos custos de utilização.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

A FARSA DA AVALIAÇÃO PROFISSIONAL NO SECTOR PÚBLICO

A propósito da aprovação de um novo regulamento de avaliação de desempenho na função pública, que tanto quanto consegui perceber através das notícias a que tive acesso, apenas contém como novidade para aplicação imediata a fixação de uma percentagem máxima de funcionários a quem os serviços podem atribuir classificações de “muito bom” ou “excelente”.

Deixando de lado a óbvia intenção de por esta via reduzir os encargos com a massa salarial (a progressão na carreira e as promoções por mérito estão dependentes daquelas classificações), existe um outro facto que me parece suficientemente relevante para merecer reflexão.

Para os que o ignorem, os métodos de avaliação profissional na função pública (e nas empresas de capital público) estão estreitamente dependentes de “pareceres” e “informações” de “chefias” ou estruturas directivas intermédias. Aparentemente parece uma sistematização natural (quem melhor que os responsáveis pelos serviços ou departamentos para aquilatar da qualidade do trabalho dos respectivos funcionários?) e que ponderada por critérios adequados deverá produzir resultados fiáveis e que reflictam a realidade do desempenho de todos os intervenientes.

Sucede porém que neste maravilhosamente arquitectado sistema existe uma pequena (na realidade tão pequena que quase insignificante) falha. Na generalidade das situações os órgãos avaliadores são ocupados por um conjunto específico de funcionários que raramente ascenderam ao cargo por critérios de competência ou conhecimento, mas sim por um processo de favorecimento (de contornos políticos ou outros), facto que inevitavelmente gera uma intricada teia de subserviências e outras dependências.

Os “eleitos” – aqueles que aparentam cumprir todos os requisitos de estrita obediência, total ausência de capacidade de formular opiniões próprias e habilidade para manobrar em climas de intriga palaciana – serão alcandorados até ao máximo nível de incompetência e rodear-se-ão de funcionários de índole idêntica.

Por esta via aquilo que deveria ser um processo de avaliação objectiva de capacidades e qualidades de trabalho transforma-se em algo parecido com um circo onde todas as desventuras acontecem ao palhaço pobre, e única e exclusivamente a ele, por não demonstrar capacidades para integrar o “clube dos eleitos”.

Este tipo de cenário será mais evidente nas empresas de capitais públicos que na administração pública em virtude de nestas se revelar mais complicada a aplicação de critérios valorimétricos, mas com a novidade da limitação agora introduzida estou em crer que este relativo atraso será rapidamente recuperado.

Enquanto campear na nossa sociedade este tipo de “pessoas”, esta plêiade de arrivistas e demais incompetentes cuja única real qualidade é o servilismo e a bajulação, dificilmente veremos algumas das importantes empresas nacionais e os serviços da administração pública revelarem reais capacidades de desburocratização e modernização, com o acumular dos consequentes custos para o país.

50º ANIVERSÁRIO DO RANCHO FOLCLÓRICO DA CASA DO POVO DE ALMEIRIM

O Rancho Folclórico da Casa do Povo de Almeirim comemora hoje 50 anos de existência.

Uma data a recordar pela relevância que constituiu (e constitui) o trabalho de todos aqueles que ao longo deste meio século generosamente muito deram de si para que este grupo etnográfico mantivesse não apenas um trabalho de recolha e divulgação do património cultural almeirinense, mas também o fizesse com a dignidade e a qualidade que lhe tem sido reconhecida no país e no estrangeiro.

Parabéns a todos quantos de uma forma ou outra estão ou estiveram ligados a este esforço, e aos que ainda hoje mantém viva esta tradição uma especial referência pela sua vontade, empenho e generosidade. Que ao longo do próximo meio século não esmoreçam as vontades.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

AGRAVAM-SE AS TENSÕES NO IRAQUE

Notícias chegadas do Iraque dão conta de mais um atentado (qual foi o último dia em que não houve um atentado). Desta feita o alvo foi a mesquita de al-Askari, que viu a sua cúpula dourada destruída à bomba.

Tratando-se de um santuário xiita implantado numa cidade maioritariamente sunita, não tardou que ao atentado ontem perpetrado se sucedessem represálias. As últimas notícias reportam mais de uma centena de sunitas mortos, apresentando a maior parte evidentes sinais de execução sumária.

Sabendo-se que:

- a mesquita de al-Askari é um dos lugares mais santos para a corrente xiita (maioritária no Iraque), que se situa na cidade de Samarra onde a população é predominantemente sunita (facção religiosa minoritária no país);

- nos últimos tempos se têm multiplicado as referências à existência de grupos paramilitares, ligados ao Ministério do Interior de um governo controlado pelos xiitas, que se dedicam ao assassinato de activistas ou membros relevantes de origem sunita;

- as dificuldades para a formação de um novo governo, em resultado das últimas eleições legislativas, se encontram longe de resolvidas;

- os governos americano e inglês têm vindo a intensificar as pressões para uma rápida resolução da crise governativa;

- os exércitos americano e inglês continuam a debater-se com grandes dificuldades no controlo de zonas particularmente sensíveis, como é o caso das regiões produtoras de petróleo, onde os atentados e as emboscadas se sucedem a elevado ritmo;

quem poderá ter maior interesse no agravamento das, cada vez mais tensas, relações entre as comunidades xiita e sunita?

Os curdos (terceiro grupo, com origem étnica distinta) que controlam a zona nordeste do território e cujo principal anseio à a constituição de um estado curdo que unifique os seus territórios, actualmente distribuídos entre o Iraque e a Turquia?

Os xiitas que beneficiando da sua predominância dispõe de uma maioria de lugares no parlamento iraquiano e fizeram referendar e aprovar uma constituição aparentemente favorável?

Os sunitas, alvo da perseguição dos xiitas e antigos apoiantes de Saddam Hussein, que numa posição minoritária (em número efectivo e no parlamento) poderão entender o recurso à violência como forma de forçar alterações no panorama político?

As potências ocupantes, que além dos elevados gastos financeiros, começam a dar crescentes sinais de impaciência face às inesperadas dificuldades?

Embora possa parecer simplista (e é certo que existem outros factores de natureza religiosa e étnica) não me espantaria que no futuro venhamos a ser confrontados com provas que demonstrem a “intervenção” dos serviços secretos ocidentais nestes acontecimentos. Tanto mais que a administração americana debate-se com três complicados problemas em relação ao Iraque:

- a crescente contestação interna à presença de soldados americanos no Iraque;

- as dificuldades no alistamento de novas tropas que permitam “refrescar” as que se encontram actualmente no terreno;

- a impossibilidade de contemplar um cenário de intervenção no Irão (em consequência da questão nuclear) por manifesta escassez de efectivos militares.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

QUE BELA JUSTIÇA!

Tivemos hoje nova oportunidade para assistirmos a mais um mau serviço prestado ao sistema de justiça nacional.

Quando digo isto estou, obviamente, a pensar no caso do apelo interposto ao julgamento de Avelino Ferreira Torres. Não tanto pela redução da pena, fundamentada pelo Tribunal da Relação do Porto no facto dos actos praticados pelo arguido não configurarem um crime de peculato, mas sim o de abuso de poder, mas principalmente pela demora na apreciação dos apelos.

Fazendo um pouco de história, recorde-se quem Junho de 2004 Ferreira Torres, na qualidade de presidente da Câmara de Marco de Canavezes, foi condenado pelo Tribunal de primeira instância a uma pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, por o ter julgado culpado do crime de peculato (o arguido era acusado de utilizar maquinaria, viaturas e pessoal daquela autarquia para a execução de obras em benefício próprio). Na sequência desta sentença, que ditou também a perca do mandato de presidente da autarquia, o Ministério Público (acusação) e a defesa recorreram da mesma. O primeiro por a julgar demasiado benévola, a segunda por discordar da sentença.

Quase dois anos volvidos o Tribunal da Relação veio confirmar como provada a acusação, mas considerando que o crime praticado não se enquadra na definição de peculato (crime para o qual o código prevê uma pena de 1 a 8 anos de prisão) mas sim na de abuso de poder (com pena prevista de multa ou um máximo de 3 anos de prisão), procedeu à redução da pena de 3 anos para 2 anos e 3 meses, igualmente suspensa por um período de 4 anos.

Se não estranho o facto do tribunal ter decidido não aplicar a pena máxima (deverá ter tido em atenção o facto de se tratar de uma personalidade pública de reputada educação e cidadão cumpridor de todas as leis), já estranho que os apelos tenham demorado quase 2 anos a ser julgados.

Não tive conhecimento de qualquer comentário do Tribunal da Relação sobre esta demora, mas se questionado, estou seguro que a justificação se prenderia com a elevada complexidade do processo (não é isso que diz o Procurador-geral da República de todos os processos sobre os quais é questionado?).

O DEPUTADO VOADOR

Li hoje no JORNAL DE NOTÍCIAS e no DIÁRIO DIGITAL uma notícia que vem confirmar o clima generalizado de corrupção e nepotismo que grassa no nosso país.

Que outra coisa se pode concluir de uma notícia onde é reportado o facto de um deputado da nação (Ricardo Almeida) apresentar um elevado número de infracções por excesso de velocidade. Numa delas o “deputado voador”, forma carinhosa como é conhecido nos círculos policiais, foi apanhado a circular a mais de 200 km/hm, mas até hoje não conta com uma única condenação no seu imaculado currículo.

De forma aparentemente inexplicável o referido deputado, eleito na lista do PSD pelo círculo eleitoral do Porto, tem visto a maioria das transgressões arquivadas, ou seja têm sido remetidas à DGV decorrido um ano, ou mais, após a ocorrência.

O mais interessante é que estas transgressões ocorreram nos mais diversos locais do país, facto que indicia a existência de uma rede organizada de “perdoadores de multas”.

Parece, contudo, que a sorte deste nosso representante (na qualidade de deputado, não na de “acelera”) poderá estar em vias de mudar uma vez que o governo já decidiu substituir os polícias que exercem funções administrativas por funcionários civis, seguramente muito melhor preparados e mais expeditos a remeter os autos das transgressões à DGV.

Esperemos que a bancada partidária do “deputado voador” não faça daquela medida governativa um “cavalo de batalha” por considerar que esta traduza uma manifesta “cabala” contra o seu pobre correligionário, além de uma medida discriminatória, até porque as infracções detectadas apenas revelam o elevado espírito de empenho e sacrifício do citado deputado para comparecer a tempo e horas às inúmeras sessões parlamentares e outras obrigações do cargo, a que o voto popular o obriga. NÃO É?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

5 MINUTOS DE JAZZ

Há 40 anos que José Duarte nos tem vindo a dar “5 Minutos de Jazz”.

O programa iniciou-se na Rádio Renascença, já passou pela Rádio Comercial; actualmente ouve-se diariamente na Antena 1, às 3h55m e às 19h50m.

O seu autor foi fundador do Clube Universitário de Jazz, é autor de vários livros sobre Jazz, Membro do 'International Critics Jazz Poll' da revista 'Down Beat', conferencista, fundador da revista trimensal bilingue 'O Papel do Jazz', co-fundador e redactor do site jazzportug@l (http://www.jazzportugal.net/). No dia 1 de Outubro de 2004 (Dia Mundial da Música) foi agraciado com a 'Medalha de Mérito Cultural' atribuída pelo Ministério da Cultura.
Além do programa já referido, apresenta, na Antena 2 desde Janeiro deste ano, de segunda a sexta entre as 20h e as 21h o programa ‘Jazz com Brancas'.

Parabéns José Duarte pela longevidade do programa, mas principalmente BEM HAJA por ter contribuído para muitos termos aprendido a ouvir JAZZ.

Obrigado, Duarte!

RAZÕES QUE A RAZÃO (DES)CONHECE?

Parece instalada a polémica nos EUA em torno do facto das operações comerciais, em seis dos seus principais portos(Nova Iorque, Nova Jérsia, Baltimore, Nova Orleães, Miami e Filadélfia), estar a cargo da Dubai Ports WORLD, empresa com sede no Dubai, que recentemente lançou uma OPA amigável sobre a britânica P&O (Peninsular and Oriental Steam Navigation) que era a anterior responsável daqueles movimentos.

Acontece que a administração americana que agora autorizou esta mudança, associou em tempos os Emiratos Árabes Unidos com a Al-Qaeda, considerando – sem nunca o ter provado – o seu sistema financeiro como agente reciclador de dinheiro, ouro e diamantes por conta daquela organização, mas que vem agora defender a presença deste novo operador portuário e até já considera aquele estado como aliado na luta contra o terrorismo.

Para melhor se entenderem as razões para a polémica e a preocupação, recorde-se que desde o 11 de Setembro de 2001 que uma das principais preocupações com a segurança e vulnerabilidades dos EUA prende-se com os movimentos portuários e em particular os milhões de contentores que circulam sem inspecção pelo mundo (dados da administração americana estimam que apenas 5% daquele movimento será controlado).

Para um estado que tem desenvolvido quase uma paranóia em matérias securitárias, convenhamos que esta decisão é estranha…

Talvez não tanto para quem queira detalhar o que existe por detrás da DP WORLD.

Esta empresa é presidida por Ahmed bin Sulayem (por coincidência um dos três principais conselheiros do xeque Mohamed bin Rashid al Maktoum que é vice-presidente dos Emiratos Árabes Unidos e cuja fortuna pessoal se confunde com a do Dubai), é presidente da Istithmar, a holding de investimento das riquezas do emirato, e ainda de uma empresa de promoção imobiliária, a Nakheel. A empresa petrolífera do Dubai (a Adnoc) mantém laços próximos com a norte-americana Exxon-Mobil, que beneficia de ligações muito influentes junto da Casa Branca.

Por último o novo administrador da administração marítima americana, Dave Sanborn, é um antigo responsável da DP WORLD para a Europa e América Latina.

Mesmo que tudo isto não fosse suficiente para explicar esta situação aparentemente anómala, recordo que logo após o 11 de Setembro houve quem trouxesse a público as profundas ligações entre a família Bush (principalmente o pai George Bush, ex-presidente dos EUA) e a família Bin Laden, da qual é membro Ossama Bin Laden, presumível líder da Al-Qaeda, facto que seguramente esteve na origem das facilidades encontradas por vários membros desta família para abandonarem os EUA logo após o atentado, quando tal não era fácil para os próprios cidadãos americanos.

Como se vê, não é apenas a pura lógica dos negócios e das tão propaladas e defendidas leis do mercado, que regula o mundo; também é indispensável dispor dos relacionamentos adequados para alcançar o que não estará ao alcance do comum dos mortais.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

MORRER DA CURA OU DA DOENÇA?

Notícias hoje difundidas pelos órgãos de comunicação social nacional, adiantam que a Comissão Europeia apresentará na próxima quarta-feira um relatório sobre a estratégia do governo português para a consolidação orçamental. Este documento elaborado a partir da proposta portuguesa apresentada em Dezembro último, considera que o governo terá de tomar medidas adicionais para corrigir o défice a partir do próximo ano.

Estas medidas adicionais justificar-se-ão pelo facto da comissão formular expectativas menos optimistas relativamente aos resultados orçamentais e ao nível previsto para o crescimento da economia nacional e por se desconhecerem as medidas que o Governo ainda terá de definir e aplicar no quadro da estratégia de consolidação orçamental.

Considerando que no ano em curso a ênfase tem sido o aumento das receitas e que o reduzido crescimento da economia não permitirá que este aumento continue a fazer-se ao mesmo ritmo, as medidas a aplicar a partir de 2007 terão de se orientar, forçosamente, para a redução da despesa.

Às dúvidas referidas, acrescenta o relatório uma chamada de atenção para o facto do rendimento per capita português já ter caído para menos de 70% da média comunitária (UE a 25).

Significa isto em termos práticos que o governo de José Sócrates enfrenta um cenário de desequilíbrio orçamental numa economia sem aparente capacidade de crescimento, que o mesmo é dizer que quando o governo aplicar uma política mais restritiva ao nível da despesa o rendimento nacional será ainda menor (a componente privada do investimento continua sem se manifestar) e o nível de divergência para a média comunitária será maior. Se actualmente o salário médio português já só representa cerca de 50 % do espanhol, a curto prazo deverá passar a representar ainda menos.

Notícias como esta e a de há uns dias sobre a redução da taxa de IRS retida mensalmente (aqui comentada), mais não fazem que iniciar um processo de preparação psicológica dos portugueses para situações sociais cada vez mais precárias, fruto da aplicação de legislação cada vez mais neoliberal, tão do agrado dos investidores (estrangeiros ou nacionais).

Em conclusão, o cenário económico e social que nos espera, em nome do “sacrossanto” equilíbrio orçamental e da “bendita” economia liberal e global será o de menores rendimentos, maior divergência real para os nossos parceiros da EU e maior precariedade no emprego (segundo dados do INE, hoje citados num artigo no JORNAL DE NEGÓCIOS, em 2005 mais de 70% dos empregos criados eram precários – contratos não efectivos ou a prazo), sem que “a priori” ninguém possa assegurar que com esta panaceia drástica se obtenha a cura do paciente.

Garantido temos que nem este governo nem os que o antecederam se mostram dispostos a aplicar políticas efectivamente restritivas da despesa improdutiva, ou seja daquela que garante as suas múltiplas e amplas mordomias e capacidade para manter os séquitos de bajuladores e outros oportunistas, a par com uma efectiva actuação com vista à liquidação da economia paralela – país onde a totalidade dos seus cidadãos não contribua para o orçamento comum nunca passará de um país adiado.

domingo, 19 de fevereiro de 2006

MUDAM-SE OS TEMPOS…

Tem-se revelado particularmente interessante a leitura das múltiplas opiniões que no espectro político nacional se têm feito ouvir a propósito das declarações do ministro dos negócios estrangeiros, Freitas do Amaral, sobre o episódio da publicação dos “cartoons” sobre Maomé.

Com matizes ou cambiantes ligeiramente distintos, no dia imediato à tomada de posição daquele membro do governo de José Sócrates, quase toda a oposição se pronunciou contra uma declaração que apenas condenava a referida publicação, sem qualquer referência às violentas manifestações que se estavam a produzir no mundo árabe.

Há medida que o tempo tem passado e alguma da potencial polémica tem vindo a ser esclarecida, nomeadamente a ausência de condenação dos assaltos a embaixadas europeias em alguns países árabes, e que o Presidente da República ou o próprio primeiro-ministro têm vindo a reafirmar a posição portuguesa, ainda se vão fazendo ouvir algumas críticas.

O que agora se revela interessante é analisar a respectiva origem.

Após uma primeira fase em que quase toda a oposição parecia afinar pelo mesmo diapasão, eis que agora apenas alguns sectores da direita nacional parecem preocupados em reavivar a polémica.

A este facto não é seguramente alheia a origem política do actual titular da pasta dos negócios estrangeiros.

Como fundador do CDS e seu ex-líder, Freitas do Amaral parece ter-se transformado numa espécie de alvo a abater pelos sectores mais conservadores e que aparentemente mais se preocupam com a polémica gerada em torno da questão das caricaturas e com um possível desfasamento entre a política externa nacional e a dos restantes parceiros europeus.

É precisamente neste sentido que vai o artigo de Proença de Carvalho, hoje inserto no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, e no qual o autor manifesta a preocupação de ver o governo português desalinhado dos seus parceiros europeus no que entende ter sido a ausência de condenação dos actos violentos ocorridos durante as referidas manifestações.

Polémica à parte, estranho que o mesmo articulista não tenha manifestado idêntica preocupação quando o governo de Durão Barroso alinhou pela posição americana de invadir o Iraque, contra a opinião generalizada dos restantes parceiros europeus que se manifestaram em sentido contrário.

Será que nessa altura o prejuízo resultante do país ter alinhado por uma política de agressão gratuita e baseada em argumentos falsos (como aliás está sobejamente demonstrado) não foi muito mais prejudicial do que vir agora alguém (que por acaso até já foi presidente da assembleia-geral da ONU) condenar um acto que, sob a capa do inalienável direito de liberdade de expressão, na sua essência não foi mais que uma provocação?

Onde estava Proença de Carvalho no início de 2003? Também achava que Saddam Houssein dispunha de armas químicas (aquelas que os americanos lhe venderam para a guerra contra o Irão) e que era um perigo para a humanidade? Também será agora capaz de vir a terreiro defender as posições belicistas de Bush e Blair e a subserviência de Aznar e Barroso?

sábado, 18 de fevereiro de 2006

TERÁ SIDO VERGONHA?

O ministro italiano das reformas institucionais, Roberto Calderoli, demitiu-se na sequência das manifestações ocorridas na Líbia contra a sua decisão de ostentas “t-shirts” com as caricaturas de Maomé que estiveram na origem da polémica e da onda de violência que tem assolado o mundo islâmico.

Membro do partido mais radical e xenófobo da coligação de direita liderada pelo patrão da comunicação social italiana, Sílvio Berlusconi, Calderoli não resistiu a mais esta diatribe. Em resposta à sua posição, às manifestações ocorridas e atendendo à proximidade de mais uma acto eleitoral o pusilânime Berlusconi exigiu a demissão do possidónio Calderoli.

Não deixa de ser curioso como alguém que fez mudar leis para se eximir à justiça – Berlusconi – exige a demissão de um parceiro de coligação por algo tão “inocente” como o episódio das camisolas. É a política à italiana no seu pior…

SAÚDE OU SOFRIMENTO?

Uma das notícias que hoje me chamou a atenção foi a da possível alteração ao regime do Sistema Nacional de Saúde.

Nas palavras do ministro Correia de Campos poderá vir a registar-se a necessidade de introduzir escalões de pagamento no SNS.

Analisando aquela que tem sido a prática do governo de José Sócrates, reduzir a despesa pública de forma a combater o deficit excessivo, constata-se que as áreas onde se têm registado (ou se apontam como futuras áreas de intervenção) as maiores intervenções são aquelas que mais afectam as populações, e em especial as de menores recursos.

Começou-se por aumentar o IVA de 19% para 21%, ora tratando-se este de um imposto indirecto (dito cego pelos fiscalistas) atinge todas as camadas de consumidores mas com maior incidência nos de rendimentos mais baixos; aumentou-se a idade da reforma sob o argumento de que a breve trecho o sistema de segurança social não poderia suportar os respectivos encargos, penalizando os trabalhadores por conta de outrem, mas mantendo intactos os privilégios de classes como a política que continua a beneficiar de escandalosos esquemas de aposentação; fala-se na redução de encargos com a assistência social, que passará a ser assegurada por entidades privadas, com certeza devidamente compensadas pelo erário público; vai-se agora dizendo que qualquer dia, talvez seja necessário alterar o regime de acesso à saúde, introduzindo escalões de pagamento desses mesmos serviços que, como já estamos habituados irão ser fixados em função dos rendimentos dos utentes.

Estranhamente, ou talvez não, este governo (dito socialista e de esquerda) tem vindo a aplicar sucessivas medidas que no essencial penalizam principalmente o segmento da população que trabalha por conta de outrem, uma vez que todos os esquemas de “comparticipação” de serviços públicos que se baseiem em pagamentos por escalões de rendimento, apenas se aplicarão aquele grupo uma vez que os que exercerem actividades por conta própria ou sejam “improdutivos”, beneficiarão sempre do pagamento segundo os escalões de menores rendimentos.

Pior ainda que tudo isto (e já é bastante mau) é o facto de medidas desta natureza apenas servirem para agravar as condições de vida da maioria da população em benefício de uns quantos que, por formas e métodos ínvios ou muito pouco claros, têm logrado “flutuar” neste lodaçal em que se tem transformado a sociedade portuguesa.

Quando já chegámos ao despautério de privar as populações de médicos e professores sob o argumento de que determinados centros de saúde e escolas não são rentáveis face ao reduzido número de utilizadores, como se a saúde e o conhecimento fossem artigos sujeitos a leis de procura e oferta iguais às das batatas, o que se irá seguir?

Talvez este, ou o próximo, ministro das finanças se lembre de impor uma taxa sobre todas as pessoas que circulem (e respirem) pelas suas deste país!

O que seguramente nem este governo nem o próximo se lembrará é de reduzir a despesa com os seus séquitos (adjuntos, assessores, conselheiros, guarda-costas, motoristas, secretários), com a redução do número de ministérios e de secretarias de estado, com a redução do número de deputados (para quê tantos se grande parte deles até tem que perguntar ao vizinho do lado como tem que votar) e principalmente com as mordomias que toda esta gente recebe. Ainda se ao menos contribuíssem para resolver os problemas deste país e da sua população…

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

VAMOS ACABAR COM AS CASAS DEVOLUTAS E DEGRADADAS?

A recente proposta governamental de aplicar uma taxa de IMI agravada às habitações que se revelem devolutas deve merecer uma real atenção de toda a sociedade.

Imediatismo à parte, a iniciativa poderá realmente contribuir para a resolução de um cancro que afecta a maior parte das áreas urbanas deste país. Por todo o lado são bem evidentes os edifícios em acentuado estado de degradação que, com a sua simples existência, contribuem para agravar os problemas de natureza social, nomeadamente a degradação do ambiente e a fixação de estratos menos desejáveis de “habitantes”.

Sem qualquer espécie de discriminação, é bem real o facto deste tipo de espaços ser utilizado por grupos marginais à sociedade (maioritariamente tóxicodependentes) que contribuem também para o agravamento do clima de segurança geral.

Simultaneamente muitos autarcas se queixam da dificuldade em implementarem políticas de renovação urbana, principalmente nas áreas mais antigas e degradadas.

A proposta governativa mereceu imediato repúdio por parte da Associação Lisbonense de Proprietários que considera tratar-se de uma medida meramente orientada para o aumento das receitas públicas e autárquicas e originada em posições defendidas pela Associação de Inquilinos. É óbvio que, mesmo na ausência de posição oficial desta última associação, conhecendo as divergências de interesses entre as duas, o que agradar a uma desagradará de imediato à outra.

A proposta, tal como foi apresentada, deverá ter em conta situações específicas e particulares, mas, por melhor intencionada que seja, parece-me manifestamente insuficiente para vencer décadas de imobilismo e laxismo nas políticas de arrendamento e de qualificação urbanas.
A associação de proprietários não deixará de ter alguma razão quando reduz esta iniciativa a uma medida meramente economicista – quem esquece que é ao licenciamento de obras que as autarquias vão recolher parte significativa dos seus proventos – pelo que se impõe a aplicação de outras medidas complementares, para que esta ganhe o seu verdadeiro significado.

Assim, para se conjugar uma efectiva política de recuperação e rejuvenescimento dos tecidos urbanos deveriam ser aplicados, às habitações efectivamente devolutas, agravamentos fiscais ainda maiores e indexados ao estado de degradação dos imóveis; as autarquias deveriam reduzir ao mínimo a autorização de projectos de urbanização em novas áreas, forçando a iniciativa imobiliária a “recuperar” as áreas existentes, e a aplicar critérios de qualificação urbana com maior rigor, impedindo a continuação do processo de construção em altura principalmente em regiões onde tal é de todo em todo desaconselhado e descaracterizador da arquitectura tradicional.

Se faz sentido a construção de edifícios em altura nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto e numa ou outra localidade por manifesta falta de área urbanizável, dificilmente se entende que na maior parte do território nacional se continue a autorizar a construção de edifícios cada vez mais altos e descaracterizados da sua envolvente regional.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

SOBRE A GESTÃO DO PARQUE ESCOLAR

Continuam a registar-se movimentos de contestação da anunciada política de “racionalização” do parque escolar nacional.

Dois destes saltaram mesmo para as páginas dos jornais – o da escola secundária D. João de Castro, em Lisboa, e o da escola primária de Gemieira, em Ponte de Lima.

No primeiro contesta-se o encerramento daquelas instalações e a correspondente mudança para a Fonseca Benevides, escola que apresenta, na opinião dos visados, piores condições de conservação e exiguidade de espaço. No segundo, contesta-se a mudança de 23 alunos (número muito acima do mínimo de 10 alunos fixado pelo ministério da educação e com perspectivas de crescimento) de umas instalações que sofreram recentes obras de remodelação e melhoramento.

Os dois casos que já registaram acções de protesto visíveis – encerramento das instalações a cadeado – conhecem, neste momento desfechos diversos. Enquanto no caso das escolas de Lisboa a Direcção Regional de Educação de Lisboa mantém a sua posição de encerrar a D. João de Castro, no caso de Gemieira foi hoje mesmo conhecida a decisão da Direcção Regional de Educação do Norte de recuar na sua intenção e manter aberta a escola.

A conclusão a extrair destas situações (provavelmente aplicável a outras) é a de que as decisões são normalmente tomadas sem conhecimento adequado das situações ou, como pretendem alguns dos atingidos na D. João de Castro, que existirão outras razões para além das enunciadas.
Embora com resultados diferentes (até ver) confirma-se que havendo razões poderosas para a actuação dos envolvidos nestes processos (alunos, encarregados de educação, professores e autarcas), muitas vezes a tomada de decisões mais ou menos radicais revela-se o único método eficaz para que os poderes estabelecidos ouçam as vozes de quem localmente melhor conhece as situações.

O próprio avolumar de movimentos de contestação poderá estar na origem da decisão do primeiro-ministro; José Sócrates, se ter referido ao tema na sua intervenção de abertura de uma reunião com o grupo parlamentar do PS, que teve lugar ontem à tarde, aproveitando para reafirmar que a decisão do Governo teve por base “razões pedagógicas e não razões economicistas” e que “crianças em escolas com menos de dez alunos são crianças excluídas, sem condições de igualdade de oportunidades”.

Diz a sabedoria popular que “de boas intenções está o Inferno cheio”, comentário que se pode bem aplicar a esta situação. Tanto quanto me apercebi, os protestos que têm surgido prendem-se com aplicações distorcidas ou manifestamente antipedagógicas e o que, normalmente, é colocado em causa não são os princípios orientadores mas sim a sua aplicação generalizada a casos particulares, de que os dois exemplos referidos são paradigmáticos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

A OBRA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Não foi por acaso que retomei hoje o “ESTRANHO CASO DAS CARICATURAS” nem devido à atitude provocatória de um membro do governo italiano, mas sim por ter lido uma notícia segundo a qual a OPUS DEI terá “pedido” à Sony Columbia (empresa produtora de filmes) que retire algumas cenas da versão cinematográfica do “Código Da Vinci”.

Para quem não tenha ainda lido o muito falado romance homónimo de Dan Brow, informo que um dos personagens da obra é um monge, membro da OPUS DEI, que por instruções do principal responsável da “Obra” (é assim que esta associação é conhecida entre os seus membros) vai procedendo à eliminação física de todos quantos possam contribuir para a divulgação do “grande segredo”: Maria Madalena terá sido a mulher de Jesus Cristo, deles terá havido descendência cuja linhagem perdura até aos nossos dias, a qual tem sido protegida ao longo dos séculos por uma sociedade secreta.

Conhecendo o argumento literário, a pretensão da OPUS DEI (citada pelo DIÁRIO DIGITAL) de que os produtores eliminem do filme as cenas que possam «ferir os católicos» uma vez que o texto original «oferece uma imagem deformada da Igreja Católica», parece-me particularmente difícil (até pelos exíguos três meses que faltam para a estreia). As poucas ideias que me ocorrem implicam uma relocalização de toda a acção (para um qualquer país asiático ou do médio-oriente) e a substituição do monge católico por um membro de uma seita (“hashishin” ou “ninja”) e da religião católica por outra, na qual a união sexual do seu fundador não constitua heresia.

Apenas por esta via seria possível “agradar” à OPUS DEI e anular a sua advertência de que muitas pessoas se sentem ofendidas pela falta de respeito que representa para as crenças dos cristãos a versão original do romance. Apesar de tudo, magnanimamente, a “Obra” não tenciona interpor acções contra o filme, por não alimentar desejo de polémica, nem promover qualquer boicote, confiando na sensibilidade dos produtores para «evitar a ofensa, quando ainda é possível».

É espantosa a forma melíflua como a “Obra” pretende que os produtores auto censurem uma obra literária, é como se os herdeiros de Monsenhor Escrivá de Balaguer estivessem a tentar reinstituir o sistema da Inquisição sem a figura do inquisidor, dando à vítima a “gloriosa” oportunidade de se auto flagelar antes de se imolar pelo fogo.

Podem descansar os mais radicais dos “mulahs” e outros “ayatholas” islâmicos. Se deixarem de persistir nos seus anátemas anti americanos e anti globalização, muito terão a aprender numa futura confraternização com os mais iluminados dos membros da “Obra”. Pelo exemplo referido, as formas de coarctar a liberdade de expressão e de opinião, neste ocidente tão democrático e livre, atingem aqui requintes de malvadez, que os sequazes de George W Bush e do seu secretário de estado da defesa, Donald Rumsfeld bem andariam se as utilizassem em substituição das técnicas de interrogatório praticadas em prisões como Guantanamo e Abu Ghraib.

AINDA O ESTRANHO CASO DAS CARICATURAS

Para quem tenha acompanhado aos meios de comunicação nacionais ou estrangeiros nos últimos dias, não pode deixar de “esbarrar” em notícias e/ou comentários (eu próprio já abordei o assunto aqui e aqui) a propósito do caso da publicação das famigeradas caricaturas de Maomé por um jornal dinamarquês. Ás manifestações e tumultos que se lhe sucederam em diversos países islâmicos, o ocidente tem respondido com declarações, mais ou menos oficiais, de diferentes governos ocidentais, sem que quaisquer delas consigam explicar cabalmente a situação.

Quando nos países islâmicos começam a acalmar se as manifestações mais radicais, eis que estas se começam a registar em alguns países europeus. Com carácter mais pacífico, mas sem abdicarem da condenação do acto, as comunidades islâmicas instaladas na Europa fazem ouvir a sua voz, na rua ou sempre que possível, como aconteceu este fim-de-semana em Évora durante o Simpósio Internacional sobre a "Sociedade Cosmopolita, Segurança e Direitos Humanos" em que participou o líder da comunidade ismaelita – Aga Khan – e aproveitou a oportunidade para criticar a publicação dos “cartoons”, que considerou ofensivos, mas concluiu que a controvérsia deveria ser entendida como "um choque de ignorância", em vez de "choque de civilizações".

Enquanto do lado islâmico quase só nos chegam os ecos das críticas, do lado ocidental perfilam-se duas linhas distintas: a dos que criticam a publicação das caricaturas em nome do respeito intercultural e os que a defendem em nome da liberdade de expressão. Neste confronto entre dois valores particularmente caros às sociedades que gostamos de definir como avançadas, nem sempre se tem conseguido apresentar um discurso coerente e que de forma clara desmistifique muito do que aqui está envolvido.

Para começar convém recordar que a iniciativa de publicação das polémicas caricaturas partiu de um desafio colocado pela direcção do «Jyllands Posten» (jornal dinamarquês tido como próximo do governo de coligação liberal-conservador liderado por Anders Fogh Rasmussen) à comunidade de desenhadores/caricaturistas para abordarem o tema. Obrigado a vir a público retratar-se (o jornal publicou um texto do seu redactor-chefe, Carsten Juste, pedindo formalmente desculpa à comunidade islâmica pela publicação dos “cartoons”) nem assim o jornal deixa de lembrar a acção concertada de um conjunto de clérigos muçulmanos e de governos árabes que aproveitaram a ocasião para incitar a violência contra os países ocidentais.

Conhecendo a origem do incidente (e a política algo xenófoba dos conservadores dinamarqueses) e sabendo-se que logo após a publicação, representantes do corpo diplomático islâmico, acreditado em Copenhaga, solicitaram explicações a este governo que escudado no primado da liberdade de imprensa recomendou o recurso aos tribunais, solução tanto mais estranha quanto se sabe que a lógica diplomática é radicalmente distinta daquela.

Os muitos comentaristas que têm vindo a público defender a publicação das caricaturas, que opõem ao conceito islâmico de respeito pelo seu profeta o princípio ocidental da liberdade de imprensa, embora dignos de respeito e alguma concordância merecem o reparo de confundirem a lógica de funcionamento das sociedades onde há séculos se registou uma efectiva separação entre a esfera política e a religiosa e daquelas onde esta separação não existe. Mesmo não querendo pôr em causa o princípio da liberdade de expressão (e aqui reside outro sofisma latente porquanto todos conhecemos várias situações em que outros interesses se sobrepuseram a esse princípio), não é razão para que o governo dinamarquês tenha tratado a questão no seu início de forma tão displicente (quase arrogante) e pouco diplomática.

O avolumar da crise (mesmo sabendo-se concertada e destinada a servir outros interesses que não os da esfera religiosa) e a ânsia de notoriedade e lucro de outras publicações conduziram a que as famigeradas caricaturas tenham conhecido sucessivas publicações por outros jornais (a última ocorreu há uns dias quando o semanário humorista francês «Charlie-Hebdo» alcançou uma tiragem muito superior à normal), opção que longe de contribuir para afirmar a liberdade de imprensa está a contribuir para inflamar a situação enquanto assistimos a uma dualidade de critérios entre os governos ocidentais.

Enquanto os mais envolvidos na instabilidade no médio-oriente (EUA e Grã-Bretanha) optam por uma estratégia de condenação da publicação (numa atitude de hipócrita tentativa de capitalização de simpatias islâmicas) outros optam por discursos ambíguos onde nem se defendem os princípios nem se condenam as atitudes. Mais recentemente o alto responsável da União Europeia para a política externa, o espanhol Xavier Solana, procurou acalmar os ânimos num encontro com Ekmeleddin Ihsanoglu, secretário-geral da Organização da Conferência Islâmica (OCI), tendo obtido da parte deste, como resposta, que a Europa precisa de adoptar medidas legislativas contra a islamofobia. Hoje mesmo a questão foi debatida no Parlamento Europeu, que se pronunciou pela defesa da liberdade de expressão e condenou a violência que tem envolvido os protestos, enquanto em Itália, Roberto Calderoli o ministro do governo de Silvio Berlusconi (membro da Liga do Norte, partido que integra a coligação governamental e que é conhecido pelas suas tomadas de posição xenófobas), mandou fazer "t-shirts" com reproduções das polémicas caricaturas sobre Maomé as quais se propõe usar e distribuir como forma de protesto contra o modo subserviente como na Europa tem lidado com a situação.

De uma forma ou outra, todos acabam por prestar um mau serviço aos valores ocidentais, que afirmam defender quando se revelam incapazes de marcar uma posição de defesa das liberdades ocidentais, enfeudados que estão à prática de desrespeito das liberdades dos outros.

Saber distinguir entre liberdades e direitos passa por ser uma das vantagens da civilização ocidental, embora esteja em crer que os interesses económicos e militares que ditam as políticas que os países ocidentais vêm aplicando no Médio-Oriente há muito esqueceram as liberdades (incluindo as dos seus próprios povos) para fazerem valer os seus [mais que duvidosos] direitos sobre os mais fracos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

PRO DOMO SUA (*)

A TSF noticiou esta manhã que a administração americana de George W Bush e o governo israelita de Ehud Olmert estarão a concertar uma estratégia para abordar a questão palestiniana.

Informações apontam para que a estratégia de boicote financeiro à Autoridade Palestiniana, que a comunidade de doadores continua a ameaçar aplicar caso o Hamas persista no não reconhecimento do estado de Israel e não abandone a opção da luta armada, seja combinada com a retenção pelos israelitas dos fundos resultantes de tarifas e impostos por estes cobrados e devidos aos palestinianos. Por esta via procurar-se-á provocar o caos financeiro e social nos territórios palestinianos, situação com que Mahmud Abbas, presidente da AP, deverá fundamentar a decisão de dissolução da assembleia eleita no mês passado.

Embora a situação de total isolamento do Hamas, movimento guerrilheiro que se apresentou nas últimas eleições legislativas palestinianas e conquistou a maioria absoluta dos lugares em disputa, possa estar a registar alguma alteração (vamos aguardar para ver como decorre o encontro, já aceite pelos líderes daquele movimento, para que foram convidados pelo presidente russo, Putin), a sua posição parece muito difícil de sustentar uma vez que os países árabes não deverão conseguir, nem estarão muito interessados em assegurar os financiamentos em vias de suspensão.

Do próprio campo palestiniano surge informação que parece confirmar o pressuposto apresentado. A assembleia cessante, dominada pela Fatah, procedeu na sua última sessão à autorização para o presidente Abbas nomear um novo Conselho Constitucional, órgão que terá a última palavra em caso de divergência entre o presidente da AP e o governo que o Hamas virá a constituir, bem como o direito de veto sobre legislação anticonstitucional.

A concretizar-se esta estratégia, e tudo indica que é o que irá acontecer, esperam americanos e judeus que no novo acto eleitoral os palestinianos venham a preterir o Hamas em benefício da Fatah (partido que desde o início tem dirigido a AP e sobre o qual pendem fortes acusações de nepotismo e corrupção) que estes julgam mais “maleável” num processo negocial do qual esperam obter ainda maiores benefícios para Israel.

E se nas próximas eleições os palestinianos (povo reconhecidamente estúpido e teimoso) vierem a repetir a maioria do Hamas?

Será que Bush e os seus pares vão decretar a mudança do povo palestiniano? Ou simplesmente, declará-lo incapaz para saber em quem deve votar?

Se ao menos os territórios palestinianos não estivessem tão próximos de Israel, o governo deste ainda poderia contemplar o recurso ao seu arsenal nuclear para, de forma definitiva e rápida, resolver este problema. Na impossibilidade restará o uso de medidas suaves, mas que eficientemente conduzam à eliminação (a idênticas práticas perpetradas em meados do século passado chamaram extermínio) pela fome daquele povo incómodo.

(*) EM DEFESA DOS SEUS INTERESES (lat)

QUANDO A FARTURA É MUITA...

Notícias hoje difundidas em diversos órgãos de comunicação social dão conta da decisão do governo de José Sócrates baixar a percentagem do vencimento, dos trabalhadores por conta de outrem, retidos pelas entidades patronais a título de IRS.

Desta forma aqueles trabalhadores verão aumentado o seu rendimento líquido e minimizados os efeitos negativos dos elevados montantes mensalmente descontados que o Estado reporá meses mais tarde, quando do acerto de contas proporcionado pelas declarações de IRS apresentadas anualmente ao fisco.

É bem provável que as associações patronais venham a contestar esta medida, altamente lesiva dos seus interesses, uma vez que para muitas entidades patronais o montante dos descontos retidos nos vencimentos dos seus trabalhadores (seja a título de IRS seja de descontos para a Segurança Social) constitui uma das suas principais fontes de autofinanciamento.

Uma vez que esta medida apenas aparenta benefícios para os contribuintes individuais, permito-me deixar aqui a dúvida – o que será que o governo se prepara para aumentar?

Nesta, como em muitas outras situações, razão tem o povo ao dizer: «QUANDO A FARTURA É MUITA, O POBRE DESCONFIA!»

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

ALMEIRIM NA ROTA CULTURAL NACIONAL

Almeirim estará hoje num plano diferente do habitual.

Para todos os efeitos a exibição às 21H30, no Cine-Teatro de Almeirim, do documentário sobre Agostinho da Silva, integrado nas comemorações do centenário do nascimento deste pensador, coloca a cidade em plano de igualdade com as outras 99 localidades da lusofonia onde a exibição acontecerá em simultâneo.

O documentário/filme «Agostinho da Silva - Um pensamento vivo», foi realizado pelo seu neto, João Rodrigo Mattos, e apresenta o percurso biográfico do filósofo desde a infância e juventude, passando pelas obras que escreveu, ao auto-exílio de 25 anos no Brasil, até à sua morte, em Portugal.

Filmado em vários locais de Portugal e do Brasil, conta com depoimentos, de personalidades como Manoel de Oliveira, Caetano Veloso, Mário Soares e Lagoa Henriques; na banda sonora vão ouvir-se as vozes como as de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Gal Costa.

No local estará patente a exposição «Agostinho da Silva - Exposição Foto-Bio-Bibliográfica», organizada pela Comissão das Comemorações Oficiais do Centenário e a Associação Agostinho da Silva, com o apoio do Instituto Camões.

AGOSTINHO DA SILVA

Comemora-se hoje o centenário do nascimento de um Homem.

Podia ser o de um qualquer homem, porque estou em crer que seria assim que o Prof. Agostinho da Silva gostaria de ser recordado.

Na modéstia poderosa das suas próprias palavras escreveu um dia, a propósito de um outro centenário, que este tipo de manifestações servem mais para que apareçam os vivos que para comemorar os mortos.

Figura da cultura luso-brasileira, Agostinho da Silva deixou a sua marca em áreas tão diversas como os estudos clássicos e a educação popular, foi tradutor e opositor ao regime do Estado Novo, o que o conduziria à prisão e auto-exílio no Brasil; fundou universidades, foi conselheiro de presidentes e governos; poliglota, viu publicadas obras nas áreas da pedagogia, ciência, literatura e filosofia.

Assumido espírito livre, inconformista e original, intuiu uma vocação para a cultura portuguesa, brasileira e lusófona traduzida no seu espírito universalista; contribuiu para a criação de uma comunidade armonizadora de diferenças (sejam elas de pendor nacional, cultural, político ou religioso), havendo quem o veja como o inspirador da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Pensador do terceiro milénio, impulsionador da sensibilidade ecológica e ecuménica, foi defensor um verdadeiro diálogo transversal nas vertentes cultural e religiosa visando a superação de preconceitos e contradições, normalmente originadoras de desarmonias e opressões fomentadoras de conflitos.

Não subscrevendo na íntegra muitas das suas asserções, nomeadamente as de índole mais metafísica, reconheço-lhe, obviamente, a superior capacidade de abalar estruturas e mentalidades, bem como uma disponibilidade e abertura de espírito rara num tempo em que tantos têm inabaláveis certezas.

Numa tentativa de resumir aqui o seu próprio pensamento, no que ele mais tem de libertário lembro esta sua frase:

"Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem."

seria óptimo se todos tivéssemos um pouco de Agostinho da Silva.

domingo, 12 de fevereiro de 2006

DEPOIS DO AFEGANISTÃO E DO IRAQUE SEGUE-SE O IRÃO?

Notícias hoje difundidas pelo SUNDAY TELEGRAPH dão conta de que a administração Bush há vários meses que vem planeando um ataque preventivo ao Irão, existindo para o efeito uma equipa de especialistas que reporta directamente ao secretário de estado da defesa, Donald Rumsfeld.
De acordo com a fonte citada tal dever-se-á ao clima de crescente tensão em torno da questão nuclear, parecendo que o presidente George W Bush não deverá abandonar a Casa Branca (daqui a cerca de dois anos) sem “resolver” a questão de impedir aquele país de aceder à tecnologia que lhe permita a produção de armamento nuclear.

A polémica em torno do direito do Irão produzir energia a partir de um processo de cisão nuclear, sendo anterior às ocupações do Afeganistão e do Iraque (países com os quais aquele faz fronteira), ganhou nova dimensão após o início da “guerra contra o terror”. Importa igualmente não esquecer que desde 1979 (ano do derrube do regime pró-ocidental do Xá Reza Pahlevi que fora recolocado no trono em 1953 após um golpe organizado por ingleses e americanos em resposta à nacionalização do petróleo decretada por Mohamed Mossadegh), da posterior crise dos reféns da embaixada americana e do fracasso que foi a operação militar organizada para lhe pôr cobro, que os EUA sempre têm alimentado um certo desejo de “desforra”. Tanto assim é que durante a guerra Irão-Iraque a administração americana colaborou activamente no processo de armamento de Saddam Hussein, não sendo mesmo de excluir a hipótese de ter sido um dos impulsionadores do conflito.

Os países ocidentais estão em crer que embora tenha ratificado o tratado de não proliferação nuclear, e sempre tenha colaborado no processo de inspecções periódicas da AIEA (as quais em muitas circunstâncias ultrapassaram o estabelecido no tratado) o Irão poderá ter julgado oportuno o momento de tensão que se vive no Médio-Oriente para subir um degrau na tecnologia nuclear. Para ajudar esta tese tem sido dada ampla cobertura aos inflamados discursos nacionalistas do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, e em particular aos que referem a eliminação do estado de Israel.

Queiramos, ou não, sempre que se fala no Médio-Oriente voltamos à questão de Israel, tanto mais que a confirmarem-se as teses americanas, o Irão passaria a dispor de capacidade idêntica à do estado judaico, que segundo informações recolhidas pela CIA disporá, no mínimo, de uma centena de ogivas).

Neste clima de crescente instabilidade e após a decisão do conselho da AIEA de apresentar o dossier iraniano na próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU, à qual o governo iraniano respondeu com a suspensão das inspecções daquele organismo às suas instalações nucleares, surge agora esta muito conveniente “fuga de informação” do Pentágono, talvez como mais um contributo para a formação de uma opinião pública favorável a mais uma invasão.

Começa a ser cada vez mais previsível a reacção americana aos alegados fracassos das soluções diplomáticas - quando fraqueja a força dos argumentos um estado militar apenas conhece a resposta da força bruta – restando apurar se depois não acontece como as famosas armas químicas de Saddam Hussein.

sábado, 11 de fevereiro de 2006

RAMOS HORTA SUCESSOR DE KOFI ANNAN?

No momento em que nos órgãos de comunicação social se começa a falar da hipótese da escolha de Ramos Horta para substituir o actual secretário-geral da ONU, Kofi Annan, talvez se justifique uma reflexão sobre a forma como se alcança aquele lugar.

A ONU resultou na transformação da antiga Sociedade das Nações no período que se seguiu à II Guerra Mundial. Até esta data já conheceu oito secretários-gerais nomeados após um processo de negociação entre os países membros da organização. Neste processo de escolha, tal como em todas as decisões, os cinco estados com assento permanente no Conselho de Segurança (EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha e China) dispõem de direito de veto.

A indicação do nome de Ramos Horta como possível futuro secretário-geral é uma mera manifestação de intenção, tanto mais que o próprio ainda não anunciou a sua disponibilidade (estará a aguardar os desenvolvimentos das conversações em curso), que para obter sucesso terá que contar com o apoio das nações com direito a veto.

Para se ter uma melhor noção do que isto significa recorde-se que Kurt Waldheim (5º secretário-geral de 1971 a 1981) viu nesse ano recusada a hipótese de um terceiro mandato quando a China o vetou e que o mesmo sucedeu a Boutros Boutros-Ghali em 1996 quando os EUA o vetaram para um segundo mandato. Kofi Annan também não verá atribuído um terceiro mandato, pelo que as conversações para a sua substituição já terão começado.

Independentemente do apoio que o ministro dos negócios estrangeiros português, Freitas do Amaral, já deu a conhecer (o peso de Portugal neste processo é diminuto) Ramos Horta poderá beneficiar de dois factores importantes na corrida: o relativamente bom relacionamento entre a administração americana e o governo de Timor-Leste, no qual exerce o cargo de ministro dos negócios estrangeiros, e o facto de ser de origem asiática.

Após um primeiro período de tempo em que os secretários-gerais eram de origem europeia (1945 a 1961), desde U Thant (de nacionalidade birmanesa) que conclui o seu segundo mandato em 1971 que o cargo não é ocupado por nenhum asiático. Desde 1992 que este tem sido desempenhado por africanos (o egípcio Boutros Boutros-Ghali e o ganês Kofi Annan), pelo que poderá haver boas hipóteses de desta vez voltar a ser uma personalidade do continente asiático.
Para além destas razões Ramos Horta pode ainda apresentar alguns outros argumentos a seu favor, como seja o facto de ter passado um longo período (entre 1975 e 1999) nos EUA na qualidade de representante da Fretilim, defendendo a causa da independência do território e da cessação da ocupação indonésia, e de ter sido um dos laureados com o Prémio Nobel da Paz em 1996 (conjuntamente com o bispo Ximenes Belo).

O passado de luta e de defesa do direito dos povos à autodeterminação de Ramos Horta, associado com a sua longa passagem pelos EUA e por algumas das suas escolas e instituições públicas, onde exerceu a prática de lobying, a par com um perfil moderado poder-lhe-á granjear algumas hipóteses, num momento em que a administração americana procura um sucessor para uma personalidade que lhe criou alguns embaraços, nomeadamente quando não apoiou a invasão americana do Iraque em 2003, a qual chegou mesmo a qualificar de invasão e ocupação ilegal.

Enquanto os representantes das principais potências vão analisando dossiers e pesando prós e contras de um conjunto de candidatos, com o fito de vir a ser escolhido o novo secretário-geral da ONU, nós continuamos condenados a assistir a este processo, que tem de tudo menos de democrático, do qual resultará uma nomeação para a ocupação de um cargo de direcção, importante para grande parte da população mundial, uma vez que é a ONU que assegura o funcionamento de um sem número de agências e organismos de assistência e apoio às populações vítimas de desastres naturais e conflitos, logo com maiores carências.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

FUNDAMENTALISMO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Para não confundirmos dois princípios bem distintos mas que os tempos que correm têm contribuído para adulterar aqui deixo três imagens que me parecem bem elucidativas da diferença entre a observação crítica e mordaz e a mera provocação gratuita.

A primeira é uma das que integrou a colecção impressa pelo JyllandsPosten, em resultado do desafio colocado aos caricaturistas e desenhadores para que produzissem trabalhos sobre a figura do Maomé, da autoria de Kurt Westergaard

Aparte o simbolismo que associa bombas(istas) a muçulmanos nada nela implica que o retratado seja o próprio Maomé. Esta leitura é fruto do contexto da publicação que não do desenho propriamente dito.

A segunda, da autoria de Ruben foi publicada no jornal holandês NRC Handelsblad, surge na sequência da polémica e reflecte precisamente o facto de não se tratar de Maomé (DIT IST NIET MOHAMMED – ISTO NÃO É MAOMÉ)

A última, não é uma caricatura mas sim uma das obras actualmente em exposição na 25ª edição da ARCO (Feira Internacional de Arte), em Madrid. É da autoria do espanhol Oscar Seco, que a explica como uma metáfora do poder como instrumento do bem ou do mal e recusa a sua integração na polémica agora em curso.

Aqui ficam estas imagens na tentativa de demonstrar que também a arte deve ter um importante papel na interpretação do real e na capacidade para nos fazer pensar sobre ele.

É ISTO QUE TEMOS QUE DEFENDER E EXPLICAR A QUEM NÃO O ENTENDA!