domingo, 30 de novembro de 2014

PROTECÇÃO DAS ESPÉCIES

As notícias e os comentários sobre os escândalos de corrupção e os processos judiciais mediáticos estão a deixar passar em claro um acontecimento verdadeiramente importante para a esmagadora maioria dos portugueses: a aprovação dum Orçamento de Estado para 2015 que repete os erros técnicos de anos anteriores e que insiste numa política de insensibilidade social e na redução das funções do Estado enquanto mantém as desgastadas opções despesistas e a perpetuação dum modelo de injustiça fiscal.

Enquanto a preocupação informativa se centra na discussão de vantagens e inconvenientes da prisão de personalidades ou onde (A nova casa do ‘Animal Feroz’) e com quem irão partilhar as agruras da detenção (Os vizinhos de Sócrates na prisão), permanecem por divulgar comentários, para debate e esclarecimento da opinião pública, como o apresentado por Eugénio Rosa, sobre o verdadeiro confisco fiscal que se avizinha, traduzido no facto de que «Em 2015 os portugueses pagarão mais €2.006 milhões de impostos e as empresas menos €892 milhões», com a agravante deste benefício ser maioritariamente encaixado pelas grandes empresas.

Dito de outra forma (como o fez o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra no seu último Barómetro da Crise); entre 2007 e 2015 a cobrança do IRS aumentou 45% e a do IVA 10% enquanto a cobrança do IRC foi reduzida em 18%, ou seja: as famílias (trabalhadores por contra doutrem e consumidores) suportam o agravamento da carga fiscal em benefício das empresas e em especial das grandes empresas.

Quando do centro financeiro da Europa, Frankfurt, chega a informação que o «BCE pode ter de avançar para a compra de dívidas soberanas» ou da Alemanha se ouvem avisos de que «"Estamos todos a viver num esquema Ponzi"», dizer que um «Orçamento de "rotina" esquece reforma do Estado» ou lembrar que até o «Conselho Económico e Social arrasa orçamento para 2015» não chega para fomentar um debate que a corrente ordoliberal continua a boicotar.

Esta táctica de limitação do debate, preconizada pelo PSD e pelo CDS, tem servido para a perpetuação duma política que a coberto da necessidade de saldar a dívida mais não tem feito que garantir uma clara transferência de riqueza das classes trabalhadoras (assalariados e pequenos empresários) para os detentores de capital (grandes empresários e rentistas).


O sofisma é tal que até das mais recentes alterações no IRS (alteração de escalões e mecanismo de deduções) resultou um considerável agravamento da carga fiscal sobre os rendimentos mais baixos em benefício duma redução sobre os rendimentos mais elevados (acima dos 100.000€/ano), mas que os seus autores, tomando o todo pela parte, têm despautério de apresentar como um benefício e asseguram que aquela «Reforma devolve 4% do aumento do IRS às famílias».

Mas a insensibilidade do OE para 2015 não se reduz às questões fiscais, nem todos os problemas se encontram no lado da receita, ou não teriam sido propostas limitações às prestações sociais não contributivas – as que mais beneficiam as famílias de menores recursos – precisamente quando aumentam os sinais de vulnerabilidade social. Transferir do OE para as IPSS o apoio a estas famílias, como se está a fazer, configura a segunda vertente dum plano que, reduzindo as despesas, privará os cidadãos mais desfavorecidos da dignidade que lhes resta, substituindo-a por um modelo de apoio caritativo intermediado por instituições privadas.

As soluções de natureza ordoliberal que passam pela redução do papel do Estado e são justificadas como única via para resolver uma crise que foi originada nos seus próprios dogmas de desregulamentação, estão a atirar os segmentos da população socialmente mais desprotegidos para uma situação de pobreza e a condenar as gerações mais jovens à indigência, seja pela incapacidade de gerar novos postos de trabalho seja pela repetida redução da sua formação (inevitável face à contínua redução dos orçamentos para a Educação) e ao desespero.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

RAPSÓDIA POLÍTICA

A agitação que nos últimos dias tem varrido a comunicação social por causa dos casos de corrupção envolvendo altas figuras do Estado estará em alta com a situação inédita da detenção dum ex-primeiro-ministro; aparte naturais semelhanças com uma rapsódia (género musical, de escassa unidade formal, que justapõe melodias e temas populares) e deixando de lado as polémicas em torno da actuação da imprensa mais sensacionalista (e das suas ligações às famigeradas “fugas de informação” judicial) e do quase inevitável aproveitamento político (a que tarde ou cedo nenhum dos partidos do “arco do poder” resistirá), que outras leituras podem ocorrer desde já?


Além das imediatas repercussões por esse mundo fora, que outros efeitos se podem já constatar? que, finalmente, a Justiça parece funcionar? e que terão terminado os tempos de impunidade?

Por mim, prefiro esperar o desfecho dos inquéritos em curso (algo que se arrastará demasiado para a dimensão e gravidade das acusações) mesmo sabendo que permanece a dúvida quanto ao resultado e ainda mais quanto à eficiência duma Justiça que parece mais preocupada com a mediatização da sua actuação – o pior e mais preocupante dos sinais que podia transmitir – que com a qualidade do resultado final.

Enquanto na praça pública se debate a culpa ou a inocência dos acusados permanecem sem alteração os enquadramentos legais e os modelos de funcionamento que permitiram – se é que não potenciaram – os actos que resultaram nas acusações. Tal como a desregulação financeira contribuiu decisivamente para a implosão do GES/BES e para as malfeitorias que são imputadas ao seu anterior homem-forte, Ricardo Salgado, também a ausência duma sólida condenação social e política das conhecidas práticas de favorecimento e nepotismo (afinal um processo de desculpabilização semelhante) estará na origem dos muitos casos que têm atravessado o nosso quotidiano nos últimos anos.

Esta situação pardacenta, onde se apontam os suspeitos e se acusa à boca pequena, é a que tem permitido o florescimento do oportunismo de agentes económicos e políticos de reduzida ou nula formação ética. A actual detenção de José Sócrates pouco se distingue doutros casos, como o de Isaltino Morais ou de Ferreira Torres, facto que não os impediu de repetirem candidaturas vitoriosas em subsequentes eleições autárquicas, só possíveis graças ao compadrio da generalidade da classe política nacional.

Os baixos padrões éticos revelados por quem nos tem governado – seja no plano nacional, seja no plano local – precisam de continuar a ser denunciados e a manter viva a exigência de ver publicamente esclarecidos muitos outros “casos” onde as suspeitas não podem deixar de continuar a avolumar-se.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

AS GORDURAS SOMOS NÓS

Foi esta semana apresentado o último Barómetro das Crises, trabalho que vem sendo desenvolvido pelo CES (Centro de Estudos Sociais) cujo «Observatório vê a austeridade reflectida num "Estado deformado" pela recessão e pela dívida». De forma mais pragmática o DINHEIRO VIVO revelou-nos um quadro onde os salários e os apoios sociais caem, o IRS sobe e as «Gorduras do Estado aumentam mil milhões entre 2007 e 2015». Será preciso acrescentar mais alguma coisa sobre este comprovado falhanço da “austeridade expansionista”?


Depois dos cortes nos salários e no pessoal, das reduções orçamentais impostas a funções fundamentais como a Saúde, a Educação e a Segurança Social, medidas justificadas pela necessidade de adequar a dimensão e o peso da administração pública às nossas possibilidades (????), eis que se constata que, sem falar no aumento dos encargos com o serviço da dívida,«…os consumos intermédios aumentaram 11%, cerca de mil milhões de euros. Os encargos com PPP, incluídos nesta rubrica, que eram estimados no orçamento de 2007 em cerca de mil milhões de euros, totalizam no orçamento de 2015 cerca de 1,4 mil milhões de euros


No capítulo dos impostos verificou-se uma redução do IRC e um aumento do IRS e do IVA, num claro sentido regressivo para as famílias de menores rendimentos e contribuindo para a ideia que ao aumento da desigualdade se associa agora uma clara erosão da função redistributiva do Estado, que apenas permite concluir que, na perspectiva dum governo que segue à risca as premissas dos teóricos ordoliberais, as gorduras somos nós.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

VISTOS DOURADOS

O comentário de abertura desta semana deveria ser qualquer coisa em torno da última cimeira do G20. «Mais ricos repetem mão cheia de promessas para controlo financeiro», poderia ser um bom ponto de partida (mesmo sabendo que isso não constitui novidade nem deverá passar do rol das boas intenções), tão ilusoriamente reconfortante quanto a ideia que estarão de volta as teses keynesianas quando se afirma que o «G20 quer acelerar crescimento com mais investimento em infraestruturas».

A crescente inutilidade deste areópago ressalta não apenas da quase completa ausência de resultados práticos como da mistificação que sempre a rodeia. A comprová-lo está a notícia que «Putin abandona G20 após puxão de orelhas por causa da Ucrânia» quando a realidade pode ser a de que a saída prematura do presidente russo se poderá ter ficado a dever à reduzida importância que Moscovo lhe atribui.

Perante este “jogo do empurra” das mais completas fatuidades não se estranhe que a notícia mais badalada em Lisboa, nos últimos dias, tenha sido a de que, na sequência do despoletar do caso dos “vistos dourados”, «Miguel Macedo demite-se».


A origem do problema está no mecanismo dos “vistos dourados”, estratagema que o Governo afirma servir para fomentar o investimento estrangeiro, mas que assegurando a benesse em contrapartida duma mera operação imobiliária, bem se pode classificar como um «Visto pouco dourado e muito suspeito».

Tão suspeito que a investigação agora concluída fez com que fossem «Detidas 11 pessoas por corrupção e branqueamento», incluindo altas figuras do Estado como sejam o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o presidente do Instituto dos Registos e Notariado e a secretária-geral do Ministério da Justiça; integrando estes e a secretária-geral do Ministério do Ambiente (que à semelhança da homóloga da Justiça pediu a demissão na sequência das buscas àquele ministério) um círculo hierárquico e de relações próximas do agora demissionário ministro da Administração Interna, bem se poderá dizer que foi «Miguel Macedo vítima das suas amizades».

Além das implicações de natureza política, que já se fazem sentir quando se pretende que a «Demissão de Macedo pressiona remodelação profunda» ou se vê que «Marcelo considera que "é uma pena" se Passos não remodelar», outras deverão ser retiradas dum caso que tinha tudo para correr mal…


A responsabilidade do Governo (e em especial do vice-primeiro ministro que nunca escondeu o apoio aos mecanismo dos “vistos dourados”, nem o contentamento por terem sido «Atribuídos mais de 1.600 vistos gold em dois anos») não se pode limitar à notícia que Paulo «Portas defende vistos gold, mas não descarta acertos na lei» e ainda menos aceitar a bonomia com que o CDS veio a terreiro afirmar que «“Os vistos Gold são bons para o investimento e devem continuar”», como se o “negócio” da venda de imóveis inflacionados constituísse alguma mais-valia para qualquer economia. Fazer tábua rasa dum mecanismo que claramente privilegia a especulação imobiliária e a fraude (não esqueçamos que já em Junho deste ano o DN assegurava que «Chineses com vistos “gold” queixam-se de burla imobiliária», por alegadamente estarem a “comprar” imóveis sobrevalorizados) e apresentá-lo como se constituísse a quintessência para o crescimento económico – algo que o governo Passos Coelho/Paulo Portas nunca esteve próximo de conseguir – não passa de mais um logro com que intentam disfarçar a falência do modelo da “austeridade expansionista”.

Tal como no caso dos acordos fiscais secretos no Luxemburgo, também este mecanismo dos “vistos dourados” bordeja as fronteiras da legalidade e apresenta contornos de franca imoralidade, da qual urge retirar ensinamentos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MULTINACIONAIS E FISCALIDADE

Embora sem constituir verdadeira novidade (há muito que a questão era falada), a notícia que na passada semana denunciou a existência de «Acordos fiscais secretos entre Luxemburgo e 340 multinacionais» não deixou de cair como uma bomba, especialmente por colocar o, ex-governante e actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude «Juncker sob fogo cruzado por fazer do Luxemburgo um paraíso fiscal».

Há muito que a famosa atractividade do Luxemburgo era comentada e que argumentos como a sua centralidade geográfica ou até a veterania no processo de construção da UE (recorde-se que o Luxemburgo, juntamente com as vizinhas Bélgica e Holanda, integrou a primeira comunidade económica na Europa, o BENELUX), mais não faziam que sorrir os observadores avisados. Era claro que a atractividade dum território minúsculo (cerca de 2.500 Km2, sensivelmente metade da área do Algarve, e um pouco mais de meio milhão de habitantes) sem especiais recursos naturais mas onde campeia a intermediação financeira, não poderia resultar senão dum mecanismo artificial.

É claro que numa época onde o “leitmotiv” da gestão é a “criação de valor para o accionista”, tudo serve para aumentar os lucros e melhorar o bónus anual dos gestores; dizer-se, como o fez Rui Tavares na crónica «A solução está na cara» que «[o] escândalo não é só financeiro, mas moral», mais que evidenciar o problema traduz a essência dos responsáveis em quem temos delegado a gestão da coisa pública.

Quando a cupidez de gestores e accionistas das grandes multinacionais se conluia com políticos desprovidos de sólidos padrões éticos e morais, quando no sector financeiro passaram a pontificar os “banksters”, quando o embuste e a mistificação passaram a ser virtudes glorificadas e endeusadas como condição “sine qua non” para os CEO’s, dificilmente se poderia esperar outro resultado que não o de ver as economias e os sistemas fiscais transformados num jogo de pura batota.


A investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), que denuncia claramente a evasão de milhares de milhões de euros, deixa poucas dúvidas quanto ao papel desempenhado por Juncker (primeiro-ministro e ministro das finanças durante largos anos) em todo este processo; a pressão tem sido tal que depois das primeiras reacções onde a nomenclatura de Bruxelas fez coro na estratégia de desculpabilização do novo presidente da Comissão (enquanto este declarava, sem pejo, que não tencionava demitir-se), ontem e numa completa inversão táctica (talvez tentando amenizar as críticas) até já «Jean-Claude Juncker admite ser responsável pelo golpe fiscal».

Neste caso vertente, como noutros, nada deverá acontecer aos responsáveis, pois a “investigação” que a Comissão não deixará de efectuar resultará, para tranquilidade dos crentes, numa inequívoca ilibação do seu responsável máximo que perante o Parlamento Europeu e «Acossado pelo escândalo do Luxemburgo, Juncker promete uma revolução fiscal».

Quando já se admite que o «Grupo da Esquerda Unitária prepara moção de censura contra Juncker», a cereja no topo do bolo da irresponsabilidade colectiva poderá até ser a informação que «Para a Bloomberg Juncker deve demitir-se da CE», pois conhecida como é a posição daquela agência de informação financeira contra a nomeação de Juncker (que define como um escolha dum Parlamento Europeu desejoso de reforçar os seus poderes) a iniciativa pode ser entendida como uma manobra de contra-informação e originar como reacção contrária a aclamação do prevaricador.

Muitos têm sido os casos de evidentes más práticas governativas, de abuso de poder ou de conluios diversos e poucos aqueles em que os responsáveis envolvidos revelam a dignidade mínima de se afastarem de funções.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

MIOPIA FORMATIVA

Correu célere a afirmação produzida na passada semana pela chanceler alemã, Angela Merkel, de que Portugal tem licenciados a mais.

Invariavelmente fora de contexto, a afirmação não deixa de merecer reflexão mais aprofundada que uma contestação que se limita a ouvir que o «Ministro da Educação afirma que país não tem licenciados a mais», ou mesmo a servir de justificação para uma troca de acusações entre a oposição e a maioria, como aconteceu quando o «PS pede «posição política» do Governo sobre afirmações de Merkel sobre licenciados».

O cerne da questão não deverá estar na percentagem de licenciados nem em distâncias para as médias europeias (todos sabemos perfeitamente quanto este tipo de comparações pode ser ilusório), antes na qualidade e na capacidade do País aproveitar plenamente as juventudes que tem formado. Discutir se os jovens devem optar pelo ensino profissional ou pelo universitário pode facilmente descambar no desfilar de argumentos populistas ou elitistas, especialmente quando nunca se equaciona nem se formaliza um plano de desenvolvimento a médio prazo para uma economia que além dos óbvios sinais de debilidade apresenta características pouco motivadoras para investidores e trabalhadores.

Verdadeiramente preocupante é saber que «Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de jovens que não estudam nem trabalham mais tem crescido», num sinal de total ausência de políticas de desenvolvimento sustentadas na mais elementar necessidade de visão estratégica, ou ver «Portugal entre os dez países da Europa com pior classificação na Educação».

Esqueçamos os pomposos apelos governativos ao empreendedorismo (o que quer que seja que tal significa) num país que continua a evidenciar-se sem sinais de recuperação na formação bruta de capital fixo (indicador das contas nacionais que mede o investimento em activos corpóreos e incorpóreos e que, segundo o PORDATA, regista o valor mais baixo dos últimos 50 anos), propagandeando a necessidade de promover estratégias de excelência e de qualidade mas onde regularmente chegam a público notícias como esta que assegura que «Banco de Portugal contratou por convite filho de Durão Barroso».

Mesmo neste clima de farsa, mais importante que formar, ou não, “doutores” (no jargão popular), apostar, ou não, numa via de ensino profissional, será discutir desde já o futuro dos jovens que estão a entrar no primeiro ciclo de escolaridade, competindo aos poderes estabelecidos (Governo e Assembleia da República) esclarecer se o que os aguardará serão empregos precários e mal remunerados como os que agora estão a ser oferecidos aos jovens que tentam entrar no mercado de trabalho.

Neste sentido, a afirmação de Angela Merkel pode ganhar outra dimensão, facto que não lhe reduzindo a pontinha de arrogância até serviu para se recordarem fenómenos recentes:


que além de porem em evidência a bacoquice lusa espelham na perfeição a atávica incapacidade das elites governantes.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

NÓS AGUENTAMOS… ELES É QUE NÃO!

A afirmação produzida pelo presidente executivo dum dos maiores bancos nacionais de que «Se Novo Banco der prejuízo, BPI vai processar o Estado», não foge um milímetro da mesma lógica que o levou no ano passado, quando questionado sobre a capacidade dos cidadãos aguentarem mais austeridade, a afirmar peremptoriamente que “aguentam! aguentam!”.


Então, como agora, Fernando Ulrich mantém uma clara e óbvia distinção ente o “eles” (aqueles que na lógica ordoliberal andaram a viver acima das suas possibilidades) e o “nós” (banqueiros) que não querem deixar de viver acima das nossas possibilidades e à custa do erário público que tanto vilipendiam e de tudo acusam (excepto de sempre acorrer prontamente às necessidades dos banqueiros). Porque é um cidadão sem mácula e acima de qualquer suspeita até admite aceitar uma solução que repudia se esta for lucrativa, mas se, erros deles, má fortuna vossa, o “negócio” correr mal ele cá estará para nos exigir a devida indemnização.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

MALABARISTAS

Depois de ouvir ontem nos canais nacionais de televisão, a figura do irrevogável Paulo Portas, a aconselhar os jornalistas a acompanharem hoje o anúncio pelo INE da estimativa para evolução da taxa de desemprego, não estranho que o ECONÓMICO tenha anunciado que «Taxa de desemprego recua para 13,1%».


O que estranho é que em lado algum tenha visto a notícia acompanhada dum mínimo de reflexão que o tema e a conjuntura aconselham (a excepção poderia ser uma notícia do EXPRESSO quando ao afirmar que «Menos desempregados pode não significar mais emprego» deixa a dúvida no ar). É que parece por demais insólito que um país onde não param de se avolumar os sinais negativos, que perdeu quase meio milhão de jovens na última década e onde quase metade dos desempregados estão sem trabalho há 2 anos, possa afirmar que a taxa de desemprego está a descer, salvo para um qualquer cabotino de trazer por casa…

terça-feira, 4 de novembro de 2014

CITIUS OU PARADIUS?[i]

Com mais uma “reforma da Justiça” como pano de fundo, conduzida ao que tudo indica com a habitual falta de tacto e de capacidade de diálogo entre todos os intervenientes, não será de estranhar que andem agitados os ares, tanto mais que à mudança se juntou o colapso da aplicação informática que serve de base ao funcionamento do processo judicial.

À falta de diálogo tem sobejado alguma altivez (mesmo quando mal disfarçada por um pedido de desculpas formal), não faltando sequer insinuações, especialmente quando a «Ministra da Justiça diz que está a "apanhar" porque mexeu em interesses».


Após umas primeiras declarações referindo a existência de «Suspeitas de crime no 'crash' do Citius», rapidamente surgiu a notícia que a «Ministra da Justiça acusa dois técnicos da Judiciária de sabotagem do Citius». Notificada a PGR daquela suspeita, soube-se quase de imediato que aquela «Procuradoria deixa cair sabotagem no Citius e investiga ocultação de informação», deixando perceber uma abordagem menos radical da acusação e que enqunto os «Funcionários da PJ que trabalhavam no Citius refutam acusações de sabotagem», «negam boicote e garantem que cumpriram ordens», crescem as hipóteses dos “culpados” parecerem cada vez mais meros bodes expiatórios que os perigosos sabotadores inicialmente apresentados.

Só o tempo esclarecerá se o que levou o Citius a bloquear foi o facto dos acusados não terem reportado as limitações da aplicação informática ou se as cúpulas do poder simplesmente preferiram não os ouvir. Esta questão não é displicente – para já o que parece evidente é que a equipa que pretende governar a Justiça afinará pelo mesmo diapasão do resto da estrutura governativa montada pela dupla Passos Coelho/Paulo Portas – um conjunto de pretensos “jovens turcos” imaturos e incompetentes, demasiado apegados a quimeras ideológicas e tão desligados da realidade quanto da experiência que só o exercício de actividades profissionais diversificadas (que não a mera passagem pelas estruturas partidárias juvenis ou seniores) pode proporcionar – mas a sua resposta, como tantas outras, deverá permanecer omissa, tanto mais que reputados especialistas, como o professor José Tribolet (presidente do Instituto Nacional de Engenharia e Sistemas de Computadores - INESC), consideram que foram os «Problemas no Citius gerados por responsáveis "analfabetos"» e que demorará «Um ou dois anos» para o Citius ir ao sítio.

Garantido é que depois dos recentes acontecimentos com a colocação de professores e a abertura do ano escolar, com a redução do número de tribunais e o “crash” do Citius, com o SNS e os tratamentos oncológicos, a gestão da “coisa pública” continua “amarrada por arames”!


[i] Trocadilho entre o nome atribuído à aplicação de gestão processual nos Tribunais Judiciais, que em latim significa “célere” e a situação de bloqueio que o sistema informático viveu (ou vive).