quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CANTIGAS DE ESCRAVO E MAL-VIVER


Enquanto a Europa se continua a debater numa crise financeira e política sem precedentes onde a própria «Comissão Europeia já não esconde divergência total com Paris e Berlin» e são diárias as críticas do tipo desta: «Freitas do Amaral insurge-se contra “ditadura” franco-alemã, que actua sob “pura ilegalidade”», em Portugal o Parlamento continua a votar uma proposta de OGE para 2012 iníqua e contraproducente (para os fins anunciados), apresentada por um governo eleito sob propostas e um programa distintos.

Já não se trata apenas dos enormes prejuízos que propostas como a do aumento do IVA no sector da restauração acarretarão para as empresas, com o mais que previsível aumento do desemprego, a revoltante redução arbitrária de salários na função pública e no sector empresarial do Estado, ou a ainda pior redução dos apoios sociais num período que se antevê de aumento do desemprego. No seu último relatório sobre as perspectivas económicas a «OCDE antecipa a pior recessão e desemprego para Portugal em 2012», no entanto, encerrado no habitual autismo o governo de Passos Coelho e os “técnicos” do FMI e do BCE insistem no processo de sangria até à morte da economia nacional, tudo em nome do rápido ressarcimento dos bancos e “hedge funds”.


Sob a batuta do ministro dos assuntos parlamentares (um Miguel Relvas arvorado em porta-voz dos serviçais dos credores) os responsáveis dos diferentes ministérios e os parlamentares das bancadas da maioria governamental (PSD e CDS), aqui e ali assistidos pelos congéneres do PS desdobram-se em esforços para nos convencerem que será aos pobres continua reservado o reino dos céus… exauridos de tudo, até da mais básica dignidade (a do direito a um salário justo e a um tratamento humano), esperam que a população aceite e aplauda as malfeitorias de que continua a ser alvo.

Esmifrados em impostos, taxas e demais coimas, qualquer governante dum tão pacífico povo, no caso a ministra da Agricultura, pode bem assegurar que o «Governo estuda portagens à entrada das cidades», e para não parecer que esta é apenas mais uma forma de aumentar o seu reduzido pecúlio (que outra coisa esperar quando outro militante do mesmo partido e responsável máximo pelo mais caridoso dos ministérios – o da Segurança Social – se arroga o topete de esbanjar 86 mil euros numa viatura nova) ainda o disfarça sob o argumento progressista do combate às alterações climáticas.

Será estranho que além da óbvia revolta que se sente nas ruas e nos locais de trabalho também já se comecem a fazer sentir ecos na comunicação social, onde após as controversas afirmações de Otelo Saraiva de Carvalho e duma tentativa de desdramatização efectuada por Vasco Lourenço, seja agora este a lembrar que «Capital financeiro vai provocar “revolução dos escravos”»?

Ou, para entrar no espírito que terá levado à recente nomeação do fado como Património Cultural Imaterial da Humanidade, estaremos em vésperas de iniciar uma nova saga e depois das medievais cantigas de escárnio e maldizer[1], depois do fado e das canções de protesto, iremos ver eclodir as cantigas de escravo e mal-viver?


[1] As cantigas de escárnio e maldizer constituindo um género de poesia medieval, integram o chamado período Trovadoresco (entre os séculos XII e XIV. A principal característica dessas cantigas, escritas em galaico-português, é a crítica ou sátira dirigida a uma pessoa real, que era alguém próximo ou do mesmo círculo social do trovador. Apresentam grande interesse histórico, pois são verdadeiros relatos dos costumes e vícios, principalmente da corte, mas também dos próprios jograis e menestréis. (adaptado de Wikipedia)

sábado, 26 de novembro de 2011

NAUFRÁGIO ANUNCIADO


Ontem, além do recurso à imagem do Titanic para deixar bem vincado o grande naufrágio que se anuncia, José Manuel Pureza expressou no seu artigo semanal de opinião no DN quatro razões para explicar a situação actual, através doutras tantas notícias respigadas da imprensa e assim enumeradas: «Primeira: a Fitch decidiu baixar o rating de Portugal para "lixo" «…». Segunda notícia: os juros da colocação de dívida com maturidade de dois anos, ontem registados, subiram em Portugal e atingiram máximos históricos (118%) na Grécia. Terceira notícia: a Alemanha não conseguiu colocar em mercado metade da dívida a 10 anos que pretendia «…» Quarta notícia: a greve geral em Portugal registou uma mobilização sem precedentes em todos os sectores».


Trata-se duma perspectiva de análise adequada à dimensão europeia da crise, mas como esta transcende em muito a dimensão do nosso continente, não só pela sua génese se localizar nos EUA (recorde-se o já quase esquecido rebentamento da bolha do “subprime”) mas principalmente pelo efeito de avalanche provocado pela incomensurável alavancagem financeira que a desregulamentação mundial potenciou, permito-me acrescentar mais uma pequena achega à muito clara análise de José Manuel Pureza, chamando a atenção para mais uma notícia desta semana: o «Supercomité do Congresso falhou acordo para reduzir o défice orçamental»; traduzido em linguagem simples significa que na falta de acordo serão aplicados cortes genéricos sobre a despesa, incluindo a área social e a militar, um pouco à maneira da receita de austeridade europeia, num momento em que a dívida norte-americana, num valor estimado de 15 biliões de dólares, já iguala o seu produto interno…

Do lado de lá do oceano, como do lado de cá, campeia a mais grosseira incompetência e cegueira política, habilmente manipulada por uns poucos que investindo milhões alimentam a esperança de ganhar biliões à custa dos sacrifícios e da degradação das condições de vida da larga maioria da população mundial.
Quando já não é só a Europa que arde e o Japão que se desmorona, o rombo na América torna-se evidente e cada vez menos se vislumbra o tempo e o modo como a actual corrente de pensamento neoliberal[1] irá evitar o naufrágio dum modelo de crescimento que há muito deixou de assegurar os valores mínimos da civilização humana.


[1] Que além de responsável pelo dogma do equilíbrio orçamental insiste no absurdo de afirmar que não existem alternativas, mesmo quando confrontada com argumentos como os ontem avançados por Stiglitz (prémio Nobel da Economia em 2001 ex-vice-presidente do Banco Mundial) à margem duma conferência que proferiu na Galiza, que não hesitou em afirmar que a «”Austeridade é receita para suicídio económico”», ou os expressos no artigo «Uma greve pela Europa» de Viriato Soromenho-Marques.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A GREVE GERAL DE VASCO GRAÇA MOURA E A MINHA


Ao contrário do que Vasco Graça Moura escreve hoje no DN não tenho «…dificuldade em perceber quais as vantagens duma greve geral num país falido», o que tenho é dificuldade em perceber como é que apenas um dia de agitação social poderá inflectir as políticas dum governo.

É certo, como escreve Vasco Graça Moura, que a crise não se resolverá com um dia de greve, mas preconizar o silêncio passivo perante políticas que além de lesivas do rendimento das famílias trabalhadoras são manifestamente desadequadas para a resolução do problema e, pior, socialmente injustas e degradantes, também não se afigura como solução alternativa.

Mas a demagogia do autor vai um pouco além, refina-se em referências históricas e recua aos primórdios do capitalismo industrial para demonstrar a excelência dos privilégios dos trabalhadores actuais; refere aqueles tempos em que «…o enriquecimento crescente dos patrões podia ser visto como correlativo da pauperização crescente e acelerada da exploração dos trabalhadores» como se actualmente tudo isso fosse de todo em todo irreal. No afã de defender o seu governo, Vasco Graça Moura vai ao ponto de comparar o estatuto dos trabalhadores nos séculos XIX e XXI e de lembrar que o «…alvo clássico de uma greve é, por definição, a entidade patronal que, comprando a força de trabalho alheia, acumula mais-valias à custa do esforço de cada um daqueles que a prestam», misturando a essência duma greve sectorial com a duma greve geral (enquanto na primeira se procuram dirimir conflitos de natureza laboral, na segunda o âmbito é mais vasto e de política geral) como se as políticas de austeridade – traduzidas em cortes nas prestações sociais, em aumentos de impostos directos e indirectos e em reduções salariais para os trabalhadores da Função Pública e do Sector Empresarial do Estado – aprovadas pela maioria governamental (com a cúmplice abstenção do PS), não representem por si só um atentado à dignidade dos portugueses e a actual situação de escassez e desigualdades gritantes não fosse razão suficiente para a contestação.

Esquecendo as profundas razões sociais e económicas para o descontentamento, mas não deixando de trazer à liça a delicada situação das PME’s e dos seus proprietários (como se a greve de amanhã tivesse como razão de fundo a reivindicação de aumentos salariais), nem a «…situação nos mercados internacionais, a especulação bolsista, as dinâmicas financeiras desenfreadas...» que insere «…num plano de globalização de impossível controle por parte das autoridades nacionais e até das internacionais», como se a estratégia seguida pelo governo de Passos Coelho constituísse a mínima tentativa nesse sentido, lá deixa escapar que «…algumas das medidas que o Governo está a tomar atingem as raias da barbaridade», mas apenas e tão só para de pronto retomar a ladainha da inexistência de alternativa às políticas que, veja-se o exemplo grego, longe constituírem paliativo para o problema são fonte do seu agravamento.

Com a mesma ausência de pudor e de argumentos que declara a inexistência de alternativas, assegura que a greve convocada apenas «…vai agravar as coisas, em nome de chavões políticos que já não levam a lado nenhum», mas quando, qual fiel discípulo de Fukuyama[1], declara o fim das ideologias para argumentar que a greve é apenas uma questão de bom senso, Vasco Graça Moura expõe o verdadeiro cerne do argumentário neoliberal e conservador – o capitalismo é o modelo hegemónico, as ideologias morreram e o que importa é o lucro!


Serão precisas ainda mais palavras para explicar a diferença entre a minha greve geral e a de Vasco Graça Moura?


[1] Yoshihiro Francis Fukuyama, filósofo e economista político americano, importante figura do movimento neoconservador e considerado um dos ideólogos da administração de Ronald Reagan, publicou no final da década de 80 do século passado «O Fim da História», obra na qual defende a teoria de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade; assim, após a destruição do fascismo e do socialismo, a humanidade teria atingido o ponto culminante da sua evolução com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes, restando apenas os vestígios de nacionalismos e o fundamentalismo islâmico. Desse modo, diante da derrocada do socialismo, o autor concluiu que a democracia liberal ocidental firmou-se como a solução final do governo humano, significando, nesse sentido, o "fim da história" da humanidade. (adaptado de Wikipedia)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

GREVE GERAL II


A menos de 48 horas da anunciada Greve Geral (a segunda que se realiza em Portugal no espaço dum ano) lamento pouco mais ter para dizer que não tenha escrito, em Novembro de 2010 nos “posts” «GREVE GERAL» e «PARA ALÉM DA GREVE»; caído em desgraça o governo Sócrates, que se propôs combater a crise da dívida com a imposição dum corte de 5% na massa salarial da Função Pública e dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado, foi substituído por um Passos Coelho que se fez eleger no doce remanso da promessa de não aumentar impostos, mas que logo que tomou posse apresentou uma proposta de OGE prevendo uma redução dos salários daquele mesmo grupo de trabalhadores na ordem dos 15% (eliminação dos subsídios de Férias e Natal, ou seja a redução de 14 para 12 salários anuais) cuja iniquidade complementou com a portentosa afirmação, publicada pelo EXPRESSO, que «só vamos sair da crise empobrecendo»

Apelidar de iniquidade mais este esbulho aos trabalhadores da Função Pública e do Sector Empresarial do Estado (para mais quando a remuneração destes não constitui encargo do orçamento público) foi a expressão mais suave que me ocorreu para classificar algo que assume proporções que estão muito além do aceitável, pois a opção pela redução salarial como via para o controlo da despesa pública é criticável do ponto de vista económico, pelo que acarretará de contracção do consumo das famílias e de redução de receita fiscal (como procurei explicar no “post” «O GRANDE EMBUSTE»), mas ainda mais do ponto de vista social porque a redução arbitrária dos vencimentos terá não apenas um efeito de empobrecimento das famílias mas igualmente um seguro efeito psicológico que não poderá deixar de afectar a capacidade e a vontade produtiva dos que agora passarão a sentir-se trabalhadores de categoria inferior.


Da mesma forma que há um ano, ciente da irrelevância dum singelo dia de greve como forma de protesto e de tentativa de inflexão política, apelei a que os trabalhadores portugueses desenvolvessem outras formas criativas de luta para expressão do seu desagrado, por maioria de razões julgo agora justíssima e indispensável a realização da greve (mesmo sabendo de antemão que será tão inconsequente quanto a anterior), a participação em massa nas manifestações agendadas – tanto mais que desta vez as centrais sindicais promovem manifestações em todas as capitais de distrito e em vários concelhos do país – mas principalmente como inevitável o recurso a outras formas de luta, de que seguramente a desmotivação colectiva será a mais fácil de realizar.