sexta-feira, 31 de outubro de 2008

MÁSCARAS ASSUSTADORAS

Particularmente apreciada pela cultura anglo-saxónica, a celebração do Halloween é mais um dos sinais do que de pior pode ter qualquer processo de globalização, pela introdução forçada de padrões e valores culturais completamente estranhos.

A designação da celebração parece remontar à expressão «All Hallows' Even» ou Noite Mais Sagrada, pois esta é comemorada na noite que antecede o católico Dia de Todos os Santos, mas pelo carácter que actualmente assume aproxima-se muito mais do antigo festival céltico que marcava o fim da época das colheitas, momento em que se desvaneciam os limites entre os vivos e os mortos.

Neste caso, como em tantos outros, a cultura católica em fase de difusão e implantação logrou fundir o novo culto que representava com as antigas tradições dos povos que procurava catequizar[1], originando o culto do Dia de Todos os Santos. O passar dos tempos e em especial a influência do longo período que foi a Idade Média, associou a esta data fenómenos como o da bruxaria.

Por uma razão, ou outra, esta é a noite em que nos EUA (e cada vez mais por esse mundo fora) se popularizaram as festas de mascarados, pelo que apesar de um pouco tardia aqui quero deixar uma proposta, criada pelo humorista Nate Beeler, de máscaras assustadoras particularmente adaptadas à comemoração e à época...

…que, mesmo sendo vista demasiado tarde, poderá muito bem ainda ser usada no(s) próximo(s) ano(s).
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[1] Não terá sido displicente nem fortuita a fixação da comemoração do Natal em dia tão próximo de outra importante festividade pagã como o do Solstício de Inverno, que assinalando o dia mais curto do ano, simbolizava o início da vitória da luz sobre a escuridão.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

MAIS UM ESCÂNDALO

Enquanto as cotações nos mercados bolsistas internacionais continuam a apresentar uma tendência de queda e as medidas de apoio aprovadas por americanos e europeus na última reunião do G7 parecem resultar cada vez menos (salvo para os principais responsáveis por toda esta trapalhada), quando, pasme-se, até alguns dos indefectíveis defensores da desregulamentação dos mercados e do ultraliberalismo surgem agora a afirmar a necessidade de novas e mais eficazes normas de regulamentação, talvez não seja já estranho que e o próprio campeão da livre concorrência e das políticas orçamentais restritivas, o FMI, se tenha apresentado a defender a necessidade dos governos implementarem orçamentos expansionistas, caso disponham de condições financeiras.

Se esta verdadeira revolução, naquela que vinha sendo a rigorosíssima prática do organismo que foi o principal responsável pela “exportação” da globalização aos quatro cantos do planeta, podia ser entendida sob diversos ângulos, que dizer da recente decisão do gabinete executivo do FMI de ilibar o seu director geral, o francês Dominique Strauss-Khan[1], das acusações de envolvimento num escândalo de contornos sexuais?

Embora sem qualquer ligação aparente não pode ser esquecido que a divulgação do referido escândalo pelo WALL STREET JOURNAL[2], ocorreu precisamente no dia em que Nicolas Sarkozy e Durão Barroso (presidentes em exercício da UE e da Comissão Europeia, respectivamente) chegavam aos EUA para conversações com George W Bush sobre a crise financeira, o que pode muito bem ter uma leitura mais vasta porque Sarkozy foi o grande impulsionador da nomeação de Strauss-Khan para o FMI.

Outras possíveis implicações, pelo menos para os grupos neoconservadores e para os grandes interesses que rodeiam a alta finança de Wall Street, podem estar ligadas com a muito controversa mudança de posição do FMI sobre questões como a da desregulamentação dos mercados, particularmente criticada por Straus-Khan num artigo publicado no LE MONDE em finais de Setembro.

As próprias conclusões da comissão de inquérito ilibando Strauss-Khan, tornadas públicas no passado sábado e prontamente noticiadas pelo LE MONDE, não deixam de contribuir para aumentar as dúvidas que há muito rodeiam esta personalidade, que agora continuará a desempenhar as suas funções mas numa posição bastante fragilizada (mesmo ilibado as dúvidas persistirão, fomentando o aumento das “pressões” internas e externas), e representam mais uma contribuição negativa para os processos de nomeação dos altos responsáveis de instituições como o FMI e o Banco Mundial[3].

Apesar de filiado no PS francês, Strauss-Khan é apontado por muitos como um “infiltrado”; muito próximo de Lionel Jospin (ex-primeiro-ministro francês, de quem foi ministro da economia e finanças) e de Jean-Christophe Cambadélis, personalidades indissociavelmente ligadas à chamada ala lambertista (corrente ligada à criação da IV Internacional, de influência trotskista[4] e historicamente classificada como próxima das correntes de pensamento americano e muitas vezes apontada como via de infiltração de agentes americanos), o próprio apresenta no seu percurso académico uma passagem pela Universidade de Stanford[5] a convite de Condollezza Rice e no percurso político, além de três comissões como ministro da indústria e como ministro da economia e finanças, a dúbia qualificação de ter surgido como terceiro candidato à investidura do PS para as últimas eleições presidenciais, da qual resultou a escolha de Ségolène Royal, considerada como candidato mais fraco para bater Sarkozy que Lauren Fabius.

Tudo isto poderá não passar de especulação, mas as dúvidas sobre os percursos políticos e as capacidades técnicas dos altos responsáveis mundiais não podem continuar a suscitar polémicas que muitas vezes acabam confirmadas, nem, a bem da credibilidade dos próprios organismos, estas nomeações podem continuar a resultar de manobras políticas de bastidores das quais invariavelmente resultam a escolha de um “político” com evidente prejuízo dos verdadeiros especialistas.
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[1] Político francês de ascendência judaica, economista de formação, membro do PS francês e ex-ministro da indústria e da economia e finanças em três governos socialistas (Edith Cresson, Pierre Bérégovoy e Lionel Jospin), foi candidato à investidura pelo PS para a corrida presidencial, contra Ségolène Royal e Lauren Fabius, e até à sua nomeação para o FMI exercia funções de consultoria.
[2] A notícia pode ser lida aqui.
[3] Recorde-se a propósito que o anterior presidente do Banco Mundial e grande protegido de George W Bush, o americano Paul Wolfowitz, também se viu envolvido num escândalo de idênticos contornos que forçou a sua demissão. Sobre este tema ver os “posts”: «A CULPA É DO MACACO» e «BONS AMIGOS».
[4] Continuador da corrente de pensamento originada em Leon Trotsky, político russo opositor de Stalin, defensor do princípio da “revolução permanente” (donde resulta o epíteto de internacionalistas aos seus seguidores) em oposição ao conceito estalinista da “revolução num só país”.
[5] A Universidade de Stanford é vulgarmente considerada como o bastião académico do Partido Republicano, e a passagem de Strauss-Khan coincide com a de bom número dos neoconservadores futuros apoiantes da administração Bush.

domingo, 26 de outubro de 2008

CUIDADO COM AS EUFORIAS

Estava ainda a acabar de escrever o “post” «PÂNICO? QUAL PÂNICO?» quando a notícia da inversão da tendência de subida generalizada dos principais índices, na sequência das medidas adoptadas pela UE e pelos EUA[1], me confirmou uma ideia que embora implícita naquele texto deve merecer maior detalhe.

Não só as subidas registadas nas cotações bolsistas não são um seguro sinal de recuperação da confiança, como é perfeitamente normal (e indispensável) que em períodos de acentuadas descidas nas cotações se sucedam períodos de interregno na tendência, única forma de assegurar a manutenção de um fluxo suficiente de “investidores” e de “lubrificar” o sistema com a possibilidade de realização de alguns ganhos.

Isto mesmo tem sido confirmado ao longo desta semana e meia, quando se constata uma rápida sucessão de notícias, por vezes de sinais antagónicos, mas que no geral têm funcionado particularmente para manter uma constante pressão no sentido da queda das cotações bolsista, tanto mais que a SEC[2] já levantou a proibição temporária que fez vigorar sobre o “short selling[3].

Numa palavra, os actores nos mercados de capitais mundiais demonstram que não só não aprenderam mais esta lição como parecem prontos a iniciar um novo ciclo de valorização ao menor sinal.

Ora isto será tanto mais preocupante quanto se aplica não apenas aos pequenos investidores, aqueles que mais têm perder em caso de “crash”, mas principalmente aos grandes responsáveis por terem conduzido os mercados de capitais à situação actual.

À constante sucessão de notícias sobre as dificuldades financeiras de muitos dos grandes bancos, passou-se às notícias sobre as “depressões económicas” que começam a atingir as principais economias mundiais, de que o mais recente exemplo é esta da BBC que noticia a entrada em recessão da economia inglesa, porque estas, mesmo quando verdadeiras, são fundamentais para continuar a atrair novos participantes neste medonho jogo piramidal em que foram transformados os mercados de capitais.
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[1] Estou a referir-me especificamente à decisão dos governos europeus apoiarem financeiramente os bancos que apresentem maior risco de falência, que foi anunciado na sequência de uma reunião do G7 que antecedeu a reunião de Paris. Para mais informação ver, por exemplo, esta notícia da BBC ou este comentário de Paul Krugman no NEW YORK TYMES.
[2] SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION é a autoridade que regula o funcionamento dos mercados de capitais nos EUA.
[3] Designação pela qual é conhecida uma prática hoje muito difundida nos mercados de capitais e que consiste em vender um activo (acção ou obrigação) sem o possuir; esta estratégia pressupõe a aquisição posterior do activo a um preço inferior ao da venda pelo que é particularmente adequada a períodos de queda nas cotações, como o que agora se vive. A questão que muitos analistas e estudiosos colocam é a de saber até que ponto os agentes no mercado não induzirão movimentos de queda nas cotações para maximizarem os ganhos da estratégia de “short selling”.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

AS DICAS DO MAESTRO

Ao ler hoje mais uma notícia do NEW YORK TYMES[1] sobre a audição de Alan Greenspan pelo Congresso norte-americano, na qual o autor espelha o teor das questões colocadas pelos congressistas e o facto do antigo mago do FED reconhecer a evidente incapacidade para prever o desastre financeiro a que assistimos, voltei a procurar uma explicação para aquele fracasso que em tempos tinha lido e que ontem procurei infrutiferamente para a incluir no “post” «CATA-VENTO GREENSPAN!» que então escrevia.

Como as buscas foram mais frutíferas hoje e o tema mantém toda a actualidade quando o
DIÁRIO ECONÓMICO diz que Nouriel Roubini[2] alerta para a possibilidade de fecho das bolsas e aquele que era conhecido como o Maestro dos mercados reconheceu além da referida incapacidade que toda a estrutura teórica onde assentou durante décadas o paradigma da moderna gestão de risco se desmoronou no verão passado, aqui deixo a visão que Jeff Danziger divulgou em Fevereiro de 2006, um mês após a saída de Greenspan da presidência do FED, sobre a sua técnica de formulação de previsões e como ele a recomendou ao seu sucessor, Ben Bernanke.
Humor aparte, importa reter mais uma importante lição para o futuro – raramente os propalados “gurus”, seja do que for, são efectivamente tão bons como os descrevem. Aqueles que o são raramente precisam que terceiros os publicitem como tal!
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[1] A notícia do NEW YORK TYMES pode ser lida aqui.
[2] Nouriel Roubini, economista de origem turca mas de ascendência judaico-iraniana, é professor da Universidade de New York, foi conselheiro do Tesouro dos EUA e é apontado como uma das personalidades que, na sequência dos seus trabalhos sobre o colapso das economias emergentes, primeiramente previu o eclodir da actual crise nos mercados financeiros.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

CATA-VENTO GREENSPAN!

Desde a sua saída da liderança do FED que Alan Greenspan[1], o reputado especialista em mercados financeiros, não tem deixado de marcar presença regular nos meios informativos.

Em Setembro de 2007, já após os primeiros sinais do rebentamento da bolha do “subprime”, aquele economista publicou as memórias da sua passagem pelo FED – A Era da Turbulência -, livro em cuja segunda parte explana as vantagens das economias de mercado livre e a sua inabalável fé na “mão invisível” que regulará aquele mercado.

Em perfeita consonância com aquela convicção, durante a sua passagem por Lisboa, no princípio de Outubro do mesmo ano, e durante a sua intervenção na 1.ª Conferência Sol/Diário Digital afirmou, relativamente àquela crise, que «se não se verificarem efeitos secundários, o pior da crise pode já ter passado». A “extensa e ilustre audiência”[2], ouviu e aplaudiu...

Mas a crise não passou e no último dia desse ano, numa entrevista aos microfones da NPR (cadeia pública de rádio norte-americana), Greenspan anunciava que algo de inesperado iria acontecer em breve que nos sideraria, que as grandes melhorias das economias registadas nos últimos quinze anos são transitórias e em vias de mudança e que os bancos centrais já não controlavam a formação das taxas de juro nem dos preços (por outras palavras – a inflação).

Curiosamente, ou não, admitiu durante a entrevista que o seu palmarés enquanto formulador de previsões não era espectacular... Ora isto já todos tínhamos entendido até do tempo em que foi presidente do FED e grande defensor e dinamizador da política de juros baixos que terá grandemente contribuído para a formação da mostruosa bolha especulativa em torno do imobiliário.

Mas verdadeiramente espantosas são as suas mais recentes declarações que o DIÁRIO ECONÓMICO hoje divulgou e que constam de um seu testemunho escrito ao Comité da Casa Branca sobre a Supervisão e Reforma Governamental, no qual, pasme-se, defende regulamentação mais apertada depois da crise.

Esta posição não contradiz apenas as suas declarações mais recentes mas, sobretudo, aquele que foi o “leit motiv” do longo período (20 anos) da sua liderança no FED – uma intransigente defesa do princípio da desregulamentação da actividade financeira – bem expresso nas múltiplas ocasiões em que publicamente defendeu as vantagens da gestão privada sobre a pública e tudo fez para garantir ao mercado de capitais (á vista ou a prazo) a máxima liberdade e isenção de supervisão.

É verdade que nos últimos tempos temos assistido a assombrosas declarações de origens particularmente inusitadas, mas uma coisa é ouvirmos políticos como Nicolas Sarkozy ou José Sócrates, conhecidos cultivadores e praticantes aplicados dos mais liberais princípios económicos, a falarem na necessidade de maior controlo e regulamentação dos mercados, outra é vermos um dos “gurus” do neoliberalismo monetarista (que embora na juventude tenha alinhado nas correntes mais radicais do objectivismo – linha de pensamento filosófico desenvolvida no século XX por Ayn Rand que procurou conjugar posições de natureza metafísica, epistemológica, ética, política e estética para justificar o primado dos direitos individuais como forma única do capitalismo – foi-se aproximando, pragmaticamente, das mais moderadas correntes neoliberais e monetaristas) aparecer na fase terminal da sua vida, qual cata-vento, a contradizer o que até agora viera defendendo.

Para já permanece a dúvida sobre se esta nova posição de Greenspan é um reconhecimento do erro ou mero sinal dos tempos!
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[1] Economista, licenciado pela Universidade e Nova York, de ascendência hungaro-judaica (o nome original da família era Grunspan, nasceu naquela cidade em 1926, foi nomeado por Ronald Reagan para a presidência do FED em 1987 e sucessivamente reconduzido até ao final de 2006. Ganhou notoriedade pela actuação no “crash” da Segunda-Feira Negra (Black Monday – 19 de Outubro de 1987) e na crise das “dot-com” (nos anos 90 do século passado). As suas posições pró desregulamentação dos mercados e a prática de baixas taxas de juro valeram-lhe críticas de economistas como Joseph Stiglitz e Paul Krugman (ambos galardoados com o Prémio Nobel de Economia) e são hoje apontadas como grandes responsáveis pela especulação imobiliária e a crise do “subprime” que facilitaram. Apesar de tudo isto Greenspan é considerado por muitos como uma autoridade em política monetária e dispõe ainda de grande influência.
[2] A expressão é reprodução fiel do texto da notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS sobre a Conferência.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

CRESCIMENTOS DESIGUAIS


Quem tenha lido o meu penúltimo “post”, conhece perfeitamente a minha ausência de espanto para a conclusão apresentada pela OCDE[1] no seu relatório "Crescimento e Desigualdade", que embora reportada a dados de 2005 dificilmente poderá ter melhorado desde então.

A realidade nua e crua do estado do país é que, sejam quais forem os artifícios e malabarismos usados pelos que nos têm governado para justificarem aquele resultado, apresentamos a terceira pior classificação entre os 30 países analisados e poucas ou nenhumas perspectivas de melhoria num período particularmente conturbado como o que atravessamos, ou não tivesse o Banco de Portugal referido recentemente a subida do crédito malparado[2].

Esta perspectiva é tanto mais realista quanto as propostas de actuação correctiva, sugeridas pela OCDE – promoção do acesso ao trabalho e melhoria da intervenção governativa em áreas como a educação e a saúde – se inserem em áreas onde são bem conhecidas as polémicas políticas governativas seguidas em Portugal, como é o caso da educação e da saúde; é que bem pode aquela organização internacional apelar à introdução de medidas de promoção do acesso ao trabalho, quando entre nós se constata que é cada vez mais evidente a tendência para o empobrecimento de quem trabalha, situação a que já nem os possuidores de melhores qualificações escapam[3].

Perante tão triste cenário de que adiantará referir que esta tendência de empobrecimento da maioria em benefício de um ainda maior enriquecimento de uma minoria afecta um número crescente de países e que apenas pode estar a ocorrer com o beneplácito dos governos a quem a OCDE sugere as medidas correctivas ou sequer esperar que estes, por um passe de mágica ou simples rebate de consciência, decidam alterar as políticas neoliberais que aqui nos conduziram?
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[1] A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE, ou OECD em inglês) é uma organização internacional dos países comprometidos com os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado; tem como objectivo influenciar as políticas económicas e sociais dos estados membros e contribuir para o desenvolvimento económico e social dos países em desenvolvimento. Também é conhecida como o Grupo dos Ricos por associar os 30 responsáveis pela produção de mais de metade de toda a riqueza do mundo.
[2] Entre as notícias sobre o assunto destaque para esta do SOL e esta do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que no conjunto referem o enorme crescimento do crédito malparado; esta situação é especialmente evidente no crédito ao consumo, mas importa lembrar que nas vertentes do crédito ao investimento e do crédito à habitação o indicador encontra-se seguramente subavaliado por os próprios bancos usarem como estratégia o protelamento “ad nauseam” dos “atrasos” de forma a não afectarem os resultados e os “prémios” de directores e administradores.
[3] Ainda na passada semana o DIÁRIO ECONÓMICO fazia referência ao facto dos patrões portugueses não quererem contratar trabalhadores licenciados.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

NOVAS ELEIÇÕES, AS MESMAS CONCLUSÕES

Encerradas as urnas no Arquipélago dos Açores e anunciados os resultados apenas é legítimos extrair uma conclusão: doa a quem doer, o vencedor das eleições volta a ser o mesmo – a abstenção.

Bem podem os políticos locais e nacionais apregoar vitórias e estabelecer ou não termos comparativos entre a realidade daquela região e o resto do país, que a única indesmentível e insofismável é a que anunciei. E nem sequer se pode falar em grande surpresa, pois ao longo das eleições já realizadas naquela região a abstenção quase sempre se revelou presença forte, pois, excepção feita à segunda consulta popular sempre ultrapassou os 30%.

E o mais grave é que agora que se aproxima a passos largos de duplicar aquela fasquia, os políticos continuem a esconder a cabeça na areia e a tentar negar uma evidência que só eles parecem não vislumbrar.

Para melhor acentuar o verdadeiro efeito do peso da desmesurada abstenção, aqui deixo um exercício de cálculo análogo ao que realizei aquando das últimas eleições autárquicas em Lisboa[1], no qual se constata que a extraordinária maioria obtida por Carlos César se resume à escolha de pouco mais de 23% do eleitorado açoriano.

Depois de mais este resultado, quanto tempo ainda teremos que esperar por uma efectiva correcção nas leis eleitorais que permitem a eleição de representantes e a formação de maiorias sem que estas respeitem minimamente o eleitorado que dizem representar?
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[1] Ver a propósito o post «AS ELEIÇÕES E O ACTO DE VOTAR»

domingo, 19 de outubro de 2008

BLOGS E LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Há quem diga que é precisamente em situações de crise que mais importa parar para melhor reflectir sobre toda a agitação em redor.

Resulta esta introdução de dois factores – uma deslocação para o interior profundo do país (onde a cada passo se constata a enorme diferença entre o estado real do país e das populações e aquele que apregoam os políticos dos grandes centros urbanos) e as inerentes dificuldades de acesso à Internet – mas também de algum cansaço pessoal que o persistente bombardeamento informativo sobre a crise bancária e a evolução diária dos índices bolsistas acaba por acarretar.
Por tudo isto acabei por dar por mim a pensar se os “soundbites” com que somos assediados e que os “blogers” criticam ou apoiam na sua rede de influência, têm ou não razão de ser.
Afinal, será verdadeiramente importante o nosso contributo numa sociedade da comunicação que, queiramos ou não, não determinamos e se calhar nem influenciamos?

Seremos, os quase anónimos autores de “blogs”, uma verdadeira fonte de influência ou, como em tempos nos retratou o caricaturista Jeff Danziger (tantas vezes presente nas ilustrações que aqui apresento) nada mais que um monte de “velhos chatos”…

Mesmo que assim seja e que na maioria das vezes pouco mais façamos que amplificar os tais “soudbites” prefiro pensar que em geral desempenhamos algum papel positivo na divulgação e defesa do princípio da liberdade de informação, é que a atestar por um inquérito, efectuado no ano passado pela GlobeScan e Synovate para a BBC World Service, sobre a imprensa mundial, conclui-se que no hemisfério ocidental mais de metade (56%) dos inquiridos consideram a liberdade de imprensa fundamental para garantir a existência de uma sociedade livre.

Assim, pouco me importa em qual dos dois grupos de “bloggers” (ainda segundo a perspectiva de Jeff Danziger) me queiram incluir…

e já decidi, logo que retomado um contacto mais fácil com o que se diz e escreve sobre o que nos rodeia voltarei aos comentários, até porque matérias, além da repentinamente tão flagrante crise, não faltam e decisões políticas como a do parlamento sueco que em meados de Junho aprovou uma lei que concede ao governo o direito de pesquisar em todas as chamadas telefónicas, e-mails e fax que entrem ou saiam do país palavras-chave sem prévia decisão judicial[1].
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[1] Ver referência à notícia da Associated Press, aqui.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

PÂNICO? QUAL PÂNICO?

As decisões do Eurogrupo para contrariar os efeitos da crise financeira de Wall Street, anunciadas no passado fim-de-semana na sequência da reunião realizada em Paris, parecem estar a dar resultados e as bolsas mundiais têm registado ganhos recordes nos últimos dias, mas será que estão mesmo ultrapassados todos os problemas?

Os governantes europeus parecem particularmente seguros e confiantes de que o plano de apoio ao sector financeiro gizado no seio do G7 e europeizado em Paris venha a resolver a crise de confiança que grassa no mercado interbancário, que tantas dissabores e dores de cabeça tem acarretado aos banqueiros de todo o Mundo, e o mesmo parecem pensar os mercados de capitais, mas analisando com maior pormenor o conceito que preside às soluções apresentadas – quer a americana quer a europeia – constata-se que esta apenas responde à questão imediata da falta de confiança. As origens da crise e as eventuais soluções para a respectiva correcção forma pura e simplesmente esquecidas.

Olhando apenas para o imediato e procurando a solução mais simples, o G7 decidiu, aprofundando ainda mais a estratégia norte-americana, apoiar até às últimas consequências os principais responsáveis pela situação, na mesma linha de raciocínio que apresentou António Borges numa entrevista ao PUBLICO; para os líderes mundiais as instituições financeiras não são de todo responsáveis pela crise do seu sector de actividade, pois a especulação a que se entregaram é condição “sine qua non” do seu funcionamento[1] e enquanto sector fundamental para o crescimento económico devem ser apoiadas no sentido de fazerem crescer o conjunto da economia.

Deixando para ocasião futura a discussão desta premissa, será que as decisões de apoio público ao sector financeiro dos países da Zona Euro é suficiente para resolver a situação? Bastará a promessa de pagamento pelo erário público das dívidas interbancárias para que tudo volte a ser como era? E, se assim for o que nos garante que ao menor sobressalto (a simples informação sobre novas dificuldades de tesouraria num banco) não voltará a repetir-se a situação?

É que a avaliar pela antevisão apresentada em meados de Junho pelo “think tank” europeu LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTECIPATION POLITIQUE, o segundo semestre de 2008 será particularmente sensível ao choque provocado pelo incumprimento originado nos CDS[2] e outros derivados financeiros directa ou indirectamente associados aos créditos “subprime” norte-americanos; este ainda se encontra em curso e as inúmeras notícias que referem as dificuldades da banca não só não são tranquilizadoras como não informam sobre a origem daquelas dificuldades.
Posto isto talvez se compreenda ainda mais porque é que há quem ache que a estratégia mais utilizada seja a do “salve-se quem puder”...

nos mercados e nos governos!

Se não, vejamos. A proposta britânica, que acabou transformada na estratégia da UE (a disponibilização dos fundos públicos necessários ao funcionamento do mercado monetário interbancário é, nem mais nem menos que o aprofundamento do Plano Paulson, com a inegável vantagem de não transmitir tão abertamente a ideia de que os governos estão a agir em defesa e benefício dos banqueiros e a possibilidade de acabar por não ser tão exigente do ponto de vista financeiro para o Estado) padece de um pequeno defeito de que a generalidade dos analistas e comentadores parece ter-se esquecido: nos tempos actuais os Estados modernos já não dispõem do monopólio da criação de moeda (esta actividade é partilhada com o sector financeiro) e caso seja conduzido ao extremo, a proposta poderá ser fortemente geradora de inflação por via da excessiva oferta de moeda.

Este efeito só não é garantido pelo facto dos empréstimos interbancários revestirem normalmente prazos muito curtos e não se traduzirem em efectivas injecções de moeda em circulação (a cada empréstimo acordado sucede uma rápida “destruição” de moeda na data de pagamento), pois limitam-se a movimentos contabilísticos entre os bancos comerciais e os bancos centrais, mas nem por isso deve deixar de ser observado no futuro.
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[1] Concretamente António Borges (ex-vice-presidente da GOLDMAN SACHS, um dos quatro bancos de investimento americanos fortemente envolvidos e fragilizados pela cascata de produtos financeiros estruturados com que inundaram o mercado de capitais mundial) atribui a responsabilidade às autoridades monetárias quando afirmou que estas «...deveriam ter percebido o que se estava a passar e travado a “bolha” com uma Política Monetária mais cautelosa (...) quando o fizeram foi muito tarde e de forma violenta, o que pôs um fim dramático na bolha especulativa»
[2] CDS, sigla que designa o Credit Default Swap, produto financeiro estruturado, tipificado sob a forma de um contrato em que o vendedor assegura ao comprador o pagamento em caso de incumprimento, por exemplo em caso de falência, doutro contrato sob o qual incide o acordo; inicialmente usado como mecanismo de protecção de risco, acabou por se transformar em objecto de transacção simples e instrumento de pura especulação face à ausência de mecanismos de controlo ou regulação sobre o mercado de derivados ‘over the counter’ ou de negociação directa.

sábado, 11 de outubro de 2008

O PARADIGMA ISLANDÊS

No meio da confusão de informação que diariamente nos avassala sobre a crise financeira internacional, parece-me de reter e reflectir sobre o que está a ocorrer na Islândia.
O pequeno país no topo norte do continente europeu, com uma população da ordem das 300 mil pessoas, que é frequentemente apresentado como aquele onde o grau de felicidade dos cidadãos é maior, surpreendeu toda a gente, na passada semana, com a notícia da nacionalização de 75% do GLITNIR, o terceiro banco do país, no qual injectou 600 milhões de euros, e no início desta semana com as notícias[1] da nacionalização da segunda maior das suas instituições financeiras, o LANDSBANKI, da necessidade do Banco Central Islandês emprestar 500 milhões de euros ao KAUPTHING BANK (o maior banco da Islândia que também já foi nacionalizado[2]) e do recurso a um financiamento de 4 mil milhões de euros pelo Banco Central da Rússia.

A importância destes números ganha outro relevo quando se compara com a dimensão do PIB islandês, cerca de 11 mil milhões de euros[3], que, conjugado com a grande dependência do sector financeiro (o sector terciário representa mais de 68% do PIB e origina mais de 70% do emprego) que aquela economia apresenta ajuda a explicar o nível de preocupação que os cidadãos do país transmitiram aos mais diversos órgãos de comunicação.

Este cenário parecerá tanto mais estranho quanto até há pouco tempo a economia islandesa era apresentada, por muitos, como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta. A Islândia, país piscatório por tradição e limitação natural, levou a cabo uma interessante modernização do seu tecido económico e social, a ponto de ser considerado como um dos mais ricos do Mundo. Para este sucesso muito contribuiu o seu sector financeiro que tem beneficiado de uma ampla desregulamentação e do crescimento exponencial do seu mercado de capitais que facilitaram às empresas e aos bancos islandeses a diversificação de investimentos um pouco por toda a Europa.

A crise que o país agora atravessa é tanto mais grave quanto o seu sector bancário representará hoje cerca de nove vezes o valor do PIB nacional e o seu colapso poderá arrastar todo o conjunto da débil economia islandesa, que tradicionalmente baseada no sector pesqueiro, se tornou particularmente vulnerável ao cruzamento de participações financeiras que ameaça um verdadeiro efeito de dominó sobre a economia.

Para agravar ainda mais este efeito, a moeda islandesa (coroa islandesa) tem estado sob ataques especulativos nos mercados cambiais (tenham eles sido originados numa correcta avaliação da fragilidade da divisa e das escassas reservas do Banco Central Islandês, estimadas por alguns analistas nuns escassos 4 mil milhões de euros, ou numa mera convicção da impraticabilidade da manutenção da paridade com o Euro) que já obrigaram à desvalorização da coroa islandesa, colocando-a numa situação apenas superada pela divisa do Zimbabwe.

A situação do país é de tal maneira grave que o primeiro-ministro, Geir Haarde, já anunciou que a Islândia se confronta com a possibilidade bem real de ver a economia nacional engolida pela tempestade financeira mundial e sob ameaça da própria falência do país.

Uma explicação para esta situação pode ser encontrada nas crescentes dificuldades de refinanciamento com que os bancos islandeses se têm confrontado e às quais as frágeis reservas do seu Banco Central não conseguiram proporcionar resposta; a anunciada garantia pública dos depósitos dos cidadãos islandeses não pôde ser estendida às contas estrangeiras do que resultou uma corrida aos levantamentos nas filiais fora do país[4] e à sua eminente ruína.

Para esta situação de calamidade nacional muito terá contribuído a reduzida dimensão da Islândia, a desproporção do peso do sector bancário no conjunto da economia islandesa, a óbvia fragilidade da moeda nacional e, talvez, a opção individualista que tem mantido a Islândia fora da UE e de uma moeda mais forte como o Euro.

Tudo isto me parece justificar que se observe atentamente a evolução da situação na Islândia e se tirem lições para o futuro, pois não basta acusar as opções de desenvolvimento neoliberal e o isolacionismo, nem o oposto a este (por exemplo a integração económica) constituirá garantia bastante para as economias mais frágeis, como é o caso português.
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[1] Uma dessas notícias, publicada pelo DIÁRIO ECONÓMICO, pode ser lida aqui.
[2] Ver esta notícia da BBC.
[3] O valor anunciado pelo WORLD FACT BOOK é uma estimativa para 2007 de 14,52 milhões de dólares.
[4] Uma das principais praças de operação situa-se no Reino Unido.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

OUTRA VEZ O PREÇO DA GASOLINA

De acordo com esta notícia a Autoridade da Concorrência (AdC) vai iniciar uma «…investigação aprofundada ao mercado dos combustíveis (…) e que só estará concluída em Março de 2009, o regulador vai analisar novamente questões polémicas como as margens das petrolíferas, as «coincidências» nos preços e se existe ou não abuso da posição dominante por parte da GALP».

Ainda não tinha concluído a leitura deste primeiro parágrafo da notícia e já estava a antever as conclusões que serão apresentadas dentro de seis meses. Tal como aconteceu em Junho deste ano, na anterior audição do presidente da AdC na Assembleia da República, novamente se chegará a conclusão que não existe qualquer motivo para preocupação quanto ao funcionamento dos princípios da livre concorrência no mercado nacional de combustíveis.

Aparte o anúncio deste trabalho parecer uma óbvia mistificação do que no dia-a-dia sentem no bolso os automobilistas nacionais, o que o torna ainda menos credível foi a comunicação feita há dois dias pelo ACP[1] das conclusões de um estudo sobre o mercado dos combustíveis em Portugal[2], segundo o qual este não é concorrencial., pois além de parecer dominado pela GALP (esta empresa controla a refinação e domina a importação, o armazenamento, o transporte e o abastecimento das concorrentes), existe cooperação a nível contratual e institucional (trocam combustível, exploram em parceria infra-estruturas e fornecem-se reciprocamente) entre as principais empresas petrolíferas que controlam 70% da distribuição.

Estas conclusões, escritas preto no branco, mais não fazem que reforçar as dúvidas levantadas em torno do facto do “crude” ter descido cerca de 40% entre Julho e Setembro enquanto a gasolina e o gasóleo desceram apenas 6% e 10%, respectivamente, às quais se deverão adicionar outras realidades facilmente constatáveis como: a manipulação da informação em torno do uso do preço dos contratos de futuros para justificar a subida do preço dos combustíveis refinados[3]; o peso da especulação na subida dos preços nos mercados a prazo e à vista[4]; a inoperância da AdC e a importância da receita fiscal[5].

Perante esta realidade não será de estranhar que muitas dúvidas andem no ar sobre um aproveitamento das petrolíferas, hipótese tanto mais plausível quanto estas viram os seus lucros aumentar entre 30% e 60% no primeiro trimestre do ano relativamente ao período homólogo do ano anterior.

Embora os especialistas se mostrem divididos sobre as medidas a tomar para aumentar a concorrência no sector, o cenário de uma hipotética separação entre a produção e a distribuição (“unbundling”) é dos que recolhe mais opiniões favoráveis, isto apesar da GALP afirmar que os benefícios a recolher se resumiriam a uns meros dois cêntimos no preço do produto final.

Pessoalmente acho que a solução a adoptar deve ir mais além e, por ter um âmbito de aplicação mais vasto que o dos combustíveis, fundamentar-se em realidades que extravasam a mera discussão económica dos fenómenos da formação dos preços.

Começando por recordar que há anos que os responsáveis políticos nacionais vêm insistindo no argumento de que a concorrência originará preços mais favoráveis para os consumidores, mas que a realidade a que assistimos é muitas vezes bem diferente, talvez a primeira reflexão a fazer deva ser orientada para a própria organização dos mercados. É que afirmar que da simples privatização de empresas como a GALP, a EDP ou a PT e a abertura dos mercados em que operam a outros interessados é receita segura para o aumento da concorrência e, logo, para a descida dos preços ao consumidor, está tão longe da realidade como o esteve no desmembramento e privatização da antiga RODOVIÁRIA NACIONAL.

Se numa primeira fase se registou algum efeito positivo (a referida redução de preços) não tardou que o efeito de posição dominante daquelas empresas se traduzisse em prejuízo dos consumidores (subida dos preços e/ou degradação da qualidade dos serviços), mais que não fosse em consequência das ineficiências próprias dos mercados e do reduzido poder reivindicativo dos consumidores.

No caso do sector dos combustíveis os inconvenientes estão à vista de todos, ainda mais quando os governos que privatizaram a GALP não asseguraram os indispensáveis mecanismos de controlo e supervisão[6]. Como o constata o parecer encomendado pelo ACP quando, num mercado oligopolista, coexiste um nítido aumento dos resultados das petrolíferas com uma subida dos preços induzida pela subida dos custos, poucas dúvidas restam sobre a prática de concertação dos preços, tanto mais que a elevada interdependência entre os agentes facilita que aquela prática se registe de forma contínua e permanente.

Contrariando a posição da AdC, os autores do trabalho atribuem pouca ou nenhuma eficácia às medidas que apontam para o aprofundamento da concorrência ao nível dos retalhistas quando, ao nível ao nível da armazenagem se regista precisamente uma maior concentração nas mãos da GALP. Marginalmente referem ainda a necessidade de monitorização da actividade das duas associações do sector, a APETRO[7] e a ANAREC[8], e a de estender a análise ao conjunto do mercado ibérico, fazendo, inclusive, intervir a própria Comissão Europeia.

Talvez nada disto tivesse acontecido se, em detrimento de uma política de privatizações que atendeu principalmente os interesses da iniciativa privada e o aumento das receitas públicas, se tivesse optado por um processo de adequada racionalização da economia, abrindo à iniciativa privada sectores não estratégicos da economia e mantendo naqueles que fornecem bens e serviços essenciais às populações (e às empresas) uma forte presença de capitais públicos, única via para assegurar uma efectiva possibilidade de intervenção e de racionalização de preços e actuações (desde o nível estratégico até ao ético) que assegurem crescimentos económicos e sociais sustentados. Exemplos práticos do que não se devia ter feito é algo que, infelizmente, não faltam à nossa volta - desde a questão agora tão actual da formação do preço dos combustíveis até outras, igualmente polémicas, como a da partilha das redes fixas de telecomunicações (a PT, operadora de serviço fixo de comunicações, é proprietária de uma rede que deverá ceder à utilização de outros operadores), a degradação da qualidade do serviço privado de transportes públicos (fora dos grandes centros de Lisboa e Porto), a participação de empresas oligopolistas em sectores complementares (caso da GALP e da EDP no negócio do gás natural) - e que tudo o indica continuarão a repetir-se em processos como o da privatização das águas.
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[1] ACP é a sigla do Automóvel Clube de Portugal, uma das mais antigas associações nacionais que representa os interesses dos automobilistas nacionais.
[2] O relatório intitulado CONCERTAÇÃO E DEFICIT DE CONCORRÊNCIA NO MERCADO DOS COMBUSTÍVEIS é da autoria da Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados
[3] Para maior detalhe ver o “post” «ATENÇÃO AO QUE SE LÊ NOS JORNAIS».
[4] Esta questão foi abordada no “post” «BOICOTES».
[5] Ver a propósito o “post” «AINDA O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS».
[6] A forma como foi concretizada a operação de privatização e algumas das questões que a rodearam foram já objecto de comentário no “post” «O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS»
[7] A APETRO é a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, reúne as principais petrolíferas que operam em território nacional e tem por missão fomentar o estabelecimento e desenvolvimento de condições envolventes apropriadas, que facilitem uma operação responsável e lucrativa do sector petrolífero em Portugal,
[8] A ANAREC é a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis e representa os interesses dos revendedores de combustíveis (vulgo bombas de gasolina) que operam em território nacional.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

QUE BEM PREGA FREI TOMÁS

No tradicional discurso do 5 de Outubro e para comemorar a implantação da República, o presidente português aproveitou a oportunidade para traçar um quadro da situação económica nacional – opção perfeitamente natural quando se avizinha a discussão de mais um Orçamento Geral do Estado e a nível internacional e comunitário se vive um cenário de crise instalada – e, como seria de esperar, face à realidade que todos conhecemos mas, principalmente devido ao avizinhar de um ciclo eleitoral e à óbvia divergência política entre este e o governo, o quadro é quase o oposto do que o governo de José Sócrates nos apresenta regularmente.

Se para os segmentos mais informados da população o diagnóstico que Cavaco Silva apresentou até poderá pecar por ser benigno, pois mais haveria seguramente a referir além das dificuldades financeiras das famílias, das dificuldades na obtenção do primeiro emprego e das originadas no crescente desemprego, das crescentes formas de pobreza e de exclusão social, das chocantes disparidades de rendimentos, dos fracos índices de crescimento económico, do agravamento do fosso para os nossos parceiros europeus, do elevado endividamento externo e das disparidades regionais, não seria importante para todos os portugueses que o Presidente da República também participasse na explicação de tanta ineficiência governativa?

É que, importa não esquecer, o actual titular do mais elevado cargo da magistratura nacional é, além de reputado economista, um dos ex-governantes nacionais (foi primeiro-ministro entre 1985 e 1995), co-responsável pelo estado a que o país chegou.

A queda no rendimento das famílias (e principalmente das inúmeras que vivem exclusivamente do seu trabalho) e dos reformados não é um fenómeno recente, antes resultado da prática da indexação das renovações salariais anuais a um indicador ficcionado como o é o da inflação esperada, prática que remonta ao tempo dos governos de Cavaco Silva, como o comprova este ACORDO SOBRE POLÍTICA DE RENDIMENTOS PARA 1988 firmado pelo Conselho Permanente de Concertação Social; as dificuldades dos jovens para entrarem no mercado do trabalho são igualmente antigas, tanto quanto as desajustadas políticas educativas e as ainda piores iniciativas de requalificação da mão-de-obra; desemprego tem sido uma das realidades com que a população portuguesas mais se tem debatido nas últimas décadas, agravada ainda pela fraca escolaridade e pior iniciativa empresarial de investimento, que nem os planos e incentivos ao investimento e à criação de emprego (não deve ter havido governo que não tenha apresentado o seu, mas a realidade é que um após outro nenhum conseguiu efectivamente melhorar a situação) conseguiram melhorar.

Se, como vimos, o contributo de Cavaco Silva e dos seus governos foi ineficaz para resolver os problemas do emprego, da distribuição de rendimentos e até do investimento (que na prática acabam por originar e justificar o crónico atraso relativamente aos nossos parceiros comunitários) que dizer da sua actuação no campo do combate à desigualdade social e às disparidades regionais. Para sintetizar o efeito das políticas que prosseguiu bastará recordar que foi durante os seus governos que se deu início à famigerada “política do betão e do alcatrão” que além de ter esbulhado milhões de euros das transferências comunitárias que deveriam ter sido canalizadas para a modernização do tecido industrial nacional e/ou para a formação de quadros, ainda foi responsável pelo avolumar da tendência de desertificação do interior do território.

Posto isto, todo o discurso de Cavaco Silva foi negativo? De modo nenhum! O apelo à mobilização de vontades não pode deixar de ser referenciado como um dado positivo, mas… a que vontades apelou o Presidente?

À dos trabalhadores, cansados de esperarem ver um dia reconhecidas as capacidades que no estrangeiro há muito são apreciadas, mas que internamente os patrões se recusam a recompensar com salários justos e valorizadores?

À dos reformados, que além de se verem muitas vezes considerados como um peso (para as empresas e para a sociedade) ainda vêm a sua fraca qualidade de vida cada vez mais deteriorada a ponto de até já os cuidados básicos de saúde lhes serem negados (que outra coisa se pode pensar quando o SNS apresenta índices de qualidade e de proximidade cada vez menores e os políticos valorizam nos seus discursos as parcerias público/privado para assegurarem serviços dos quais os mais carenciados estão quase automaticamente excluídos)?

À dos empresários, que ainda há dias o mesmo Cavaco Silva acusou de excessiva dependência do proteccionismo do Estado[1],ou aqueles cujo processo de acumulação de capital tanto facilitou com o programa de privatizações que iniciou enquanto primeiro-ministro?

À dos jovens, que de pois de terem sobrevivido ao papel de perpétuas cobaias de um sistema de educação que persiste em não conhecer estabilidade ainda têm de se confrontar com a reduzida dimensão do mercado de trabalho nacional e “agradecer” a possibilidade de nunca encontrarem a estabilidade profissional que lhes proporcione a hipótese de constituírem família?

Ou seria que o Presidente da República estava apenas a referir-se à “boa vontade” com que os portugueses têm assegurado a sobrevivência de uma classe política manifestada carenciada de valores e de capacidades?
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[1] Ver a notícia da TSF, aqui.

domingo, 5 de outubro de 2008

QUO VADIS EUROPA[1]

Agora que é segura a aprovação do plano Paulson para a recuperação da crise em Wall Street, ou o que quer que seja isto significa, o que irá suceder na velha Europa…

Depois dos primeiros sobressaltos registados na Europa, ainda no ano passado, e originados na ramificação dos primeiros efeitos do avolumar do incumprimento no crédito norte-americano dito “subprime”, expressos na redução dos resultados dos principais bancos europeus (de que esta notícia do LEMONDE foi exemplo) e que se propagaram até à nacionalização do banco inglês Northern Rock (aqui noticiada pela BBC), seguiu-se um período de regulares notícias sobre as injecções de liquidez do BCE no mercado interbancário, enquanto em Wall Street o sector bancário era atingido por uma vaga de vendas e fusões (Bear Sterns, Merril Lyinch), nacionalizações (Fannie Mae, Freddie Mac e AIG) e até falências (Lehmann Brothers).

Na Europa, além das óbvias quedas dos índices bolsistas dos mercados de capitais, o sector bancário só nas últimas semanas registou a segunda vaga de agitação, com as nacionalizações do Bradford & Bingley, pelo governo inglês, e do Fortis e do Dexia pelas intervenções conjuntas dos governos inglês, francês e dos países do Benelux. Esta realidade trouxe de novo à primeira linha do debate europeu a situação do mercado financeiro mundial, tanto mais que coincidiu com o debate, nos EUA, da proposta da administração norte-americana, que ficou conhecida como o plano Paulson e em reacção ao qual o actual presidente em exercício da UE, o francês Nicolas Sarkozy, convidou para uma reunião Gordon Brown, Angela Merkel e Silvio Berlusconi, (os seus congéneres inglês, alemão e italiano) e ainda os presidentes da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do BCE, Jean Claude Trichet.

Se da proposta de ordem de trabalhos constava a discussão da actual crise, nos jornais já tinham começado a circular rumores de uma proposta francesa para a constituição de um fundo de 300 mil milhões de euros, para acorrer às necessidades dos bancos mais atingidos pela crise mas que face à imediata recusa alemã foi prontamente retirada[2], já das conclusões pouco se pode concluir de muito concreto sobre o assunto. Como já se vem tornando hábito nas reuniões de cúpula da EU, os estados-membros estão sempre de acordo num ponto – as políticas necessitam de ser coordenadas entre os diferentes estados-membros – mas raramente conseguem outro consenso além daquele.

Assim, nas vésperas da reunião do EUROGRUPO e do ECOFIN[3], a UE continua a revelar a mesma falta de capacidade de estruturação de políticas comuns que já revelou em tantas outras ocasiões; não que a proposta francesa constituísse alguma inovação – na prática dificilmente se poderia esperar de Sarkozy, um fiel seguidor das políticas norte-americanas, algo de diferente – mas a perspectiva de uma Europa incapaz de gizar uma estratégia comum para enfrentar a crise originada em Wall Street, também não augura nada de bom para os mais de 320 milhões de europeus, salvando-se apenas a ideia de solicitar ao BEI uma linha de 31,5 mil milhões de euros para apoio às PME europeias.

A confirmar esta realidade (e o verdadeiro descalabro que poderá constituir a ideia de deixar a cada estado-membro a decisão sobre as iniciativas a tomar) veja-se o recente exemplo da Irlanda e da intenção manifestada pelo seu governo de garantir os depósitos bancários que suscitou uma imediata afluência de capitais britânicos, receosos da situação financeira dos bancos nacionais.

Em anteriores ocasiões[4] procurei apresentar as razões que me parecem contrariarem a eficácia da ideia de que o mais importante para a economia é assegurar a salvaguarda dos bancos, que presidiu ao plano Paulson, pelo que a mesma linha de raciocínio se deverá aplicar na Europa, para mais quando muitos destes apresentam um volume de responsabilidades que chega a ultrapassar o PIB dos países onde têm a sua sede.

Tal como do outro lado do Atlântico, também na Europa se ouvem algumas vozes de governantes apelando à necessidade de revisão das regras de funcionamento (ou contra a sua total ausência) dos mercados de capitais, como destacou o JORNAL DE NEGÓCIOS relativamente a Nicolas Sarkozy, mas importa não esquecer que o actual estado de desregulamentação daqueles mercados é, normalmente, consequência da permissividade que esses mesmos governantes revelaram em anteriores ocasiões, pelo que as intenções agora manifestadas não deverão passar disso mesmo.

A atestar por tudo isto, a próxima reunião do ECOFIN deverá revelar-se tão pouco produtiva quanto o foi a reunião do G4[5] que ontem teve lugar em Paris; a situação financeira mundial deverá continuar a degradar-se (a BBC noticiou hoje que o segundo maior banco hipotecário alemão, o Hypo Real Estate, se encontra à beira da falência depois deterem fracassado as negociações com o governo alemão e um grupo de bancos[6]) enquanto os políticos se dividem sobre a estratégia a seguir e os eurocratas não param de lembrar as limitações do Plano de Estabilidade, como o fez Durão Barroso e o noticiou o PUBLICO.

Enquanto a Europa revela este nível de unidade e esta capacidade de entendimento, em Portugal o governo de José Sócrates continua a assegurar que o sector financeiro nacional é sólido (mesmo quando o DIÁRIO ECONÓMICO considera os bancos portugueses entre os mais alavancados e o JORNAL DE NEGÓCIOS recorda que a redução da exposição da CGD à REN e AdP liberta capital) e o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos quer resultados da minicimeira de Paris debatidos pela EU, pelo que bem podemos todos perguntar: Quo vadis Europa?
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[1] Quo vadis, expressão Latina que significa “Para onde vais?”
[2] Esta notícia do PUBLICO é apenas um exemplo das que podiam ser encontradas sobre a matéria.
[3] O EUROGRUPO é uma organização não formal da UE que engloba os ministros das finanças dos países da zona Euro, enquanto o ECOFIN é o conselho que reúne os titulares da mesma pasta de todos os estados-membros.
[4] Ver a sucessão de “posts” intitulados «O COLAPSO DE WALL STREET»
[5] Designação pela qual são conhecidos os quatro países de UE (França, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália) que integram o grupo dos países mais ricos e que é normalmente conhecido por G8.
[6] Na sequência desta notícia, AFP informou que Alemanha garante depósitos bancários e tenta salvar gigante hipotecário.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O COLAPSO DE WALL STREET (parte III)

Como se não fosse suficiente a catastrófica situação das principais empresas financeiras do mercado norte-americano, o Congresso ainda decidiu contrariar as expectativas que apontavam para a aprovação do plano Paulson (a alocação de 700 mil milhões de dólares para socorrer aquelas empresas) e rejeitar a proposta.

Como era óbvio, a situação já delicada que se vivia em Wall Sreet, agravou-se ainda mais com a generalidade dos índices bolsistas a caírem, em reacção àquela decisão.

Mas será que se ele tivesse sido aprovado poderíamos ficar tranquilos com a aplicação do grande plano de salvação proposto por Henry Paulson e Ben Bernanke?

A resposta a esta questão depende muito da forma como cada observador entender a crise que se desenrola. Para os que ainda acreditarem nas virtualidades de uma economia baseada principalmente na sobrevalorização dos fluxos financeiros e no primado do mercado (em especial no do mercado de capitais) os milhões de dólares prometidos para sanear o balanço dos bancos norte-americanos serão um sinal positivo que deverá catapultar a recuperação dos principais índices bolsistas, expressando a demonstração da recuperação da confiança dos investidores.

Para quem queira, ou consiga, ver além das aparências que são os mercados de capitais e observe a economia real, não pode deixar de constatar que além dos milhões prometidos não passarem de uma pequena parte do montante necessário, estes destinam-se principalmente a salvar a face (e o negócio) dos banqueiros, não representando significativa influência naquela economia onde todos vivemos o dia-a-dia.

Pior, a bóia de salvação que representaria o plano Paulson não vai sequer servir para corrigir os erros que conduziram ao actual estado das coisas, e a confirmá-lo temos o clima de generalizada euforia bolsista que de imediato se registou ao simples anúncio da ideia e que, da mesma forma que então reagiu exageradamente também agora com o fez (no sentido da baixa) com o anúncio da recusa.

Este insucesso político deverá ser corrigido em breve com a apresentação de nova proposta ao Congresso, e ainda que o plano inicial desenvolvido em três singelas páginas se tenha convertido quando apresentado àquele órgão de poder num in-folio de 106 páginas[1], revista e corrigida, porque a pressão de Wall Street sobre a Casa Branca não deverá abrandar e esta, ainda, é uma importante fonte de financiamento para Democratas e Republicanos.

Se o futuro me parece pouco incerto – acabará por haver “pacote de socorro” – já os princípios que norteiam esta iniciativa devem merecer melhor apreciação.

Mesmo sem recorrer aos mais profundos cânones neoliberais - os do primado do mercado e da livre iniciativa e que as nacionalizações já realizadas pela administração Bush contrariam de forma absoluta – a ideia do Tesouro norte-americano adquirir as dívidas incobráveis que deterioram os balanços dos bancos e assim lhes conferir a solidez financeira que as arriscadas políticas de investimento e de financiamento que praticaram lhes retirou, não pode deixar de ser criticada (e tem-no sido) por quem analise friamente a situação.

Injectar milhares de milhões de dólares provenientes dos impostos cobrados aos contribuintes a quem tem sido sistematicamente negada a melhoria de cuidados de saúde e de educação (sob o argumento de que o Estado não dispunha de verbas para tal) é, no mínimo, uma opção altamente contestável.

Recorrer ao argumento de aquele gasto é indispensável para que os efeitos negativos das falências dos bancos e da quebra de confiança dos cidadãos não alastre ao resto da economia, é tão falaciosa como a anterior, na medida em que o dinheiro injectado nos balanços dos bancos não terá outro efeito que não o de obviar a consequência natural dos maus investimentos e das ruinosas estratégias de especulação que administradores e gestores bancários praticaram – a falência – e servirá, em última instância para remunerar os accionistas dos bancos, mas não recuperará empregos destruídos pelas políticas de deslocalização para países com salários mais baixos nem se traduzirá em novos investimentos em sectores economicamente produtivos e geradores de riqueza para o conjunto da economia norte-americana.

Ninguém, entre os defensores do plano, refere que a probabilidade da iniciativa acarretar para os contribuintes um duplo prejuízo, pois aos milhares de milhões já anunciados haverá que acrescer muitos outros[2] para efectivamente sanear a situação e ainda os que vierem a se necessários para compensar os prejuízos resultantes do Tesouro nunca revender os activos por falta de compradores interessados, é elevada e no pior dos cenários (mas a que a história recente e próxima confere grande probabilidade) o esforço colectivo acabará por beneficiar apenas uma minoria e, pior, a minoria grandemente responsável pela crise.

Por último, a canalização de recursos financeiros, para os quais o estado norte-americano terá de se endividar e por esta via contribuir para a desvalorização da sua moeda e para o agravamento do seu já enorme deficit público[3], para um sector da economia que longe de contribuir para o crescimento da riqueza nacional tem servido para o enriquecimento de um diminuto segmento da sua população, com os prejuízos agora bem evidentes, e num período particularmente conturbado da sua economia apenas poderá resultar num aprofundamento da recessão que na realidade a economia americana já atravessa[4] e que pela dimensão do seu mercado não poderá deixar de se traduzir na retracção das principais economias mundiais.

Isto dito, não significa que ao poder político não esteja reservado um papel importante no combate à crise, que não venha a se necessário recorrer a fundos públicos ou até à emissão de mais dívida pública; o que se deverá exigir dos responsáveis políticos, norte-americanos ou outros, é que os fundos públicos que venham a se usados sejam utilizados para minorar os efeitos negativos da crise financeira sobre a economia real – usando, por exemplo, os fundos para minimizar junto de clientes e fornecedores do sistema bancário e segurador os efeitos das falências que tenham que se registar – mas nunca para compensar o prejuízos dos que alinharam num “jogo” de alavancagem financeira que conduziram até patamares insustentáveis.

Os prejuízos que inventores e praticantes da reengenharia financeira[5] já originaram na economia real, dos quais o excessivo endividamento das famílias é apenas uma parte, mais que justificam que, num bem estruturado e correctamente orientado plano de recuperação da economia, se inclua uma vertente particularmente orientada para o apoio às famílias e ao mercado imobiliário[6], a par com a definição de novas regras de funcionamento dos mercados de capitais.

Tal como a prática já demonstrou o logro que constitui a implementação de políticas económicas e fiscais orientadas para promover e facilitar a concentração da riqueza nas mãos dos mais ricos – na expectativa de que os investimentos por estes realizados se viessem a reflectir em maiores rendimentos do conjunto da sociedade –, também a ideia da promoção da desregulamentação dos mercados como algo de indispensável e benéfico para todos acaba de ser desmistificado, pelo que a par com a intervenção sobre a economia é igualmente indispensável a introdução de regulamentação eficaz sobre os mercados de capitais.

Talvez em poucas ocasiões, como nesta, esteja a ser tão evidente a velha expressão latina: homo homini lupus
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[1] Curiosidade que retirei desta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO e é reveladora de duas coisas: a fraquíssima qualidade da fundamentação inicial e das muitas alterações e adendas que a proposta sofreu durante as negociações entre a Casa Branca e os representantes Democratas e Republicanos no Congresso.
[2] Pelo menos essa é a expectativa de alguns analistas, conhecedores do sector financeiro, como refere esta notícia do BLOOMBERG e que o DIÁRIO ECONÓMICO também referiu.
[3] Num artigo muito a propósito intitulado «A economia dos EUA está doente», datado de Abril deste ano, Joseph Stiglitz afirmava que a dívida pública norte-americana «…aumentou 50% em oito anos, sendo que 1 bilião se deve ao esforço de guerra – valor que deverá mais do que duplicar na próxima década» e segundo o WORLD FACTBOOK a dívida pública representará cerca de 37% do PIB do país; como aquele indicador foi estimado em 14 biliões de dólares, para 2007, pode-se concluir que o valor daquela dívida deverá ser da ordem dos 5 biliões de dólares.
[4] A atestar por esta notícia do LE MONDE, que desde Maio deste ano que se discute abertamente se a economia norte-americana está ou não em recessão, enquanto Walter Williams, na sua página SHADOW GOVERNMENT STATISTICS, informava em 13 de Janeiro que a recessão se tinha instalado.
[5] Expressão que habitualmente designa o processo de elaboração dos diversos produtos financeiros e da sua combinação em diferentes produtos finais.
[6] Isto mesmo foi hoje lembrado num artigo de George Soros publicado no FINANTIAL TIMES.