quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A BOLHA CHINESA

A evolução negativa das cotações na bolsa chinesa, fizeram regressar às parangonas dos jornais a questão das bolhas financeiras.


Não que a situação chinesa seja especialmente diferente doutros crashes a que já assistimos, mas talvez porque a dimensão da sua economia já assuste muito mais que o que deixa entender no dia-a-dia. Assim se explica que o BCE tenha reagido cautelosamente, quando o seu vice-presidente Vítor «Constâncio afasta enfraquecimento acentuado da economia chinesa», embora se saiba já que pela terceira sessão contínua a «Bolsa de Xangai volta a cair e tem pior semana desde 1996» e que após uma aparente subida Wall Street fechou a sua sexta sessão consecutiva no vermelho.

Claro que existem razões para estes acontecimentos; a economia chinesa deixou de crescer a taxas anuais de dois dígitos (nada que não fosse expectável dada a conjuntura mundial e a óbvia impossibilidade de perpetuar semelhante desempenho) e os americanos (debatendo-se ainda com uma economia anémica e volátil) tardam em fazer subir as suas taxas de juro a que se junta o reconhecido facto da maior parte do crescimento da procura interna chinesa estar assente na especulação imobiliária.

Mas os cuidados que naturalmente devem rodear o acompanhamento desta situação que, recorde-se, afecta a segunda economia mundial e a principal exportadora, dispensavam perfeitamente outro tipo de notícias como as que afirmam que o «Homem mais rico da China e dono de 20% do Atlético de Madrid fica sem €3 mil milhões em 24 horas» ou que as que asseguram que logo nos primeiros dias da crise «Os 10 mais ricos do mundo perderam €15,4 mil milhões num dia», que não significam mais que fait divers (confundindo capitalização bolsista com liquidez) sem o mínimo efeito prático salvo o de espalharem o medo e de garantirem a maximização dos ganhos para os especuladores, mesmo quando se anuncia a existência de  «Empresas de corretagem da China sob investigação».

A desaceleração da economia chinesa deve constituir motivo de alguma (relativa) preocupação, mas nada que justifique o pânico que parece estar a assolar as praças americanas e europeias e que apenas encontrará justificação na fragilidade das próprias economias.

sábado, 22 de agosto de 2015

TRAGÉDIAS

A semana que termina assistiu à aprovação de mais um resgate à Grécia e ao anúncio da demissão do governo grego que o aceitou, acontecimentos que o NEGÓCIOS sintetizou dizendo que o primeiro-ministro «Tsipras recebe cheque, demite-se e pede novas eleições».


Não sei como irá ser recordado para a História o ano de 2015, mas para os gregos (e para os europeus) que o estão a viver vai seguramente ser recordado como um ano estranho. Primeiro, viu ser eleito em terras helénicas um governo em absoluto contraponto com as posições políticas e económicas dos restantes governos da UE; depois viu esse novo governo opor-se à prevalecente tese da inexistência de alternativa à política da austeridade-expansionista, a ponto de até alguma imprensa já falar abertamente nas alternativas.

O extremar de posições levou à realização dum referendo onde os gregos, mesmo sob o garrote do encerramento do seu sistema financeiro, recusaram a continuação da aplicação de tais políticas mas viram o seu governo, espartilhado entre a vontade popular de se manter na Zona Euro e a asfixia financeira imposta de Bruxelas e Frankfurt, aceitá-las em quase toda a linha.

A demissão de Tsipras e a convocação de eleições antecipadas é mais um episódio que confirmando a inevitabilidade da realpolitik demonstra à saciedade que há muito deixou de vigorar na UE um dos seus princípios fundadores; ao ideal “todos diferentes, todos iguais” sucedeu-se a versão “todos iguais ou pouco diferentes”… ou de forma ainda mais prosaica: a substituição da força da razão pela razão da força!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

HUGO PRATT – EM BUSCA DA LIBERDADE PERDIDA

Na data em que se assinalam vinte anos sobre a sua morte e quando se espera para Outubro a publicação dum novo álbum de Corto Maltese[1] – o personagem que criou e lhe granjeou reconhecimento geral –, mais que se justifica lembrar esse nome mítico da 9ª arte, que foi Hugo Pratt e cuja vida e obra podem ser tão intimamente misturadas e indissociáveis.


Itinerâncias

Nascido em 1927, numa família veneziana onde se misturavam a ascendência inglesa, por parte do pai, e a judaico-espanhola, por parte da mãe (o avô materno, que retratará em “Fábula de Veneza”, era o poeta Eugenio Genaro e um dos fundadores do fascismo veneziano), rapidamente se viu envolvido no turbilhão duma Itália onde o fascismo em ascensão redescobre o fascínio imperial e colonialista.

Muito jovem, Hugo Pratt chega a solo africano instalando-se com os pais na Abissínia; quando a guerra eclode, é alistado no exército fascista com a idade de 13 anos, tornando-se, como ele o referiu, o mais jovem soldado de Mussolini. Destruído o sonho duma Itália colonialista, o pai morto, Hugo Pratt e a mãe serão repatriados pela Cruz Vermelha. Esta sucessão de viagens desde a infância, uma família cosmopolita e muito feminina, versada nos mistérios da cabala e do esoterismo, convida à pesquisa, às deslocações geográficas e à viagem interior.

Guiado por uma curiosidade sem limites, Hugo Pratt conduziu a sua vida e a sua obra como uma busca; …busca de si próprio e vagabundagem para compreender, um pouco mais e um pouco melhor, o mundo.

Depois, por trabalho ou prazer, Pratt não deixará mais de cruzar o mundo: Europa, África, América, cada viagem leva-o um pouco mais longe na sua busca… Da sua longa estadia na Argentina, dirá: «A Argentina fez de mim um adulto …», mas foi em França que primeiramente lhe reconheceram o talento.

Um pouco da obra…

Tendo iniciado a sua carreira de desenhador (como o próprio reconheceu sob a forte influência do norte-americano Milton Caniff), colaborou com argumentistas, como o italiano Alberto Ongaro (Asso di Picche), o argentino Hector Oesterheld (argumentista e editor desaparecido durante a ditadura do general Videla, com o qual criou as figuras de Sargento Kirk, Ticonderoga e Ernie Pike). Ainda do período argentino datam os primeiros trabalhos a solo (Ana da Selva, Capitão Cormorant e Wheeling, uma sequela de Ticonderoga) e as primeiras evidências do despoletar dum estilo próprio.

De regresso a Itália lança, com o promotor Fiorenzo Ivaldi, a revista Sargento Kirk em cujas páginas serão publicadas as primeiras pranchas da “Balada do Mar Salgado”, obra que marcará definitivamente o nascimento de Corto Maltese e o mito de Hugo Pratt.

Profundamente marcado pelo fenómeno da guerra, legou-nos a sua visão dos conflitos em muitas da suas obras (principalmente em “Ernie Pike” e nos “Escorpiões do Deserto”, série que foi a primeira conhecer um continuador no desenhador suíço Pierre Wazem, ou nos seus últimos trabalhos: “Sob um Céu Longínquo” e “Morgan”), mas à semelhança de tantos outros autores, uma das principais fontes de inspiração de Pratt, são os seus encontros, nomeadamente com as mulheres; como o seu criador, Corto, cruzar-se-á com muitas mulheres excepcionais durante as suas peregrinações, mas nenhuma o fará abandonar o seu nomadismo!


Na sua obra deixou-nos soberbos “retratos” dum feminino sempre presente mas muitas vezes inacessível, com destaque para duas das suas obras mais tardias (“Um Verão Índio”, de 1983 e “El Gaúcho”, de 1991) onde curiosamente deixou o desenho para Milo Manara, assumindo apenas o papel de argumentista.

Dotado duma elegância e virtuosidade muito próprias, o artista, que sempre fez questão de se considerar apenas um artesão, legou-nos obras plenas duma sensibilidade que questiona sem ambiguidades os grandes valores da vida ou não a tivesse encerrado com uma reflexão sobre Antoine de Saint-Exupéry no seu “O Último Voo”.

O homem que amava os livros

Aguarelista de talento, desenhador reconhecido e escritor confirmado, Pratt era também um grande bibliófilo e um leitor insaciável; na sua casa de Grandvaux, na Suíça, possuía uma biblioteca com cerca de 30.000 obras, onde destacava os "travel writers", principalmente anglófonos. O próprio disse que «A minha geografia está sempre ligada a um mundo literário e fantástico. Para mim, uma viagem é uma descoberta despertada por uma leitura.» (Le désir d'être inutile), pelo que não se estranham as contantes referências literárias (e não só) a nomes como Jack London, James Curwood, Rimbaud, Hesse, Kipling, Yeats e tantos outros.


Citava R.L. Stevenson e a fabulosa descrição da ilha do tesouro como a sua referência em matéria de inspiração; muitos do seus personagens, onde Corto Maltese é sempre o paradigma, procuram um tesouro… mas é o seu mundo interior que Pratt explora e ilustra.

Esse formidável narrador, desenhador de talento, inspirado tanto pela literatura e pelo cinema como pela mitologia, era um artista complexo e tornou-se rapidamente um personagem de culto…um mito vivo!

Em 1995 trocou o mundo real pelo dos sonhos, ele que dizia: «Acontece-me não ter vontade de sair do mundo dos mitos, deixando até de saber onde está o mundo real».



[1] A nova obra terá autoria duma dupla espanhola composta por Juan Diaz Canales, autor de “Blacksad”, e Rúben Pellejero, que desenhou “Dieter Lumpen” e terá como título “Sous le Soleil de Minuit”.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

PARA A DISCUSSÃO DE UM NOVO PARADIGMA – PARTE II

Na primeira parte deste “postreferi o facto da denúncia das limitações e malefícios dum modelo económico avesso ao reconhecimento do factor trabalho datar de há pelo menos vinte anos, mas já duas décadas antes se debatiam os efeitos da aplicação do Consenso de Washington (conjunto de princípios de acentuado pendor monetarista que o FMI transformou na sua lista de medidas a aplicar aos países sujeitos à sua intervenção) aos países do Terceiro Mundo.

Quando Cheryl Payer sintetizou no livro «A Armadilha da Dívida Externa» os resultados da sua investigação, já vários países africanos e sul-americanos tinham sentido os efeitos práticos dos mesmos malefícios a que hoje assistimos. Como qualquer outro processo impositivo, a aplicação dos pressupostos neoliberais a economias menos desenvolvidas não foi inócuo nem fruto dum qualquer acidente e percurso, antes consequência dum plano gizado para a implementação da chamada globalização, no qual as economias empobrecidas ficariam para sempre dependentes das mais ricas.

Este mecanismo seria replicado no sudoeste asiático e na Rússia, no período que se seguiu ao desmembramento da União Soviética, com efeitos distintos consoante a maior ou menor vontade/capacidade das lideranças locais se lhe oporem.

A denúncia e a contestação das políticas de natureza macroeconómica que estão a afundar o pouco que resta duma Europa com pensamento autónomo, inclui a necessidade de dispersar atenções por vertentes como a financeira e a monetária mas igualmente pela social. O que distingue a verdadeira análise macroeconómica da visão quase microeconómica que insistem em nos impor (a dos equilíbrios orçamentais que persistem em apresentar sob a mesma perspectiva que a dos orçamentos familiares) não é apenas a sua abrangência mas também a sua capacidade para observar e preservar o lado social da economia.

É por isso que a par com a importância de apresentar modelos financeiros alternativos, como seja o caso da radical alteração do desenho da moeda única e da transformação do papel do BCE em financiador principal e directo dos défices públicos (pelo menos na proporção prevista no Tratado Orçamental) em lugar de financiador do sistema financeiro, é igualmente indispensável denunciar a falência do actual modelo de organização do trabalho e em especial o paradigma que estabelece a utilidade desse mesmo factor produtivo.

Ao contrário do capital (o outro factor produtivo) o produto do trabalho tem que ser avaliado além do simples aumento de valor incorporado nos produtos fabricados. Uma sociedade na era da informação e da robotização não pode continuar a avaliar o produto do trabalho exclusivamente pelo seu preço no mercado; muitas e indispensáveis tarefas são realizadas sem que estas sejam incorporadas nos cálculos de valor como o do PIB.

O princípio da distribuição dum dividendo-geral, a que me referi no post” anterior, é cada vez mais urgente e indispensável numa sociedade como a actual, onde ao desequilíbrio de pirâmides etárias invertidas se adiciona a realidade da inexistência de emprego para quem o procure; assim a actual sociedade tem que mudar de paradigma e passar a valorizar tarefas como a da formação das gerações mais jovens ou o acompanhamento das gerações mais velhas e a revelar o discernimento para lhes atribuir uma remuneração que valorize socialmente aquelas e outras tarefas mais ligadas a funções criativas.


A par com esta, outras estratégias no combate ao desemprego serão necessárias para reduzir os seus efeitos devastadores.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

LEMBREM-SE DE HIROSHIMA…

Assinala-se hoje o 70º aniversário da deflagração da primeira bomba atómica. No dia 6 de Agosto de 1945 o bombardeiro Boeing B29 Superfortress, cognominado Enola Gay, procedeu ao lançamento dum engenho nuclear sobre a cidade japonesa de Hiroshima, com o conhecido balanço trágico de cerca de 140 mil mortos.

Uma sobrevivente, Bun Hashizume, recordou o acontecimento duma forma talvez poética, mas não menos brutal: «Pensei que o Sol havia caído diante dos meus olhos».

Esta imagem forte sugere uma outra para condenar o “feito”…


…e não deixar esquecer que por melhor que fosse a justificação, a opção não pode deixar de constituir um crime de guerra!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

PARA A DISCUSSÃO DE UM NOVO PARADIGMA – PARTE I

A polémica levantada em torno da fiabilidade da informação estatística respeitante ao desemprego, especialmente empolada quando o «Líder do PS acusa Governo de querer enganar os portugueses», deveria constituir o ponto de partida para um debate sustentado sobre as perspectivas de evolução do mundo do trabalho.

Não foi por uma opção panfletária que terminei o “post” «GERAÇÃO PERDIDA» com o alerta de que «…o futuro não trará emprego para todos os que o procurem!», fi-lo na profunda convicção que esta “realidade” está a ser ocultada à maioria das pessoas (aquelas que irão sofrer directa ou indirectamente) com o propósito de garantir uma anestesia social.

Quais avestruzes, as elites políticas parecem acreditar que escamoteando um problema este se desvanecerá pelo simples facto de ninguém o observar…


O busílis é que a realidade está a chegar cada vez mais premente ao dia-a-dia dos cidadãos. Desde a eclosão da crise sistémica, iniciada em 2008 com a crise do “subprime” norte-americano e agravada na Europa pela chamada crise da dívida pública, que são cada vez mais notórios os sinais de esgotamento dum modelo que transformou o lucro e a capacidade de o gerar no único objectivo e especialmente numa sociedade que mantém vivo o anátema da condenação moral da ociosidade. O trabalho, apresentado no período de ascensão da burguesia como fonte de prestígio social, depois de transformado numa condenação para o enxame de obreiros condenados a “ganhar o pão com o suor do rosto”, por via da imposição de modelos de gestão orientados por modelos econométricos, caminha agora inexoravelmente para uma glorificação por via da sua escassez.

Muitos foram os teóricos e os pensadores que escalpelizaram a evolução do modelo capitalista desde os primórdios do processo de acumulação primitiva (desde a apropriação de matérias-primas a baixo custo) proporcionado pelas práticas colonialistas até à criação das sociedades da informação (período pós-industrial), mas poucos são os que abertamente criticam o círculo vicioso em que alegremente nos mergulharam.
O último lustro trouxe à evidência dos europeus um fenómeno que já grassava noutras regiões: a formação de exércitos de desempregados, semelhantes aos que a Revolução Industrial criou com a introdução da mecanização ou que a Grande Depressão originou, com poucas ou nulas perspectivas de recuperação dos rendimentos perdidos. Esta verdadeira crise global do trabalho já fora denunciada, em meados da década de 90 do século passado, pela escritora e ensaísta francesa Viviane Forrester, no seu livro «O HORROR ECONÓMICO».

Vinte anos volvidos sobre a apresentação daquele ensaio, a realidade económica, originada na informatização e na robotização dos processos produtivos e que ainda não atingiu o seu apogeu, continua a transformar aquele inegável avanço tecnológico num drama de contornos indefinidos. Às primeiras reduções de pessoal, ditadas pela informatização, estão a seguir-se as justificadas pela necessidade de contenção dos custos (na estrita visão duma corrente ultraliberal que não entende o trabalho como fonte de riqueza) que, no alvor da era em que os robots criem novos robots, culminarão na destruição do último posto de trabalho. Os defensores desta visão nunca a assumem claramente, da mesma forma que nunca se preocupam em explicar quem (há excepção dos poucos super-ricos donos de robots) comprará os bens e serviços assim produzidos, ou como viverá uma sociedade onde a larga maioria dos seus membros nunca encontrará trabalho regular nem rendimentos aceitáveis.

Esta realidade ditará que, tarde ou cedo, se torne compulsiva a distribuição de alguma forma de rendimento (alguns autores já hoje se referem à necessidade de atribuição dum rendimento-geral) a todos os cidadãos, sob pena do desaparecimento dos “mercados”.

Esta ideia de distribuição de rendimento pelos cidadãos inactivos não constitui novidade (é nela que em parte se baseia a ideia do subsídio de desemprego) pois a primeira era de ouro historicamente documentada, o Século de Péricles, que dotou a sociedade ocidental das suas bases filosóficas e técnicas só terá ocorrido porque na Grécia Clássica os excedentes originados pela generalização do trabalho escravo foram aproveitados pela classe rica (os donos de escravos) para investir no estudo e no conhecimento, ou seja, a riqueza adicional criada pelos escravos permitiu que um grupo de homens-livres pudesse dedicar o seu tempo a actividades não directamente produtivas.

Menos mal andaremos se aprendermos esta lição da História, mas os preliminares – recorde-se a posição da generalidade dos governos europeus sobre as políticas sociais e a emigração – não augurem semelhante desenvolvimento.