Vou-me dispensar de abordar a questão da importância (ou da utilidade) da existência de uma data em que é suposto recordarem-se os direitos dos consumidores.
Além da óbvia intenção de aliviar consciências, este tipo de efemérides deveria ser utilizada para que todos (porque todos somos consumidores) reflictamos sobre as pesadas barreiras e outros entraves que as modernas sociedades de consumo criaram aos consumidores.
Contra-senso, não é? Chamar de consumo a uma sociedade onde o que impera são os direitos dos produtores e dos vendedores e na qual pululam teóricos e políticos que defendem a primazia da livre iniciativa mas continuam a limitar o conceito de direitos fundamentais dos consumidores àqueles que John F. Kennedy propôs ao congresso norte-americano na década de 60 e que foram: o direito à saúde e à segurança, o direito à informação, o direito à escolha consciente e o direito à representação e à auscultação.
Para não ir demasiado longe nesta observação veja-se onde está o nosso direito à saúde, quando os governos que temos conhecido optam por:
- encerrar maternidades (por alegadamente não disporem das melhores condições, em vez de as dotas das condições que lhes faltam);
- aumentar as taxas moderadoras dos serviços de saúde, como forma de reduzir os encargos no OGE;
- reduzir as comparticipações nos medicamentos, mas se recusam a actuar a montante do negócio farmacêutico;
onde está o nosso direito à informação, quando o governo Sócrates opta por alterar a legislação por forma a penalizar jornalistas pela divulgação de matérias confidenciais, em vez de agir de forma a assegurar a minimização da fuga de informação;
onde está o nosso direito à segurança, quando o actual governo e outros que o antecederam não actuam sobre o sistema judicial, por forma a melhorá-lo e credibilizá-lo.
Mas, infelizmente, não é tudo no que respeita ao desleixo em que vivem os direitos dos consumidores portugueses. Além da proverbial falta de informação e cultura para garantir o exercício desses direitos, temos ainda situações por demais gravosas quando entramos em mercados específicos como o financeiro.
Quem nunca se confrontou com problemas resultantes de cláusulas redigidas em letra miúda nos contratos de crédito, de depósitos e de apólices de seguros?
Quem, entre os milhões de casais “obrigados” à aquisição de uma habitação própria (devido à escassez ou inexistência de habitações para arrendamento) pode garantir conhecer o teor das mais elementares cláusulas do contrato dos seus financiamentos?
Quem, no governo ou nalgum dos seus organismos especializados, levantou a voz para alertar os consumidores para os riscos do sobreendividamento durante o período de euforia da descida das taxas de juro?
Quem, no governo ou nalgum dos seus organismos especializados, se propôs combater os previsíveis efeitos do sobreendividamento actuando mediante a publicação de legislação que refreasse a ânsia de ganho de vendedores e bancos através da simples aplicação de regras mais restritivas no cálculo da capacidade de endividamento das famílias e co-responsabilizando as empresas (comércio e bancos) que as violassem?
Era tudo isto que eu gostava de ver hoje, amanhã e sempre, ponderado e corrigido, para que no futuro a comemoração do DIA MUNDIAL DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR não passasse de uma reminiscência dos tempos em que aos interesses colectivos (de bem estar e equilíbrio das famílias) se sobrepuseram os privados (traduzidos no crescimento exponencial e irresponsável dos ganhos de uns quantos).
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