sexta-feira, 30 de junho de 2006

MAGNÍFICOS EXEMPLOS

Os autarcas nacionais estiveram em grande destaque durante esta semana, infelizmente pelas piores razões.

Após a incrível “boutade” de Fernando Ruas, que à função de presidente da Câmara de Viseu acrescenta a de presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, tem aquele agora o topete de vir dizer que não disse o que toda a gente o ouviu dizer (que os inspectores do ministério do ambiente deviam ser corridos “à pedrada”) e que toda a polémica se resume a uma manobra política, eis que hoje o PUBLICO avança com duas notícias (esta e mais esta) profundamente reveladoras da postura de alguns autarcas nacionais.

No Porto, Rui Rio avançou com a imposição de «...regras na atribuição de subsídios, condicionando a sua atribuição à assinatura de um protocolo no qual as instituições ficam impedidas de criticar o município.». Esperto como ninguém antes dele e sustentado na maioria de que dispõe na autarquia, Rui Rio apresta-se a “matar dois coelhos de uma cajadada” – silencia potenciais críticas e/ou poupa caso hajam instituições que não se verguem aos seus ditames. A jornalista, autora da peça, citando o constitucionalista Gomes Canotilho, chama-lhe, e bem, a imposição da lei da rolha.

Na vizinha cidade de Gaia, é Luís Filipe Menezes que “obriga”, mediante protocolo assinado, os órgãos de comunicação local a divulgarem «...adequadamente os actos públicos bem como toda a actividade da câmara e empresas municipais». Tal como o seu amigo Rio, Menezes contou com a posição maioritária do PSD/CDS-PP, para assegurar a aprovação das novas regras de distribuição da publicidade institucional do município, que atinge os 150 mil euros por ano.

Aos inquestionáveis conceitos de “liberdade de expressão” que estes senhores têm (e que os seus actos e declarações apenas tornam mais claros e evidentes) e à desfaçatez com que usam e abusam de prepotências e autoritarismos (do tipo “quero, posso e mando”) há ainda que acrescentar a solidariedade hoje expressa pela inefável figura política que é Alberto João Jardim.

O homem a quem já não basta “mandar” a seu bel-prazer no território da Madeira ainda vem apodar as críticas tecidas ao seu correligionário Fernando Ruas de «…campanhas da propaganda do regime, incluso com exigências de desculpas, por parte daqueles que são os que efectivamente devem desculpas aos portugueses», como se ele fosse uma impoluta figura de um regime que prima pela igualdade de direitos, deveres e oportunidades como é o caso que bem se conhece na região que ele dirige e que, nem de propósito, amanhã, dia do 30º aniversário da autonomia madeirense, vai assistir às respectivas comemorações oficiais sem a presença da oposição por esta se ter visto impedida de usar a palavra.

terça-feira, 27 de junho de 2006

PORTUGAL NA CRISTA DA ONDA TECNOLÓGICA?

Já há mais de meia dúzia de horas que os CTT anunciaram o último grito no processo tecnológico – a criação de dez milhões de caixas de correio electrónico (cerca de uma por cada cidadão português) – como via para facilitar as comunicações nacionais. A partir de agora já poderemos começar a receber as facturas da EDP, da PT e de outras grandes empresas sem necessidade de recurso ao velho e ultrapassado sistema de distribuição postal.

Os velhos "carteiros" têm os dias contados!

Viva o correio electrónico!

Viva a redução de custos! (se ao menos a GM Portugal pudesse fazer o mesmo, talvez já não encerrasse a fábrica da Azambuja…)

Foi sem dúvida bonito assistir à cerimónia em que o primeiro-ministro José Sócrates foi presenteado com a caixa de correio electrónico nº 1, mas não pude deixar de pensar noutras realidades…

Enquanto temos o oitavo PIB mais baixo da Europa dos 25, conforme noticiou o PUBLICO no dia 15 deste mês, sendo mesmo ultrapassados por três dos dez novos estados membros e somos um dos países europeus com maior taxa de analfabetismo informático (no dia 20 deste mês o DIÁRIO DIGITAL referia um estudo do Eurostat segundo o qual «…54% dos portugueses não têm os chamados conhecimentos básicos de informática, «…» 53% dos portugueses nunca usaram um computador na vida e que uma grande maioria - 72% - não acede regularmente à Internet»), continuam a intoxicar-nos com campanhas de informação.

Entre estas destaque para:

  • a descrita ontem no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, segundo a qual o presidente a PT, Henrique Granadeiro, assegurou que «Portugal está no "pelotão da frente" dos países europeus com cobertura total de ligação à Internet de banda larga e com os "preços mais acessíveis"»; (a este respeito ver este “post”)
  • a notícia que o PORTUGAL DIÁRIO a propósito do Roteiro para a Ciência do Prof. Cavaco: «O Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu hoje, no Porto, uma aposta na inovação e na modernização tecnológica e prometeu ajudar Portugal a ser «um país de ambição «…» Acho que estamos a encontrar um caminho. E eu estou a ajudar a encontrar esse caminho do país da ambição. Quero voltar a fazer de Portugal um país da ambição», afirmou Cavaco Silva após uma visita à Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto…»

que poderão levar os mais incautos a acreditar que tudo corre às mil maravilhas.

A disponibilização de Internet em todo o território nacional, sendo uma boa notícia apenas se traduzirá numa real “modernidade” quando aumentar significativamente o número de utilizadores regulares desta ferramenta de acesso à informação e ao conhecimento e a disponibilização maciça (e gratuita) de endereços de correio electrónico, com uma tão baixa taxa de utilização da Internet, apenas servirá para reduzir os custos dos CTT e das grandes empresas e, seguramente para agravar o tempo que o cidadão comum demorará a receber a sua habitual correspondência.

Esta medida inovadora, incluída no programa para a simplificação e combate à burocracia na administração pública (Simplex) e no Plano Tecnológico que o governo de José Sócrates lançou em Novembro do ano passado, corre o risco de se transformar em mais um “bluff” dos CTT, como já aconteceu com o Correio Azul cujo efeito prático foi o de atrasar ainda mais a entrega do correio normal.

Como em qualquer outra terra de parolos, os nossos governantes continuam a querer fazer-nos crer que o progresso está já ali ao virar da esquina e persistem em anunciar pomposas medidas e mirabolantes inovações, esperando que nos esqueçamos que por falta de formação poucos poderão delas tirar real partido. No seu Roteiro para a Ciência, o Prof. Cavaco terá afirmado que no mundo global, há vencedores e há vencidos e que ele quer contribuir para que Portugal seja um vencedor, só espero que nele nos inclua a todos e não a apenas alguns poucos.

domingo, 25 de junho de 2006

QUANDO IREMOS ACREDITAR QUE O FUTURO SOMOS NÓS

Apesar das notícias que vão surgindo, parece cada vez mais próximo o encerramento definitivo das instalações da GM na Azambuja. Para justificar a decisão, os responsáveis pela gestão daquela multinacional argumentam com o diferencial de custos (cerca de 500 euros entre a unidade instalada em território nacional e uma congénere situada em Saragoça) na produção do Combo (único modelo montado na Azambuja) para a unidade instalada na vizinha Espanha;. por outras palavras os custos de transporte dos componentes de Espanha para Portugal serão superiores ao diferencial salarial entre os dois países.

O governo de José Sócrates, nomeadamente o ministro da economia Manuel Pinho terá desenvolvido esforços para evitar esta solução, porém, durante a audição parlamentar anteontem realizada e a que compareceu aquele membro do governo, este sempre foi dizendo que em caso de encerramento da fábrica (o que equivale ao não cumprimento do contrato firmado entre o estado português e a GM que previa a manutenção em funcionamento daquela unidade até 2009) o governo exigirá àquela multinacional a restituição dos valores dos incentivos financeiros até agora recebidos.

De acordo com aquele membro do governo o real problema da GM não será o diferencial de custos de produção, mas sim a necessidade de realização de cortes nas despesas resultante dos prejuízos com que o grupo encerrou o exercício de 2005.

Esta situação além de demonstrar a fragilidade das economias e dos respectivos governos face às políticas decididas pelas grandes empresas, ainda poderá servir para avaliar a efectiva capacidade do nosso governo de fazer cumprir as clausulas do contrato inicial – ou pelo menos de garantir a respectiva indemnização – bem como a de encontrar uma solução para as instalações e trabalhadores “abandonados”.

A experiência nacional (à semelhança do que acontece um pouco por todo o mundo) demonstra que este tipo de “investimento” estrangeiro raramente resulta além de um cenário conjuntural altamente favorável a quem investe, tanto mais que as hipóteses de deslocalização das actividades são cada vez maiores e a ânsia das multinacionais (e dos seus excelsamente remunerados gestores de topo) por lucros crescentes não conhece limites, bastando recordar o que aconteceu há uns anos com a Renault.

Seguro é que a GM vai abandonar as instalações da Azambuja e que a principal preocupação do governo Sócrates deverá ser a de encontrar uma alternativa de investimento que assegure a utilização de instalações e pessoal, mesmo quando se fala na existência de uma empresa alemã – a Wagon Automotive- interessada na instalação de uma unidade de prensagem de chapa que poderia contribuir para reduzir os custos de produção na unidade da GM da Azambuja.

Em termos de alternativa não creio que o nosso governo venha a revelar melhor perspicácia ou capacidade negocial que os seus antecessores, pelo que a estas horas diligentes funcionários do ministério da economia já andaram à procura de outra multinacional para substituir a GM. Certo é que se a encontrarem esta irá fatalmente, mais ano menos ano, optará também pelo encerramento.

Contrariamente aos nossos governantes e aos seus assessores, estou em crer que a solução que melhor poderá servir o interesse nacional não se encontra no estrangeiro mas sim entre nós. Embora no nosso país a indústria automóvel nunca tenha passado de uma mera actividade de montagem de partes, tempos houve em que a nossa economia produzia um veículo automóvel, que embora equipado com motores importados, justificando a designação de português. Refiro-me ao UMM.

Para quem não esteja recordado a União Metalo-Mecânica, iniciou em 1977, a par com a construção metalomecânica ligeira, a actividade de fabrico e montagem de veículos motorizados todo-o-terreno, através de uma licença de fabrico de origem francesa. Este modelo inicialmente conhecido pela designação Cournil, viria a conhecer melhoramentos em 1985 (motor Peugeot de maior cilindrada e nova carroçaria) dando origem ao Alter e em 1987 ao Alter Turbo (mesmo motor equipado com turbo compressor e intercooler). Até 1994, ano em que foi suspensa a produção em série, ainda se registaria a introdução de modelos com chassis mais longo e “pick-ups” de cabina simples e dupla.

Actualmente o UMM apenas é produzido por encomenda - equipado com nova mecânica (motor 2.1 L da Peugeot que proporciona maior binário, menor consumo e menor ruído), novos eixos, novos travões e suspensão remodelada – situação tanto mais lamentável quanto existe mercado, no país e no estrangeiro, para um veículo particularmente adaptado para utilização em terrenos difíceis e para tarefas particularmente específicas (exércitos, forças de segurança e bombeiros). Isto é tanto mais verdade quanto durante o período de produção em série os UMM foram exportados para países europeus como a França e Inglaterra, mas principalmente para países africanos. Poderemos não ter condições para concorrer com os grandes fabricantes mundiais, mas a robustez e a qualidade do produto da União Metalo-Mecânica poderia singrar em nichos de mercado específicos e constituir fonte de receita para a economia nacional.

É evidente que a expansão da actividade carecia de maiores investimentos (cuja ausência terá estado na origem do encerramento da produção em série) e que na ausência de capitais privados talvez tivesse competido ao estado português a aposta nas capacidades nacionais. Ao invés de uma solução deste tipo os sucessivos governos optaram por conceder benefícios fiscais (e provavelmente outras benesses que nem imaginamos) a multinacionais do sector automóvel que na primeira oportunidade abandonaram o território nacional, como foi o caso da Renault e vai ser o da General Motors, mantendo a nossa economia numa situação de dependência face às imposições dos futuros candidatos a ocuparem a vaga.

De pouco deverão servir as declarações do ministro da economia de que em caso de deslocalização da produção da GM, exigirá àquela multinacional a restituição dos benefícios financeiros recebidos (fala-se em cerca de 30 milhões de euros) se esta não for acompanhada de uma adequada política de reinvestimento desses mesmos valores, seja na manutenção dos postos de trabalho actuais seja numa real e efectiva aposta no crescimento das capacidades e competências nacionais para gerar maior volume de riqueza global.

Nesta hipótese que melhor opção teremos que o relançamento de uma marca automóvel reconhecidamente nacional e de créditos firmados no mercado nacional e no internacional?

quarta-feira, 21 de junho de 2006

EXERCÍCIO DE CIDADANIA

Em resposta ao “desafio” lançado pelo ALMEIRINENSE, reuniu-se ontem no Auditório da Biblioteca Municipal de Almeirim um grupo de munícipes interessado na reflexão e debate sobre a cidade, o concelho e o seu lugar na região e no país (para usar, mais ou menos a expressão dos promotores). A vastidão do tema poderia ter sido inibidora, mas ainda assim reuniram-se cerca de duas dúzias de pessoas, entre as quais se contavam responsáveis pela gestão autárquica e por algumas das colectividades locais.

A mesa, composta por dois jornalistas (do ALMEIRINENSE e da RCA), optou, e bem, por um estilo de intervenção que motivasse a participação dos presentes. Assim, colocando directamente questões a um ou outro dos presentes (naturalmente de entre os que exercem algumas funções estreitamente ligadas aos temas) foi generalizando a participação dos que entenderam dever fazê-lo. Os temas abordados foram variando desde as razões para a elevação a cidade, o crescimento desde então registado, os equipamentos de natureza social, etc...

Durante as diversas intervenções, surgiram mais dois temas – a segurança e a saúde – que geraram outras intervenções, com particular destaque para a do comandante do posto local da GNR que procurou demonstrar a relatividade da ideia de aumento da insegurança (referindo mesmo que os casos mais frequentes têm sobretudo a ver com os pequenos delitos) e para a de Bento Sampaio, pediatra e membro da AMI, que chamou a atenção para o facto da existência de instalações para a prestação de cuidados de saúde às populações não estar a ser acompanhada da correspondente colocação de pessoal médico e de enfermagem, donde resulta a sua ineficiência.

Quase no final o vereador Francisco Maurício realçou o facto do concelho se revelar bem dotado de infraestruturas desportivas e culturais, da autarquia apoiar as colectividades locais e ainda desenvolver esforços para a realização regular de espectáculos, práticas cada vez mais difíceis face aos custos envolvidos e à falta de adesão do público. Foi nesta oportunidade que propus uma abordagem diferente na problemática de natureza cultural, chamando a atenção para dois pontos:

  • a necessidade de melhorar a divulgação das iniciativas (sejam as da autarquia sejam as das colectividades);
  • a imperiosa necessidade de formar públicos (preferentemente jovens) para as diferentes actividades propostas;

pelo que a aposta não se deveria resumir apenas à realização de espectáculos.

Pairando no ar a sensação de que ainda haveria mais a dizer sobre os temas referidos e que muitos ficaram por abordar, o adiantado da hora motivou uma proposta para a realização de futuros encontros subordinados a temas mais específicos que espero se venham a concretizar e a contar com o mesmo tipo de adesão ontem registado, tanto mais que aquilo a que ontem se assistiu foi a um exercício de cidadania que, presentes e ausentes, não poderemos deixar morrer.

segunda-feira, 19 de junho de 2006

"O ALMEIRINENSE" PROPÕE REFLEXÃO PÚBLICA

É já amanhã que o quinzenário “O ALMEIRINENSE” convida a população de Almeirim a participar num processo de reflexão e debate sobre a cidade, o concelho e o seu lugar na região e no país.

Coincidindo com a data de elevação a cidade aquele órgão de informação escrita (o único de publicação regular no concelho) propõe que os cidadãos do concelho se reunam para reflectir sobre a nossa situação actual, o que fizemos e o que poderemos fazer no futuro.

Ignoro por completo quem estará presente e a quem caberá dinamizar e moderar (esperemos que tenha muito trabalho) aquela reflexão. Por mim não a quero perder, não só pela curiosidade de ouvir esclarecer algumas questões que regularmente me assaltam o espírito, mas principalmente para ouvir e confrontar opiniões. O tema é suficientemente vasto para poder bloquear todas as hipóteses de debate franco e aberto, mas também poderá proporcionar uma interessante troca de opiniões, o que muito dependerá dos presentes e da motivação que lá os leve.

A presença de todos será importante para o debate do tema e tanto mais importante quanto poderá motivar o próprio jornal a alargar este tipo de prática às suas páginas – tenho para mim a ideia que a falta de artigos de reflexão é uma das suas grandes falhas – o que poderá aumentar o interesse e a participação dos almeirinenses na discussão da vida pública. Problemáticas como as do desenvolvimento económico, ensino e formação de jovens, urbanismo e qualidade de vida, cultura e ocupação de tempos livres não podem continuar a ser tabu para a maioria das pessoas, nem estas os devem deixar ao exclusivo arbítrio de autarcas e demais governantes sob risco de continuarmos a ver defendidos os interesses de uma minoria (que se consegue fazer representar e/ou ouvir junto dos decisores) em detrimento da vasta maioria que somos todos nós.

Se outras razões não houver, aproveitemos a oportunidade para encontrar aqueles que como nós nos preocupamos com o meio em que vivemos e trabalhamos, independentemente de apresentarmos ideias coincidentes ou antagónicas e marquemos presença amanhã, pelas 18h30 no auditório da Biblioteca Municipal Marquesa do Cadaval.

domingo, 18 de junho de 2006

COPIANÇO, CAUSA OU CONSEQUÊNCIA?

Cerca de duas semanas depois a problemática da fraude escolar (vulgo “copianço”) volta a ser tema e editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e notícia no PUBLICO e no DIÁRIO DIGITAL.

Talvez pela época de exames escolares que atravessamos, talvez pela polémica que envolve professores e ministério da educação, talvez pela publicação de novos estudos sobre a matéria…

Sendo tantas as probabilidades para explicar este crescente interesse pelo tema que lamento não encontrar nenhuma abordagem que de forma clara e sem subterfúgios coloque o problema na sua real dimensão.

Pese embora o esforço feito pelo recente trabalho de investigação da Faculdade de Economia do Porto que além de abordar o fenómeno ainda estabelece uma relação directa entre a sua prática e as características das sociedades onde este ocorre com maior frequência, concluindo pela existência de uma correspondência directa entre o “copianço” e o nível geral de corrupção na sociedade. É natural que sociedades mais permissivas (ou passivas) ao fenómeno geral da corrupção o acabem também por ser relativamente à fraude escolar, mas não creio que esta seja a única (e mais importante) explicação para o fenómeno.

Remontando à minha experiência pessoal e aos distantes anos que passei pelo sistema de ensino secundário em Portugal, recordo um professor de inglês que nos dizia que os exames em Inglaterra eram feitos em salas sem qualquer vigilância especial e que nem por isso os alunos aproveitavam para “melhorar os seus resultados”. De acordo com o estudo citado tal ocorreria também porque os níveis de corrupção da sociedade inglesa seriam baixos; não negando tal evidência estou em crer que a principal razão seria (será) porque os alunos ingleses se preparam para os exames e encaram estes como uma etapa importante no seu percurso escolar.

Os muitos anos em que acompanhei, enquanto encarregado de educação e responsável por associações de pais) os processos de ensino e de formação dos nossos jovens levaram-me a encarar este fenómeno por outro prisma. Para a generalidade dos alunos que frequentam as nossas escolas estas apresentam uma atractividade fraca ou nula, seja por considerarem os programas desinteressantes ou difíceis, seja por rapidamente “descobrirem” que graças à existência da figura do ensino obrigatório e das malfadadas estatísticas do insucesso escolar terão a vida facilitada até à conclusão daquele grau de ensino. Para os professores seja devido à desmotivação criada por processos mais ou menos anacrónico nas suas colocações anuais (finalmente esta prática parece vir a ter os dias contados), seja pela enormidade da tarefa de ensinar “montanhas” de jovens desmotivados e desinteressados, agravada pelas constantes alterações programáticas e pedagógicas (a maior parte das vezes ao sabor e velocidade da mudança dos ministros), o fundamental passou a ser “sobreviver neste meio” e assegurar alcançar a idade da reforma. Para os governos, mais interessados na melhoria das estatísticas que na educação e formação das futuras gerações, o fundamental tem sido garantir o funcionamento do sistema de educação sem grandes sobressaltos e sem qualquer capacidade crítica dos resultados que possa comprometer a sua própria existência; os milhares de jovens que anualmente aquele sistema lança no mercado do desemprego têm sido pouco relevantes.

Num ambiente desta natureza como se pode esperar que os alunos quando confrontados com um exame não recorram a todo o tipo de expedientes para ultrapassar a dificuldade? Tanto mais que a sociedade em que se inserem premeia o sucesso rápido e fácil (senão veja-se a ideia que os jovens das nossas escolas têm do futuro e que uma imprensa sensacionalista lhes transmite) onde poucos são os exemplos transmitidos de trabalho e esforço e muitos os do sucesso instantâneo.

Se aos alunos foi permitido (facilitado mesmo) a realização de um percurso escolar durante nove anos sem dificuldades ou entraves, como esperar que depois revelem capacidades de trabalho, sacrifício e ética superiores para não recorrem à batota quando surgem as primeiras dificuldades?

Em que medida a recente ideia das universidades revelarem o grau de “empregabilidade” dos seus licenciados não vai ainda agravar mais este fenómeno?

Não tenho qualquer óbice à realização deste tipo de estudos, nem ao estabelecimento de comparações internacionais, mas parece-me muito mais útil que na posse dos mesmos fosse lançado um vasto processo de debate sobre os resultados e sobre as respectivas origens.

Que utilidade tiraremos deste tipo de trabalhos?

Qual dos responsáveis (actuais e passados) pelo sistema de ensino em Portugal virão à praça pública debatê-los?

Quando ouvirei responsáveis pelo sistema de ensino em Portugal afirmar e lançar políticas que:

  • valorizem o trabalho de aprendizagem dos jovens;
  • dignifiquem o trabalho de ensino dos professores;
  • obriguem à realização de exames onde se apele à capacidade de relacionamento, comentário e crítica às matérias programáticas em substituição daqueles onde a resposta é directa e apela à capacidade de memorização;
  • excluam do sistema de ensino alunos e professores sem condições para o integrarem;

e já agora quando teremos um governo para o qual as políticas de ensino e investigação sejam realmente uma paixão?

Não uma paixão eleitoral e passageira, mas capaz de inflectir práticas anteriores e lançar as sementes de gerações capazes de virem a enfrentar o tal “mundo global” como aquilo que ele realmente é – a selva que tenderá a aniquilar todos os que pensarem de forma diferente.

Ou será que tudo o que tem estado a acontecer, aparentemente em resultado da falta de políticas correctas, é afinal a política certa para alcançar o objectivo para que alguns querem que caminhemos?

sexta-feira, 16 de junho de 2006

ESTÃO DE VOLTA AS FESTAS DE ALMEIRIM

Durante os próximos nove dias Almeirim vai apresentar um ar diferente. Mais movimentado e muito mais ruidoso.

A afluência de pessoas à rua pode ser um bom sinal e até motivador de maior convívio e de oportunidades para trocarmos mais que os rápidos cumprimentos da praxe entre vizinhos e conhecidos. As festas de Verão (de que as festas dos santos populares realizadas por esse país fora são aperitivo) conhecem em Almeirim um início antecipado devido à celebração no próximo dia 20 do 15º aniversário da elevação a cidade.

Aprecie-se ou não, é sempre importante que as pessoas vejam na sua terra alguma relevância e que assinalem aquelas datas mais importantes no seu desenvolvimento. È pois natural que locais e forasteiros saião às ruas festejando e comemorando esses factos, sendo normalmente associadas a tais manifestações eventos nas áreas da cultura e do desporto, nas quais as associações locais capricham em mostrar os resultados dos seus esforços.

Sucede porém que no programa deste ano, aparte os espectáculos diários dos grupos folclóricos do concelho e um concerto pelo Orfeão de Almeirim (por sinal o que abre o programa), não se encontra uma única manifestação desportiva e o que resta são espectáculos com artistas profissionais, de maior ou menor projecção e de qualidade geralmente duvidosa.

Nota-se particularmente uma confrangedora ausência de grupos musicais (particularmente de jovens do concelho ou de fora dele) para os quais esta poderia ser uma boa oportunidade de promoção, mas especialmente a ausência da mais antiga associação cultural do concelho. Tempos houve em que a própria autarquia se esforçava por apresentar programas musicais mais diversificados e em que a Banda Marcial de Almeirim fazia coincidir com as festas do concelho a realização de um encontro de bandas; sempre era uma forma de trazer para a festa um outro tipo de sonoridade musical, e de simultaneamente fazer ouvir outros géneros musicais diferentes dos que diariamente se ouvem nas estações de rádio.

Sem qualquer tipo de elitismo, recordo que as pessoas gostam de ouvir o que estão habituadas a ouvir, mas nunca poderão formular verdadeira opinião sobre o género musical que ouvem e dizem gostar, sem ouvirem outros.

Para quem consulte o programa preparado para este ano, rapidamente constata que o que teremos é mais do mesmo (e já agora algum de muito duvidosa qualidade), sendo lamentável desperdiçar-se esta oportunidade para trazer a Almeirim e às suas gentes um pouco de música mais diversificada e de melhor qualidade.

Costuma-se dizer que a esperança é a última a morrer, mas na realidade os anos vão passando e as melhorias tardam…assim, restam-nas as “tasquinhas” que à falta de melhor continuam a “dar de beber” a esta dor de não ver melhorado o panorama cultural local.

quinta-feira, 15 de junho de 2006

A ARMADILHA DA AJUDA

Enquanto se aguarda a decisão da ONU relativa à situação e ao futuro de Timor-Leste, mesmo parecendo que a tese australiana da incapacidade timorense de auto-governo não virá a vingar e que a ONU se preparará para uma nova intervenção administrativa que ajude a reerguer as estruturas governativas e as infraestruturas básicas, importa continuar a reflexão sobre o que aconteceu naquele território.

A imprensa mundial, com particular destaque para a australiana e a indonésia, reflecte as divisões no seio da população timorense, em particular as resultantes do passado recente de ocupação indonésia, e advoga a necessidade de intervenção dos respectivos países no sentido da reconstrução do país. Em Portugal faz-se eco do fracasso do sistema constitucional que ao optar por um modelo semi-presidencialista criou as condições para a constituição de dois blocos de poder, que em caso de antagonismo seria dificilmente resolúvel por um país tão jovem.

As principais figuras timorenses – Xanana Gusmão, Mari Alkatiri ou Ramos Horta – procuraram minimizar os efeitos dos trágicos acontecimentos enquanto procuram uma solução política, cujo primeiro passo terá sido o pedido formal de auxílio estrangeiro e a concentração em Xanana Gusmão do controle do exército e das forças policiais.

Já após o desembarque das primeiras tropas estrangeiras em Díli, verificaram-se dois tipos de incidentes distintos: os que envolveram timorenses, com novos confrontos e a repetição dos actos de vandalismo e de pilhagem, e os que envolveram as tropas australianas e a força da GNR. Este último poderia ter sido evitado caso o governo português tivesse cedido na questão da subordinação daquela força ao comando australiano; entendeu o governo de José Sócrates que tal não fazia sentido na ausência de uma força organizada sob o beneplácito da ONU e apesar da situação algo ridícula que resultou terá servido para clarificar posições e distanciar Portugal de qualquer possível tentação de futuro domínio australiano.

Incidente à parte, continua a haver quem se interrogue, e bem, sobre a valia e a utilização dos mais de 3 mil milhões de dólares de donativos que Timor terá recebido desde a sua separação da Indonésia, em1999.

A questão é pertinente à luz da actual instabilidade, para a qual a situação de extrema carência de grande parte da população muito terá contribuído, mas também o seria na sua ausência, quando se sabe que, por uma razão ou outra, segundo um inquérito realizado em 2001 80% das aldeias timorenses terão sentido carências de comida em alguma parte do ano.

Esta situação parece tanto mais estranha quanto a maioria do milhão de habitante de Timor-Leste (cerca de 85%) se dedica à agricultura; porém se recordarmos as práticas anteriormente seguidas pelos colonizadores portugueses e indonésios – a introdução de monoculturas, como a do café – fácil se torna entender a situação de extrema depauperação de solos e a total dependência dos produtores face aos preços internacionais das suas colheitas.

Sob a sábia supervisão de consultores internacionais e com o beneplácito de insuspeitas organizações, como o Banco Mundial e o FMI, em Timor-Leste foram aplicadas todas as modernas receitas para o desenvolvimento da economia: liberalização económica e aumento das exportações. O débil sector agrícola passou a depender da importação de factores produtivos (adubos e sementes) e a concorrer num mercado aberto com as produções do exterior. A débil economia timorense passou a depender dos baixos salários praticados para tentar concorrer (em vão) com os produtos importados (a maior parte das vezes a preços inferiores ao que se conseguia produzir localmente) e ainda de sofrer a pressão internacional pela falta de dinamismo e empreendorismo revelada pelos seus naturais.

Mas os problemas de Timor-Leste não são apenas de natureza económica, uma vez que um recente relatório da Comissão Europeia sobre o Trust Fund for East Timor, referia que aquele fundo, gerido pelo Banco Mundial, gastou cerca de 1/3 do seu montante em remunerações aos consultores internacionais. Quando se sabe que as ”doações” para estes fundos são sempre acompanhadas de algumas aquisições obrigatórias, imagine-se o que realmente sobrou para ser utilizado no desenvolvimento de Timor-Leste.

Este modelo de desenvolvimento “envenenado” não é inédito nem começou a ser aplicado com o início da chamada globalização. Há muitos anos que as ex-colónias dos países mais desenvolvidos têm vindo a ser habilmente dirigidas para situações de insustentabilidade económica e social por via dos “apoios” concedidos pelos ex-colonizadores e outros países igualmente beneméritos! Vejam-se as situações que se vivem em África, na América Latina e no Ásia do Sul, regiões do mundo onde se concentram as populações mais pobres e onde regularmente, sob a capa de conflitos étnicos, religiosos ou outros, têm surgido conflitos armados que a par do subdesenvolvimento desses países mantém a prosperidade da indústria mundial de armamento e de tráfico de armas.

Para além das dificuldades de natureza económica, Timor-Leste vive também uma situação precária no que respeita às próprias condições de vida das suas populações, bem traduzida na baixa esperança média de vida, apenas 49 anos, e na altíssima taxa de mortalidade infantil, que se situa nos160 por mil.

Perante este cenário muito pouco animador resta-nos denunciar este tipo de práticas e esperar que daquela resulte uma crescente oposição da opinião pública mundial e assim se obtenha alguma melhoria para as populações atingidas.

terça-feira, 13 de junho de 2006

DIVIDIR PARA REINAR

Se bem que nunca tenha deixado as principais páginas dos noticiários, a questão palestiniana conheceu ontem com o assalto das Forças de Segurança do presidente Abbas ao Parlamento e ao edifício do Governo em Ramallah um episódio particularmente preocupante.

Mais grave que o conluio entre forças ditas de segurança (cuja direcção o presidente Mahmud Abbas chamou a si após a vitória do Hamas nas últimas eleições e integradas por elementos da Fatah) e da sua ala militar – as Brigadas Al-Aqsa – é o assalto ao próprio edifício do poder palestiniano, coincidente com a deslocação do primeiro-ministro israelita Ehud Olmert à Europa, em busca de apoios à “proposta” israelita de fixação unilateral de fronteiras.

Numa fase particularmente complicada para os palestinianos, quando o valor e o peso da sua unidade era indispensável para tentar contrariar a política israelita do facto consumado, eis que alguém inventou mais uma fonte de conflito e rivalidade entre o Hamas, a força política que lidera o governo da Autoridade Palestiniana por direito próprio e em resultado das eleições realizadas em 25 de Janeiro deste ano, e a Fatah, aquela que perdeu essas mesmas eleições. Nada, mas absolutamente nada, poderia servir melhor os interesses israelitas que um conflito aberto entre as duas principais forças palestinianas.

Fazendo uso da sua reconhecida capacidade de manipulação e oportunismo, Israel já tinha conseguido da comunidade internacional, após o 11 de Setembro de 2001, a classificação do Hamas como organização terrorista e não deixou de aproveitar de pronto a vitória eleitoral deste como argumento para liquidar qualquer réstia de “negociação” com os palestinianos. Colocado entre dois fogos – a crescente força do Hamas e a pressão internacional (leia-se americana) para reconhecer e aceitar a política de anexações dos governos israelitas – Mahmud Abbas acabou por ir cedendo ponto após ponto até ao quase completo isolamento do actual governo palestiniano, tornado ainda menos operante pela decisão israelita de impedir as deslocações dos seus membros (perigosos terroristas) entre os territórios divididos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Do lado Palestiniano o Hamas procurou fazer valer o voto popular defendendo a necessidade de Israel aceitar duas condições básicas:

  • o recuo para as fronteiras de 1967, o que implica a cedência de Jerusalém Leste aos palestinianos;
  • o regresso dos milhares de refugiados palestinianos provocados pelas ofensivas israelitas nos territórios ocupados.;

para o fim dos atentados e para o reconhecimento do estado judaico, mas o isolamento a que se viu votado pelos EUA e pela Europa, que culminou na suspensão dos apoios financeiros à Autoridade Palestiniana, determinou o colapso da frágil economia palestiniana e agravou ainda mais as já penosas condições de vida das populações. O passo seguinte, traduzido na capitalização do descontentamento popular e na séria limitação da capacidade governativa do Hamas, terá culminado com o anúncio, por Mahmud Abbas da data para a realização de um referendo palestiniano sobre um documento produzido por um grupo de prisioneiros palestinianos com o objectivo de terminar com a crise entre o Hamas e a Fatah, o qual implicitamente consigna a existência do estado de Israel.

Este documento que tem a assinatura de Marwan Barghouti, o mais carismático dos líderes da Fatah preso em Israel, e de outros prisioneiros das diversas facções políticas, incluindo o Hamas, prevê o fim dos atentados em Israel e o estabelecimento do futuro Estado Palestiniano nos territórios ocupados em 1967.

É bem possível que para o cabal entendimento do agravamento das tensões entre o Hamas e a Fatah, que num momento ou outro parecem sobrepor as suas agendas e diferendos políticos acima do interesse comum – o fim da ocupação judaica – haja que procurar outras explicações além do fundamentalismo islâmico do primeiro e os elevados níveis de corrupção do segundo.

Do que não fica qualquer dúvida é da bem sucedida estratégia de dividir para reinar protagonizada por Israel. Recorde-se que desde os Acordos de Oslo de 1993 que os sucessivos governos de Israel foram adiando a continuação do processo negocial com vista ao estabelecimento do estado palestiniano, pretextando ora as acções das diferentes forças de guerrilha, ora o apoio de Yasser Arafat a essas acções, ora a incapacidade da Autoridade Palestiniana para prevenir aquelas acções. Esta prática dilatória, associada aos regulares “raids” do exército israelita sobre os territórios ocupados foram gerando entre a população palestiniana um crescente movimento de resistência e uma natural apetência para a continuação das acções de guerrilha. Reentrados em novo círculo de violência e a pretexto da invenção pela administração de George W Bush da Guerra contra o Terror, Israel acelerou o processo de isolamento internacional dos palestinianos que chegou a assumir a forma de cerco militar a Yasser Arafat e a interferência na organização da própria administração palestiniana quando impôs (via EUA) a nomeação de uma segunda figura (o moderado Mahmud Abbas) que rapidamente transformou em alternativa política e negocial a Arafat

Com a morte em 2004 do líder histórico da palestina, Israel, já sob a liderança de Ariel Sharon (ex-guerrilheiro e ex-comandante do exército israelita responsável pelos massacres nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila e agora transmutado em reconhecido defensor da paz), intensificou a pressão sobre a Autoridade Palestiniana e a sua nova primeira figura (o mesmo Mahmud Abbas que deixava de ser um “moderado”), iniciando a construção de um muro de separação entre os territórios sob administração judaica e palestiniana, sob a alegação de necessidades de protecção contra os atentados suicidas palestinianos, e aniquilando a viabilidade económica da Autoridade Palestiniana. Esta iniciativa, continuada por Ehud Olmert, sucessor de Sharon, ainda não se encontra concluída mas tudo o indica será coroada de sucesso.

Enquanto as organizações palestinianas continuarem a disputar o poder entre si, enquanto Abbas e Haniyeh mantiverem um diferendo sobre os respectivos poderes e competências (independentemente de a qual assista a razão) os israelitas vão prosseguindo a sua política de anexação territorial e de extermínio palestiniano (seja com recurso a acções militares, à prática de assassínios selectivos, ou à mera asfixia financeira e alimentar da daquela população) com o beneplácito da comunidade internacional que admite classificar de agressores os agredidos.

Conhecendo-se o respeito e prestígio de que gozam os prisioneiros políticos entre a população palestiniana, a ponto dos detidos eleitos para o parlamento se encontrarem presentes em fotografias de grande porte em todas as sessões, como constante recordação da prepotência israelita, um grupo desses prisioneiros apresentou uma proposta de conciliação.

Infelizmente, tudo o indica, os esforços de Marwan Barghouti serão infrutíferos e na ausência de um povo determinado e de uma liderança forte e concertada a estratégia israelita vai frutificar e a criação de um estado palestiniano viável ficará novamente adiada “sine die” e sujeita aos desenvolvimentos que política internacional venha a registar.

Contrariamente ao esforço de unificação que teve em Arafat o seu grande expoente, os actuais líderes palestinianos parecem pouco capazes de se concentrarem no essencial – o futuro da Palestina – e esquecerem as disputas acessórias.

Nunca o grito LIBERTEM BARGHOUTI terá feito tanto sentido, nem a sua condenação por Israel a 5 penas de prisão perpétua, se terá revelado tão útil aos interesses israelitas!

domingo, 11 de junho de 2006

REABRIU A LUTA DÓLAR EURO?

Na passada quinta-feira, 8 de Junho, o Banco Central Europeu decidiu subir a sua taxa de referência para o espaço Euro em mais 25 pontos-base; esta é a terceira subida desde Dezembro de 2005 e inserir-se-á, segundo os responsáveis do BCE, numa estratégia de prevenção contra a subida da inflação. Entende aquele organismo comunitário, responsável pela gestão do Euro, que o conjunto das economias da zona Euro apresentam sinais estáveis de crescimento, facto que poderá originar as primeiras tenções inflacionistas. Esta decisão era já esperada pelos mercados de capitais e os próprios bancos já tinham antecipado esta tendência, esperando até uma subida de 50 pontos-base, factos demonstrados pelo comportamento dos índices bolsistas e pela tendência de subida da Euribor.

Como é normal nestas situações sucederam-se as apreciações e análises dos operadores dos mercados mobiliários e imobiliários e as comparações da variação do Euro face ao Dólar americano. Neste último caso de pronto se notou uma queda na cotação do Euro, fixando-se abaixo de 1,27 contra o US$ pela primeira vez nos últimos 30 dias.

Algo de semelhante, pelo menos é essa a explicação dos analistas, tem vindo a acontecer com a regular subida das taxas americanas decidida pelo FED (Federal Reserve), que é o organismo encarregue da regulação das políticas monetárias e cambiais americana. Especialistas de ambos os lados do Atlântico explicam a subida das taxas de juro pela necessidade de controlar as tendências inflacionistas que o crescimento económico não deixa de gerar. Porém, aquilo que se verifica de ambos os lados são cenários macroeconómicos razoavelmente distintos; assim enquanto a economia americana continua a apresentar crescimentos económicos a par do agravamento da sua balança de pagamentos – o deficit entre importações e exportações não tem parado de crescer desde há meia dúzia de anos – as economias da zona euro apresentam crescimentos mais suaves mas sem agravamentos nas respectivas balanças. Assim, quando se conhece a crescente necessidade de capitais que atravessa a economia americana e se cruza esta informação com os gastos militares originados pelas intervenções no Afeganistão e Iraque, torna-se necessário olhar a realidade daquela economia e da sua moeda sob uma perspectiva diferente.

Observando o quadro anterior, que apresenta a evolução histórica das cotações do Euro contra o US$ nos últimos anos, verifica-se que a um período de evidente tendência de subida registado em 2003 se seguiu um ano de 2004 com tendência mista, mas que encerrou francamente em alta e que 2005 registou um comportamento idêntico.

Para contrariar esta tendência de degradação, mesmo correndo o risco de assustar os seus mercados financeiros, os americanos optaram por uma política de subida das taxas de juro, tanto mais inevitável quanto a situação militar no Médio Oriente se eternizava. Simultaneamente começaram a circular notícias sobre o crescente interesse dos países árabes em converterem as suas reservas denominadas em US$ por outra moeda que apresentasse melhores sinais de estabilidade – o Euro. Costuma-se dizer que uma desgraça nunca vem só e assim no primeiro trimestre deste ano começaram a circular rumores sobre a instalação em Teerão de uma bolsa para negociar produtos petrolíferos denominados em Euros (assunto que oportunamente aqui abordei).

O atraso que esta iniciativa está a registar não reduz a tendência revelada pelos países árabes produtores de petróleo para procurarem um outro activo monetário que melhor os defenda das oscilações que o US$ americano vem registando. Além do volume de petro-dólares já convertidos em Euros e Yuans (não esquecer que a China é um dos principais clientes do Irão) os sinais de debilidade económica oriundos do outro lado do Atlântico são suficientemente fortes para já terem justificado a elaboração de relatórios de várias entidades internacionais sobre a crescente fragilidade da moeda americana.

Após uma primeira notícia oriunda do LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE (LEAP) que em Março deste ano difundiu um trabalho que alerta para a forte probabilidade de ocorrência de uma grande crise mundial, de dimensão comparável à que ocorreu em 1989 com a queda da Cortina de Ferro (assunto também incluído no “post” anteriormente referido), em Abril seria a vez do Asian Development Bank (ADB) difundir entre os seus membros uma previsão de possível queda acentuada do dólar. Este facto é tanto mais relevante quanto daquela organização financeira fazem parte, a par de países asiáticos como o Japão, os Estados Unidos da América (estes dois países controlam 30% do capital daquele banco) e países europeus como a França, a Bélgica e a Suiça.

Numa fase da evolução dos equilíbrios mundiais em que a principal potência mundial atravessa uma evidente crise de produção e de credibilidade política (a ausência de apoio internacional à opção americana de ocupação do Iraque é disso exemplo), resta aos responsáveis daquela esperar que a sua moeda suporte todos estes embates. Mesmo crendo na superioridade militar da sua moeda, os americanos não deixaram de aplicar algumas medidas (aparentemente pequenas) para a ajudar a ultrapassar mais esta dificuldade e desde finais de Março que o FED suspendeu a divulgação do principal indicador para a avaliação da quantidade de dólares em circulação no Mundo.

Com a suspensão da divulgação do agregado monetário M3 (ver no mesmo “post” as razões da importância deste indicador) esperarão esconder a dura realidade da fragilidade de uma moeda sobreavaliada e do recurso a uma prática financeiramente irresponsável de emissão descontrolada de moeda, inevitável para o duplo financiamento da sua dívida económica e comercial e da dívida militar.

Senão vejamos a evolução do comportamento do US$ americano face às principais moedas mundiais: o Euro, a Libra inglesa, o Yen Japonês e o Yuan chinês.


Nestes últimos seis meses é patente de uma forma geral em todos os gráficos uma marcada tendência para a desvalorização da moeda americana, o que na prática deverá agravar ainda mais a já difícil situação da sua dívida externa.

Até que ponto a agora decidida subida da taxa de referência do BCE constitui um apoio, ou mais um ataque, à moeda americana é algo que iremos confirmar nos próximos tempos. Se a decisão da subida das taxas euro for encarada pelos operadores de mercado e investidores como um sinal de concorrência face às demasiadamente atractivas taxas americanas, então o dólar irá retomar o sentido da queda; pelo contrário, se houver quem entenda este movimento como uma tentativa de controlo das primeiras tensões inflacionistas na Europa, talvez a moeda americana ainda possa viver mais algum tempo de “paz”.

Em última instância a conjugação de factores como o sobre endividamento da economia norte americana, consequência do permanente desequilíbrio da sua balança comercial e das crescentes necessidades de financiamento do esforço imperial em curso no Médio Oriente, determinam uma mais que provável situação de sobrevalorização do dólar, embora impossível de provar pela ausência de informação praticada pela administração do FED, pelo que a perenidade do dólar enquanto equivalente geral mundial estará cada vez menos dependente da vontade americana e mais sujeita aos humores dos seus parceiros comerciais.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

A ELIMINAÇÃO DE AL-ZARQAWI FARÁ ALGUMA DIFERENÇA?

A imprensa (e outros meios de comunicação) mundial têm saudado nos últimos dias a morte de Al-Zarqawi, o alegado responsável pela Al-Qaeda no Iraque.

Vários foram os jornais que incluíram declarações dos principais líderes mundiais sobre a sua morte, mas poucos os que terão analisado o facto noticiado e estabelecido qualquer tipo de paralelismo entre esta acção e o malogro de que se têm revestido as tentativas para capturar ou eliminar o líder da Al-Qaeda – Ossama Bin Laden.

De acordo com fontes ocidentais foram determinantes para o sucesso da operação as informações obtidas pelos serviços secretos jordanos (país de origem de Al-Zarqawi e onde este terá feito detonar bombas, em Novembro do ano passado, em três hotéis de Amman), demonstrando a validade de uma política internacional de assistência e entreajuda e beneficiando de possíveis dissensões no seio do grupo, para aumentar a eficácia do combate ao terrorismo.

Não faltaram, porém, observadores a nível internacional que questionassem a questão da excessiva relevância do papel atribuído pelos americanos a Abu Musab Al-Zarqawi, figura inquestionavelmente menor no grande cenário de conflito em que a invasão americana transformou o Iraque. Por muito relevante que possa ter sido a influência de um elemento de forte personalidade e convicções profundamente arreigadas (sejam as de luta contra os ocupantes ocidentais sejam as de profunda oposição à corrente xiita muçulmana), dificilmente a morte de Al-Zarqawi representará o fim da agitação que se vive no Iraque. Facto que parece ser confirmado pelo elevado número de mortes registadas pouco após o anúncio da sua liquidação e os muitos cuidados postos na forma como aquela “vitória” foi encarada no ocidente.

Aparte o comportamento perfeitamente irracional registado nos mercados financeiros (descida do preço do “crude” e subida da cotação do dólar americano), pouco ou nada mudou para a realidade iraquiana. Nem mesmo o facto de da eliminação de Al-Zarqawi quase ter coincidido com a notícia da divulgação dos três ministros ainda em falta no governo dito de unidade nacional de Nuri Al-Maliki.

Um breve parêntesis para recordar que foram necessários quase seis meses de complicadas negociações entre os partidos das comunidades xiita (vencedores das eleições legislativas), sunita e curda, e a permanente “vigilância” norte-americana, para se lograr um acordo para a formação de um governo para o qual só agora foram encontrados os titulares das pastas da defesa, segurança e administração interna. Esta situação é reveladora da fragilidade da vida política no Iraque pós-Saddam, das muitas contradições que separam xiitas, sunitas e curdos e, ainda, da importância que a actividade de grupos de guerrilheiros oposicionistas da presença americana mantém no território.

A existência e a clara actividade destes grupos (sistematicamente associados ao nome de Al-Zarqawi) ficará melhor clarificada se recordarmos que desde o início deste ano existe uma organização, designada por Conselho Mujahedin e com o objectivo de unificar aqueles grupos, a qual nunca reconheceu grande influência a Al-Zarqawi. A própria Al-Qaeda, ou pelo menos alguns dos seus mais influentes membros, sempre manteve uma distância prudente das tácticas e práticas extremistas do grupo liderado por Al-Zarqawi, que só em finais de 2004 se assumiu como “seguidor” de Bin Laden e da sua organização.

Curiosamente, já em Abril deste ano um artigo de Michel Chossudovsky, chamava a atenção para a figura de Al-Zarqawi e para a excessiva atenção que o Pentágono e a imprensa lhe estariam a prestar, interrogando-se mesmo se aquele personagem não seria mais um “criação” americana para justificar a sua “Guerra contra o Terror”, e recorda que as acções de «…contra terrorismo e guerra de propaganda estão interligadas. O aparato de propaganda alimenta de desinformação as cadeias noticiosas. O objectivo é apresentar os grupos terroristas como “inimigos da América” responsáveis por incontáveis atrocidades no Iraque e em todo o mundo. O objectivo subjacente é galvanizar o apoio da opinião pública à agenda americana de guerra no Médio Oriente.«…» Sem Al-Zarqawi e Bin Laden, a “Guerra contra o Terror” perderia a sua razão de ser. O principal “casus belli” é agitar a “Guerra contra o Terror”.»

Tal como Chossudovsky refere, os ataques suicidas no Iraque são bem reais, mas quem realmente os organiza?

Se Al-Zarqawi correspondesse ao que dele diziam os americanos grande parte dos atentados até agora realizados deveriam cessar e parte significativa das suas preocupações também. Ora as próprias declarações de todos os responsáveis, fossem eles iraquianos, americanos ou ingleses, vieram chamar a atenção para o facto da liquidação de Al-Zarqawi não significar o fim dos atentados nem uma rápida normalização da vida no Iraque. No próprio dia do anúncio da morte ocorreram três atentados com viaturas armadilhadas, como que confirmando as expectativas dos políticos e dos analistas que de pronta chamaram a atenção para a forte probabilidade de novos atentados, como forma de demonstração da operacionalidade da rede.

Seguros parecem ser os seguintes factos:

  1. a liquidação de Al-Zarqawi só terá sido possível com a colaboração dos serviços secretos jordanos e alguma “cooperação” do interior da própria organização;
  2. este último facto e as pouco claras relações entre o grupo de Al-Zarqawi e o recém criado Conselho Mujahedin, indiciam que aquele poderia estar a cair em desgraça;
  3. o desaparecimento de um extremista salafita (corrente extremista que se opõe ao xiismo) como Al-Zarqawi deverá abrir uma janela de novas oportunidades de diálogo com os grupos da resistência iraquiana, mas também de maior união entre os grupos resistentes, logo de alguma intensificação das suas acções;
  4. a imprensa ocidental já começou a “fabricar” o próximo líder da Al-Qaeda na Mesopotâmia e o principal candidato parece ser Abu Al-Masri, que convenientemente também não é iraquiano como Al-Zarqawi; embora com menos hipóteses aparece ainda Abu Abdel Rahman al-Iraqi, tido até ao momento como o número dois da organização;

mas mantém-se uma incontornável questão: Porque será que até esta data, nada nem ninguém parece conseguir “tocar” em Bin Laden? Poderá ser apenas a superioridade da sua organização?

terça-feira, 6 de junho de 2006

O QUE NOS RESERVA O NOVO SO DA MICROSOFT?

Depois de vários adiamentos e quando parecia que finalmente a nova versão do sistema operativo mais utilizado a nível mundial, o Windows, teria data de lançamento em Portugal para o 1º trimestre de 2007, eis que notícias de última hora dão conta de um possível novo adiamento. Atendendo a que a origem da informação é o próprio CEO da Microsoft, Steve Ballmer, esta ganha contornos de definitiva.

Esta versão, inicialmente conhecida com o nome de “Longhorn” e finalmente baptizada de “Vista”, já apresenta em teste uma segunda versão beta, sobre a qual têm vindo a surgir um número interessante, e cada vez mais preocupante de notícias. Primeiro começaram por ser os habituais “bugs” neste tipo de aplicações, mas pouco a pouco outro tipo de “problemas” começou a ser apontado. Entre estes, destaque para os seguintes:

  1. O facto do novo interface Aero deste sistema operativo exigir um mínimo de 1Gigabyte de memória RAM, e uma placa gráfica que o suporte Na prática talvez apenas 50% dos actuais computadores possam tirar algum partido das novas característica deste produto, até porque para a sua utilização razoável é indispensável uma máquina com um “chipset” Intel 945G, um processador Pentium 4 e 2 Gb de memória RAM;
  2. Segundo fabricantes de portáteis que têm estado a testar a versão beta disponível, esta consome energia de forma anormal donde resulta uma significativa redução do período de utilização daquele tipo de equipamentos. Ao que parece o responsável pela redução da autonomia dos portáteis será o ambiente gráfico que permitindo trabalhar com miniaturas, janelas translúcidas e transições animadas, tem como contrapartida um assinalável aumento do consumo de energia.
  3. Outro problema prende-se com o facto da nova “suite” Office 2007 (que deverá acompanhar o lançamento do Vista) incluir a criação de ficheiros no formato PDF. A Adobe, empresa proprietária daquele formato, ameaça processar a Microsoft por abuso de posição dominante se esta persistir na venda integrada daquela valência.

Como se estes não fossem problemas suficientes para este seu novo produto, a Microsoft ainda mantém pendente a disputa com a Comissão Europeia, entidade que já afirmou “acompanhar de muito perto” o lançamento de mais este produto e lembra que se mantém válida a proibição de associar o sistema operativo a “software” específico, como o leitor de media ou browser daquela empresa.

A fim de evitar novas contendas judiciais (em 2004, o Tribunal Europeu condenou a Microsoft ao pagamento de uma multa recorde no valor de 497 milhões de euros, por abuso de posição dominante no mercado, com o Windows e em Dezembro de 2005, a Comissão Europeia ameaçou multá-la em dois milhões de euros por dia caso não fosse cumprida a exigência de oferecer informação técnica aos criadores de “software”) a Microsoft já anunciou que disponibilizará, para o mercado europeu, um conjunto de oito versões, que irão da mais simples (sem o Aero Glass) até à mais completa, incluindo três versões domésticas, para monoposto e com e sem funcionalidades multimédia, e três versões empresariais, com diferentes níveis de funcionalidades.

Apesar das limitações já detectadas no seu novo produto, a Microsoft afirma que normalmente os utilizadores não usam mais que 20% do respectivo potencial, pelo que para esta nova versão do seu sistema operativo, e da “suite” Office que o acompanha no lançamento, procurou desenvolver um produto mais fácil de usar o que deverá resultar num melhor aproveitamento de todo o seu potencial.

Nesta nota de optimismo a Microsoft esqueceu-se, ou pretende que todos esqueçamos, que para a utilização das suas últimas maravilhas teremos que proceder à substituição do “hardware” que actualmente utilizamos, o que configura uma evidente estratégia de indução ao consumo, tanto mais que alguns especialistas que têm testado as versões beta têm vindo a definir o produto apenas como uma versão do XP com um ambiente gráfico novo e mais potente.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

No dia em que a comunidade mundial acordou celebrar o Meio Ambiente, deparei-me com duas notícias, uma de âmbito nacional e outra estrangeira, cujo conteúdo deve ser entendido como parte importante da preservação do meio ambiente em que vive toda a humanidade.

No caso nacional trata-se da apresentação do Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissão (PNALE) para o período 2008-2012, segundo o qual a indústria portuguesa terá que reduzir as emissões de CO2 em 6% (valor estimado entre o volume de emissões de CO2 no período 2005-2007 e o agora fixado para 2008-20012).

Sobre o esforço nacional para o cumprimento das metas do Protocolo de Quioto muito tem sido dito e escrito, destacando-se as recentes declarações de Basílio Horta, o presidente da Agência Portuguesa de Investimento (API), que veio defender a necessidade de revisão das quotas de CO2 atribuídas a Portugal, sob pena de se condenar o crescimento económico do país.

Na vertente internacional destaque para a apresentação de um relatório da ONU dedicado à situação dos desertos. Especialistas de vários países defendem a necessidade de proteger este tipo de ecossistema que representa quase ¼ da superfície terrestre do nosso planeta, que poderá constituir a breve trecho área privilegiada de produção de energia eléctrica não poluente (solar e eólica), actualmente ameaçado pelas mudanças climáticas, pela sobre exploração dos seus lençóis aquíferos em resultado da pressão demográfica (traduzida na sua utilização para fins turísticos, militares e outros), pela salinização e pela destruição da sua fauna.

De uma forma ou outra que se aborde a questão da conservação ambiental, sempre acabaremos discutindo questões como o aquecimento global e o Protocolo de Quioto. Tratando-se este documento de um acordo internacional ao abrigo do qual os seus subscritores se comprometem em reduzir as suas emissões de CO2 até ao ano 2012, para 95% dos níveis registados em 1990, está sujeito à boa vontade dos governos nacionais para a sua aplicação. Aqui reside a sua maior limitação, tanto mais que o maior poluidor mundial, os Estados Unidos da América, se recusa a ratificar o referido acordo alegando que não estará demonstrada a relação entre a emissão de CO2 e o efeito do aquecimento global e que não aceita prejudicar o crescimento da sua economia.

Fazendo uso da sua posição imperial os EUA, cuja população representa cerca de 4% da população mundial, arroga-se o direito de aumentar a sua quota de poluição que já representa 25% do total mundial. Assim, não é de estranhar que a nível doméstico o presidente da API reivindique a necessidade de revisão dos termos do Protocolo de Quioto.

Mas, paradoxo dos paradoxos, é o governo de José Sócrates pretender reduzir as emissões industriais de CO2, quando nada faz para reduzir as resultantes de uma irracional política de transportes de mercadorias baseada no transporte rodoviários e se prepara para lançar um investimento de 7,7 milhões de euros para a instalação do TGV (4,7 milhões para a ligação Lisboa - Porto e 3 milhões para a ligação Lisboa – Madrid) cuja principal vertente será a de transporte de passageiros (poucas mercadorias “necessitam” de viajar à velocidade do TGV).

domingo, 4 de junho de 2006

UM CEGO CONDUZINDO OUTROS CEGOS

No seu artigo de opinião desta semana no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Francisco Sarsfield Cabral trouxe à liça, a propósito do líder conservador britânico David Cameron, a questão da existência de coisas mais importantes na vida que o trabalho.

Dizer isto num momento em que no país tanto se apela ao aumento da competitividade e da sacrossanta produtividade, pode parecer contraditório ou, no mínimo politicamente pouco correcto, mas Sarsfield Cabral torneia a questão com reconhecida habilidade e conclui falando de outros modelos económico-sociais, mais próprios de sociedades mais desenvolvidas que a nossa, e de diversas dinâmicas, como a melhoria de condições para o aumento da taxa de natalidade (outra questão tão na moda), e abordagens do mercado de trabalho, como seja o tele-trabalho e a rigidez do nosso código de trabalho que inviabiliza sistemas de flexibilidade de horários e de trabalho em “part-time”.

Apesar de alguns argumentos válidos para explicar o insucesso de medidas daquele tipo numa economia como a portuguesa – os baixos salários nacionais não contribuem para as pessoas sobrevalorizarem conceitos como o da qualidade de vida, a reduzida dimensão da maioria das nossas empresas não permite a aplicação de horários flexíveis – ficaram por abordar outro tipo de questões que explicarão, por maioria de razões aquele insucesso. Entre estas destaque-se a quase absoluta falta e cultura empresarial da maioria dos “patrões” e, pior que isto, a péssima qualificação da maioria das chefias intermédias das grandes empresas nacionais (aquelas onde a aplicação de conceitos daquele tipo seria mais fácil).

Para debatermos eficazmente questões de organização de trabalho (e por acréscimo questões de natureza social) é indispensável não esquecer quem na realidade dirige as empresas que temos. Os patrões das PME´s, que representam a grande maioria dos empregadores nacionais, com reduzidos níveis de formação em matérias de gestão (e lacunas ainda mais evidentes em questões de natureza relacional) dificilmente poderão constituir parte da solução; os gestores intermédios das grandes empresas tendem, seja por falta de formação seja pelo temor do insucesso, a agravar o problema em vez de constituírem parte da sua solução. É indispensável não esquecer que no nosso país ainda impera a figura do “capataz” (a distância temporal que nos separa da revolução industrial é infinitamente menor que no resto dos países da OCDE), aquele cuja função fundamental é a de funcionar como “os olhos e os ouvidos do patrão”!

Perante um cenário desta natureza e com as tristes perspectivas que nos oferece o nosso sistema de educação, como podemos esperar vir a inverter este processo? A primeira geração após 1974 já está perdida e caminhamos alegremente para perder a segunda, a menos que se consiga inverter todo este processo. Sucede, porém, que não se criam gerações de empreendedores a partir do zero nem por processo de geração espontânea, da mesma forma que não se criam gerações de dirigentes, nem gerações de trabalhadores capazes de enfrentarem, mais do que o mundo em mudança, as incapacidades daqueles que os deveriam dirigir.

No meio de tudo isto temos um “viveiro” de ineptos e incapazes a dirigirem empresas, orientados por grupos de outros incapazes a dirigirem o país.

Aqueles que ao longo do tempo têm procurado alertar para estas situações e fazer valer alguns argumentos de mudança (principalmente de mentalidades) têm-se visto criticados e marginalizados, não sendo por isso de estranhar que para estes o trabalho seja um mal necessário para ganhar a vida e engrossem as fileiras dos profissionalmente frustrados.

É em momentos como este que me recordo de uma crónica radiofónica de António Perez Metelo, em que este comparouo período de declínio do segundo governo de Cavaco Silva com aquele célebre quadro de Bruegel o Velho - "Um cego conduzindo outros cegos".