sexta-feira, 29 de abril de 2016

O SILÊNCIO QUE TEM RODEADO O TTIP

Muito se falou na imprensa sobre a visita de Obama à Europa e em especial sobre o seu encontro com um príncipe inglês de pijama, a ponto de ter sido notícia que o «Roupão do príncipe George está esgotado», quando o que na realidade se deveria ter falado – e muito – era na pressão que este veio fazer para a rápida aprovação do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) e das graves consequências que este acarretará para todos quantos entendem que há muito mais na vida além dos “negócios”.


Claro que houve quem não deixasse passar a visita sem dizer que «Obama leva a batalha pelo comércio livre à Alemanha», ou não fosse este um dos países que mais se opõe ao tratado dito de comércio livre, que afinal mais não faz que subalternizar o interesse geral (o dos cidadãos consumidores) aos interesses específicos das grandes empresas e que, apesar do quase secretismo (ver o artigo «The great TTIP debate that never was») que tem rodeado o seu conteúdo e o debate das suas vantagens versus inconvenientes, tem sido resumido nas seguintes linhas simples: primeiro, o acesso ao mercado mediante a redução de tarifas; segundo, a uniformização de regras a usar dos dois lados do Atlântico, incluindo as sensíveis negociações sobre a segurança alimentar (o uso de transgénicos e hormonas de crescimento na produção animal); terceiro, a aplicação de regras a questões tão delicadas como a propriedade intelectual, as denominações de origem de produtos alimentares e os mecanismos de solução de conflitos – como escrevi em 2014 no “post” «O PROBLEMA EUROPEU», esta “...questão igualmente polémica e não menos importante prende-se com a inclusão no acordo duma cláusula, designada de “acordo judicial de disputa Estado-investidor”, que possibilita às multinacionais processarem judicialmente, em tribunais especiais, governos cuja orientação política ou leis domésticas entre em conflito com os interesses das grandes companhias” rapidamente transformará os Estados em reféns dos interesses das grandes multinacionais que verão as suas “alegações” ainda mais facilmente sustentadas fora dos tribunais nacionais.

O pouco que se vê referido na informação são previsões de ganhos, onde os promotores estimam que irá beneficiar a economia da UE em 120 biliões de euros, a economia dos EUA em 90 biliões e o resto do mundo em 100 biliões, invariavelmente desprovidas de qualquer suporte factual pois os estudos económicos (se existem) continuam a ser sonegados aos cidadãos.

Não bastando a escassez de informação como argumento suficiente para a contestação ao TTIP e sabendo-se que os EUA já assinaram com uma dúzia de sócios da Ásia e do continente americano o Acordo Transpacífico de Cooperação Económica (TPP), com idênticos termos, mais fácil se torna entender que se fecharem um acordo comercial com a UE, aumentam grandemente as hipóteses de conseguirem impor esse mesmo tipo de tratado a todos os outros países (leia-se China, Índia e Rússia)...


segunda-feira, 25 de abril de 2016

ABRIL, 42 ANOS DEPOIS

Hoje, dia em que celebramos mais um aniversário sobre a reconquista da democracia e da liberdade, deveríamos dedicar uma atenção especial a tentar recordar o que então pensámos e projectámos para o futuro e onde hoje estamos.


Esqueçamos o conceito maniqueísta de “celebrar Abril” e reflictamos um pouco sobre o que aqui nos trouxe... Mais de quatro décadas volvidas em que um verdadeiro turbilhão de acontecimentos mudou radicalmente a nossa vida colectiva, estaremos inegavelmente melhor que então, mas quase certamente muito longe de onde sonhámos poder estar.

Então o futuro éramos nós e estava, em boa medida, nas nossas mãos; hoje parece não termos futuro ou então sentimos perante ele todo o peso duma impotência que nos querem impor. À alegoria das brilhantes “portas que Abril abriu” deixámos que construíssem muros (reais e imaginários) que nos isolam dos outros – até dos que nos são próximos e semelhantes – e, sob a ameaça de desempregos e demais vilanias, nos transformassem em “zombies” políticos e sociais.

No meio da incerteza, da desesperança, da dúvida e de todos os medos, deve emergir a ideia que é urgente recuperar o sonho (aquele que o poeta nos ensinou que comanda a vida...) de querermos ser melhores e todos iguais, mas diferentes!

quarta-feira, 20 de abril de 2016

VERGONHOSO ESPECTÁCULO

Domingo foi dia de votar, no Parlamento brasileiro, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff e depois de outros casos brasileiros, como o de Fernando Collor de Melo (que renunciou antes da votação), ou americanos, como o de Richard Nixon que não resistiu ao escândalo Watergate, seria de esperar que este decorresse dentro da possível normalidade... e que a notícia de que o «Parlamento brasileiro aprova impeachment da Presidente Dilma» representasse afinal o funcionamento da democracia.

Seria, se o caso não estivesse rodeado de mais que uma natural polémica em torno da actuação política de Dilma Rousseff e se aqueles que defendem (justa ou injustamente) o pedido de impeachment representassem valores éticos e políticos superiores aos da visada. Sucede porém que o presidente do Parlamento, Eduardo Cunha, está ele próprio envolvido no escândalo “Lava-Jato” tal como o vice-presidente, Michel Temer, que se prepara para suceder a Dilma embora também já tenha sido alvo de pedido de impeachment semelhante.


Quando o Brasil se debate com uma crise económica declarada, eis que a sua classe política embala sem hesitação em direcção a uma crise política de dimensão ainda difícil de equacionar. Claro que a vaga de escândalos de corrupção envolvendo grandes empresas e membros dos principais partidos políticos em nada contribui para a credibilidade do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, a ponto de haver quem a descreva como uma manobra de encobrimento dos processos judiciais em curso e se aquele pedido vingar no Senado persistirá sempre a dúvida sobre a verdadeira responsabilidade da visada.

O que seguramente não vai deixar de persistir é a imagem duma classe política desgastada, minada pela corrupção e pelo recurso a manobras de bastidores que já levaram a própria Dilma Rousseff a dizer que «"Isso não é impeachment, mas eleição indireta"», agravada ainda pela triste reunião parlamentar, difundida em directo pelas televisões, que justificou perfeitamente o epíteto de «Um vergonhoso espectáculo de hipocrisia».

sexta-feira, 15 de abril de 2016

PARAÍSOS FISCAIS

As sucessivas notícias resultantes da divulgação dos “Panama Papers” não só continuam na ordem do dia como se estão a revelar bem mais interessantes que o mero voyeurismo social deixaria antever. E isso além de positivo deveria servir de ponto de arranque para uma mobilização geral contra a existência dos offshores, sugerida pela notícia que a «UE quer total transparência das grandes empresas quanto aos lucros e aos impostos».

Claro que não têm faltado referências ao assunto e até se diz que «Grandes empresas dos EUA têm 1,4 mil milhões de dólares em paraísos fiscais» ou que alguns famosos (o caso mais recente veio do país vizinho onde «Ministro espanhol pede demissão depois de ser associado a offshore»), mas de forma geral o que ressalta do corpo das notícias e dos comentários que vão sendo publicados é uma clara condenação do aproveitamento de legislações desadequadas ou manifestamente criadas para facilitar e justificar a existência desta aberração económica e social que já levou à afirmação que até «"Os Estados Unidos são um país onde é possível esconder dinheiro"».


Além de poderosas máquinas de lavar dinheiro proveniente de origens duvidosas, os paraísos fiscais são ainda moral e eticamente injustificáveis, tantos são os danos que têm provocado na erosão do tecido social e tanto mais graves quanto aqueles só podem resultar duma estratégia concertada precisamente para o desgaste e desmantelamento das estruturas públicas regularmente apontadas como as responsáveis pelas elevadas cargas fiscais aplicadas aos cidadãos. Veja-se o caso português, que num relatório da OCDE (o 'Taxing Wages 2016', relatório que analisa a evolução da carga fiscal nos 34 países que integram a organização) hoje publicado, onde se confirma que «Portugal foi o país em que a carga fiscal sobre os salários mais subiu» e que classifica «Portugal entre 11 países da OCDE com maior carga fiscal sobre o trabalho».

Embora criados sob argumento de aumentarem a competitividade das economias, os offshores, na sua vertente mais ou menos legal, têm servido fundamentalmente para assegurar meios de evasão fiscal às grandes empresas e às grandes fortunas, e afirmar-se agora que «Não é impossível pôr os ricos a pagar impostos... mesmo no Panamá», poderá não passar de mais uma manobra para ludibriar a opinião pública e evitar que esta exija a extinção, pura e simples, dos paraísos fiscais e a penalização efectiva de quem deles retirou ganhos indevidos.

terça-feira, 12 de abril de 2016

MAIS UM BAD BANK

Enquanto ainda se aguarda para conhecer todos os contornos das operações de saneamento do BPI – que prevê a tomada da maioria do capital pelo espanhol CaixaBank em troca da cedência da sua posição no BFA, de Isabel dos Santos – e de “resolução” do BES e do BANIF, quando o FMI anuncia perspectivas onde a «Zona Euro desacelera com todos os clientes de Portugal a perder gás» eis que volta à primeira linha da actualidade uma ideia onde «António Costa quer limpar de vez o lixo que há nas contas dos bancos», concentrando os créditos malparados num “bad bank” mas deixando intocado o actual modo de funcionamento dum sector bancário sem separação entre as actividades comerciais (captação de depósitos e concessão de créditos) e as especulativas.

Esta ideia de isolar os chamados activos tóxicos segue de perto a solução adoptada pela UE para os sistema financeiros de Espanha e Itália, pelo que não será surpreendente que até o «Presidente vê uma ajuda para fortalecer banca em veículo com malparado», embora, olhando para o crescimento insuficiente de ambas as economias, os resultados parecerem francamente duvidosos.


As reacções à proposta vão desde a já referida, de Marcelo Rebelo de Sousa, até uma onde «Jerónimo de Sousa teme que sejam contribuintes a fazer "limpeza" dos bancos» ou outra onde o «BE diz que veículo para malparado em Espanha causou danos à economia»... Nada de novo, portanto!

Mais curioso foi o comentário de Durão Barroso, dizendo que «"Algo deve ser feito para resolver a questão dos bancos"», o que é especialmente interessante vindo de um ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia que durante o seu mandato pouco ou nada fez de útil a partir de Bruxelas, mas que agora entre recados para a continuação das “reformas estruturais” (leia-se redução do investimento público e continuação das privatizações) nem sequer se esqueceu de frisar a importância do sector financeiro para a economia.

Em termos gerais toda a gente concordará com Durão Barroso, pois é evidente que "algo deve ser feito" para resolver a situação da banca; o pior é que as soluções até agora gizadas entre a nomenklatura europeia – que mereceram o beneplácito do ex- presidente da Comissão – sempre se saldaram em elevados prejuízos para os contribuintes e em claros benefícios para os banqueiros e os seus accionistas, continuando por demonstrar a pretensa indispensabilidade económica dum sistema financeiro primordialmente orientado para a especulação.

Claro que a solução mais rápida e económica para os banksters será sempre o “bail out” (resgate) e em especial se estes continuarem a assegurar-lhes uma quase inimputabilidade, quando o que deveria já ter ocorrido era uma radical mudança no modelo de organização do sector bancário, nomeadamente através do regresso ao princípio da separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, vedando aos primeiros a prática de aplicações especulativas e aos segundo o acesso aos depósitos dos cidadãos.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

EXPOSTO

A recente divulgação dos chamados “Panama Papers” (colectânea de 11,5 milhões de ficheiros sobre actividades em offshores, investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que tem como parceiros nacionais o Expresso e a TVI) trouxe à luz do dia muito mais que o que os títulos das notícias resumem. Dizer que um «Escândalo de corrupção envolve 72 chefes de Estado, de Putin a Cameron» ou chamar-lhe «O maior crime de sempre», como fez Pedro Santos Guerreiro no EXPRESSO, não é bem a mesma coisa pois no primeiro caso centra-se a atenção nas personalidades enquanto o segundo remete para o verdadeiro flagelo que constituem os offshores e que ultrapassa em muito a questão da lavagem de dinheiro originado em negócios ilegais (armas, droga e outros tráficos) e expõe de forma definitiva os que a eles recorrem como meio de evasão fiscal.


Tornar claras as suspeitas de conúbio entre o poder económico e o político, é importante e não se deve reduzir aos citados Putin e Cameron, tanto mais que importa não esquecer a referência ao presidente argentino, Mauricio Macri, que ajuda a explicar a ânsia que a que recentemente a «Argentina aprova acordo para pagar a fundos abutres», já que muitos outros nomes virão a público (que o diga o Sigmundur David Gunnlaugsson, de quem já se diz que o «Primeiro-ministro da Islândia é a primeira vítima do Panama Papers»), além de empresários, desportistas (onde já se destacam os nomes de «Messi e Platini na lista comprometedora») e artistas.

Lembrando aquela velha máxima latina que recomenda que “há mulher de César não basta parecer séria...”, o desejável era que à semelhança da mobilização doutros povos (como o caso da Islândia onde logo que o caso se soube «Milhares pedem renúncia do PM da Islândia» seguindo-se a notícia que o «Governo islandês demite-se devido ao Panama Papers»), todos exigíssemos o mesmo tipo de comportamento aos agentes envolvidos, sem esquecer o acréscimo de responsabilidade daqueles que apregoam a sua superioridade moral...

Não constituindo novidade o problema dos paraísos fiscais, não se pode falar em espanto perante a dimensão do que agora se começa a conhecer, nem sequer com a notícia que «Há mais do que 34 portugueses nos Panama Papers»; muitos dos visados virão clamar que nada de ilegal praticaram, pois os offshores até são legais, mas não poderão continuar a esconder que no mínimo têm beneficiado de vantagens fiscais negadas à maioria dos seus concidadãos, ou, como escreveu José Vítor Malheiros no PUBLICO, evitar a confirmação que «Os impostos são só para os trabalhadores e para os pobres», agravando ainda mais a já enorme desigualdade gerada por um modelo de distribuição da riqueza que privilegia os rendimentos do capital em detrimento dos do trabalho.

Dado o já referido carácter legal dos offshores, resumir o problema à afirmação de que os «Casos do Panama Papers serão remetidos para Ministério Público», como o fez o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, é um eufemismo; este é o momento de exigirmos dos poderes estabelecidos uma clara e definitiva alteração das regras dum jogo viciado desde o primeiro instante, mas ao observar a passividade geral – em claro contraste com a rápida e eficaz mobilização dos islandeses – duvido que algo mude além do indispensável para parecer que algo mudou.