terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O QUE FICOU DE 2015

Por imposição do calendário estamos em vias de encerrar mais um ano; o 2015º da era cristã não trouxe, como era muito fácil ter antecipado, profundas melhorias aos muitos e graves problemas que a todos afectam. Os conflitos armados, com o rasto de sofrimentos e miséria humana que acarretam, eternizam-se, os problemas ambientais tardam em ser abordados de forma construtiva e até a crise sistémica global continua sem evidentes sinais de resolução.

É verdade, no ano 1436 do calendário muçulmano agudizaram-se os conflitos num Médio Oriente que continua dividido ente árabes e judeus (que vivem o ano 5776), mas também entre sunitas e xiitas num crescendo de radicalização (ditada por uma luta hegemónica entre «Sunismo saudita e xiismo iraniano em confronto aberto no Oriente Médio», a que acresce um ancestral cisma religioso) que já ultrapassou as próprias fronteiras da região e do cisma; enquanto o ano 4713 do calendário chinês ficará registado como o do reconhecimento oficial dos gravíssimos problemas ambientais que atravessa o Império do Meio e que culminou com a recente decisão de colocar «Pequim em alerta vermelho por causa da poluição».

Ainda assim, nem tudo foi negro no ano que termina e numa Europa que continua a braços com uma crise económica e política que parece não querer solucionar, depois da agudização das relações com uma Rússia que recusa ver minorado o seu papel de potência regional eis que surgiu um pequeno sinal de mudança quando os eleitores de parte da Europa do Sul manifestaram de forma clara a sua recusa na continuação das políticas que conduziram a UE ao seu ponto mais baixo. Refiro-me, claro, ao resultado das eleições gregas e portuguesas (e numa certa medida às mais recentes em Espanha) onde os eleitores fizeram sentir uma clara vontade de mudança de política à qual uma UE enfeudada aos interesses neoliberais tem respondido de forma antidemocrática.


Veremos o que reserva à Europa um 2016 que para já ameaça o aprofundamento de divisões e o aumento dum isolacionismo xenófobo que não augura nada de bom, precisamente quando nas suas fronteiras se desenrolam conflitos abertos a que urge responder de forma adequada e concertada, como sugeriu recentemente Gordon Brown, o ex-primeiro-ministro inglês, ao defender que «A educação é o antídoto para a radicalização».

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O PRESENTE DE NATAL

Pese embora o adiantado da hora, foi sem surpresa que no passado Domingo ficámos a saber que fora o «Banif vendido ao Santander com perdas "elevadíssimas" para os contribuintes», havendo logo quem assegurasse que a «Factura do Banif para os contribuintes pode chegar a 3825 milhões».

Nada de novo depois dos casos BPN, BPP e BES, que segundo algumas contas asseguram que «Portugueses já deram 13 mil milhões para salvar bancos», enquanto outros mais prudentes preferem salientar que o «Estado já gastou perto de 12 mil milhões com bancos resgatados».
Certo é que o sistema financeiro continua a oferecer-nos regularmente os seus presentes envenenados...


e que ninguém – em especial o Banco de Portugal, a entidade reguladora do sistema financeiro português – pode assegurar que não se repita.

Sabido já que os «Partidos avançam com inquérito parlamentar sobre Banif» deixemos para mais tarde as questões (e serão seguramente muitas) de natureza política., para nos concentrarmos no que de imediato ressalta desta decisão: é que além das mais que óbvias dúvidas em torno dos contornos do “negócio”, como sejam a famigerada separação entre activos “bons” e “maus” e o preço de saldo, parece igualmente merecedora das maiores reticências e até agora falho do mais elementar esclarecimento o facto da escolha ter recaído sobre um banco que mantém um litígio com o Estado português sobre swaps ruinosos que envolvem um conjunto de empresas públicas.

Bem pode o governo de António Costa garantir que fez em três semanas o que não foi feito em três anos, ou dizer que queria integrar Banif na CGD mas não foi possível devido às regras da Comissão Europeia e que o «Santander foi escolhido para ficar com Banif porque tinha a "melhor" proposta», que nada disfarça o que aparenta ser mais um “negócio” com contornos éticamente muito duvidosos, que se estendem à actuação duma cadeia nacional de televisão – a TVI – que é propriedade duma empresa espanhola – a PRISA – que é um dos accionista de referência do Santander...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

É PRECISO MEDIR BEM...

Embora quase a encerrar o triste capítulo da sua passagem por Belém, Cavaco Silva teve ainda tempo para comentar, a propósito das notícias sobre o BANIF, a situação do sistema financeiro nacional afirmando que «"É preciso medir bem as palavras quando se fala do sistema bancário"», e eu tendo a concordar com ele.

Não pelas mesmas razões – para o insigne professor de economia a ponderação deriva do facto daquele sistema ser decisivo para o funcionamento da economia – mas porque o cerne dos problemas actuais de qualquer sistema financeiro (nacional, europeu ou mundial) se situa na necessidade de “medir” a sua real importância e a sua real exposição aos produtos estruturados complexos. Recordam-se da falência do Lehman Brothers no Verão de 2008 e do que estão se escreveu sobre a excessiva exposição daquele banco de investimento a produtos estruturados?


Logo no dia 20 de Setembro de 2008 escrevia no «post» «BURACO NEGRO» que «A grande sofisticação deste tipo de produtos financeiros e a sua difusão como se de um produto de cobertura de risco se tratasse, originou uma rápida e vasta dispersão pelas contas de quase todos os bancos por esse mundo fora. Ainda hoje quando se ouvem ou lêem declarações de políticos e de administradores de bancos que asseguram a reduzida exposição das suas economias (e das entidades financeiras que nelas operam) àquele tipo de produtos deverá continuar a ser encarada com as devidas reservas, na medida em que continuam por apurar os montantes envolvidos naquelas transacções e, inclusive, quais os instrumentos financeiros que integram ou não activos daquele tipo», numa alusão à necessidade de apurar a dimensão do jogo especulativo em torno dos produtos estruturados disseminados por todo o sistema financeiro mundial.

Sete anos volvidos, a palavra chave continua a ser “medir”; não no sentido limitativo e castrador proposto por Cavaco Silva, mas sim no sentido de exigirmos a avaliação do buraco financeiro que se mantém dissimulado nos balanços dos bancos.

Desde a falência do Lehman Brothers não têm parado de se repetir casos análogos noutros bancos, sempre acompanhados da beatífica recomendação de “não se falar demasiado” para não “assustar os mercados”. A assim continuarmos sem escalpelizar até às últimas consequências casos como o do BPN, do BPP e do BES, estaremos a facilitar o próximo evento (BANIF ou outro) e a aceitar silenciosamente que o custo final desta economia de casino criada por “banksters” (designação que remonta aos anos da Grande Depressão e que resulta da aglutinação dos termos banqueiro e gangster) sem escrúpulos acabe sempre saldada a expensas dos contribuintes.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

OUTONO TARDIO

Climatologicamente falando e um pouco em analogia com o nosso Verão de S. Martinho (que os americanos apelidam de “Été Indien”), o resultado da segunda volta das eleições regionais francesas bem poderia ser visto como um outono tardio...


...mas atenção que muitas vezes as aparências iludem!

É certo que a barreira da segunda volta impediu a vitória da FN (Front National), de extrema-direita, em qualquer região, mas ainda assim o partido obteve um número nunca alcançado de 6,5 milhões de votos.

Mas esta derrota pode, se os republicanos de Nicolas Sarkozy – apresentado como o grande vencedor de Domingo com a conquista de 7 regiões – não conseguirem ultrapassar as suas próprias divisões, nem os socialistas de François Hollande e Manuel Valls – que minimizaram a derrota com a vitória em 5 regiões – conseguirem atrair o resto da esquerda, constituir um primeiro importante passo para as eleições presidenciais de 2017.

O grande problema que enfrentam os socialistas e os republicanos franceses é a proverbial incapacidade dos partidos do poder se relacionarem com aqueles que têm mantido afastados à sua direita ou à sua esquerda. Não será inocente o recente fenómeno dos “partidos radicais” nem fruto do acaso o crescente interesse que comentadores e analistas lhes têm dedicado, mas é seguramente elucidativo que a principal preocupação e crítica seja focada nos “radicais de esquerda”, enquanto os seus “congéneres” de direita vão prosperando, ou não contassem os primeiros com a frontal oposição do sistema financeiro e os segundos, se não com o seu apoio, pelo menos com a sua neutralidade.

Veja-se o que está a acontecer na Grécia e na Espanha, onde a crescente contestação aos partidos do sistema já levou a mudanças no poder (eleição na Grécia dum movimento de esquerda, o Syriza, com fortes raízes trotskistas que soube construir pontes de diálogo com outros agrupamentos da mesma área e que levou uma UE completamente enfeudada aos interesses do sistema financeiro e politicamente inepta a apressadamente reduzir a nada as poucas iniciativas divergentes ensaiadas pelo novo governo helénico) ou ameaça fazê-lo no próximo fim-de-semana em Espanha (onde é expectável um cenário idêntico ao ocorrido em Portugal, no qual o partido mais votado não conseguirá construir as indispensáveis alianças para formar governo), ou um pouco por toda a Europa com a crescente popularidade de partidos nacionalistas e xenófobos.

O anquilosamento dos partidos tradicionais poderá determinar a ascensão de partidos mais à esquerda, com o resultado que vimos na Grécia, ou mais à direita, com o resultado que não quero ver.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

OUSAR PENSAR DIFERENTE

Os tempos que temos vivido e que conheceram o seu apogeu com o governo Passos Coelho/Paulo Portas estão ainda longe de se verem varridos para os confins das más memórias.
Não enfileirando nos rol dos que alimentam grandes esperanças no futuro próximo, tão profunda e marcante tem sido a acção destruidora daqueles que outra coisa não têm feito salvo propalar a inexistência de alternativa às suas ideias, sempre vou assinalando aqui ou ali os sinais de diferença que apesar dos poderes instalados lá vão surgindo.

Exemplo disso é uma recente notícia do EXPRESSO segundo a qual a «Finlândia estuda atribuição de salário mínimo garantido a todos os cidadãos», no que aparenta constituir uma completa inversão do tão aplaudido discurso populista do “vai trabalhar, malandro” e que se aproxima duma ideia antiga que abordei no “post” «A CRISE, O EMPREGO E O RENDIMENTO» onde a advoguei em alternativa a um aumento generalizado dos salários e enquanto medida de justiça social.


A medida em estudo pelo governo finlandês é apresentada como de combate ao desemprego e uma forma de simplificar o sistema de segurança social e, claro, criticada por quem acredita que terá o efeito exactamente oposto.

Como escrevi em 2009, no “post” referido, a ideia não é nova nem inédita pois encontra-se em aplicação (nem mais, nem menos...) na própria pátria do capitalismo moderno: os EUA. Num dos seus estados (o Alasca) existe um fundo alimentado pelas receitas das concessões petrolíferas, o Alaska Permanent Fund, que distribui anualmente o seu rendimentos pelos habitantes daquele o estado. Criado com o objectivo de ajudar a fixar muita da mão-de-obra deslocada para o Alaska durante o período de instalação das infraestruturas destinadas à exploração petrolífera, funcionará hoje como importante agente redistribuidor da riqueza local.

Ainda decorrerá muito tempo até que algo resulte deste debate, mas como escrevi a propósito da questão dum novo «PARADIGMA DO EMPREGO» e da necessidade de equacionarmos novas abordagens para o problema da redistribuição da riqueza, comprovado que está o fracasso da famigerado política da “austeridade expansionista”, o tempo urge e os erros cometidos acumulam-se sem que se perfile de forma clara uma a indispensabilidade dum nova forma de pensar os problemas antigos.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

PONTAPÉ LÓGICO

Por incrível que possa parecer, até nestes tempos destrambelhados, ainda surgem ocasionalmente notícias com capacidade para nos espantarem.

Não me estou a referir à “modernidade” das “novidades” difundidas via Facebook, antes a afirmações veiculadas na imprensa, como seja aquela onde «Rui Moreira diz que TAP tenciona abandonar longo curso no aeroporto do Porto».

Embora outros jornais tenham prontamente desmentido as preocupações do edil portuense, dizendo que a «TAP ainda não tomou decisão sobre suspensão de voos de longo curso no Porto», haverá quem ingenuamente tenha acreditado que a alienação a interesses privados constituía a melhor via para assegurar o interesse colectivo?

Este sinal de “fechar de portas” será apenas o primeiro de outros “ponTAPés” que a magnânima gestão privada da empresa não deixará de desferir no interesse geral! Ou alguém de bom senso tinha expectativas diferentes?


Melhor, é que além de parecer confirmada aquela ideia, veio alimentar anteriores preocupações e reforçar a afirmação onde a «Estrutura sindical da TAP alerta para «esvaziamento da operação» da empresa no país», e nem sequer foi o primeiro sinal da mudança, pois poucos dias tinham decorrido desde a controversa assinatura do contrato de venda por parte dum governo limitado às funções de gestão corrente e logo começaram a surgir notícias sobre a intenção dos novos donos procederem à venda de terrenos junto ao aeroporto, onde se encontram instaladas a sede, os escritórios e oficinas, no valor de 146 milhões de euros que, pura coincidência. é quase igual aos 150 milhões injectados pelos compradores.

Pior que o lirismo evidenciado pelos ansiosos “vendedores” é assistirmos agora à hipocrisia de ouvirmos que o «PSD/Porto quer esclarecimento da tutela sobre fim do longo curso da TAP», enquanto silenciou o reconhecido facto de ter pactuado com uma venda onde o «Risco da dívida da TAP fica no Estado», ou seja: a empresa foi vendida a desconto (baratinha) sob o pretexto do seu elevado passivo (maioritariamente constituído por dívidas financeiras) lhe reduzir o valor, mas os esforçados compradores ficaram desde logo dispensados de pagar esse mesmo passivo, pois o magnânimo Estado assegurará esse pagamento, sem o risco de perderem todo o pouco que investiram!

Este processo de transferência de rendimentos do sector público para o privado é que é o verdadeiro empreendedorismo tão amiudamente louvado como o salvador das economias… e ao qual continuam a ser sacrificados os cidadãos contribuintes deste País, porque não duvidem seremos todos nós a pagar o passivo da TAP, depois de termos entregue os lucros que não pararão de crescer graças à superior capacidade da gestão privada, e depois de perder o poder de decisão sobre a orientação estratégica – o verdadeiro interesse geral – duma transportadora aérea, que poderá mudar a sua base de operações para onde quiser e for mais barato.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

LEMBRANÇAS DUMA FUTUROLOGIA FÁCIL

A lembrança da efeméride que hoje devíamos estar a comemorar em Portugal – a Restauração da Independência – e a leitura dum artigo de José Vítor Malheiros, onde lembra (e bem) que o actual é «Um Governo sem tempo para errar» ao qual devemos «…garantir (…) toda a lealdade e toda a cooperação mas nenhuma condescendência, nenhuma complacência», levam-me a deixar nota de duas questões que não auguram nada de bom.

A primeira (e a menos importante) tem a ver com o incumprimento do compromisso de reposição dos feriados demagogicamente abolidos pela coligação PSD/CDS. É certo que o António Costa ainda mal tomou posse e que esta ocorreu muito em cima do 1º de Dezembro, mas ainda assim fica a nota do esquecimento e do sinal negativo que comporta.


A reposição dos feriados do 5 de Outubro – Implantação da República – e do 1º de Dezembro – Restauração da Independência – significa muito mais que a recuperação de dois feriados, pois trata-se afinal de manter tão viva quanto possível a memória colectiva dum povo, e podia muito bem ter sido a segunda medida tomada pelo novo governo; tomá-la logo após a aprovação do respectivo programa representaria a reafirmação do cumprimento de compromissos e um claro sinal da vontade de mudança.

Mudança foi, precisamente, o que representou a votação onde o «Parlamento acaba com exames do 4.º ano»; duvido é que esta represente uma mudança para melhor. Mesmo compreendendo algum fundamento na argumentação de que os exames podem agravar a diferença de classes sociais e que pouco peso representam na avaliação final, nem por isso deixo de partilhar a ideia que constituem um importante factor de treino e de responsabilização de alunos, professores e encarregados de educação.

Mais do que alinhar no discurso fácil (e falso) de que a abolição dos exames representa um sinal de facilitismo no percurso de formação dos jovens, creio que se está é a eliminar um factor de credibilização que os jovens pagarão numa futura admissão no mercado de trabalho (ou pelo menos a facilitar esse argumento) e a desperdiçar esforços que deveriam ser concentrados na abordagem e discussão das grandes questões que Governo e Parlamento terão de enfrentar de pronto: a fragilidade das finanças nacionais e do sistema financeiro; as verdadeiras reformas estruturais que, apesar de tudo o que se disse, continuam por fazer; o fraco crescimento económico e a ausência de investimento e de perspectivas de trabalho para os mais jovens.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

COP 21

Começou hoje em Paris mais uma conferência mundial sobre o clima (COP 21), no preciso dia em que a Agência Europeia do Meio Ambiente divulgou um relatório segundo o qual a «Poluição do ar provocou 432 mil mortes prematuras na UE».


Por muito que se alimente a esperança de que toda a gente anda «À procura de um acordo em Paris», o simples facto de até agora terem falhado as tentativas anteriores e sabendo-se que «"Os bons sentimentos e as declarações de boas intenções não são suficientes"», bem se pode concluir que as probabilidades continuam reduzidas, tanto mais que, como escreveu Viriato Soromenho Marques in «A dívida e o défice», os nossos governantes «…Julgam estar a negociar uns com os outros, quando na verdade do outro lado da mesa está a natureza com as suas leis implacáveis

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

ONDE PÁRA A LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE?

A par com as questões ligadas a hipotéticas justificações para os atentados de 13 de Novembro outras devem ser formuladas a propósito do inexplicável fracasso dos serviços de informação e contra-informação europeus e duma óbvia deriva securitária que parece ganhar terreno no dia-a-dia, dos cidadãos.

A rápida instauração do estado de emergência decidida por François Hollande, foi imediatamente mimetizada pelo governo tunisino na sequência de mais um atentado em Tunes, no que configura um “modus operandi” a repetir na primeira ocasião.

Quando a resposta a actos terrorista por parte do governo dum estado democrático assume a aplicação do estado de emergência por um período de três meses, pode (e deve) colocar-se a óbvia questão: a quem serve a solução?

A limitação de direitos e liberdades servem os cidadãos ou os interesses por detrás das acções terroristas?

A ligeireza (e o silêncio generalizado) com que o governo francês descartou o seu histórico lema – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – em resposta a uma situação que deveria ter enfrentado com outros meios, revelam, mais que o desnorte dos governantes, o que parece ser um aproveitamento da situação no sentido de coarctar direitos e liberdades que lhes deveriam ser sagrados.


O debate sobre actuações alternativas ficou desde logo inquinado e os meios de comunicação (os tais que se deviam apresentar na primeira linha da defesa das liberdades dos cidadãos) têm concentrado a sua atenção nos pormenores policiais da perseguição aos fugitivos (qual filme policial de muito fraca qualidade) e pouca ou nenhuma sobre os malefícios da solução ou sobre a ineficácia (mais uma) dos mecanismos europeus de protecção e segurança.

Uma ou outra abordagem tímida à falta de comunicação e coordenação entre os serviços de informação dos estados-membro da UE, ou a referência à opção pelo corte de cooperação entre os serviços de informação franceses e sírios (a notícia foi difundida em França pela revista VALEURS ACTUELLES, numa entrevista a Bernard Squarcini, o ex-patrão das secretas francesas) passa ao lado da generalidade dos meios de informação, globalmente mais preocupados com as implicações associadas à vaga de imigrantes oriundos do Médio Oriente.

Em tempos conturbados, como os que atravessamos, o debate de ideias e alternativas deveria ganhar nova dimensão e maior importância, mesmo quando a motivação das fontes possam (e devam) ser questionadas – como é o caso da referência às declaração dum notório sarkozista em vésperas de mais uma campanha eleitoral –, mas o que seguramente voltaremos a assistir será à redução do debate ao tradicional conjunto de ideias feitas e à propagação de slogans a favor e contra o acolhimento dos refugiados.

sábado, 21 de novembro de 2015

NADA SERÁ COMO ANTES?

Demasiadas vezes se assinalam factos marcantes dizendo que nada será como antes. Isso mesmo parece poder concluir-se dos atentados que ocorreram no passado dia 13 em Paris.

Começando pelo anúncio do estado de guerra, prontamente feito por François Hollande ao mesmo tempo que anunciava a «França em estado de emergência até 25 de Fevereiro», continuando com a reacção interna (visando a localização e captura doutros envolvidos nos atentados) e externa (intensificação das missões aéreas sobre as áreas controladas pelo Daesh) e a simultânea manifestação da intenção de concertação franco-russa no combate ao terrorismo, somaram-se os indícios duma nova atitude, mesmo quando o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, assegura que a «Rússia cooperará com coligação contra o EI se soberania da Síria for respeitada».

Essa nova atitude parece particularmente assumida pelo líder russo quando na Cimeira do G20, que teve lugar na Turquia nesse mesmo fim-de-semana, disse alto e bom som aquilo que sendo sobejamente conhecido poucas vezes é afirmado pelos principais dirigentes mundiais. Aproveitando a onda dos acontecimentos «Putin revela que países do G20 financiam o Estado Islâmico», pelo que talvez agora seja de esperar que alguma coisa realmente mude na abordagem dum problema que não é de natureza religiosa, nem apenas militar.


Combater o extremismo do Daesh passará por outro tipo de acções de natureza diplomática que obriguem governos como o saudita e o qatari a pôr cobro às facilidades de que os agentes financiadores e de propaganda têm beneficiado, algo que não será fácil para quem disputa a hegemonia local com o Irão e a Turquia e que beneficia, desde longa data do apoio norte-americano.
Os EUA, que constituem o quarto vértice deste triângulo assimétrico (Europa – Ásia – Médio Oriente) estão, nesta conjuntura, na eminência de perder a posição privilegiada que pareciam ter assegurado na sequência dos acordos nucleares como o Irão e na inclusão da Turquia no esforço militar, por eles liderado, contra o sírio al-Assad.

Não foram poucas as vezes que aqui chamei a atenção para o dúplice papel de estados árabes sunitas, como a Arábia Saudita, o Qatar e a Turquia, ou para os perigos que envolviam a tentativa de deposição do regime alauita na Síria e para os resultantes da morte do líbio Kadhafi, recentemente confirmadas (se ainda fosse necessário) pela dúvida em saber se não será «A Líbia, próximo território do Estado Islâmico?»

A aproximação franco-russa não resolverá por si só todas as contradições que imperam no Médio Oriente (uma das regiões mais instáveis do planeta), nem assegurará a participação automática dos norte-americanos (a questão da manutenção/afastamento de al-Assad continua a revelar-se profunda) mas transmite um forte sinal do que poderá ser o futuro duma crise agravada pela desastrosa actuação norte-americana no Afeganistão e no Iraque, onde a explosiva mistura de voluntarismo com uma completa ignorância da realidade político-religiosa da região criou as condições ideias para a germinação duma cultura de preconceito e ódio do mais primário que existe.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

AS AUSCULTAÇÕES PRESIDENCIAIS

Enquanto se mantém o impasse político resultante da aprovação duma moção de censura ao II Governo Passos Coelho/Paulo Portas, vamos assistindo ao desfilar de visitantes a Belém… e que visitantes!

Depois dos protocolares parceiros sociais, ou seja sindicatos e associações patronais, e saltando por cima do instituído Conselho de Estado (cuja consulta só seria obrigatória em caso de dissolução do Parlamento, opção inviável nos primeiros seis meses após a eleição legislativa ou nos últimos seis meses de mandato presidencial) passámos aos mais distintos e relevantes representantes doutros interesses; assim, caso dúvidas houvesse, o inquilino de Belém mostrou claramente as sua preferências em termos de aconselhamento começando por ouvir um conjunto de… banqueiros!

É verdade, Cavaco Silva fez-se aconselhar pela mesmíssima plêiade de gestores de empresas que têm sobrevivido à crise devido a substanciais empréstimos públicos, em grande medida obtidos graças às enormes reduções no investimento público na Saúde, na Educação e na Segurança Social. Não será pois difícil perceber em que sentido aquele clube de grandes gestores terá ido “aconselhar” o principal magistrado da Nação; eles que, a expensas da grande maioria dos cidadãos já fortemente penalizados pelas reduções salariais e pelo aumento da carga fiscal têm assegurado não apenas a sua manutenção como um desproporcionado leque de vantagens, foram lembrar a necessidade de “honrar compromissos”, expressão que em “banquês” significa receberem todos os juros até ao último cêntimo e garantir toda a disponibilidade necessária para os resgatar sempre que preciso.

Esta talvez bizarra escolha de fontes de aconselhamento, sê-lo-á menos para quem ainda pense que, para todos os efeitos, não podemos prescindir do sistema financeiro, mas o grupo seguinte de “conselheiros” não pode deixar de aumentar a suspeição sobre a isenção e a imparcialidade da figura presidencial. Aos banqueiros seguiu-se um naipe de prestigiados economistas, capitaneados pelo Governador do Banco de Portugal. Não fosse a gravidade da situação e quase me apetecia lembrar os tradicionais cartazes tauromáquicos e anunciar a presença de 7 magníficos economistas (Vítor Bento, Daniel Bessa, João Salgueiro, Luís Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, Bagão Félix e Augusto Mateus) 7, capitaneados por Carlos Costa.

Que irão estes insignes ex-governantes acrescentar de nova informação ao não menos insigne colega que ainda ocupa a cadeira presidencial? Algum terá o discernimento para lembrar que as opções que têm tomado, longe de resolverem os problemas, parecem agravar ainda mais a situação? ou que para grandes crises (e a que o Mundo em geral e a Europa em particular vivem, mais que uma crise global é uma crise sistémica) há por vezes necessidade de romper com os modelos tradicionais de pensamento?

Constatando que todos passaram pelo governo e representam uma corrente de pensamento comum, algum terá sequer a ousadia de contribuir com uma dúvida sistémica junto do homem que nunca tem dúvidas e raramente se engana? Se não, para servirão os seus conselhos?

Nesta linha de pensamento, quando nem conselheiros nem aconselhado correm o menor risco de ver beliscadas as suas benesses, entende-se perfeitamente ouvir-se dizer que  «Cavaco Silva não vê na crise política motivo para preocupações»; eles sabem perfeitamente que as preocupações sobrarão para todos os outros.

E embora já se tenha noticiado que «Cavaco Silva acelera audições e chama todos os partidos» para reuniões a realizar amanhã, estou em crer que ainda haverá mais auscultações…


…estranham????

terça-feira, 17 de novembro de 2015

PARIS (E A UE) CONTINUAM A ARDER

É claro que mais que o atentado no Líbano, que se saldou em «Dezenas de mortos e cerca de 200 feridos em duplo atentado em Beirute», foi o perpetrado em Paris que trouxe para a primeira linha dos discursos políticos a questão do combate ao terrorismo.


Comentou-se a dimensão da carnificina, quando ao final de poucas horas se fazia um balanço dizendo que «Atentados fizeram 129 mortos e centenas de feridos», os motivos e a forma de actuação, ficando geralmente esquecida a referência à evidente dificuldade de ligação entre os serviços de informação dos diferentes estados-membros da UE (algo que nem se estranha quando vemos tudo o resto que não funciona), especialmente depois de conhecido que o planeamento da operação e a origem dos terroristas foi a vizinha Bélgica.

Numa UE que nunca quis abordar a problemática da união política ou da união militar e onde nem sequer a moeda única consegue funcionar sem sobressaltos seria de esperar algo de diferente?
E o discurso do presidente francês, anunciando a retaliação sobre o Daesh, conhecerá algum efeito, além da subida do número de vítimas colaterais? e o rápido anúncio de que «Hollande quer unir Rússia e EUA para derrotar jihadistas» terá algum efeito prático?

Com ou sem crise económica nunca a UE se apresentou com a firme intenção de constituir mais que uma zona de comércio livre; a indispensável afirmação geoestratégica do maior mercado mundial tem sido encarada por políticos (antigos e actuais) sem visão nem convicções, ao sabor do momento e das conveniências dos “mercados”.

Os anteriores atentados em Madrid e Londres pouco alteraram esta situação e agora, depois de Paris anuncia-se a suspensão do acordo de livre circulação e a intensificação dos bombardeamentos sobre os territórios controlados pelo Daesh, mas nada que represente a menor alteração sobre a forma como a Europa tem encarado fenómeno da radicalização islamita, sobre o fracasso das políticas de assimilação social (a generalidade dos extremistas são cidadãos europeus) ou até sobre a influência da crise de valores que atravessamos. Faltam empregos e perspectivas de vida para os jovens enquanto abundam os “negócios”, falta solidariedade entre os estados e os cidadãos mas nunca os meios financeiros para acorrer aos bancos e aos banqueiros.

Em resumo faltam líderes políticos enquanto abundam os “gestores de negócios”… e assim não iremos longe, como escreveu Pedro Tadeu, hoje no DN: «Vamos para a guerra mas não vamos ganhar», do mesmo modo que não estamos a ganhar a “guerra” do crescimento nem a do bem-estar.

sábado, 14 de novembro de 2015

PARIS A ARDER

Podemos pensar em assinalar a data (e os terríveis acontecimentos nela vividos) mas de modo algum podemos minimizar a carnificina que ontem teve lugar em Paris a um simples atentado terrorista, onde o «Estado Islâmico quis “vingar a Síria”», patrocinado que seja pelo Daesh ou qualquer outra organização.


A França terá tido o seu “11 de Setembro” mas, aparte o horror em geral e em particular o sofrimento daqueles que o viveram directamente, importa analisar um “modus operandi” que se assemelha mais aos atentados em Mombai (atribuídos a um grupo islamita paquistanês) que ao planeamento metódico que se pode detectar no 11 de Março madrileno ou nos atentados de Londres em 2005, atribuídos à Al-Qaeda (organização que antecedeu o Daesh no processo de globalização do terrorismo islamita).

A rapidez com que foram apontados os responsáveis pelos ataques deixa supor que ou os responsáveis franceses detinham já informação duns serviços secretos que pouco ou nada fizeram para prevenir a situação. ou essa é a autoria que melhor servirá nesta conjuntura, justificando que François Hollande tenha prontamente anunciado as «Fronteiras encerradas e declarado estado de emergência em França» (sem consulta aos demais órgãos de soberania) depois de no próprio dia se ter sabido que a «França suspende Schengen durante um mês», devido à próxima realização da 21ª Cimeira do Clima da ONU.

A reacção norte-americana, elevando o nível de alerta interno e a informação prontamente posta a circular que «Hollande e Obama «assinam» pacto contra o terrorismo», recomendam a continuação das leituras sobre o evoluir da situação e sem esquecer que neste, como na generalidade dos outros casos, o principal beneficiado continua a ser o complexo industrial-militar.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

OBSERVAÇÃO

Da observação das capas dos diários nacionais hoje publicados, dificilmente alguém diria que se debate na Assembleia da República o programa do segundo governo do duo Passos Coelho-Paulo Portas.


E não é, num caso ou noutro, a ausência de imagens, antes as persistentes referências ao PS ou “à esquerda” no lugar do assunto em debate: o programa do governo PSD-CDS.

No final talvez a melhor referência à questão seja a que encontramos no PUBLICO, quando este a apresenta como a «Direita vestida de oposição, Esquerda em posse de Governo», traduzindo afinal a ideia que este foi um governo de frete, que se sabia vencido à partida e que, como o anterior, tendo uma liderança que desperdiçou as oportunidades de temperança e concertação em benefício da prepotência e da defesa de interesses específicos, não reunia condições efectivas para agora receber o benefício de qualquer dúvida, mesmo quando Passos Coelho tenta recuperar a perdida imagem do reformador que derrubou um governo (o segundo governo de Sócrates) por se opor ao excesso de austeridade que este pretendia aplicar (o PEC IV), dizendo agora que «"A austeridade nunca foi uma questão de escolha, mas sim uma necessidade"», acreditando talvez que já todos esquecemos quando, nos dias gloriosos da chegada a S. Bento, afirmou que «era essencial ir além do plano da troika».

Aliás, o assunto parece tão penoso para as redacções dos jornais que depois de passarem semanas a dar espaço e voz aos habituais panegiristas do PSD e do CDS que propalaram até à exaustão, sem pejo nem peias, diatribes como a de que no lugar de eleições parlamentares o que existe é uma eleição do governo… ou a de que nunca se viu a oposição não aceitar um programa de governo… (como se na vida quotidiana nada pudesse mudar, nem haja espaço para outras formas de pensar que não a sua), recuperam agora o tom catastrófico, prometendo todo tipo de catástrofes.

É claro para os mais avisados, como hoje mesmo escreveu José Vítor Malheiros nas páginas do PUBLICO, que «Sabemos que os tempos que se avizinham serão difíceis. Um governo que defenda estes princípios será atacado por todos os interesses, por todos os privilegiados de todos os privilégios, por todos os preconceitos, por todos os rancores», como «Sabemos que a honra é mais forte que a ignomínia. Que a dignidade é mais forte que a subserviência. Que a liberdade é mais forte que a submissão» e é por isso que mesmo frágil e ténue a esperança é a última a morrer…