sexta-feira, 21 de abril de 2017

ESTADO DE EMERGÊNCIA

Quando nas manchetes voltam as notícias sobre mais um atentado na Europa, repetem-se os lugares comuns lidos e ouvidos nas ocasiões anteriores – desde o lamento pelos mortos e feridos até à raiva e à fúria sobre quem se presta a semelhantes actos – mas pouca ou nenhuma reflexão sobre muitas das condicionantes que os envolvem.

Esta observação aplica-se no geral, mas particularmente no mais recentemente ocorrido numa França em vésperas da primeira volta das eleições presidenciais e quando era noticiado que os quatro principais candidatos (Macron, Le Pen, Fillon e Mélenchon) apresentavam poucas diferenças nas intenções de voto.

Quando já ninguém parece estranhar que um país se prepare para realizar importantes eleições nacionais durante a vigência do estado de emergência (recordo, para os mais distraídos, que se vive em «França em estado de emergência até Julho») e quando esta mesma semana foi noticiado um «Ataque terrorista abortado em França a dias das presidenciais», sem aparente influência naquelas eleições, eis que dois dias depois surge um ataque a uma carrinha da polícia nos Campos Elísios, seguida da pronta informação que o Daesh reivindica o ataque.

Aparte uma ou outra ligeira referência a possíveis influências no resultado eleitoral, ninguém parece questionar-se sobre os interesses que poderão ter determinado uma iniciativa que só pode favorecer a candidatura que claramente defende a bandeira da xenofobia e que nos últimos dias via regredir as intenções de voto dos franceses.


Coincidência? não creio! Existem seguramente, em França e noutros lugares, quem se disponha a tudo para atingir objectivos não declaráveis...

quinta-feira, 20 de abril de 2017

TURQUIA DIVIDIDA

A notícia de que o «"Sim" a reforço de poderes do presidente vence referendo» realizado na Turquia esconde uma profunda divisão expressa na distribuição dos votos, o que permite a conclusão de que a «Vitória curta do "sim" no referendo "foi o pior resultado para a Turquia"».


A reduzida margem de vitória já levou a que o «Principal partido da oposição apresenta pedido de anulação do referendo turco», coisa que não se estranha, tal como ninguém terá ficado espantado ao saber que «"Há suspeitas de que até 2.5 milhões de votos possam ter sido manipulados"» ou que a «OSCE considera que referendo turco não foi democrático»; espantoso é que ainda continuemos a ler na imprensa ocidental quem acredite que em Julho de 2016 alguém tentou liquidar as pretensões de Recep Tayyip Erdogan (a versão moderna do obsessivamente ambicioso vizir Iznogoug, criado pela pena do magistral René Goscinny e dado à estampa em desenhos de Tabary) e poucas sejam as referências à verdadeira natureza da encenação que foi o detonador de milhares de detenções e duma purga no aparelho de Estado que acelerou todo este projecto de poder pessoal.

Naturalmente que o sucesso de mais um candidato a autocrata já mereceu reacções de campos aparentemente tão diversos como os EUA e a Rússia, com a notícia de que «Trump felicita Erdogan por vitória no referendo turco» e que «Putin (também) deu os parabéns a Erdogan pelo resultado do referendo».

O resultado do referendo promovido por Erdogan poderá conferir-lhe os poderes por que anseia, poderá até resultar num ambicioso projecto pessoal, mas duvido que a Turquia possa esperar tranquilamente um futuro melhor.

terça-feira, 11 de abril de 2017

AMÉRICA GRANDE OU ESTÚPIDA?

Em resposta à notícia de que um «Ataque químico na Síria provoca mais de 100 mortos e 400 feridos», prontamente atribuído pelos meios de comunicação ocidentais ao regime de Bashar Al-Assad, e em plena crise de popularidade interna por causa das ligações russas da sua “entourage” e do fracasso das iniciativas de limitação à imigração e de substituição do Obamacare, a administração americana não demorou a fazer saber que «Trump condena ataque químico "hediondo" do regime de al-Assad».

Ignorando (e esperando que todos já tenhamos esquecido anteriores “affaires” como o episódio da deflagração de engenhos químicos na província Síria de Homs, ocorrido em 2013, a acabar por ser atribuído aos próprios rebeldes – ver a propósito o “post«PRONTO PARA SALTAR - I» - ou o do famigerado arsenal de Saddam Hussein que serviu para justificar a invasão do Iraque) anteriores episódios de avaliações erróneas, à administração Trump bastaram 72 horas para reagir e ficarmos todos a saber que os «EUA lançaram 59 mísseis contra uma base aérea síria» apontada como estratégica para o esforço sírio no conflito.


Prontamente anunciada como um enorme sucesso, aquela acção militar terá resultado na destruição de material militar («Seis caças destruídos no ataque, diz a Rússia», enquanto outras fontes dizem que «EUA confirmam destruição de 20% da capacidade aérea») mas de modo algum na inutilização do aeródromo que vinte e quatro horas depois já estava a ser utilizado.

O reduzido sucesso da iniciativa de Trump pode limitar o efeito esperado sobre os intervenientes na região (Rússia, Síria, Irão e as petromonarquias do Golfo) tanto mais que já circula uma reacção onde os «Aliados do líder sírio ameaçam EUA. “Responderemos com uso de força”».

Se o que realmente preocupa os conselheiros de Trump é a divulgação de mensagens de força para o resto do mundo (China e Coreia do Norte incluídas) esta poderá ter sido apenas a primeira de várias acções mais ou menos desgarradas, desprovidas do indispensável apoio da comunidade internacional que lhe trariam um sancionamento pela ONU, inevitavelmente votadas a receberem os apoios e as críticas habituais mas que dificilmente contribuirão para a resolução de qualquer conflito e ainda menos para um desejável apaziguamento de tensões.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

O MELHOR ECONOMISTA DO MUNDO

(Revisão do livro de Michael Hudson, por Paul Craig Roberts, ex-secretário adjunto do Tesouro dos EUA e editor associado do Wall Street Journal)

«Se você quer verdadeiramente aprender economia em vez do lixo económico neoliberal, leia os livros de Michael Hudson.

O que você vai aprender é que a economia neoliberal é uma apologia para a classe rentista e para os grandes bancos que conseguiram financiarizar a economia, deslocando o poder de compra de bens e serviços pelos consumidores, que impulsionam a economia real, para o pagamento de juros e taxas aos bancos.

O seu último livro é «J é para Junk Economics». É escrito sob a forma de um dicionário, mas as definições dão-lhe o significado preciso dos termos económicos, a história dos conceitos económicos e descrevem a transformação da economia desde a economia clássica, onde era dado o ênfase à tributação dos rendimentos que não são o resultado da produção de bens e serviços, à economia neoliberal, que se baseia na tributação do trabalho e da produção.


Esta é uma diferença importante que não é fácil de entender. Os economistas clássicos definiram a "renda não ganha" como "renda económica". Esta não é a renda que paga pelo seu apartamento. A renda económica é um fluxo de renda que não tem contrapartida no custo incorrido pelo destinatário do fluxo da renda.

Por exemplo, quando uma autoridade pública, digamos a cidade de Alexandria, Virgínia, decide ligar Alexandria a Washington, com um metro pago com dinheiro público, os proprietários de imóveis ao longo da linha de metro beneficiam dum aumento dos valores da propriedade. Eles devem o acréscimo de riqueza e a renda aumentada dos valores de aluguer das suas propriedades aos dólares gastos pelos contribuintes. Se esses ganhos fossem tributados, a linha do metro poderia ter sido financiada sem o dinheiro dos contribuintes.

São esses ganhos de valor produzidos pelo metro, ou por uma estrada financiada pelos contribuintes, ou por ter propriedades à beira-mar em vez de propriedades longe da praia, ou por ter propriedades no lado ensolarado da rua duma área de negócios, que são "rendas económicas". Lucros de monopólio devido a um posicionamento único também são rendas económicas.

Hudson acrescenta a essas rendas os juros que os governos pagam aos obrigacionistas quando aqueles podem substituir a emissão de títulos pela impressão de dinheiro. Quando os governos permitem que os bancos privados criem o dinheiro com o qual compram os títulos do governo, os governos criam passivos para os contribuintes que eram facilmente evitáveis se, no seu lugar, criassem o próprio dinheiro para financiar os seus projectos. A acumulação da dívida pública é inteiramente desnecessária. Não é criado menos dinheiro pelos bancos que compram os títulos do governo do que seria criado se o governo imprimisse dinheiro em vez de títulos.

A incapacidade da economia neoliberal de diferenciar os fluxos que são rendas económicas sem custo de produção associado da produção efectiva, torna as Contas Nacionais a principal fonte de dados sobre a actividade económica nos EUA, extremamente enganosas. Pode-se dizer que a economia está a crescer porque os projectos de investimento financiados pela dívida pública aumentam as rendas ao longo das linhas de metro.

Os economistas do "mercado livre" da actualidade são diferentes dos clássicos da economia de livre mercado. Os economistas clássicos, como Adam Smith, entendiam um mercado livre como aquele em que a tributação libertava a economia de rendas económicas não tributadas. Na economia neoliberal, explica Hudson, "livre mercado" significa liberdade para extracção de rendas livres de impostos e regulamentações governamentais. E isso faz toda a diferença.

Consequentemente, a actual economia dos EUA é orientada por formuladores de políticas, incluindo a Reserva Federal, sobre a maximização rentista à custa do crescimento da economia real. O rendimento rentista mantém a economia produtiva num abraço de morte. A economia não pode crescer, porque o rendimento dos consumidores é sugado em pagamento de juros e taxas aos bancos, e não está disponível para o aumento das compras de bens e serviços reais.

Independentemente, cheguei à mesma conclusão de Hudson de que a economia neoliberal é um instrumento para retirar aos trabalhadores e aos produtores e transferir prémios à classe rentista. A economia neoliberal é um mecanismo predatório que justifica os rendimentos exorbitantes dos “Um Por Cento”, enquanto responsabiliza pela dívida crescente aqueles que força ao endividamento para sobreviverem. A virtude de Hudson é que ele explica o desenvolvimento histórico da dívida predatória e deixa claro que este é o status que os “Um Por Cento” pretendem para os restantes 99%. Ele ressuscita a economia clássica e reformula a teoria económica de acordo com os factos no terreno em vez dos interesses rentistas.

Hudson e eu somos co-autores, pelo que em tempos passados, teria sido inadequado para mim rever o trabalho de um colega. No entanto, os apologistas neoliberais dos “Um Por Cento” não vão se confrontar com os factos de Hudson. Como eu não acho que minha integridade ou a de Hudson esteja em questão, não tenho dúvidas em apresentá-lo a este importante trabalho.

Compre o livro. Leia-o e estude-o. Aprenda a superar a corrupta economia neoliberal.»