terça-feira, 30 de setembro de 2014

ARA ES L’HORA

Depois do referendo escocês e num contexto europeu cada vez mais fragmentado não é de espantar que a Catalunha insista também numa consulta popular sobre a mesma questão, como não será de estranhar que outras regiões coloquem o problema.

O que parece digno de referência é a diferença de atitude entre Londres e Madrid; enquanto o governo inglês não revelou hesitações na realização do referendo na Escócia, que a par com oferta de uma maior autonomia em caso de vitória do Não poderá ter valido a rejeição da independência, já o congénere madrileno tem optado por uma clara e frontal oposição à iniciativa.


A última das jogadas do governo de Mariano Rajoy passou pela recente declaração de inconstitucionalidade do referendo a promover na Catalunha, prontamente respondida pelos catalães com a convocação de manifestações de rua sob o “slogan” “Ara es l’hora” (Está na hora), conduzindo na prática a uma crescente tensão entre Barcelona e Madrid e reduzindo as hipóteses de entendimento entre as partes que levou mesmo o EXPRESSO a considerar a «Catalunha em rota de colisão com Madrid».

A resistência castelhana ao referendo tem reduzido substancialmente as hipóteses de entendimento com a comunidade catalã e, pior, poderá em última instância acirrar ainda mais os ânimos autonomistas, com profundos antecedentes históricos e culturais.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

PARADIGMA DO EMPREGO

No mesmo dia em foi possível ler num jornal nacional que o «Banco Mundial denuncia crise de emprego à escala global», ficávamos a saber por outro que «Em Portugal é mais fácil perder trabalho para uma máquina», facto profundamente preocupante quando perante a persistência dos sinais de mudança se insiste num paradigma laboral cada vez mais desadequado.

Há alguns anos que se vêem acumulando os sinais de mudança com as organizações cada vez mais empenhadas na redução dos custos de produção a optarem seja pela extinção pura e simples de postos de trabalho, seja pela redução de salários ou pela automação dos postos de trabalho. Enquanto se desenvolvem estes processos de redução das necessidades de mão-de-obra (uns mais forçados que outros) a sociedade em geral mantém a mesma perspectiva de abordagem que remonta à transição do século XVIII para o XIX e aos tempos da Revolução Industrial.


Mantendo o paradigma de vilanizar todos os que – na ausência reiterada de trabalho ou por opção própria – se não inserem num mercado de trabalho dito normal, transformando-os em párias da sociedade, não estaremos apenas a ostracizar uma parte dos cidadãos, tão digna quanto qualquer outra, mas principalmente a contribuir para o agravamento do mal-estar geral da sociedade e a escamotear o verdadeiro cerne do problema.

Tratar os sem-emprego como párias ou vadios inúteis desvia as atenções do facto das sociedade modernas se organizarem preferencialmente em torno do valor dinheiro, tratando os indivíduos como meras peças numa engrenagem concebida para a acumulação de lucros, esquecendo que, por manifesta escassez de mercados compradores, a pauperização de sectores cada vez maiores da sociedade só poderá culminar na redução desses lucros; no limite até as grandes empresas encerrarão por não encontrarem compradores para as mercadorias que produzem a custos ínfimos graças à redução dos postos de trabalho, dos salários ou da automação.

O reconhecimento desta espiral depressiva, agravada pelas elevadas taxas de desemprego-jovem e pela quase completa ausência de políticas que as contrariem, levou-me em tempos a escrever no “post«A CRISE, O EMPREGO E O RENDIMENTO», que «[c]omprovado o fracasso prático de estímulos fiscais e outras medidas pontuais, como forma de redistribuição da riqueza, torna-se cada vez mais óbvia a necessidade de trazer para o debate outras vias para o atingir. A primeira e mais óbvia – a do aumento generalizado dos salários – será naturalmente recebida pelas associações patronais e pelos defensores do liberalismo económico como mais uma inaceitável intromissão do Estado na esfera privada e no livre funcionamento do mercado; assim, só resta ponderar a hipótese de criação de um modelo assente na distribuição de um rendimento garantido, segundo o princípio do pagamento de um dividendo “per capita” em função do PIB.

Para quem comece já a questionar sobre a viabilidade de semelhante medida, recordo que modelos desta natureza estão actualmente em vigor e que um dos locais onde isso acontece é nos EUA, ou melhor no estado do Alasca, onde desde o início do processo de exploração petrolífera e como forma de tentar fixar definitivamente muita da mão-de-obra que para lá se deslocou para a realização das infra-estruturas petrolíferas, foi decidida a criação de um fundo (o Alaska Permanent Fund) alimentado pelas receitas das concessões petrolíferas cujo rendimento anual é distribuído pelos residentes.(…)A consagração universal do princípio da distribuição de um rendimento garantido não constitui apenas uma medida de combate à crise económica; será, além de uma medida de justiça social (o PIB resulta da contribuição de toda a população para a produção nacional, pois se os que têm emprego contribuem de forma directa, os que o não têm contribuem indirectamente por via do consumo), uma boa forma de começarmos a preparar-nos para um futuro em que, graças aos desenvolvimentos tecnológicos e aos ganhos de produtividade, dificilmente existirão empregos para toda a gente.»

Se já em Fevereiro de 2009 avancei a necessidade de equacionarmos novas abordagens para o problema da redistribuição da riqueza, agora que constatamos na prática os efeitos da fracassada “austeridade expansionista”, que somos alertados por um claro aviso do Banco Mundial e que a situação das elevadas taxas de desemprego-jovem não deixa perspectivar nada de muito positivo – em Janeiro de 2010, no “post«OS JOVENS NÃO SÃO “LEMMINGS”», deixei a dúvida de saber «[a]té quando iremos esperar para ver melhorar a situação das gerações que a nossa inépcia condenou (e continua a condenar) a vegetarem numa sociedade cada vez mais egoísta, onde os objectivos individuais continuam a sobrepor-se aos colectivos e onde os que não alcançarem o sucesso (que pode até ser apenas um trabalho digno e adequadamente remunerado) continuam a ser vistos como marginais. Quanto tempo sobreviverá uma sociedade onde as gerações futuras continuam a ser encaradas apenas como uma submissa reserva de mão-de-obra barata?» - quando se confirma que «Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de jovens que não estudam nem trabalham mais tem crescido», já estará esgotado o tempo de espera.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

CTTesouro

Na semana passada fomos informados, com a jactância e a presunção habitual, que numa operação mais ou menos secreta para o grande público (através dum IPO na Bolsa de Lisboa) foram os «CTT vendidos a "investidores do melhor que há"».

Depois de em final do ano passado ter começado a seguir o exemplo de Inglaterra e Bélgica, vendendo 70% do capital a 5,52€ por acção, acaba agora de completar o quadro vendendo o restante a 7,25€ por acção. Sem entrar em demais considerandos sobre a valia da alienação duma empresa que mais que prestar um serviço constitui (ou devia constituir) um património inestimável na prossecução do fundamental papel de coesão social, constata-se que o grande negócio se traduziu em “entregar” quase um 1/3 da empresa com um desconto superior a 7% (na véspera as acções dos CTT cotaram a 7,81€) aos tais “investidores do melhor que há”.


Depois de na primeira fase terem sido “premiados” o «Goldman Sachs e Deutsche Bank com 7% dos CTT» ao verem disponível uma valorização superior a 40% (diferença entre os 5,52€ a que compraram e os 7,81€ da cotação, sem falar na generosa distribuição de lucros), foi agora a vez doutros que como a «UBS e Fidelity Management compraram 2% dos CTT na segunda fase de privatização» compraram a desconto.

Quem seguramente não ficar a ganhar são as populações quando começarem a ver encerrar mais estações e a ter que pagar mais pelo serviço postal (a razão fundamental dos CTT), mas a que menos importa à actual administração e aos novos accionistas cujo verdadeiro interesse será o de aproveitar a reputação de credibilidade que, de norte a sul do país, gerações de trabalhadores garantiram para começar a impingir aos pequenos aforradores arriscados produtos financeiros em substituição dos confiáveis certificados de aforro a que estes estavam habituados, ou não fossem eles bancos e fundos de investimento.

E para quem julgue tudo isto natural também não deverá espantar que Sérgio Monteiro – o responsável governativo, com o cargo de secretário de Estado das Comunicações, que deveria ser o principal zelador do interesse geral mas se revela afinal mais preocupado com os negócios que se poderão concretizar a expensas desse interesse – tenha afirmado que o «"Exemplo dos CTT deve inspirar muitos outros grupos empresariais"».

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A ESCÓCIA PRESTES A VOTAR

É já amanhã que os escoceses vão decidir em referendo a sua continuação no seio da Grã-Bretanha e qualquer que seja o desfecho da votação, depois das notícias que asseguram que os «Principais partidos britânicos cumprem promessa de dar mais poderes à Escócia se o 'não' ganhar», nada continuará como dantes; se por um lado será de louvar o carácter dos escoceses…


…que souberam aproveitar as circunstâncias inauguradas com a aceitação pela UE de iniciativas independentistas como a do Kosovo, por outro estão a ser fomentadas as condições para que outras regiões europeias formulem idênticas intenções.


E agora que os dirigentes europeus escolham entre estas o mal menor…

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

COMPETITIVIDADE, PARA QUE TE QUERO?

Poucos dias volvidos sobre a grande notícia de que o «Portugal pós-troika voltou a ganhar competitividade», prontamente aproveitada por governantes e seus apoiantes (como quando o «CDS-PP diz que subida no ranking da competitividade é “prova de confiança” na economia») para venderem a ideia que tudo funciona como no melhor dos mundos.

O ministro da Economia, Pires de Lima, chegou a afirmar que a «Subida no ranking da competitividade prova que a "economia ganhou"»...


…algo que até em função da definição fixada pelos promotores do indicador (o World Economic Forum define a competitividade como o conjunto de instituições, políticas e factores que determinam o nível de produtividade dum país) deixa antever alguma melhoria num indicador muito utilizado na formação dos salários – a produtividade.

Pouco tempo antes desta “prova de confiança” na economia, foi notícia que o «Governo vai propor aumento do salário mínimo»; embora dando a “entender que pretende fixar o salário mínimo de forma plurianual e ligado a critérios de produtividade” seria de esperar algum reflexo positivo na fixação do novo valor.

Porém, ao ouvir agora a invocação do argumento que a «Queda de preços pode travar aumentos de pensões e salários», não se pode deixar de sorrir e lembrar outras aberrações históricas em torno da questão da evolução salarial, de que a mais moderna – a associação com a produtividade – nem sequer será a mais absurda.

Nesse capítulo, a palma de ouro terá que ser atribuída à famigerada ideia, lançada na década de 1980, de associar a evolução salarial à inflação esperada. Para se ter ideia do verdadeiro absurdo basta recordar que a inflação esperada é um indicador construído para a produção de projecções macroeconómicas (muito utilizado na elaboração do Orçamento do Estado), cujo resultado deriva mais das expectativas dos governos que da realidade económica, que conheceu o seu apogeu num período de regressão na evolução das taxas de inflação e que foi prontamente aproveitado pelas associação patronais para antecipar os ganhos resultantes dum crescimento mais reduzido dos salários.

Já a ideia de associar os salários à produtividade, aparentemente menos ridícula, esbarra na própria definição do indicador de comparação. A produtividade apenas pode ser avaliada “ex-post”, a sua determinação – rácio entre a quantidade de bens produzidos e a conjugação dos factores produtivos capital e trabalho – está longe de resultar num indicador consistente, pois basta uma ligeira alteração da composição dos factores capital e trabalho para originar resultados muito diferentes mas sempre independentes da vontade de quem apenas vende a força de trabalho, além de que pode (como o faz Carvalho da Silva no artigo «O empobrecimento competitivo» quando lembra que «[a]s roças de café de São Tomé e Príncipe já foram muito "competitivas"») ser associado a fases do capitalismo, como a esclavagista, julgadas extintas.

Em resumo: acalmem-se os que rapidamente aplaudiram o resultado da subida no ranking da competitividade do WEF, pois como escreveu Viriato Soromenho Marques no artigo «Futuro exíguo», “nenhum ranking internacional de competitividade substitui a decisiva missão da política, que é a de garantir o futuro da comunidade de destino a que chamamos Portugal e os que pensam ver na generosa oferta da subida do salário mínimo algum sinal de moderação na política económica e social deste governo, pois além do valor agora proposto não repor sequer o poder de compra perdido ainda se encontrará rapidamente limitado pela conjuntura deflacionista que (inexplicável na óptica ordoliberal imposta por Berlim) a Zona Euro atravessa.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

MAIS UM 11 DE SETEMBRO

Assinalar mais uma vez a data do 11 de Setembro ganha contornos dalguma novidade que nem nas terras do Tio Sam parece ter passado despercebido.


Após uma primeira fase onde se sucederam as iniciativas para um entendimento mais profundo dos factos e que contribuíram grandemente para o esclarecimento de muita da desinformação que desde a primeira hora rodeou o atentado contra as Torres Gémeas, processo que continua a ser regularmente alimentado por novas notícias, como a que assegura que «Treze anos depois, Egipto diz que EUA ignoraram alerta», contrariando a tese oficial que além de atribuir a responsabilidade à Al-Qaeda ignora factos controversos e mantém dúvidas fundamentadas sem resposta (ver a propósito os “posts«NINE ELEVEN Parte I», «NINE ELEVEN Parte II», «NINE ELEVEN Parte III», «11 DE SETEMBRO DE 2001» e «A PROPÓSITO DO 11 DE SETEMBRO»).

Consequência da inflexível postura neoconservadora foi ainda a catastrófica resposta que foram as invasões do Afeganistão e do Iraque, que poderão ter gerado milhares de milhões de dólares de lucros nos sectores económicos ligados à indústria militar e às múltiplas facetas da reconstrução que se lhe segue mas que alimentou igualmente o proselitismo dos radicalismo islâmico. Afinal as invasões e a panóplia de agressões e arbitrariedades que as acompanharam foram o que de melhor lhes podia ter acontecido pois passaram a constituir a comprovação da propaganda com que ambicionam incendiar a opinião pública islâmica.

Os recentes desenvolvimentos no Crescente Fértil, a entrada em cena dum novo actor (o ISIS) no já muito complicado xadrez geoestratégico na região e a inevitável comparação entre a sua génese e a da Al-Qaeda (ambos os movimentos receberem apoio mais ou menos formal de Washington para funcionarem como braço-armado ao serviço dos seus interesses conjunturais) não está a passar em claro, nem nos meios de comunicação norte-americanos.


E se algumas constituem referências mais ou menos discretas, outras apontam claramente a origem ao sector neoconservador que marcou a agenda política durante a administração de George W Bush colocando o surgir da besta na sua sombra directa e marcando uma possível flexibilização da opinião pública norte-americana sem reflexos ainda numa política externa que tarda em formalizar soluções duradouras e mantém o Mundo numa situação de insegurança, que apenas pode ser intencional!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

PROTECÇÕES

Ao contrário do que regularmente afirma a oposição do governo de Passos Coelho, nem tudo vai mal no País e há até sectores de actividade em franca expansão; nestes não bastará a menção que «Um terço das empresas de calçado cria mais empregos» pois até, pasme-se, o próprio sector público engrossa a lista dos criadores de emprego. E não se pense que se trata duma qualquer função subalterna ou insignificante.

Isto é tanto mais verdade quanto a notícia de que o «Estado contrata mais 63 guarda-costas para proteger ministros e juízes» é acompanhada da informação que só esse número de seguranças é indispensável para assegurar a protecção de três figuras cimeiras da administração pública - o Chefe de Estado, o Primeiro-Ministro e o seu vice – o que deixa perceber que cada um é permanentemente escoltado por 7 guarda-costas.


Ainda não teremos chegado aos níveis de premeditada militarização das forças policias que se vive nos EUA e a que me referi no “post” «CAPTURA DO QUOTIDIANO», mas o medo que grassa pelos corredores do poder, em Lisboa, pode ser medido também pela dimensão dos quadros do CSP (Corpo de Segurança Pessoal da PSP), que com as novas contratações ultrapassará as três centenas, número que será seguramente exíguo face aos padrões norte-americanos, mas que, para a dimensão e a celebrada bonomia do povo português, merece destaque e o conselho: cuidado, eles andam aí…

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O PAPEL DOS BANCOS CENTRAIS

Não são raras as vezes em que ao iniciar cada novo “post” me interrogo sobre a respectiva utilidade. Tal é a sensação de inutilidade que me assola de cada vez que volto a bordar questões como a das origens da crise das “dívidas denominadas em euros” ou pretensas soluções como a da “austeridade-expansionista”, que não poucas vezes tenho ponderado desistir de remar contra a maré, guardando para minha exclusiva saciedade intelectual as ideias e argumentos que aqui vou alinhavando.

O pensamento unificado, aceite e reconhecido, exercido na Europa sob a égide da escola ordoliberal alemã, tudo tem estiolado em redor; seja por convicção dos comentadores, por estipêndio directo (como diria Baptista Bastos) ou na expectativa de dele vir a beneficiar, raras são as excepções na quebra da regra: na imprensa nacional não há lugar à apresentação de teses ou hipóteses contrárias aos magnânimos benefícios e à sacralizada receita austeritária, para exorcismo dos satânicos malefícios do Estado ou para a mera cura através do seu emagrecimento.


Ainda assim, lá vai surgindo uma ou outra voz contra a corrente, como é o caso do artigo «Acabar o Euro» assinado por Marco Capitão Ferreira no ECONÓMICO, onde o autor repesca um artigo de opinião de Mark Blyth (o consagrado autor de “Austeridade – uma ideia perigosa”) e Eric Lonergan (gestor dum “hedge fund”), publicado na reputada FOREIGN AFFAIRS (ver «Print Less but Transfer More - Why Central Banks Should Give Money Directly to the People»), que começa por questionar o modelo de financiamento através do sistema bancário e acaba por concluir que um modelo de financiamento directo a empresas e famílias, numa conjuntura onde coexiste uma capacidade de produção longe de esgotada e uma procura reduzida, não gerará inflação e ainda apresenta a vantagem de não contribuir para a formação de bolhas especulativas induzidas pelo próprio sistema financeiro.

Enquanto Blyth e Lonergan denunciam a evidente incapacidade dum sistema financeiro, assoberbado pela necessidade de financiar as estratégias especulativas que pratica, para assegurar a função de financiamento à economia e apelam a uma intervenção directa dos bancos centrais na economia, Marco Capitão Ferreira transpõe aquele raciocínio para a Zona Euro e deixa no ar a questão da continuidade da moeda única sem reajustamentos nas suas regras originais quando afirma que «(s)e não acabarmos de construir o euro acabamos com o euro, e por essa via, fazemos perigar o projecto europeu nascido nos escombros da II Guerra Mundial», mas queda-se sem adiantar o que faltará fazer.

É aqui, com redobrada razão, que agora urge levar a discussão da reformulação do Euro a um patamar diferente do habitual e além de questionar o modelo de governação do BCE (organismo sem o indispensável controlo democrático) ou algumas das regras que espartilham uma efectiva intervenção da economia da Zona Euro, avançar sem receio no sentido de retirar o monopólio do financiamento da dívida pública ao sistema financeiro, permitindo que as necessidades de cada Estado sejam directamente financiadas pelo BCE (no mínimo até ao limite dos 60% do PIB) e a um custo inferior ao dos bancos, em lugar de insistir em soluções gizadas em exclusivo benefício do sistema financeiro. Assim o recente anúncio de que «Super Mario surpreende o mercado e corta taxa de juro para novo mínimo histórico de 0,05%» ou de que «BCE põe em marcha a compra de activos para estimular a economia», constituem uma repetição infrutífera das panaceias já ensaiadas. Continuando por realizar uma avaliação rigorosa e imparcial dos activos tóxicos (derivados e demais produtos estruturados) nas carteiras dos bancos, as necessidades de capital dum sistema financeiro exaurido pelas crescentes imparidades (quer as que resultam das estratégias especulativas quer as que derivam do aumento do incumprimento) são de tal monta que estes absorverão a quase totalidade dos “estímulos” que o BCE destina ao relançamento da economia, facto que reforça a credibilidade duma solução que leve os bancos centrais a repor liquidez na economia através dos orçamentos públicos e das indispensáveis políticas públicas orientadas para o desenvolvimento e crescimento económico, únicas capazes de inverter uma conjuntura onde a «Zona euro estagna com investimento privado em queda» e de combater as elevadas taxas de desemprego.

Quando até já se reconhece que tem andado o «BCE sempre um passo atrás, em relação aos outros bancos centrais» e que os novos programas de compra de activos se resumem a uma situação onde «Draghi testa novas armas para evitar comprar dívida soberana», com os quais espera evitar as críticas alemãs, começa a trilhar-se um caminho (é certo que tortuoso) que apenas pode culminar no abandono definitivo das teses que reduziram o papel do BCE ao de controlador da inflação e abrir espaço para a redefinição das suas funções enquanto Banco Central do Euro.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

A ÉTICA NO DIA-A-DIA

A notícia de que um «Ex-secretário de Estado do MAI é sócio do escritório que defendeu a empresa que ganhou concurso dos fogos» não deveria constituir novidade, tal é o estado a que chegaram os padrões de ética a que nos habituaram os nossos governantes; de tão corriqueira nem mereceria especial atenção não fosse a notícia incluir explicações do próprio que de tão canhestras acabam por o prejudicar, mais que ilibá-lo.


A polémica surge na sequência dum concurso para a adjudicação de meios aéreos para o combate de fogos florestais, envolve uma empresa nacional que venceu o concurso depois de ter visto alterados os pressupostos que contestou em tribunal e o escritório de advocacia que assessorou a empresa e de que o ex-membro do governo é agora sócio.

Pese embora a notícia nunca refira qualquer dúvida sobre a isenção do concurso (antes refere o facto do MAI não ter seguido o parecer doutro gabinete de advocacia e não ter contestado a decisão desfavorável do tribunal), na explicação disponibilizada por Lobo D’Ávila (o ex-secretário de estado em questão) o argumento fundamental radica no facto deste afirmar que “Não tomei qualquer decisão no âmbito dos concursos”, como se o facto de ser o ministro da pasta a assinar o documento o excluísse de qualquer intervenção ou o eximisse de toda e qualquer responsabilidade.

A resposta longe de convencer, transmite antes a imagem de quem se sente comprometido e julga, como é próprio de quem se move num mundo de interesses fluidos e que não atribui a importância devida a princípios éticos, que qualquer desculpa servirá.