segunda-feira, 13 de março de 2006

ESTARÁ PRÓXIMA UMA GRANDE CRISE MUNDIAL?

No post anterior abordei a candente questão do dossier nuclear iraniano que esta semana será motivo de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU. Apesar de continuar por provar que o Irão estará a desenvolver um programa nuclear com outros objectivos que não os previstos no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (a serem verdadeiras as asserções ocidentais há várias décadas que o Canadá também já disporia daquele tipo de armamento) e de aparentemente todos os intervenientes continuarem a falar no recurso à via diplomática para a resolução desta crise, existem razões de sobra para que o seu desfecho possa ser diferente.

Numa questão desta natureza e no actual estado das relações internacionais (e em especial nas que respeitam a uma zona tão sensível como o Médio-Oriente) ninguém poderá deixar de pensar na hipótese de outros desenvolvimentos que conduzam a uma escalada, como na passada semana muito bem referiu o ministro dos negócios estrangeiros português, Freitas do Amaral, que há TSF admitiu «…a existência de «dois pesos e duas medidas» por parte do Ocidente no caso do conflito do Médio Oriente».

Este receio é aliás partilhado por outras personalidades e organizações que a nível mundial reflectem sobre problemas geopolíticos e governância. Entre estes conta-se o LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE (LEAP) que recentemente difundiu um trabalho que alerta para a forte probabilidade de ocorrência de uma grande crise mundial, de dimensão comparável à que ocorreu em 1989 com a queda da Cortina de Ferro.

Fundamentando esta hipótese avançam a concretização próxima de dois acontecimentos:
1- a entrada em funcionamento no próximo dia 20 de Março em Teerão de uma bolsa de cotação de produtos petrolíferos denominada em Euros;
2- a decisão da Reserva Federal americana (FED) de cessar no próximo dia 23 de Março a publicação do agregado monetário M3 (o indicador mais fiável sobre o volume de dólares em circulação no mundo por incluir informação sobre os dólares emitidos, depositados em contas bancárias à ordem e a prazo, em certificados de depósitos e as reservas em eurodólares e na maior parte dos outros países) perdendo-se assim a informação sobre o volume de dólares existente.

Para melhor se entender a dimensão destas medidas recorde-se que com a possibilidade de negociar contratos sobre produtos petrolíferos noutra moeda que não o dólar, este tenderá a perder importância enquanto divisa internacional e valor no mercado cambial, algo que nenhuma administração americana aceitará de forma passiva. Já a decisão de suspensão de publicação do M3 servirá para esconder o aumento de moeda americana em circulação (fenómeno já em curso e que se aproxima de uma situação de monetarização da enorme dívida americana, i.e. o FED estará já a financiar a economia americana através do aumento de notas de dólar em circulação), facto que também tenderá a traduzir-se na respectiva desvalorização.

A este cenário económico-financeiro preocupante haverá ainda que somar a possibilidade do Irão vir a produzir um arsenal nuclear, facto que os EUA não estarão dispostos a deixar que aconteça (apesar de tal possibilidade poder estar a anos de distância e de as respectivas quantidades dificilmente poderem ser consideradas ameaçadoras para a dimensão dos arsenais nucleares americano e israelita), seja por necessidade de protecção a Israel, seja por necessidade de afirmação e de subjugação do Irão (note-se que neste momento o regime dos ayatollah está a jogar em três tabuleiros simultaneamente: o económico, com a criação da bolsa denominada em Euros, o militar, com a possibilidade de vir a tornar-se uma potência nuclear, e o diplomático, quando mantém abertos os canais de diálogo e vai fazendo lembrar a sua importância no fornecimento de petróleo às economias emergentes da China e da Índia).

Se a este intrincado cenário adicionarmos o facto de há pelo menos dois anos o Pentágono dispor de planos tácticos e estratégicos que prevêem a utilização de armamento nuclear táctico em situações de guerra preventiva (como passaram a ser conhecidas sob a administração de George W Bush as acções de intervenção militar americanas), do esforço que tem vindo a ser desenvolvido para persuadir a opinião pública de que aquele tipo de armamento é seguro e quase inócuo e das recentes declarações do presidente francês, Jacques Chirac que deixaram subentendida a hipótese de utilização do seu arsenal nuclear, parecem estar a ser criadas condições para as opiniões públicas aceitarem um possível cenário de conflito.

Sendo certo que as inflamadas declarações dos líderes iranianos também não ajudam, com particular destaque para as do presidente Mahmud Ahmadinejad, convém não deixar de as entender em duas dimensões distintas: a forma discursiva floreada e arrebatada própria da sua cultura e a necessidade de mobilização das populações perante um “inimigo” externo que ajude a suportar as suas difíceis condições de vida. A repetição de discursos contra os EUA e Israel e o apoio iraniano a movimentos guerrilheiros, como o Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano, tem também sido habilmente explorado por americanos e judeus para justificar a necessidade de acções militares.

Contrariamente ao ocorrido há cerca de 3 anos aquando da preparação da operação contra o Iraque, os “falcões” Cheney e Rumsfeld parecem dispor de apoio tácito ou implícito da NATO, restando agora esperar para conhecer os desenvolvimentos que resultarão da próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU.

Em qualquer caso a probabilidade dos EUA verem, mais tarde ou mais cedo, aprovados os seus plano de bombardeamentos cirúrgicos, com armamento nuclear táctico é suficientemente elevada para ser contemplada e merecer toda a atenção possível, bem como uma muito cuidadosa avaliação uma vez que a abertura de hostilidades contra o Irão será seguramente seguida de resposta directa (seja mediante retaliação contra Israel e posições americanas no Médio-Oriente) ou indirecta, a qual poderá assumir a forma de escalada dos atentados no Iraque, ou mediante recurso ao Hezbollah, ao Hamas, ou a outros grupos que poderão visar alvos e interesses norte-americanos nas mais diversas partes do mundo.

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