domingo, 29 de abril de 2007

AS UNIVERSIDADES PRIVADAS EM PORTUGAL

Na sequência do caso da Universidade Independente, têm-se sido constantes as notícias, em jornais, na Net e na televisão, sobre as universidades privadas.

Não que o caso da investigação de fraudes e de acusações de gestão danosa que têm rodeado aquela universidade constitua um caso de novidade - para os menos atentos sempre recordo que desde a criação da primeira universidade privada, a Universidade Livre em 1979, estas instituições se têm visto rodeadas de casos que de uma forma ou outra têm manchado a sua reputação (e as de proprietários e seus académicos) e contribuído para alguma da reserva com que muita gente as olha – mas porque a par destas, outras questões têm surgido.

O polémico caso das equivalências atribuídas pela Universidade Independente ao actual primeiro-ministro foi apenas mais uma gota de água num oceano de controvérsias que agora ameaça alastrar, pelo menos a avaliar por notícias como esta do
PORTUGAL DIÁRIO, que entre outras anomalias na Universidade Moderna refere a ausência de livros de termo[1]; leia-se o corpo da notícia e verifique-se como antigos professores daquela escola afirmam não terem assinado tal documento.

Esta falta de credibilidade, cada vez mais trazida a público, poderá ser uma das razões para o declínio no número de alunos que aquelas escolas vêm registando; não será o único, mas é importante.

Apesar desta instabilidade parece manter-se intacto o enorme interesse que este tipo de negócio desperta em vastos sectores da sociedade, só assim se compreendendo que quase todas as universidades que resultaram da implosão da Livre – a Autónoma, a Moderna, a Lusíada, a Portucalense e a Independente (esta depois de uma cisão ocorrida na Autónoma) – já tenham conhecido a sua quota parte de “problemas”[2] e que os seus responsáveis continuem impunemente a dirigir umas e a criar outras, como se uma tarefa tão vital quanto a da formação de quadros superiores em Portugal possa ser encarada de forma tão leviana como as disputas pela direcção do clube de futebol ou de xadrez do bairro.

Se recordarmos que as personalidades envolvidas nos múltiplos “casos” e escândalos que têm rodeado o ensino universitário privado em Portugal orbitam num circulo restrito (onde coabitam o mundo académico, o da política e o empresarial), que muitas delas têm, tiveram e/ou terão responsabilidades governativas, as possíveis razões para esta sucessão de casos talvez comecem a ficar um pouco mais claras.

Se a este dado juntarmos um aumento desenfreado na concorrência entre escolas, fruto da redução do número de alunos (facto perfeitamente explicável pela estrutura da pirâmide etária nacional) e das alterações legais que desde há uns anos eliminaram a escandalosa possibilidade de frequência universitária aos alunos do ensino secundário sem classificação positiva nos exames nacionais, e a consequente diminuição dos proveitos, começaremos a olhar para o problema sob uma nova perspectiva e talvez a formular questões inquietantes.

Porque é que o Estado (enquanto organismo a quem compete a supervisão do sistema nacional de ensino) pouco ou nada tem feito para normalizar esta situação?

A resposta correcta não me parece que resulte de considerandos sobre o tradicional imobilismo da função pública, nem deverá ser explicável apenas pela existência de evidentes conflitos de interesses no seio da comunidade académica (muitos dos professores exercem as suas funções indistintamente em universidades públicas e privadas) mas procurada numa demasiado evidente promiscuidade entre quem gere/dirige a actividade das universidades privadas e o poder político. Só assim se tornam compreensíveis as “aparições” de figuras como Paulo Portas, Santana Lopes, Marques Mendes e José Sócrates[3], que mais que desenvolverem uma actividade docente (ou outro tipo de parceria com a universidade), servirão para assegurar a continuidade das respectivas universidades.

Se nem esta espécie de “protecção” eliminou a existência de mecanismos de controlo e acompanhamento da actividade das universidades e se as “anomalias” são conhecidas, porque é que os relatórios de avaliação das universidades nunca conduziram à aplicação e qualquer tipo de sanções?

A resposta a esta questão é simples, e prende-se apenas com o facto dos inspectores apresentarem relatórios suficientemente dúbios[4] para não justificar qualquer tipo de intervenção. Isto é ainda mais inquietante e revelador da forma como funciona a nossa sociedade, a teia de influências vai garantindo a impunidade a quem consiga gravitar na “esfera dos poderosos”.

Por último, como se pode explicar que em todo este conturbado processo de constituição de universidades privadas seja possível ver circular entre elas as mesmas personalidades académicas e empresariais sem que até ao momento tenha sido efectuada qualquer investigação? Como se explica a, quando existe uma tão empenhada campanha na luta contra o branqueamento de capitais, a quase omnipresença de empresários africanos nos bastidores destas universidades, sem que até ao momento isso tenha levantado junto das entidades responsáveis qualquer curiosidade?

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[1] O livro de termo é o documento onde o professor “lança” a nota da cada aluno e que em caso de dúvida futura funcionará como prova.
[2] Normalmente associados a lutas internas pelo controlo e direcção das “sociedades” gestoras das universidades.
[3] Sócrates não exerceu a actividade de professor na Universidade Independente, mas segundo o próprio afirmou foi para tal convidado logo que concluiu ocurso.
[4] Recorde-se o que assistimos há umas semanas no programa PRÓS E CONTRAS, da RTP, quando a jornalista afirmou que inspectores lhe haviam confidenciado o mau funcionamento a Universidade Independente e um dos intervenientes leu as conclusões do referido relatório, que nada de grave apontava.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

PORTUGAL – UM RETRATO ECONÓMICO

Que melhor oportunidade para reflectirmos sobre a nossa situação que a data em que se assinala a passagem de mais um ano sobre o fim do Estado Novo.

Como muito a propósito nos vem recordando António Barreto no seu «PORTUGAL – UM RETRATO SOCIAL», documentário que a RTP está a exibir, muito mudou no nosso país nestes últimos trinta anos. Porém, como o próprio reconhece, muito continua a precisar ser mudado!

Entre as muitas coisas que caberiam mudar, conta-se uma que pela sua relevância deve merecer a melhor atenção de todos nós – a repartição da riqueza.

Esta questão, que a todos interessa porquanto dela deriva o seu rendimento pessoal, é considerada por muitos especialistas como uma das questões chave para entender o desenvolvimento das nações.

Os defensores do pensamento económico neoliberal sustentam que por via da concentração da riqueza das nações num número reduzido de pessoas a poupança crescerá e, consequentemente, o investimento aumentará, originando o crescimento económico.

Tratando-se esta da opinião dominante entre os governos da U.E., entre os quais se incluem os portugueses, importa confirmar a respectiva validade; para isso vamos utilizar dados estatísticos do Eurostat e do INE para verificarmos aquele axioma.

Começando por analisar as variações salariais entre 1996 e 2004, constata-se que não só Portugal continua a apresentar salários muito inferiores à média da U.E. (qualquer que se considere o universo observado) como durante o período esse desequilíbrio ainda se agravou.

Fazendo fé no axioma neoliberal e nos dados anteriores, era expectável que o investimento em Portugal tivesse aumentado, porém, a avaliar pelas contas publicadas pelo INE o que se verificou entre 2001 e 2005 foi uma redução daquela variável superior a 15%.

Paradoxalmente, ou talvez não, este fenómeno foi há muito explicado pela teoria económica (principalmente por John Maynard Keynes e pelos seus seguidores) e pela realidade prática; aquele economista anglo-saxónico defendeu mesmo a importância do papel do Estado na condução da política de investimento em clara oposição às correntes liberais que privilegiam a “bondade” da iniciativa privada.

Deixando as minudências da informação estatística (muito bem expostas no artigo «AS GRAVES DESIGUALDADES NA REPARTIÇÃO DA RIQUEZA EM PORTUGAL SÃO UM OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS», de Eugénio Rosa) mas retendo o essencial do que quase todos sentimos no nosso dia-a-dia, pode-se concluir que a opção por uma política que ostensivamente tem beneficiado os segmentos mais abastados da nossa economia, longe de contribuir para o crescimento económico, que todos os actores do nosso espectro político afirmam pretender (e prometem de forma desbragada e desavergonhada), tem-se apenas traduzido no empobrecimento da esmagadora maioria da população nacional (segundo afirma Eugénio Rosa no artigo citado «...entre 2001 e 2004, o número de vezes que o rendimento dos 20% mais ricos da população é superior aos 20% mais pobres aumentou, em Portugal, de 6,5 para 7,2 (portanto + 0,7), enquanto a média dos 25 países da União Europeia cresceu de 4,5 para 4,8 (portanto +0,3)»).

Este problema da quebra do investimento pode igualmente ser associado a um outro chavão do recorrente discurso político nacional - a produtividade.

A pretexto de tudo e de nada não existe político que se preze que não recorra à famigerada produtividade (ou à sua ausência) para sustentar a necessidade de reformas, para justificar o aumento do número de falências e o crescimento do desemprego e, até, a falta de competitividade da economia nacional. Fazendo fé nestes discursos, infere-se que a generalidade da população trabalhadora nacional simplesmente não trabalha, e isso é o que se pretende para justificar uma política de distribuição da riqueza desequilibrada e desadequada.

Como muito bem expôs Palhinha Machado, num artigo publicado em 2005 na revista ECONOMIA PURA, para ultrapassar as dificuldades criadas pela complexidade dos modos de produção o que se passou a medir «...não era mais a produtividade do trabalho directo, mas a produtividade do total dos factores (organizados de uma forma não explicitada), inevitavelmente sujeita ao “ruído” gerado pelos preços relativos»; por outras palavras o que é avaliado pelo indicador produtividade é uma combinação de factores produtivos (que desde os tempos de Adam Smith[1] e David Ricardo[2] são conhecidos por trabalho e capital), logo influenciada pela maior ou menor importância de factores como a inovação e a automação (ou mecanização) os quais dependem estritamente do investimento realizado.

Como por milagre (fenómeno inexistente na economia real) voltámos ao início dos nossos problemas - o investimento, ou melhor, no caso português a sua ausência.

Mesmo correndo o risco de poder ser acusado de simplismo, tudo, ou quase tudo, se resume à constatação de que o muito que falta mudar passa fundamentalmente por uma política orientada para os interesses gerais dos portugueses em detrimento da que vem sendo aplicada, que além de apenas beneficiar uma franja ainda se revela profundamente prejudicial ao conjunto.

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[1] Adam Smith (1723 — 1790) foi um economista e filósofo escocês, considerado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo económico. Autor de "A RIQUEZA DAS NAÇÕES", a sua obra mais conhecida e que continua a ser uma obra de referência para gerações de economistas, procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da actuação de indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse egoísta (self-interest), promoviam o crescimento económico e a inovação tecnológica.

[2] David Ricardo (1772 — 1823) é considerado um dos principais representantes da economia política clássica. Influenciado por Adam Smith (A RIQUEZA DAS NAÇÕES) publicou “PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA E TRIBUTAÇÃO”, que o consagrou como o grande nome da Economia Política Clássica, junto com Adam Smith. A ele se deve o teoria do valor-trabalho e teoria das vantagens comparativas constitui a base essencial da teoria do comércio internacional.

AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Poema de José Carlos Ary dos Santos

segunda-feira, 23 de abril de 2007

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Os livros nunca serão velhos, nem demais...

pelo menos enquanto a nossa sociedade persistir na glorificação de conceitos totalmente deturpados (como o do sucesso fácil e por qualquer via), os nossos governos fingirem dedicar grande empenho na melhoria das nossas condições de vida (aqui mesmo ao nosso lado, em Alpiarça, a ministra da cultura inaugurou hoje a nova Biblioteca Municipal) e os suportes de difusão cultural (livros, discos e filmes) continuarem a ser fiscalmente onerados como se de artigos de luxo se tratassem.

domingo, 22 de abril de 2007

PARANOIA

Enquanto os eleitores franceses começam hoje a decidir sobre o seu futuro presidente, perfila-se um cenário de eleição de um candidato que tem singrado no panorama político fazendo alarde de posições quase xenófobas – quem já esqueceu as suas intervenções enquanto ministro do interior, durante os conflitos do Outono de 2005 que incendiaram as principais cidades francesas, quando classificou os manifestantes de «escumalha» e afirmou que se tratava de uma «máfia de bandos organizados», factos que mais tarde os relatórios da própria polícia não confirmariam, as alterações introduzidas em 2006 no direito à imigração, traduzidas no endurecimento das condições para a regularização dos imigrantes ilegais e do reagrupamento familiar e a proposta de lei visando a prevenção da delinquência e a repressão sobre a difusão de imagens violentas através da Internet, que a Liga ODEBI[1] denuncia como um pretexto para impedir a difusão de imagens sobre a violência policial – e o mal clarificado envolvimento no processo de venda de fragatas a Taiwan, ocorrido durante a sua passagem em 2004 pelo cargo de ministro da economia.

A muito provável “viragem” mais à direita da França, não sendo nada de espantoso, pode ainda assim constituir mais um episódio naquela que parece ser uma tendência actual para o aumento das correntes nacionalistas.

Veja-se a este propósito o que actualmente ocorre na Polónia onde, ao abrigo de uma lei aprovada em Outubro de 2006, altos funcionários, advogados, professores, reitores e jornalistas têm até 15 de Maio para declarar se alguma vez colaboraram com os antigos serviços de segurança comunistas. Os que se recusem a fazê-lo ou prestem falsas declarações serão impedidos de exercer a sua profissão por um período de dez anos.

Embora para muitos portugueses isto não constitua uma novidade absoluta – os mais velhos que tenham exercido funções públicas durante o Estado Novo também tiveram que assinar declarações idênticas e quem, como o Professor Agostinho da Silva, se recusou a fazê-lo viu-se afastado dos seus postos de trabalho – nem por isso a ocorrência de desmandos desta natureza pode passar sem repúdio.

Com a crescente paranóia securitária e nacionalista, que Ignacio Ramonet, no editorial que mensalmente assina no LE MONDE DIPLOMATIQUE, compara com o macartismo[2] e conclui que o reduz a um anticomunismo amador, ainda acabaremos por ver ombrear na galeria dos infames, nomes como os dos gémeos Kaczynski (Lech, o presidente e Jaruslaw, o primeiro ministro da Polónia) e o de Sarkozy, o provável presidente francês; isto para ficarmos pelos limites da actual União Europeia…
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[1] A Liga ODEBI é uma associação de internautas destinada à defesa dos seus direitos, cuja designação resulta de um jogo de palavras sobre “haut débit” (alto débito) .

[2] Nome pelo qual ficou conhecida a política surgida nos EUA na década de 1950, caracterizando-se pelo combate às "actividades anti americanas", surgida em pela Guerra Fria; a designação teve origem no nome do senador republicano Joseph McCarthy, cuja paranóia o levou a acusar milhares de americanos, entre os quais Albert Einstein, que emigrara para os EUA fugindo da perseguição do regime nazi, de serem comunistas. A "caça às bruxas", como ficou conhecido esse período, perdurou até que a própria opinião pública americana se começou a indignar com as flagrantes violações dos direitos individuais, graças em grande parte, a actuação do jornalista Edward R. Murrow na rede americana de TV CBS (ver o excelente filme «Good Night, and Good Luck»), o que levou McCarthy ao ostracismo. (adaptado de Wikipedia).

sexta-feira, 20 de abril de 2007

VIVEMENT DIMANCHE [1]

Este fim-de-semana disputa-se a primeira volta das eleições presidenciais francesas. Não fosse este um dos países centrais nas formulações (e reformulações da “política” europeia) e talvez pouca gente prestasse atenção a este acontecimento.

Para quem acompanhe mais atentamente a evolução da situação política francesa e ainda recorde o que aconteceu em 2002 - quando contra todas as previsões Jean-Marie Le Pen, o putativo candidato da extrema direita, passou à segunda volta - talvez não seja displicente mostrar como alguns antevêem o confronto entre a Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy...

tanto mais que nunca se sabe se François Bayrou, o “outsider” na disputa, não poderá provocar uma grande surpresa.

Entre os que primeiramente chamaram a atenção para esta possibilidade contam-se alguns jornais ingleses, como o FINANTIAL TIMES ou THE GUARDIAN, que já em finais de Fevereiro levantavam esta hipótese.

Quem sabe se do combate entre um Sarkozy, campeão do liberalismo e apologista de uma política musculada, e uma Royal, que promete realizar reformas de modo indolor, não poderá emergir um Bayrou que apenas se distingue por ser diferente?
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[1] Homenagem a François Truffaut (realizador de cinema – 1932/1984)

quarta-feira, 18 de abril de 2007

A HIPOCRISIA DO HORROR

Na sequência do massacre de uma trintena de pessoas num “campus” universitário americano (mais um “incidente” na sequência de outros, como o de Columbine que em 1999 ceifou a vida de 12 alunos do liceu local) a imprensa prontamente fez eco das declarações de George W Bush; de acordo com o PUBLICO a porta-voz da Casa Branca informou que o presidente “está horrorizado e a sua primeira reacção foi de profunda preocupação com as famílias das vítimas, as próprias vítimas, os estudantes, os professores e todos na Virgínia que lidaram com este incidente chocante”.


Louváveis e muito humanas declarações não fossem elas atribuídas ao presidente de um país que desde meados do século passado tem vivido de uma economia de guerra (a seguir à devastadora II Guerra Mundial, os EUA não hesitaram em envolver-se em mais duas guerras regionais – Coreia e Vietname - em apoiarem sanguinários golpes militares em África e na América Latina e mais recentemente procederem à invasão do Afeganistão e do Iraque) e mantido o princípio de venda livre de armas automáticas no seu território.

Se sempre será possível encontrar alguma explicação para aqueles conflitos, responsáveis por milhões de mortos, é cada vez mais difícil encontrar justificação para esta sucessão de mortes absolutamente gratuitas e inúteis, salvo para os subscritores de uma iníqua política patrocinada pela NRA – National Rifle Association, que se tem mantido inflexível na defesa do direito à posse de arma, sob o argumento de se tratar de um exercício de liberdade protegido pela Constituição Americana.

A aparente estranheza de tudo isto ganhará novos contornos se recordarmos mais dois pormenores:

  1. a enorme contradição que existe na defesa de um proclamado direito constitucional de uso e porte de arma quando os EUA são hoje um país onde os princípios de liberdade de expressão e de opinião têm sofrido sucessivos golpes às mãos dos poderes públicos desde o 11 de Setembro de 2001;
  2. a incapacidade que a generalidade dos cidadãos americanos revelam em associar a crescente frequência destes massacres com as políticas governamentais de glorificação e fomento das intervenções bélicas;

perante isto, as conhecidas ligações entre a administração Bush e a NRA não serão mais que apenas uma pequena justificação para a manutenção de um “satus quo” particularmente benéfico aos objectivos e necessidades do “lobby” militar-industrial que de forma mais ou menos evidente tem dirigido o país nas últimas décadas.

domingo, 15 de abril de 2007

QUEM O MAU AMA... BOM LHE PARECE

É o que parece inferir-se da notícia do FINANTIAL TIMES que dá nota das “dificuldades” que atravessa o presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, para justificar as teias que teceu para a “promoção” de uma funcionária daquela instituição, de nome Shaha Riza, com a qual estará «romanticamente envolvido» (sic).

Como se não bastasse o facto de Wolfowitz ter usado e abusado de uma posição privilegiada no seio de uma organização cuja liderança alcançou graças ao “bom trabalho” desenvolvido junto de George W Bush como seu subsecretário de estado para a Defesa e não por comprovado mérito técnico ou científico, ainda se constata que o referido personagem parece disposto a enfrentar tudo e todos ao recusar-se a pedir a demissão do cargo.

A gravidade do caso “Wolfowitz-Riza” não se resume a uma mera situação de óbvio favorecimento, na medida em que ocorre no interior de uma organização cuja principal objectivo é o de ajudar os governos dos países menos desenvolvidos a implementar projectos de desenvolvimento que contribuam para a melhoria das condições de vida das suas populações, perante os quais deve ser reconhecida como isenta e acima de qualquer suspeita... principalmente quando diz querer combater a corrupção entre esses governos.

Por isso mesmo, segundo o LE MONDE, a comissão de trabalhadores do Banco Mundial já veio a público pedir a demissão do presidente, nas vésperas da assembleia semestral; porém, tratando-se de um cargo de nomeação política é quase obrigatória a anuência da administração Bush para que Wolfowitz seja demitido.

A BBC noticia que Wolfowitz já terá reconhecido publicamente que errou e aceite agir em conformidade com a decisão do conselho de direcção, mas é bem claro que está a jogar no apoio claro do seu “amigo” Bush; tanto que talvez nunca tenha estado tão adequada esta imagem:


sábado, 14 de abril de 2007

COM JUÍZES DESTES NÃO VAMOS LÁ...

Foi notícia esta semana um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou o jornal PUBLICO ao pagamento de uma indemnização ao Sporting Clube de Portugal por em 2001 ter divulgado que aquele clube tinha uma dívida ao Estado de 460 mil contos (cerca de 2,3 milhões de euros).

Após sucessivas decisões desfavoráveis nas instâncias inferiores, e de que o Sporting foi recorrendo, eis que o Supremo emite um acórdão em cujo sumário se pode ler:

«1- A capacidade de gozo das pessoas colectivas abrange os direitos de personalidade relativos à liberdade, ao bom-nome, ao crédito e à consideração social.
2- A eficácia dos meios de publicação informativa deve ter por contraponto os máximos rigor e cautela na averiguação da realidade dos factos que divulgam, sobretudo quando essa divulgação, pela natureza do seu conteúdo, seja susceptível de afectar aqueles direitos.
3- O conflito entre o direito de liberdade de imprensa e de informação e o direito de personalidade - de igual hierarquia constitucional - é resolvido, em regra, por via da prevalência do último em relação ao primeiro.
4- Ofende o crédito da pessoa colectiva a divulgação jornalística de facto susceptível de diminuir a confiança nela quanto ao cumprimento de obrigações, e o seu bom-nome se for susceptível de abalar o seu prestígio ou merecimento no respectivo meio social de integração.
5- Ofende ilícita e culposamente o crédito e o bom-nome do clube de futebol, que disputa a liderança da primeira liga, sujeitando os seus autores a indemnização por danos não patrimoniais, a publicação, em jornal diário citadino conceituado e de grande tiragem, da notícia de que resulta não ser o visado cumpridor das suas obrigações fiscais e a conduta dos dirigentes ser passível de integrar o crime de abuso de confiança fiscal.
»

mas em cujo texto (extenso) se confirma que a dívida de facto existia, embora o incumpridor afirmasse desconhecê-la.

O acórdão, no final do seu ponto 3, considera que o «...prestígio coincide com a consideração social, ou seja, o merecimento que as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, têm no meio social, isto é, a respectiva reputação social» e conclui que é «...irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo»

Perante uma decisão desta natureza – onde por mais correcta que possa ser a fundamentação legal – nenhum conselheiro conseguirá convencer qualquer honesto cidadão da “justiça” daquela decisão, tanto mais que como sugere a argumentação o facto relevante deixa de ser a confirmação da VERDADE, para passar a ser a CONSIDERAÇÃO SOCIAL e o MERECIMENTO NO MEIO SOCIAL.

Assim, se no entendimento dos doutos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça o importante são factores de natureza social (e o mérito de um clube de futebol é superior ao de um meio de comunicação), quem se poderá espantar com a falta de credibilidade do sistema judicial português?

Quem, de boa fé, poderá esperar ver debelada a vaga de suspeição que impera sobre a nossa sociedade (na política, no futebol, nos negócios) se é cada vez mais evidente a existência de uma justiça para os que beneficiam de consideração e merecimento social (por outras palavras os que têm dinheiro para a comprar) e outra para os restantes?

quinta-feira, 12 de abril de 2007

CONTINUAM A ATIRAR-NOS POEIRA PARA OS OLHOS

Embora não tenha havido publicação que hoje não referisse a entrevista que o primeiro-ministro ontem à noite deu à RTP, nenhuma respondeu à mais candente das perguntas: terá o país parado para o ouvir?

O problema não era de importância menor – tratava-se de saber se o José Sócrates foi ou não favorecido no processo de atribuição de uma licenciatura em engenharia civil – e ainda menos irrelevante (embora o visado nunca tenha, nem venha, a elaborar um único projecto da especialidade) para o progresso e melhoria da qualidade de vida do país e poderá, quiçá, explicar as razões para o apego com que o seu governo se encarniça na defesa da construção do novo aeroporto na Ota.

Facto ou ficção, a realidade é que nas últimas semanas graças ao “caso da licenciatura” e ao “caso da Universidade Independente” a questão nacional que é a construção do aeroporto na Ota deixou de merecer atenção. Ninguém mais se interrogou sobre a enormidade que será gastar 3 mil milhões de euros na construção de uma infraestrutura que à partida padece de limitações de natureza física (o local escolhido inviabiliza qualquer hipótese de expansão futura) e levanta inúmeras questões de natureza operacional, das quais as menores poderão ser o regime de ventos e de condições para a regular formação de bancos de nevoeiro.

Para o melhor e para o pior, “alguém” conseguiu pôr o país a discutir questões da máxima relevância como:
1. o número de cadeiras que um aluno fez para concluir uma licenciatura;
2. a qualidade do plano de equivalências que foi elaborado pela universidade onde se licenciou;
3. se o aluno frequentava as aulas ou não;
4. quais foram os professores que leccionaram as respectivas cadeiras;
5. a data de conclusão da licenciatura;
e muitas outras que a pouca atenção que tenho prestado ao caso não me permitem agora citar.
Em contrapartida questões comezinhas como a correcta estruturação de uma rede nacional de transportes foram varridas para o limbo da memória colectiva.

Para quem duvide da existência de uma estratégia concertada (ou pelo menos do pronto aproveitamento de um “fait divers”) recomendo a leitura de uma notícia do DN que dá conta que ontem, na reunião da Comissão Parlamentar de Obras Públicas, o ministro que tutela aquela pasta, Mário Lino, reconheceu a necessidade de recorrer ao aproveitamento de outra infraestrutura aeroportuária existente afim de enfrentar o esgotamento do aeroporto da Portela antes da conclusão da Ota. Mas a notícia vai longe quando informa que aquele governante foi mais longe, ao afirmar que «...a opção pela chamada Portela mais um, deverá avançar, não como alternativa à Ota, mas como solução de recurso transitória até esta nova infra-estrutura estar operacional».

A cronista não o especifica, mas ninguém, entre a nata dos parlamentares portugueses, terá questionado o ministro sobre um ponto fundamental deste seu plano: se criar uma nova estrutura aeroportuária complementar à Portela como espera vir a “obrigar” as “low cost” a abandoná-la em detrimento da Ota quando esta estiver pronta?

Porque será que a esmagadora maioria dos políticos e parlamentares nacionais raramente levantam as questões verdadeiramente determinantes?

Será por puro desconhecimento? Ou, mais prosaicamente, porque o objectivo último da sua existência não é o serviço da coisa pública mas sim o de mesquinhos interesses políticos, ou pior, o de interesses que almejam vultuosos lucros dos negócios “gerados” pelos políticos?

Se tiverem dúvidas sobre alguns dos muito vastos interesses que rodeiam a questão da Ota consultem a informação disponível no endereço
MAQUINISTAS.ORG, leiam, ou releiam a generalidade das intervenções políticas a favor e contra a Ota (mesmo estas não colocam em dúvida a necessidade de construir um novo aeroporto e assim contribuir para o aumento dos lucros das empresas de construção) e vejam se existem ou não fortes razões de natureza técnica e económica para defender a aplicação de um outro modelo de solução que passe pela ampliação da Portela (reservando-a para os voos intercontinentais) e pela abertura de um aeroporto de menores dimensões para os voos intracomunitários (que a breve trecho serão um quase exclusivo das “low cost”).

Pesem os custos financeiros das duas alternativas e retirem as vossas próprias conclusões!

quarta-feira, 11 de abril de 2007

O FUTURO DA GUERRA

Quando as recentes declarações dos líderes iranianos, com o presidente Ahmadinejad à cabeça, sobre as recém adquiridas capacidades nucleares iranianas, além de poder constituir um arriscada jogada de propaganda interna (como afirma o DN citando analistas russos que duvidam da existência de reais capacidades) estão a contribuir para o agravamento das tensões na região, como se a ocupação do Iraque, a persistência numa política autista sobre a questão palestiniana e o cerco político-militar que o ocidente está a erguer contra o Líbano não fossem já razões suficientes, veio-me à memória um artigo que há dias o «LE MONDE» deu à estampa sobre o “negócio dos exércitos privados”.

O “coktail” resultante do agravamento das tensões no Médio Oriente, da ganância pelos lucros resultantes do negócio dos hidrocarbonetos, da “cegueira” política dos responsáveis norte-americanos, dos “fanatismos” político-religiosos dos dirigentes israelitas e árabes e a sempre presente luta pela hegemonia entre os estados árabes da região, tudo o indica, poderá evoluir no sentido de a história vir a registar em breve mais uma invasão militar na região.

A assim acontecer, o já hoje muito lucrativo negócio dos exércitos privados vai conhecer um crescimento exponencial, tornando ainda mais perceptíveis as declarações de John Geddes, ex-militar do SAS e dono da Ronin Concepts, àquele jornal que vai a ponto de antecipar o futuro recurso aos serviços de empresas como a sua pela ONU. Na linha do que vemos acontecer na actualidade (o número de mercenários privados no Iraque é superior ao das tropas britânicas no país) e quando se avolumam as notícias sobre a celebração de avultados contratos entre o Pentágono e empresas de segurança privadas (só departamento de estado norte-americano terá um orçamento de mil milhões de dólares para a protecção próxima do seu pessoal e de alguns dignitários estrangeiros, nos próximos 5 anos), tudo parece ser possível.

Que se trata de um ramo de negócio altamente lucrativo e atractivo, demonstra-o o LE MONDE quando afirma que «[a]lguns empresários fizeram rapidamente fortuna: só a Blackwater recebeu do governo americano mais de 570 milhões de dólares nos últimos cinco anos. A sua concorrente Triple Canopy, fundada em 2003, figurava três anos depois na lista das 100 maiores empresas da região de Washington».

A provar que este conceito é já hoje amplamente aplicado no terreno basta recordar o muito noticiado incidente que ditou a morte de quatro “trabalhadores” americanos na cidade iraquiana de Fallujah em Abril de 2005. Embora as notícias da época nada referissem, os mortos eram operacionais da empresa de segurança americana Blackwater, encarregues da protecção a uma coluna de reabastecimento.

Outro exemplo de actuação pode também ser dado por esta mesma empresa que em Setembro de 2005, na sequência do furacão Katrina, resolveu por auto-iniciativa deslocar para New Orleans um corpo de segurança armado; esta actuação, longe de ser penalizada resultou num acréscimo do número de contratos com entidades públicas e privadas.

Este fenómeno, que originará um crescente afastamento entre a opinião pública e os conflitos bélicos, servirá particularmente os interesses daqueles que desde o segundo conflito mundial têm vivido (e lucrado) de uma economia de guerra, mas nunca os da generalidade das populações que serão cada vez menos informadas sobre a realidade dos conflitos, logo, mais facilmente manipuláveis para aceitarem os sacrifícios financeiros (e apenas estes, já que os de natureza social serão esbatidos pelo distanciamento resultante da profissionalização das forças militares envolvidas) a eles associados.

Por tudo isto, será esta uma solução transitória até que seja tecnicamente possível e economicamente viável a robotização dos exércitos? e, já agora, a quanto poderão ascender os lucros de uma indústria bélica que não registe qualquer escrutínio popular?

domingo, 8 de abril de 2007

TRISTE… MUITO TRISTE!

Pela última edição de «O ALMEIRINENSE» fiquei a saber que o edifício do IVV, em Almeirim, vai ser alienado.

O que me atraiu na notícia não foi a “novidade” há muito esperada da intenção de venda, mas sim o facto dela se quedar pela frieza do facto; mesmo lembrando a importância histórica do edifício – foi nele que, há 72 anos, viu a luz do dia a primeira das adegas cooperativas da Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal – e o facto de uma associação, que entre várias entidades integrava a Câmara Municipal de Almeirim, nele ter pretendido instalar um núcleo museológico, a notícia fica-se a um passo do essencial: apelar à responsabilidade da Autarquia e à mobilização dos munícipes para não deixar morrer a iniciativa.

TRISTE…

Mas o pior é que a mesma capa que chama à leitura daquela notícia, dá quase igual relevo a uma outra: “Vai nascer um novo clube desportivo em Almeirim”

No interior, ficamos a saber que com o patrocínio de uma multinacional norte-americana de telecomunicações o Estádio Municipal vai sofrer obras de melhoramento (bancadas, iluminação, relvado), vai ser construído um pavilhão gimno-desportivo, um centro de estágios, um hotel…

Mas, já que a tal multinacional, não especificada, vai ficar também com a exploração das Piscinas Municipais, e que a cultura não é só a do físico, porque não aproveitar os milhões que aí vêem para injectar alguns deles (poucos, claro) na dignificação cultural da cidade, assegurando a conservação do edifício do IVV e a criação do tal museu?

MUITO TRISTE!

sexta-feira, 6 de abril de 2007

CORDEIRO PASCAL

Enquanto se aguarda pela próxima segunda-feira para conhecer o veredicto do ministro Mariano Gago sobre a continuidade da Universidade Independente, e nos últimos dias têm abundado as intervenções de figuras públicas recordando a necessidade de, qualquer que seja a solução, não prejudicar os alunos (actuais e antigos) daquela universidade, eis que ontem foi anunciado o nome de Jorge Roberto como novo reitor.

Depois de todas as “trapalhadas” que têm rodeado aquela universidade, com as prisões de reitores e outros responsáveis pela gestão, e do anúncio de nomes mais ou menos mediáticos para a respectiva substituição, eis que agora surge alguém praticamente desconhecido para ocupar o cargo.

Não fora o caso de conhecer a isenção intelectual de Jorge Roberto e talvez não estivesse a dedicar alguma atenção a este caso, embora este muito se afigure como emblemático do que tem sido o historial de boa parte das universidades privadas que nos finais do século passado começaram a surgir em Portugal.

Mesmo deixando por agora de lado a questão da qualidade do ensino que nelas é ministrado (a par com esta importante questão atente-se no romance paralelo que corre em torno da licenciatura do primeiro-ministro José Sócrates), ninguém com um mínimo de probidade poderá deixar de se interrogar (e interrogar os responsáveis) sobre os muitos (demasiados) casos que têm rodeado estas instituições.

Num rápido “flash” histórico aqui recordo que tudo começou no ano de 1979 com a fundação da Universidade Livre que, fruo de lutas internas pelo seu controlo perderia em 1986 o indispensável reconhecimento oficial. Das suas cinzas surgiriam nada mais nada menos que cinco outras universidades, sendo de destacar que o anterior reitor da Independente, Luiz Arouca, já tinha passado pela UAL donde foi afastado o que deu origem à Independente.

Mas não foram apenas estas duas que conheceram perturbações. Basta lembrar o “caso Moderna”, como ficou conhecido o “affaire” que em 1999 envolveu referências a tráfico de influências, grandes luxos e figuras públicas ligadas à instituição, como Paulo Portas, Santana Lopes e Rui Gomes da Silva. A ponta visível deste caso foi José Braga Gonçalves, filho do então reitor e secretário da universidade, que acabou condenado a uma pena de dez anos de prisão e mergulhou a universidade numa crise de que ainda não recuperou.

A Universidade Portucalense entrou em dificuldades financeiras nesse mesmo ano, resultantes do investimento de 25 milhões de euros na aquisição das suas instalações, encontrando-se actualmente sob gestão judicial. Melhor sorte parece estar a registar Lusófona, que ainda assim não se livrou de uma polémica luta de poder em 2002.

Assim, enquanto se aguarda o desenrolar da investigação dos alegados crimes de fraude fiscal e corrupção activa (pelos quais se encontram já detidos Rui Verde e Luiz Arouca) e a decisão do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior quanto à manutenção, ou não, da universidade em funcionamento e talvez no sentido de reforçar uma decisão favorável foi apresentado o novo reitor.

A imprensa, que o apresenta como personalidade de perfil discreto, já hoje trouxe a lume a sua situação de trabalhador da Caixa Geral de Depósitos (sob a direcção de Armando Vara, que por acaso terminou a sua licenciatura na Independente), facto que associado à envolvente do caso e à época festiva que atravessamos me leva a perguntar se não será apenas mais um “cordeiro para sacrificar”.

Em seu abono restam apenas dois factores: a isenção e integridade intelectual que comecei por referir e a afirmação da edição de hoje do DN de que o novo reitor «não tem qualquer cargo de direcção…» na CGD «…e é classificado como não sendo muito popular», o que leva a classificá-lo fora das habituais influências partidárias.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

A GLOBALIZAÇÃO DAS CRISES

No meu último “post” abordei a questão da falta de preparação dos aforradores nacionais para gerirem os produtos financeiros “mais sofisticados” que a banca “lhes oferece”. Sarcasmos aparte, esta dificuldade não é exclusivo nacional, antes extensível à generalidade dos intervenientes nos mercados internacionais a ponto de hoje quase se poder afirmar que não existe se não um único mercado.

Para se ter uma ideia do grau de sofisticação e de interdependência que os mercados financeiros apresentam atente-se no último relatório apresentado por um grupo de analistas europeus do LEAP/E2020 (LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE) que alertam para a forte probabilidade de uma crise financeira internacional, baseando a sua análise na situação de elevada dependência da economia norte-americana.

Eu próprio escrevi em meados de Março sobre o efeito da queda do mercado imobiliário norte-americano sobre as cotações das principais bolsas mundiais (ver AS BOLSAS E O IMOBILIÁRIO), procurando expor as razões que motivam a ocorrência de tal fenómeno, mas o que agora o LEAP/E2020 veio fazer é bastante mais profundo e global. Mesmo mitigando o efeito bombástico do relatório que antecipa para o mês em curso o início de uma «Grande Depressão», permanece a inegável evidência da fragilidade da economia norte-americana à actuação da economia chinesa (talvez se venha a revelar mais correcto falar em economia asiática); foi assim que o anúncio em Novembro de 2006 sobre a intenção do banco central chinês diversificar as suas reservas monetárias noutras divisas além do dólar americano (presumivelmente o euro) fez cair de imediato a cotação daquela divisa.

Mais recentemente a queda das cotações registada em finais de Fevereiro na bolsa de Xangai, terá tido origem em declarações das autoridades chinesas sobre a sua intenção de virem a limitar a especulação bolsista. De pronto se fez sentir nas principais praças mundiais um efeito dominó, devido, principalmente, à emissão simultânea de milhares de ordens de venda destinadas a assegurar os ganhos possíveis, nas respectivas praças, e assim minimizar os prejuízos iniciais.

O impacto foi tanto maior quanto é crescente o peso que actualmente apresenta o endividamento externo norte-americano detido por estrangeiros (superior a 12 biliões de US$ e a registar taxas de crescimento médio de cerca de 62,5% ao ano), fenómeno agravado pelo também crescente desiquilíbrio na balança comercial entre os EUA e a China que tem transformado este país num dos principais credores daquela economia.


Quando a estes fenómenos se somam outros como a crise que parece instalar-se no sector imobiliário dos EUA, a redução no consumo interno ditada pela quebra de rendimentos das famílias e os efeitos de retracção que já se fazem sentir noutros sectores económicos (tanto que o Congresso norte-americano se prepara para votar um conjunto de medidas proteccionistas especificamente destinadas a limitar as exportações chinesas), abundam os indícios para o deflagrar de uma guerra comercial entre aquelas duas economias.

O mais inacreditável é que esta nova crise em que os dirigentes norte-americanos parecem querer mergulhar, poderá funcionar ao nível do económico e do monetário da mesma forma que a aventura iraquiana está a funcionar ao nível do geopolítico. O aquecer dos ânimos entre americanos e chineses vai ter seguros reflexos na economia mundial, seja pela rápida reacção dos mercados financeiros, seja por um quase inevitável cerrar de fileiras em torno dos dois contentores (com a generalidade dos países asiáticos, incluindo o Japão, a alinharem com a potência regional dominante e os países ocidentais, incluindo a União Europeia, a alinharem com os EUA), e poderá terminar muito mal na medida em que é muito duvidoso pensar que os chineses aceitem passificamente perder em toda alinha sem desencadear uma resposta demolidora.

Como refere o relatório do LEAP/E2020, pensar assim «…será uma verdadeira infatilidade intelectual, comparável à que prevaleceu há quatro anos em Washington, quando toda a gente estava convencida que os iraquianos iriam acolher os soldados americanos com flores».

domingo, 1 de abril de 2007

A BANCA NA JUSTIÇA?

Na passada semana o SEMANÁRIO ECONÓMICO trouxe para a sua primeira página uma notícia sobre uma reclamação que clientes do BCP pretendem levar à barra dos tribunais; embora não se trate de um assunto novo, continua a justificar a atenção de muita gente.

Concretamente queixam-se aqueles dos prejuízos resultantes da forma como foram “convencidos” a adquirir acções daquele banco, alegando que os funcionários da instituição lhes garantiram tratar-se de um investimento de baixo risco, persuadindo-os a contrair empréstimos para a compra de acções e que com a queda entretanto registada nas cotações o valor actual é insuficiente para assegurar a liquidação das responsabilidades contratadas.

Sem querer assumir a função que compete ao tribunal (até porque estou bem em crer que nada de verdadeiramente produtivo resultará) parece-me que esta merece ser analisada sob três perspectivas diferentes, a saber: a do banco, a dos clientes e a do mercado de capitais.

Para o banco consistiu numa mera operação de aumento de capital em que convidou o público a participar e para a qual organizou uma campanha comercial destinada a influenciar os potenciais compradores e os agentes vendedores. Aqui pode, e deve-se, fazer um breve parêntesis para explicar, a quem o não saiba, que nos tempos que correm os bancos funcionam da mesma forma que qualquer outro estabelecimento comercial, pelo que há muito que a actuação dos seus empregados deixou de consistir numa postura neutra ou paternalista para passar a assumir um carácter muito mais persuasivo (não é por acaso que os bancos passaram a promover regularmente campanhas de venda de produtos bancários e não bancários e a associar a estas “prémios”, ou outros “mecanismos de persuasão” interna), havendo mesmo os que recorrem a formas ainda mais sofisticadas como as tele-vendas.

Para os clientes que hoje surgem a reclamar, tratou-se de algo que seguramente se assemelhava a uma boa oportunidade de lucro, tanto mais que bombardeados pelo argumentário de vendas preparado pelos especialistas de “marketing” do banco, que acentuaram a grande liquidez dos títulos (prenúncio de facilidade de venda na bolsa), a evolução favorável que as acções do BCP estavam a registar, a recomendação de especialistas financeiros (nacionais e estrangeiros) e facilidades especiais de crédito para os accionistas, não resistiram à perspectiva de ganhos rápidos e fáceis.

Para o conjunto do mercado de capitais, tudo não passou de mais um episódio banal. Ao aumento de capital realizado pelo BCP em 2001 outros se seguiram que foram agravando a cada vez mais delicada situação dos investidores incautos que ou recorreram a novos endividamentos para acompanharem as novas operações ou foram vendo a posição das suas carteiras cada vez mais fragilizada face à natural tendência de descida da cotação do BCP (maior volume de capital distribuído por maior número de acções significa menos valor para cada uma delas). Desconhecedores em absoluto das técnicas adequadas para a minimização dos prejuízos, os “accionistas” do BCP foram caminhando alegremente para uma situação tanto mais catastrófica quanto muitos deles já se haviam endividado para a aquisição dos primeiros lotes de acções.

Estas situações de endividamento, dramáticas em muitos casos, não são tão diferentes das que regularmente são referidas na imprensa nacional como situações de sobreendividamento das famílias. Embora semelhante designação se refira predominantemente a situações resultantes do excessivo endividamento orientado para o consumo, também pode, e deve, ser aplicado a casos como este.

No sentido de melhor entender este fenómeno recordo que o recurso a linhas de crédito para a aquisição de activos financeiros (acções, obrigações ou outros títulos negociáveis) não foi inovação do BCP, porquanto já nos anos 80 e 90 do século passado, os governos da época estimularam (ou pelos menos nada fizeram para a contrariar) este tipo de prática durante o processo que ficou popularmente conhecido como as “privatizações”. Na época os governos liderados por Cavaco Silva, em nome de um pseudo capitalismo popular, colocaram à venda no mercado de capitais acções de empresas que tinham sido nacionalizadas na sequência do 25 de Abril.

Então, como agora, não houve o mínimo cuidado ou preocupação em alertar os potenciais compradores (todos ávidos de ganhos rápidos) para os riscos associados a semelhante prática, nem sequer o cuidado na fixação de valores de alienação não exclusivamente orientados para a maximização do ganho para o Estado.

Casos como o que agora opõe os que se consideram lesados ao Millennium BCP deveriam servir de exemplo para todos nós, mas também de motivo para intervenção daqueles a quem compete a vigilância sobre o mercado de capitais, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e o Banco de Portugal. Dos organismos aos quais compete a supervisão sobre o mercado bancário e de capitais, tem que se exigir actuação concordante com os seus fins e em especial a protecção da parte mais fraca no negócio, não num sentido paternalista mas interventivo no sentido disciplinador.

Neste capítulo tome-se como exemplo a alteração que a SEC (Securities and Exchange Commission), entidade responsável pela regulação do mercado de capitais norte-americano, pretende introduzir nas regras de admissão à negociação de fundos especulativos (hedge funds). De acordo com o WALL STREET JOURNAL e o COURRIER INTERNATIONAL, aquele organismo pretende limitar aos detentores de património declarado superior a 2,5 milhões de dólares o acesso a aplicações em fundos especulativos como forma de minimizar os riscos (elevados) associados a este tipo de produtos.

No caso concreto dos bancos portugueses, aquilo a que temos vindo a assistir em nome do livre funcionamento do mercado assemelha-se mais à arbitrariedade (total abuso da parte mais forte sobre a mais fraca) que a um processo de “negociação”. A tão falada existência de práticas abusivas sobre os clientes – na peça publicada no SEMANÁRIO ECONÓMICO refere-se mesmo que «…na altura valeu tudo. “Convencer analfabetos, idosos e leigos na área do investimento a comprar e a aceitar crédito para comprar acções do BCP. Nem que fosse preciso ir a casa do potencial cliente, ou ir a um banco da concorrência fazer-se passar por sobrinho de um potencial cliente”, afirma Abílio Abreu, que na altura era sub-gerente na agência da rede SottoMayor de Penafiel, mas estava em comissão no Marco Canaveses. Abílio Abreu, que se reformou em Dezembro de 2004, tem um processo próprio contra o Millennium bcp e é testemunha em outros treze» - não é exclusivo daquela operação, nem daquele banco.

No geral parece ter-se instalado uma paranóia em torno dos resultados e do cumprimento dos objectivos (acções e outros produtos financeiros de elevado risco, seguros, cartões de crédito, etc.) que tudo cilindra e a que tudo, mas mesmo tudo, tem que se submeter. Os diversos níveis de direcção, desde o topo até à base, parecem apenas preocupar-se com a obtenção de resultados e com os prémios a eles associados. Considerações de natureza técnica, prática e ética são ignoradas e os seus autores ostracizados como se a simples existência da dúvida pudesse influenciar negativamente o resultado final.