terça-feira, 31 de janeiro de 2006

NOTAS SOLTAS E BREVES

O final do mês de Janeiro está a registar um número assinalável de “cimeiras” e outros “encontros”, onde os poderosos do mundo vão arquitectando planos ou dando a conhecer à comunidade mundial decisões sobre o que de mais importante vai ocorrendo.

Após a cimeira de Davos, onde os principais políticos, os capitães da indústria e as figuras do «show business», debateram algumas das grandes questões e deram a conhecer donativos, registou-se:

- uma cimeira entre os EUA, a EU, a Rússia e a ONU para debater os recentes resultados eleitorais na Palestina e o financiamento à Autoridade Palestiniana, que decidiu pela suspensão daquele auxílio caso o Hamas (organização democraticamente eleita para governar o território) não aceite reconhecer o Estado de Israel e declare o fim das acções armadas contra os judeus;

- uma cimeira entre os EUA, a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha para debater a questão nuclear iraniana, na qual decidiram levar à próxima reunião do conselho de direcção a AIEA (Agência Internacional para a Energia Atómica) para aprovação uma proposta de resolução a apresentar ao Conselho de Segurança da ONU;

- em Londres, iniciou-se a cimeira dos doadores ao Afeganistão que logo na primeira sessão anunciou a aprovação de um programa de 5 mil milhões de dólares de auxílio àquele país, a aplicar nos próximos cinco anos;

- em Lisboa, Bill Gates foi hoje galardoado pelo Presidente da República e amanhã vai assinar com o primeiro-ministro, José Sócrates, um vasto programa de formação a desenvolver no nosso país e integrado no plano tecnológico apresentado pelo governo.

Vistas de relance todas estas notícias pode-se pensar que ainda existe no mundo quem procure soluções para os problemas alheios, não são só os beneméritos doadores privados (Bill Gates anunciou em Davos a doação de 600 milhões de dólares para combater a tuberculose) mas também muitos governos revelam-se dispostos a financiar um país que necessita desesperadamente de meios para garantir a sobrevivência da sua população.

Ao mesmo tempo esses mesmos governos revelam-se inflexíveis com aqueles que pretendem incrementar o uso da energia nuclear (porque pode facilitar a produção de armamento nuclear) e com o futuro governo da Autoridade Palestiniana porque este será constituído por elementos de um grupo (democraticamente eleito) que se recusa a aceitar que o seu país seja ocupado por outro (que, por acaso ou não, também dispõe de armamento nuclear).

Porque estas coisas estão todas interligadas, à inflexibilidade dos governos ocidentais para com palestinianos e iranianos, contrapõe-se a bonomia com que os mesmos aceitam aumentar a ajuda financeira ao governo de um território que é o maior produtor mundial de ópio e que este longe de contrariar esta situação tem permitido o seu aumento. Por outro lado se Bill Gates vai doar os tais 600 milhões de dólares muitos deles serão originários do governo português que por via do programa que irá assinar vai enfeudar todo o mercado nacional de software à Microsoft (com os consequentes lucros associados). Será que no governo português nunca ninguém ouviu falar de uma coisa chamada software livre?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

REFORMA ADMINISTRATIVA E REFORMA DE MENTALIDADES

As medidas de simplificação administrativa e legislativa anunciadas pelo primeiro-ministro poderão vir a revelar-se um primeiro passo importante para a melhoria e racionalização de circuitos administrativos; porém, resta ver até que ponto a “pesada máquina do funcionalismo” irá entender estas medidas como positivas para a vida dos cidadãos comuns e aceitar a inevitável perda de influência.

Quando dispusermos de um quadro legal simples e claro os muitos “interpretadores” e “facilitadores” que pululam na administração pública perderão importância e até razão de existência. Este poderoso grupo (não quero intencionalmente chamar-lhe “lobby” porque não o julgo tão organizado quanto isso) disseminado nos mais variados níveis da nossa administração vai seguramente resistir, até onde as forças e o poder lho permitam, a modificações que resultem numa redução do que entendem ser o seu estatuto.

Nesse sentido achei particularmente curiosa uma notícia que hoje ouvi num canal de televisão que referia que Paulo Macedo, o Director-Geral da DGCI (Direcção Geral das Contribuições e Impostos), solicitara a todos os funcionários desta a colaboração no sentido de formularem propostas conducentes à redução ou eliminação de informação redundante ou em duplicado.

Não querendo pôr em causa a iniciativa (nem a importância de procurar ganhar os funcionários para o processo de mudança) parece-me quase ridículo esperar que se venham a obter grandes progressos por esta via. Queiramos ou não a generalidade dos profissionais deste país (e a função pública será garantido paradigma) ainda continuam a funcionar segundo uma mentalidade profundamente corporativa e de auto-protecção pelo que não creio que a iniciativa venha a registar grande sucesso.

Ainda dentro das iniciativas de modernização assinale-se que finalmente alguém parece ter percebido que o Estado dispunha da informação necessária e suficiente para proceder ao cálculo dos montantes anuais de devidos em sede de IRS de cada um dos cidadãos deste país. Só a possível poupança das muitas horas anualmente perdidas para o cumprimento da obrigação fiscal de entrega do modelo declarativo daquele imposto terá reflexos positivos na produtividade nacional (desde que fique garantido, como parece, a hipótese de cada contribuinte proceder à validação ou alteração dos valores que entenda incorrectos) ou pelo menos na redução dos níveis de “stress”.

Entre as referências positivas e inseridas num plano de combate à evasão fiscal, assinale-se a intenção de passar à prática o princípio do rendimento presumido a aplicar aos profissionais liberais. Esta iniciativa que deverá ser aplicada com a máxima acuidade, de forma a garantir não só a sua eficácia mas também a sua justiça, deveria ser estendida ao conjunto do tecido empresarial nacional, não permitindo que se continue a verificar a absurda situação de existência de um anormalmente elevado número de empresas que de forma continuada não apresentam qualquer tipo de lucros.

domingo, 29 de janeiro de 2006

O ABSURDO PALESTINIANO

No dia em que foram oficialmente anunciados os resultados das eleições palestinianas, continuam a suceder-se as reacções e peripécias em torno deste acontecimento. Não tanto pelo acto em si (para a imprensa internacional a sua mera realização já não apresenta qualquer valor) mas pelas reacções que a vitória do Hamas (grupo fundamentalista islâmico defensor da luta armada contra a ocupação israelita) suscitou.

Paralelamente não deixa de ser curioso que num momento em que a chanceler alemã, Ângela Merkel, visita aquela região, se tenham registado declarações de dirigentes do Hamas manifestando interesse numa reunião com aquela dirigente europeia, enquanto, simultaneamente, o chefe do governo israelita, Ehud Olmert, tenha reafirmado a posição do seu governo de recusar qualquer negociação com o Hamas enquanto este movimento não cessar as acções armadas e não reconhecer a existência do estado de Israel.

Enquanto as notícias que vão chegando da Palestina dão conta de uma evidente moderação na linguagem dos dirigentes do Hamas, verifica-se que israelitas e americanos acentuam uma posição de ruptura com o débil e até agora praticamente ineficaz processo de paz. É notável que o maior defensor mundial da democracia e dos direitos do homem (pelo menos é assim que as administrações americanas tanto gostam de se apresentar) venha levantar questões e pronunciar ameaças de sanções económicas sobre a Autoridade Palestiniana por em resultado de um processo eleitoral que os observadores internacionais (entre os quais figurava o antigo presidente Jimmy Cárter) consideraram como democrático e válido um grupo mais radical ter conquistado o direito à governação dos territórios palestinianos.

Além da medonha hipocrisia que semelhante atitude revela, resta ainda por explicar como pretenderão os americanos resolver esta situação. Será que George W Bush vai disponibilizar mais armamento sofisticado a Israel para que este elimine de forma definitiva o povo palestiniano? Ou pelo contrário vamos assistir ao recrudescimento da mais condenável política de assassinatos selectivos dos membros da nova Autoridade Palestiniana, levada a cabo pelas unidades especiais do exército judaico com o apoio dos serviços de informação e localização por satélite que os EUA controlam?

A resposta provável para esta questão será um conjunto das duas hipóteses, tanto mais que com este cenário o governo israelita ficará com as mãos livres para prosseguir a sua política de construção do muro de segurança (que isolará ainda mais os territórios palestinianos, impedindo-os de fazer funcionar qualquer simulacro de economia) e executar as acções de flagelação que entenda em território palestiniano a pretexto de qualquer coisa que entenda fazer perigar a sua segurança interna.

Perante um cenário desta natureza (na prática tratar-se há de um processo de lento genocídio de um povo) quando é que os responsáveis pela política mundial (europeus incluídos) entendem que uma solução viável para aqueles territórios terá que passar por uma profunda alteração na forma de abordagem do problema. Enquanto os governos dos países ocidentais persistirem numa prática de proibição aos palestinianos de tudo o que autorizam ou sancionam aos judeus, não só não haverá paz na Palestina, como dificilmente a haverá noutros pontos do mundo.
É certo que os interesses que têm levado as potências ocidentais a privilegiar o estado judaico em detrimento do estado palestiniano, poderão ter como explicação inicial o que de terrível aconteceu à comunidade judaica na Europa durante a II Guerra Mundial; hoje porém os interesses são outros e resultam da necessidade de controlo das zonas produtoras de hidrocarbonetos de forma a garantir o controlo da economia global.

Enquanto a comunidade mundial continuar a deixar-se manipular por declarações bombásticas e lugares comuns primários (como o confronto entre religiões, a visão maniqueísta que divide o mundo entre “bons” e “maus” e um direito a um definir quem estes são) continuaremos a confrontar-nos com situações como as da Palestina, do Afeganistão, do Iraque e do Irão. Continuaremos a confundir a árvore com a floresta e no meio tempo alguém vai lucrando cada vez mais com estes ou outros focos de conflito, ateados pela cegueira e irracionalidade de um punhado de “homens de mão” desses mesmos interesses, que para cúmulo do absurdo se fazem eleger por nós próprios.

sábado, 28 de janeiro de 2006

DIA INTERNACIONAL DE COMEMORAÇÃO EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO

Comemorou-se ontem este dia devido a uma iniciativa da ONU em resultado de uma proposta aprovada no dia 31 de Outubro de 2005 pela sua Assembleia Geral, apresentada por Israel e apoiada por cerca de um centena de países membros. Terá estado na génese de mais esta efeméride as recentes posições do presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, que em diversas oportunidades tem manifestado a opinião de que o holocausto poderá não ter tido a dimensão que se lhe atribui e que se teve as compensações aos judeus deveriam traduzir-se na oferta de terras na Europa, na América, no Canadá ou no Alaska em substituição das atribuídas na Palestina, cujo povo está a pagar por um crime que não cometeu.

No actual estado de ebulição que se vive no médio oriente, com o diferendo israelo-palestiniano, a ocupação do Iraque pelos americanos, a crise originada pela intenção do Irão reactivar o seu programa nuclear e o muito recente resultado das eleições na Palestina, tudo serve para as partes lançarem (ou acusarem os outros de o fazer) achas para a fogueira, que os órgãos de comunicação social ajudam a difundir e a ampliar.

Entre comunicados de rejeição, desmentidos baseados em erros de tradução e interpretação, o mundo vai assistindo a uma subida de tom na linguagem política e diplomática a propósito daquela conturbada região do planeta.

Sem querer aqui fazer eco das teses, muito discutíveis, de Ahmadinejad (que não será mais que o porta-voz das facções mais radicais do islamismo xiita), nem defender o lado oposto (aprendi há muito que nos conflitos não há lugar para os “santos”), sempre vou recordando que parte significativa da instabilidade naquela região resulta do facto desta constituir a principal origem dos hidrocarbonetos de que a indústria mundial necessita desesperadamente e de nela ter sido implantado um foco adicional de conflito, originado pela política norte-americana de apoio incondicional às teses judaicas, mais do que à implantação do estado de Israel que a ONU decidiu em 1947.

Mais do que o potencial conflito de interesses entre judeus e palestinianos, o grande problema reside no facto de nunca a comunidade internacional ter feito um verdadeiro esforço para a aplicação daquela resolução da ONU, antes optando invariavelmente pela defesa intransigente das teses e políticas judaica (invariavelmente escudada no horror do holocausto). Enquanto aos palestinianos continuam a ser feitas exigências de respeito pela existência de Israel e de abandono da luta armada, aos judeus continua a ser permitido o bombardeamento dos territórios palestinianos, o assassinato de militantes palestinianos, a ocupação de terras com colonatos judaicos e o desrespeito da decisão de partilha entre os dois povos da cidade de Jerusalém.

A política negacionista do Irão, sendo condenável, tem que ser entendida como mais uma peça nesta intrincada teia de interesses, não devendo ser utilizada como mais um argumento de arremesso e exaltação de mentalidades.

O holocausto e aqueles que o sofreram merecem melhor homenagem que a utilização da sua memória em prol de interesses muito duvidosos.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

O WINDOWS EM CÓDIGO ABERTO?

Pelo menos era esta a notícia difundida ontem pelo JORNAL DE NOTÍCIAS.

Não se trata, infelizmente, de nenhuma iniciativa benemérita de Bill Gates, o senhor Microsoft, mas sim de uma imposição da regulamentação europeia anti-trust. Esta comissão fixara o prazo à Microsoft, empresa detentora dos direitos do sistema operativo “Windows”, até 15 de Fevereiro próximo para a disponibilização dos códigos e informação indispensável para que outras “software-houses” possam livremente desenvolver programas naquele ambiente, findo o qual lhe seria aplicada uma multa diária de 2 milhões de euros.

Reagindo à notícia a comissária Neelie Kroes, veio lembrar que o código fonte pode não ser o bastante para uma correcta informação, tanto mais que normalmente os programadores disponibilizam informação adicional aos códigos que desenvolvem.

A esta realidade a que aludiu a comissária europeia há que juntar o facto de que o código fonte do “Windows” deverá ser composto por largos milhares de linhas, pelo que os seus potenciais utilizadores terão que despender milhares de horas de trabalho até conseguirem entendê-lo na íntegra e assim habilitarem-se ao desenvolvimento de programas genuinamente compatíveis com aquele sistema operativo.

Para se ter uma ideia da dimensão do “negócio”, recorde-se que 90% dos computadores pessoais em funcionamento utilizam o “Windows” como sistema operativo, facto que tem motivado inúmeras queixas de muitos programadores uma vez que os seus produtos encontram normalmente problemas de compatibilidade com aquele sistema, os quais não podem ser resolvidos de forma expedita por desconhecimento do respectivo código fonte.

Esta situação, originada pela Microsoft com o lançamento do “Windows 1.0” em 1985 (versão que não conheceu grande sucesso), foi-se agravando à medida que o sistema operativo se foi tornando mais popular (em 1992 com a versão 3.1) até culminar com a actual “Windows XP”, sendo o seu sucesso resultado do facto de ter combinado as virtualidades de um sistema operativo (indispensável em qualquer computador para suporte de outros programas e gestão dos periféricos) com as vantagens de um ambiente gráfico.

Esta ideia não foi, como muita gente pensa, desenvolvida apenas pela Microsoft, mas também por outras empresas como a Digital Research e a Apple, sendo mesmo correcto afirmar que o sistema de ícones e janelas, que popularizou o “Windows”, consiste numa cópia descarada do sistema MAC-OS desta última.

Enquanto se mantém a troca de apreciações entre os serviços da comissão europeia e os da Microsoft, no sentido de determinar se esta está ou não a cumprir os princípios mínimos de divulgação técnica do seu produto, recordo que desde o princípio dos anos 90, do século passado, que existe um sistema operativo de utilização livre (desenvolvido inicialmente por Linus Torvalds) que pouco a pouco tem vindo a “roubar” o monopólio da Microsoft, precisamente pela sua característica de programa aberto (qualquer pessoa pode aceder ao código fonte e desenvolver novas rotinas ou programas específicos) baseado no projecto GNU - sistema operacional totalmente livre, que qualquer pessoa tem o direito de usar e distribuir sem ter que pagar licenças de uso – lançado em 1984. Com o passar dos anos o sistema Linux está a granjear um número crescente de utilizadores, seja pela sua flexibilidade, pela sua qualidade e estabilidade (menos sujeito a “crashs” e “bugs” tão frequentes no Windows), pela segurança nas ligações com a Internet, pelo número crescente de aplicações que têm sido desenvolvidas e pelo baixo custo (zero quando descarregado directamente da Net, sem manuais).

Em resumo, seja pela pressão da comissão europeia seja pela dos utilizadores do Linux, a Microsoft parece condenada a ter que “abrir” um jogo que até agora tem mantido fechado para seu exclusivo lucro (e que lucros… Bill Gates é há vários anos considerado o “homem mais rico do mundo” pela revista Fortune).

ACONTECEU O IMPENSÁVEL!

O Hamas venceu as eleições palestinianas e com maioria absoluta. Quem tenha lido o meu “post” de ontem terá ficado com a ideia que a participação daquele grupo no futuro executivo palestiniano era, para mim, um dado adquirido, principalmente pelos sinais de “nervosismo” que israelitas e americanos vinham dando. A hipótese de vitória com maioria absoluta é que me pareceu pouco realista.

Consumado o facto, o que irá mudar nos territórios palestinianos?

O chefe do executivo Ahmed Qorei já apresentou a sua demissão ao presidente da Autoridade Palestinina, Mahmoud Abbas, que a aceitou e anunciou que irá pedir ao vencedor das eleições para formar novo governo. A abordagem muito cautelosa que os principais líderes do Hamas estão a revelar, com destaque para as declarações iniciais que apontavam para a intenção de constituição de um governo em conjunto com a Fatah, poderá não ter sequência em virtude da decisão deste grupo de recusar participar num governo de coligação.

Perante um cenário de governo do Hamas, pelo seu historial de trabalho e apoio às populações será de esperar que este se venha a revelar mais preocupado com as situações de grandes carências que a generalidade dos palestinianos vive nos territórios ocupados (a ocupação não tem que ser de carácter militar, a construção de barreiras à circulação de mercadorias e pessoas e a imposição de um quase bloqueio generalizado é uma forma de ocupação tanto ou mais eficaz que a militar), facto que constituirá uma segura razão para a escolha que as populações realizaram.

Se no plano interno (directamente ligado à qualidade de vida) a resposta se revela relativamente fácil, nos planos da segurança e das relações externas a questão pode revelar-se bem mais complicada. Na qualidade de grupo predominantemente militar o Hamas deverá encontrar grandes dificuldades para assegurar uma rápida e eficaz governação (os problemas de natureza logística e técnica não são pequenos), facto que deverá conseguir ultrapassar com o tempo se para tal receber a colaboração de que carece.

É neste capítulo que tudo se poderá tornar muito mais difícil, uma vez que os EUA e a UE já fizeram saber a sua pouca vontade de agir nesse sentido; chega mesmo a falar-se na suspensão da ajuda externa e já hoje o presidente Bush anunciou que a sua administração não estará disponível para negociar, nem auxiliar, grupos que não defendam o reconhecimento dos «aliados israelitas» (usando mesmo a expressão «os palestinianos terão pagar pela escolha que fizeram»). Concomitantemente com a posição americana, também o governo israelita já anunciou que não negociará com qualquer governo palestiniano que integre elementos do Hamas.

Tudo indica que vamos voltar a viver um clima de tensão (os dirigente do Likud israelita – partido com que Ariel Sharon chegou ao poder – já se manifestaram pelo endurecimento das medidas de defesa e de hipotética retaliação sobre os palestinianos, enquanto o governo israelita, agora liderado por Ehud Olmert, convocou para esta tarde uma reunião de emergência para debater questões de segurança interna), dependendo a sua amplitude da capacidade de diálogo de todos os intervenientes.

Os países da UE vão procurando fazer sentir ao novo poder palestiniano a necessidade deste abandonar as teses mais radicais (extinção do estado de Israel) e a luta armada, enquanto os órgãos de comunicação vão continuando a recordar que o Hamas integra a lista das organizações terroristas mundiais.

A bem da paz e de uma tentativa séria de resolução do problema palestiniano, parece-me que a nível interno a Fatah necessita de rever a sua rejeição à proposta de partilha do poder apresentada pelo Hamas (esta seria um boa opção de actuação diplomática para a UE, mesmo que para isso tenha que utilizar o argumento da sua contribuição financeira para o estado palestiniano), proporcionando assim algum tempo para este grupo se ir ajustando a uma postura menos bélica relativamente a Israel, enquanto vai actuando na melhoria da qualidade de vida dos palestinianos e eliminando os focos de corrupção interna que justificaram a opção popular contra a Fatah.

O governo israelita precisa de ser limitado nas suas acções de intervenção militar e de cerceamento da liberdade de movimentos dos palestinianos, acção que apenas poderá ser alcançada pela pressão dos EUA. A administração americana precisa de entender que para problemas no médio oriente já lhe chegam os que criou no Iraque, que a persistência na sua política pró-israelita apenas conduzirá à eternização da instabilidade na região e continuará a fornecer argumentos aos grupos islâmicos radicais, o que só deverá ser possível mediante uma mobilização da opinião pública mundial.

A UE, não pode alinhar nas teses americanas (que há semelhança das aplicadas no combate à Al-Qaeda se continuam a revelar de um primarismo muito perigoso), devendo representar uma efectiva alternativa ao posicionamento anti-palestiniano que a administração Bush pratica, sustentando a viabilidade do estado palestiniano, colaborar no sentido de eliminar o radicalismo do Hamas, mas sem esquecer que este foi escolhido pelo povo palestiniano para assegurar o seu governo.

Numa palavra a UE não pode, de modo algum, validar a tese americana de que as eleições só são boas quando os eleitos são os amigos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

PORTER ESTÁ DE VOLTA

Decorridos cerca de 15 anos desde a última visita bombástica a Portugal – quando veio dizer o que muitos economistas nacionais já tinham dito antes dele – para apresentar o célebre estudo de desenvolvimento baseado na premissa de que cada país ou região se deve especializar nos produtos para os quais dispõe de vantagens comparativas, eis que o reputado professor norte americano volta com novas ideias...

...o tema de modernidade é agora a ligação entre produção e ambiente (ou melhor a eficiência no aproveitamento dos desperdícios).

Também nesta matéria é do senso comum que um melhor aproveitamento dos recursos energéticos e das matérias-primas apenas pode resultar na redução dos custos de produção. A formulação de Michael Porter consiste em reproduzir o que quase intuitivamente todos sabemos.

Tal como aconteceu na sua anterior aparição nacional, também nesta não deixaram de se fazer ouvir algumas importante e bem fundamentadas críticas:

- a formulação de Porter não tem em linha de conta o grau de desenvolvimento tecnológico específico de cada economia;

- parece um modelo particularmente aplicável a países, como os EUA, que não ratificaram o protocolo de Kyoto sobre a limitação de emissão de poluentes.

De uma forma ou outra o polémico Michael Porter continua a marcar presença regular na agenda mundial, nem que seja com formulações tão desastrosas como a apresentada em 2001 sobre estratégias na Internet, com a qual não se livrou de ser comparado a um “velho do Restelo” que perante o fenómeno da comunicação em rede continua a olhar para a organização empresarial de integração vertical.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

ELEIÇÕES NA PALESTINA

Após as muitas vicissitudes que este processo conheceu nos últimos dias, em torno da autorização israelita para o funcionamento de assembleias de voto em Jerusalém-Este, da participação do Hamas e das delicadas negociações entre facções da Fatah que acabaram por acordar na apresentação de uma lista conjunta.

As notícias que hoje circulam têm dado conta de um clima da relativa euforia com que a população palestiniana viveu o processo de votação. Dividida na escolha entre a Fatah – organização que controla a Autoridade Palestiniana (espécie de governo local), de que foi líder Yasser Arafat e que actualmente atravessa uma divisão algo profunda entre os membros mais antigos (onde se destacam Mahmud Abbas e Ahmed Qurei) e os representantes das novas gerações profundamente empenhadas na Intifada (onde pontua como líder Marwan Barghuti, a cumprir uma pena de prisão perpétua em Israel) – e o Hamas, que após o assassinato pelos israelitas do Sheikh Ahmed Yassin, o seu líder histórico, e de Abdel Aziz al-Rantissi apresenta Mahmoud Al-Zahar como líder.

A estratégia israelita de impedir a realização de campanha eleitoral em Jerusalém-Este pelo Hamas e a ameaça de impedir mesmo a realização do acto eleitoral naquele território (parcialmente apoiada pelos EUA e pela UE), a par com as crescentes acusações de corrupção aos principais líderes da Fatah terá estado na origem das primeiras notícias que atribuíam grande favoritismo àquele grupo.

Porém, o acordo de última hora alcançado entre a velha guarda e a nova guarda da Fatah, que permitiu a apresentação de uma única lista encabeçada pelo carismático Barghuti, tem vindo a nivelar essa tendência.

Organismos internacionais têm produzido sondagens que atribuem agora a vitória à Fatah com cerca de 40% dos votos contra 30% para o Hamas. Estes dados que têm em conta o facto de ao acto eleitoral se apresentarem um total de 11 listas, parecem-me ser de encarar com a máxima precaução, tanto mais que perante um cenário de possível vitória do Hamas as autoridades israelitas até autorizaram as cadeias de televisão Al-Jazeera e Al-Arabiya a realizar entrevistas na prisão a Barghuti e personalidades ocidentais como ex-presidente americano Jimmy Carter participaram em apelos ao voto ao lado dos dirigentes da Fatah.

Jimmy Carter, que integra o grupo de 450 observadores internacionais às eleições palestinianas, não teve qualquer prurido em fazer campanha por aqueles que considera preferíveis para manter o processo de negociação com Israel.

A população de eleitores deve rondar cerca de um milhão e meio de palestinianos (os cerca de 4 milhões de refugiados ficam de fora), distribuídos pelos territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia; em Jerusalém-Este, com uma população de eleitores estimada em cerca de 100.000 palestinianos, apenas poderão votar cerca de 6.000, pelo que os restantes 94.000 terão que se dirigir aos territórios ocupados.

Neste ambiente caótico e num clima de profunda ansiedade o governo israelita poderá ver-se a braços com a necessidade de negociar com o Hamas (movimento que conseguiram ver integrado na lista patrocinada pela administração norte-americana das organizações terroristas mundiais), situação que os seus representantes não excluem completamente, apesar de do seu programa original constar a necessidade da supressão do estado de Israel.

De uma forma ou outra as potências ocidentais e a respectiva imprensa têm abordado o problema das eleições palestinianas numa perspectiva idêntica à que abordariam um processo semelhante em qualquer outra parte do mundo (veja-se o que aconteceu no final do ano passado com as eleições iraquianas), esquecendo que:

- a prática eleitoral, no sentido que lhe é dado no ocidente, é algo de totalmente estranho para as populações do médio-oriente;

- a Palestina não é propriamente um estado, no sentido ocidental ou em qualquer outro, mas sim um somatório de territórios militarmente ocupados por uma potência regional e onde não é permitida a livre circulação nem a livre associação de cidadãos.

Que diria a administração americana, campeã da defesa dos direitos humanos, se o governo chinês organizasse um processo eleitoral no Tibet?

Também enviaria consultores para realizar sondagens e encorajaria ex-dirigentes seus a participar em campanhas de apelo ao voto?

Qualquer que seja o resultado das eleições palestinianas a esmagadora maioria da população vai continuar a viver em condições extremamente precárias (do ponto de vista económico) e permanentemente sujeita aos abusos e arbitrariedades das forças israelitas (do ponto de vista militar e de segurança) enquanto o seu real problema não for resolvido – a constituição de um estado palestiniano auto-suficiente e livre da “pressão” do vizinho Israel – algo que só será possível quando a comunidade internacional exigir dos seus governos uma política de aplicação e cumprimento da resolução da ONU de 1947 que estabeleceu as fronteiras entre os dois estados – Israel e Palestina.

O FORUM DOS RICOS

Iniciou-se hoje na localidade suíça de Davos mais uma reunião do Fórum Económico Mundial (também conhecido como o Fórum de Davos) que reúne líderes políticos e empresários dos países mais desenvolvidos.

Este ano a reunião será subordinada ao tema do rápido desenvolvimento económico da China e da Índia e da entrada destes dois gigantes no mercado mundial e, como hábito das edições anteriores, contará com a presença das personalidades “responsáveis” pela condução dos destinos das grandes economias e das grandes empresas.

A partir deste tema central outros serão abordados, como o bloqueio nas negociações de liberalização do comércio internacional, no âmbito da cimeira de Doha da Organização Mundial do Comércio - para o qual se conta com a presença do comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson e dos ministros das finanças francês (Thierry Bréton) e inglês (Gordon Brown) - o preço do petróleo – está prevista uma intervenção do actual presidente da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o nigeriano Edmund Naukuru - e as pretensões iranianas sobre a energia nuclear (esta questão não faz parte de agenda oficial, mas será seguramente abordada).

Este fórum foi criado em 1971, sob a forma de uma organização internacional independente empenhada, na expressão dos seus mentores, na melhoria das condições mundiais por via do relacionamento entre líderes políticos e agentes económicos com vista à definição de agendas e programas de âmbito mundial, regional ou industrial. Por outras palavras, trata-se da concertação de estratégias que melhor potenciem a aplicação global dos princípios de funcionamento dos mercados segundo as regras e os interesses dos poderes (político e económico) instalados nos países dominadores da economia mundial.

Paralelamente com esta reunião, que encerrará no próximo dia 29, decorrerão no mesmo local as também já habituais manifestações dos movimentos anti-globalização e ainda

O FORUM DOS POBRES

que reunirá em Caracas (Venezuela) tendo por agenda o debate de temas como o poder político e lutas pela emancipação social, estratégias imperialistas e resistência dos povos, recursos e direitos para a vida, pluralidade e multiculturalidade, trabalho, exploração e reprodução da vida e dinâmicas e alternativas democratizadoras.

A organização está a cargo do Fórum Social Mundial que se auto define como um espaço de debate democrático de ideias, reflexão e formulação de propostas de movimentos sociais, redes e ONG’s que se opõem ao neoliberalismo e ao imperialismo, com caracter não confessional, não governamental e não partidário.

Normalmente participados por entidades empenhadas na construção de alternativas de desenvolvimento não baseado em modelos capitalistas, tem também contado com a participação de inúmeras personalidades mundiais entre as quais se destaca o conhecido activista norte-americano Noam Chomsky.

Este movimento que concretizou o seu primeiro fórum alternativo em 2001, na cidade brasileira de Porto Alegre (onde se realizaram quatro das cinco edições até esta data), prepara-se este ano para distribuir a sua actividade por Caracas, Bamako (Mali) e Carachi (Paquistão), não tem escapado a bom número de críticas (principalmente de partidos socialistas e comunistas) por se concentrarem num criticismo vago e generalista do neoliberalismo e do imperialismo, não produzindo ideias práticas; no oposto grupos anarquistas criticam-no por agir como centro de decisão para os grupos dissidentes, um pouco há semelhança do que em tempos fizeram as Internacionais Comunistas.

As forças apoiantes do Fórum Económico Mundial criticam-lhe a sua vertente anti-globalização por considerarem que a melhor forma de assegurar o fim da pobreza mundial continua a ser o modelo de produção e distribuição capitalista.

Em resumo, teremos dentro de alguns dias novas “pistas” sobre o que os países ricos e países pobres entendem venham a ser caminhos para o desenvolvimento e crescimento da economia mundial, centrando-se os primeiros em problemas como a distribuição e o preço da energia, enquanto os segundos se batem pela aplicação de preços justos às matérias-primas e um acesso equilibrado às fontes financeiras.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

NOTÍCIAS DO IRAQUE

Vindas do Iraque, parecem começar a chegar algumas boas notícias para os americanos. Segundo a REUTERS, os grupos de resistentes sunitas terão declarado guerra aos guerrilheiros da Al-Qaeda instalados na província sunita de Al-Anbar.

Na origem deste mudança de estratégia terá estado o atentado perpetrado no dia 5 de Janeiro deste ano, que provocou a morte de 80 candidatos à polícia na cidade de Ramadi, capital daquela província.

Este cenário, particularmente favorável às forças de ocupação, poderá generalizar-se nas províncias predominantemente sunitas, conduzindo a que americanos e ingleses passem a enfrentar dois tipos distintos de resistência. Para já está a ter como consequência directa o reforço de posições da Al-Qaeda na província de Dyiala, onde actualmente o exército iraquiano procura controlar a situação.

O tempo dirá se este cenário se manterá e se beneficiará ou não o futuro governo saído das eleições realizadas em Dezembro último, bem como as forças militares estacionadas no país.

BANCA E SEGUROS NA MIRA DA INSPECÇÃO DO TRABALHO

É com este título que o JORNAL DE NOTÍCIAS deu hoje conta do próximo alvo do organismo encarregue da fiscalização das condições de trabalho no nosso país.

Independentemente da louvável intenção de pretender repor um mínimo de justiça num sector de actividade onde toda a gente sabe que há vários anos campeia a maior das “desregulamentações” – o problema não se circunscreve ao elevado volume de horas de trabalho suplementar não remuneradas, estende-se à prática de criação de empresas “associadas” para a prestação de serviços para onde são “transferidos” os trabalhadores, a manutenção de inúmeros trabalhadores contratados a prazo e “felizes jovens licenciados” contemplados com “estágios remunerados” – e onda a grande massa de assalariados tem assistido à redução real dos seus salários fixos por contrapartida com a “atribuição” de subsídios e prémios indexados a conceitos pessoais e arbitrários de produtividade e mérito profissional.

De acordo com a notícia, que refere os cálculos realizados pelos sindicatos bancários, o valor das horas suplementares não remuneradas nos últimos dez anos ascende a cerca de 84 milhões de euros, correspondendo a uma média semanal de 14 horas de trabalho suplementar por trabalhador.

A iniciativa da IGT (Inspecção Geral do Trabalho) terá o mérito de reduzir o duplo prejuízo para a sociedade, que se traduz na redução de:

- o poder de compra dos trabalhadores que acarreta uma inevitável retracção no mercado de bens e serviços;

- das receitas fiscais do país, seja por via directa, em termos de IRS e contribuições para a Segurança Social, seja por via indirecta, na redução do IVA arrecadado fruto da retracção no mercado interno;

apenas lamento que aquela não constitua mais que uma manifestação da hipocrisia que campeia no aparelho de estado português.

Se o objectivo da actuação da IGT é a de fazer cumprir a legislação em vigor sobre o mercado de trabalho (nomeadamente as condições remuneratórias e de higiene e segurança) não se entende como é que apenas de tempos a tempos (a última iniciativa sobre este sector de actividade decorreu há mais de três anos) sejam efectuadas as respectivas inspecções e estas sejam previamente anunciadas nos órgãos de comunicação.

Não é seguramente para avisar as entidades patronais (estas sabem perfeitamente quando tal vai ocorrer), nem para mobilizar as esquipas de inspectores da IGT, pelo que fica por esclarecer a real finalidade desta informação, a menos que a notícia apenas sirva para daqui a uns dias o governo vir a anunciar que procedeu à normalização das condições de trabalho do sector financeiro, pelo que não haverá razões para em 2006 se vir a registar qualquer aumento salarial num grupo sócio-profissional que já beneficia de vastas “mordomias”. Entre as maiores se contam:

- as facilidades de crédito, com taxas indexadas à Euribor (como toda a gente) e agravadas pela obrigatoriedade de celebração de hipoteca e seguro de vida;

- o subsistema de apoio na saúde, para o qual os bancários sempre descontaram e que agora os banqueiros se preparam para integrar no regime geral;

- o sistema de reformas que deverá a breve prazo ser integrado na Segurança Social, como já aconteceu com o fundo de pensões da CGD;

conjunto que por si só, no entender das estruturas directivas das empresas financeiras, mais que justifica o não pagamento do trabalho suplementar bem como a persistente redução dos quadros dos trabalhadores - cada vez menos necessários face à introdução das modernas técnicas de automação do trabalho - estratégia cada vez mais utilizada tendo em vista o aumento dos lucros, como se pode comprovar da notícia, também hoje difundida pela AGÊNCIA FINANCEIRA, sobre os lucros superiores a 750 milhões de euros registados em 2005 pelo Millennium BCP e sobre os objectivos anunciados para os próximos anos, traduzidos no «crescimento de resultados por acção superior a 20% até 2008, com aumento dos proveitos da Banca de Retalho e redução contínua dos custos com pessoal».

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

«HABEMUS CAVACUM»

Não foi, mas podia bem ter sido com estas palavras que ontem se anunciou a eleição do novo presidente da república portuguesa.

A avaliar pelas sondagens que os órgãos de informação foram divulgando ao longo da pré-campanha e da campanha eleitoral, nem mereceria a pena o incómodo, e o custo, de realização do acto eleitoral.

Afinal o “fumo branco” apresentou-se “muito sujo”, facto que o candidato eleito se apressou a branquear (aliás foi isso que fez ao longo de toda a campanha – branqueando a sua passagem de dez anos pelo governo) quando afirmou que a maioria que o havia eleito se esgotava nessa mesma eleição.

Tal como o disse aqui, nada mudou de relevante de ontem para hoje.

Apenas lamento que tenha sido escolhido para a mais alta magistratura do país alguém que apresenta muito poucas características e qualidades para a função. Não que para tal seja necessário alguém com especiais qualidades, salvo a necessidade de muito bom senso e uma enorme capacidade para saber ouvir (os conselheiros de estado), entender o sentir e o pulsar do conjunto dos cidadãos e manter-se à margem de polémicas; ora isso mesmo é o que Cavaco sempre demonstrou não possuir (quem esqueceu que ele nunca se engana e raramente tem dúvidas, o seu natural impulso interventivo, autoritário e autocrático) e não acredito que o tenha adquirido nestes últimos dez anos.

Cabe igualmente referir que a vantagem atribuída a Cavaco Silva (meros 0,59%) poderá ser o seu primeiro calcanhar de Aquiles e a sua primeira intervenção após o conhecimento dos resultados não deverá ter sido do particular agrado dos líderes dos partidos que o apoiaram, que não só se viram afastados da glória dos vencedores como terão que enfrentar a breve trecho a pressão dos respectivos militantes perante o inevitável distanciamento entre as promessas eleitorais de Cavaco e a sua prática diária.

A fragilidade da vitória de Cavaco Silva (é certo que por um voto se ganha, por um voto se perde) torna-se ainda mais evidente quando se constata que caso os votos em branco fossem contabilizados como votos válidos (é tão válido não escolher qualquer candidato como escolher um deles), o seu resultado seria de 50,05%.

O resultado ontem registado e o perfil do novo presidente, levam-me a formular muito fracos augúrios ao mandato presidencial que em Março se vai iniciar.

domingo, 22 de janeiro de 2006

CONTAGEM DOS VOTOS

No final do dia de hoje saber-se-á se temos novo presidente eleito ou se haverá lugar a uma segunda volta.

Para tal haverá que apurar os votos hoje depositados nas urnas em todas as assembleias de voto constituídas para o efeito. Graças à difusão das novas tecnologias no campo da informática e das comunicações o rápido conhecimento dos resultados começa a ser uma realidade.

Casos há, porém, em que tais resultados são apurados de forma deficiente. Ainda recentemente a Comissão Nacional de Eleições procedeu à divulgação dos resultados finais das últimas eleições autárquicas e constatou que mais de meia centena de mandatos foram indevidamente atribuídos pelas comissões eleitorais (órgão que funciona no próprio local da eleição e até ao apuramento dos resultados), encontrando-se entre estes mandatos para as assembleias municipais, de freguesia e de vereadores.

Embora todos saibamos que errar é humano, parece-me que a legislação em vigor que fixa a capacidade de atribuição de mandatos a comissões de funcionamento local, no lugar da CNE, poderá estar na origem deste número exagerado de erros. Por outro lado parece-me igualmente incompreensível que a CNE demore mais de três meses para proceder à divulgação dos resultados finais de uma eleição.

Esperemos que na de hoje não se verifiquem “erros”, nem polémicas.

sábado, 21 de janeiro de 2006

ELEIÇÕES E INFLUÊNCIAS

Talvez não exista melhor dia para falar sobre eleições que na véspera de umas.

Embora hoje seja um dia dedicado à reflexão dos eleitores, durante o qual é suposto não existirem acções de campanha e propaganda eleitoral, não podemos esquecer que houve candidatos que fizeram um apelo directo e específico aos seus apoiantes mais fervorosos que utilizassem este período para persuadir familiares, colegas de trabalho e vizinhos a acompanhá-los nas suas opções de voto.

Não será estranho que este tipo de apelo tenha surgido de duas candidaturas que nos últimos dias registaram resultados nas sondagens menos consentâneos com as respectivas aspirações ou com as informações que os seus seguidores mais directos iam disponibilizando.

Mas esta introdução não se destina a falar das presidenciais de amanhã, mas sim para criar ambiente a uma breve reflexão sobre processos eleitorais.

Entre estes, pela sua antiguidade e dimensão, ressalta o antiquíssimo processo de eleição papal de que tivemos em 2005 o mais recente exemplo. Esta estrutura religiosa procede à eleição do seu chefe supremo segundo um princípio mais restrito – o do colégio eleitoral, competindo ao conjunto dos cardeais, designado por conclave, proceder a uma eleição de onde resulta a escolha de um destes para a sucessão papal.

Tendo-se registado em meados de 2005 o último destes conclaves, do qual resultou a eleição do cardeal Ratzinger para o cargo da figura central do Estado Pontifício, e preparando-nos nós para a realização da eleição da principal figura do nosso Estado, parece-me adequado fazer aqui eco de notícias vindas a lume no final do ano passado sobre a eleição do papa Bento XVI.

Prevalece entre os católicos o conceito de que a eleição papal é um acto solene e carregado do simbolismo resultante de se atribuir a escolha à influência da inspiração divina de forma a garantir a nomeação do melhor entre os melhores. Este respeitável princípio tem vindo a sofrer profundos golpes na sua credibilidade e não deixa de ser interessante constatar que um dos mais fortes foi desferido pelo próprio Ratzinger quando em 1978, na qualidade de cardeal e de Perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé (nome pelo qual hoje em dia é conhecida a antiga Inquisição), afirmou que contrariamente à tese corrente na Igreja não é o Espírito Santo que dita a escolha papal. Não se pode por isso estranhar que o próprio Ratzinger tenha lançado uma verdadeira campanha eleitoral após a morte, ou se calhar ainda em vida, de João Paulo II.

Pelo menos é o que afirmou um dos cardeais brasileiros que integrou o último conclave. Apesar das pesadas sanções canónicas que pendem sobre quem quebrar o voto de silêncio relativamente ao processo de eleição papal (nada mais conveniente para “calar” bocas e consciências dos que integram um acto que já de si se rodeia de todo um cerimonial de mistério e secretismo que apelar às “penas dos infernos”), seria esperar demasiado destes tempos de rápida circulação de informação se nada transpirasse sobre o assunto. Por muito poderosa que ainda seja a máquina do Vaticano, o facto é que se tornou agora público que a eleição do cardeal Ratzinger resultou de uma campanha organizada onde além das qualidades do candidato também se recorreu à contra-informação (terá sido posta a circular a notícia de que o principal opositor, o cardeal Carlo Maria Martini, sofri da doença de Parkinson) para alcançar os fins desejados.

Rodeadas de óbvias dúvidas e incertezas, nem por isso as declarações do cardeal brasileiro (cujo nome o jornal “O GLOBO” não revelou) deixam de constituir um sério aviso à estrutura eclesiástica e motivo de justa reflexão de todos nós.

Se a eleição papal já se realiza (será que alguma vez foi de forma diferente?) em sistema de conluios e é objecto de processos negociados entre grupos de influência (no caso de Ratzinger foi apontada a “OPUS DEI” como a organização de suporte) o que sucederá naquelas em que nós participamos?

Serão os processos tão transparentes e isentos como muitos crêem e outros querem fazer crer?

Que fique claro, para não deixar qualquer tipo de dúvidas ou suspeitas sobre o acto em causa, que não me estou a referir à eleição (acto de votar exercido por cada um de nós) mas ao processo de constituição das candidaturas (presidenciais ou outras). Para recordar casos muito recentes lembro o que sucedeu com a generalidade das candidaturas não partidárias que formalizaram candidaturas ao acto eleitoral de amanhã. Das treze apenas seis lograram obter a aprovação do Tribunal Constitucional e destas apenas uma não beneficiou do apoio expresso de qualquer força partidária, elo comum com a totalidade das sete rejeitadas.

Sem estar em causa a legalidade dessa rejeição, o que fica claro são as dificuldades para a formalização de candidaturas de iniciativa não partidária, facto que constitui evidente limitação à livre expressão de ideias e demonstra a separação que existe entre a sociedade política e a civil. Adaptando livremente George Orwell poder-se-á dizer que «todas as candidaturas são iguais, mas umas são mais iguais que outras.»

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

PRESIDENCIAIS VI

Ao longo desta semana tenho dedicado todos os dias ao mesmo tema – as eleições presidenciais – como se este acontecimento fosse o “centro do mundo” e nada mais estivesse a acontecer por esse mundo fora.

Felizmente a realidade é bem diferente, tanto que seja qual for o resultado no próximo Domingo nem Portugal nem o Mundo vão passar a ser um melhor lugar para vivermos.

Ao contrário do que têm apregoado os candidatos, com particular destaque nesta matéria para Cavaco Silva, não vai ser com a eleição do Presidente da República que os muitos problemas deste país se vão resolver. Seja porque o presidente não dispõe de poderes executivos (que ao abrigo da nossa constituição estão reservados aos governo), seja porque se os tentar utilizar vai seguramente abrir um confronto com o governo (qualquer que fosse a sua cor política não acredito que quem for governo aceite semelhante intromissão), mais, durante a campanha, pelo menos numa ocasião, Mário Soares teve a lucidez de lembrar que ninguém (nem Cavaco Silva) tem uma varinha mágica para resolver a nossa vida.

Ninguém não! Nós temos! Todos nós temos o poder para participarmos activamente na vida política local e nacional e é dessa participação, desse empenho, da manifestação da nossa vontade e querer que poderemos ajudar a conduzir este país pelo caminho que julguemos mais adequado. Há que não temer manifestar o que pensamos (se alguém demonstrar que estamos errados, nós aprendemos e todos ganharemos uma melhor solução); fazendo-o estaremos a contribuir para a construção do caminho e com o empenho de todos havemos de encontrar (ou construir) um melhor.

Votar, numa eleição para a autarquia, para a assembleia legislativa ou para a presidência da república não é apenas a manifestação de uma vontade ou de uma opção, é também uma forma de estar e de viver em sociedade. A opção inversa (não votar) traduz geralmente uma atitude de laxismo e de desinteresse que poderá traduzir-se na escolha de um candidato ou de uma política que se venham a revelar desastrosas para todos.

Independentemente da maior ou menor motivação pessoal para o exercício do voto (e muito se poderá dizer acerca do acto, do seu conteúdo, do seu significado e do seu aproveitamento) este deve ser sempre encarado como a manifestação de uma vontade pessoal e do empenho no futuro.

Apesar do esforço feito em sentido contrário, chegamos ao final do período oficial de campanha com um quadro de previsões muito interessante. As sondagens da Universidade Católica, da EUROSONDAGENS e da AXIMAGE, parecendo unânimes na vitória à primeira volta de Cavaco Silva acabam, na realidade por revelar resultados diferentes e bem pouco credíveis quanto à exclusão peremptória de uma segunda volta, uma vez que as votações projectadas rondam os 50% depois de descontadas as respectivas margens de erro e anunciam valores de indecisos e de abstencionistas muito elevados.

Há uns anos lançou-se o “slogan” de que não votar era votar no que não se queria, desde então os valores da abstenção têm crescido e não apresentam tendência de inversão. Não acalento grandes esperanças de que no próximo domingo seja diferente, até porque as campanhas dos candidatos também pouco terão tido de muito motivador, nem que este meu apelo tenha maior eficácia que muitos outros, com a pequena diferença (e ao contrário da generalidade dos políticos da nossa praça) que eu não apelo apenas ao exercício do direito de votar, mas à criação de uma consciência colectiva que, pouco a pouco, transforme cada cidadão num elo político de uma cadeia de vontades – A NOSSA VONTADE – que assim se sobreponha ao princípio actualmente em vigor de que existem candidatos iluminados (que por acaso se candidatam a uma função não executiva com um programa de acção executiva e que quando desempenharam funções executivas não conseguiram mais que contribuir para o desperdício de oportunidades de desenvolvimento e crescimento económico) a quem iremos confiar a resolução de todos os nossos problemas.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

PRESIDENCIAIS V

Terminada a ronda pelos candidatos presidenciais muito há ainda a dizer sobre o acto eleitoral que se avizinha.

Nas últimas semanas muito se tem dito e escrito nos meios de comunicação nacional sobre este tema, endeusando ou vilanisando candidatos, apresentando vantagens e inconvenientes sobre cada um deles, ou mais prosaicamente descrevendo as respectivas actuações diárias.

Comentadores e analistas de todos os quadrantes têm procurado explicar com a sua argumentação as vantagens de um ou outro candidato, sendo de destacar que ainda antes da apresentação das sondagens mais recentes que começam a revelar uma tendência para a queda do “candidato eleito por antecipação” - aproximando cada vez um cenário de segunda volta - alguns já vão começando a lançar evidentes apelos à mobilização do eleitorado para contrariarem não só esta tendência mas também uma previsível abstenção face à propaganda de uma mais que certa vitória.

É exemplo disto o artigo de opinião que Vasco Graça Moura assinou no DIÁRIO DE NOTÍCIAS de ontem, onde, apesar dos seus esforços literários para o disfarçar, ressalta à evidência o dilacerado apelo, o dramatismo e a premência da necessidade da mobilização quando conclui dizendo que «...a 22 de Janeiro joga-se a única e também a última oportunidade de que eles [a maioria dos eleitores] podem lançar mão para ajudarem à solução da crise nacional e à construção sustentada do futuro. O futuro começa a 22!»

O próprio Cavaco Silva já apelou em público para que os seus apoiantes utilizem o sábado (o tal dia destinado à reflexão) para mobilizarem familiares, colegas de trabalho e vizinhos.

Embora ainda seja cedo para rir desta súbita inversão da vaga de vitória para o desespero de tentar mobilizar toda a gente, não deixa de ser interessante constatar a normal fragilidade dos “gigantes de pés de barro”, bem como a confirmação de que candidato e apoiantes continuam a persistir na ideia de que a resolução da crise e a construção do futuro dependem da eleição de um presidente messiânico.

Felizmente para os apoiantes mais próximos de Cavaco Silva, a campanha eleitoral está quase concluída, porque se durasse mais uns dias ainda iríamos ver o seu esfíngico candidato a «beijar criancinhas ranhosas e peixeiras malcheirosas» ou obrigado a mergulhar nalgum rio poluído para tentar conquistar mais uns "votozinhos"...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

PRESIDENCIAIS IV

Concluindo a ronda que me propus realizar pelo conjunto dos candidatos presidenciais, vejamos as candidaturas de Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Garcia Pereira.

Considerados como “outsiders” por não apresentarem reais hipóteses de eleição, ou passagem a uma segunda volta, os também designados candidatos partidários, por emanarem directamente de um directório político, nem por isso deixam de justificar atenção e merecer o respeito de todos.

Constatado o fracasso da hipótese de uma candidatura conjunta com o PS, opção que a direcção do PCP privilegiava, resolveu aquele partido avançar com a candidatura do seu secretário-geral, Jerónimo de Sousa.

Figura importante na actual estratégia comunista, possuidor de características de afabilidade e boa comunicação, Jerónimo de Sousa repete uma candidatura ensaiada em 1996 que o partido não levou à boca das urnas desistindo em favor de Jorge Sampaio. Desta feita promete “ir até ao fim” e para já tem conseguido manter em bom nível a sua presença. Centrando a campanha em torno de temas como o da defesa das condições laborais e dos princípios constitucionais em vigor (foi responsabilidade da sua candidatura a tese de que a constituição não é neutral), tem logrado uma boa resposta popular ao seu discurso (disso é prova o comício recentemente realizado no Pavilhão Atlântico) e parece estar a conseguir aquele que deverá ser o seu principal objectivo: garantir uma boa percentagem de votação que de outra forma poderia engrossar o grupo dos abstencionistas.

Também a candidatura de Francisco Louçã resultou da decisão do grupo político que lidera (Bloco de Esquerda) e tal como a anterior deverá, fundamentalmente, procurar assegurar a mobilização para o acto eleitoral que se avizinha. Parlamentar reputado, Louçã conseguiu brilhar em alguns momentos, com particular destaque para o debate em que participou com Cavaco Silva. Apresentando ambos formação na área económica, foi naquela oportunidade evidente a falta de capacidade de Cavaco Silva para defrontar, com armas iguais, o seu opositor. Louçã revelou em quase todas os temas então abordados, informação, conhecimento e capacidade de argumentação igual ou superior à do candidato à sua direita, contribuindo para uma eficaz desmistificação da áurea de sabedoria do ex-primeiro-ministro.

Ao longo da campanha Louçã tem procurado, tal como Jerónimo de Sousa, contribuir para a redução de uma atitude abstencionista que poderia grassar entre o eleitorado descontente com a política governativa do PS e pouco identificado com as teses tradicionalmente ortodoxas do PCP, enquanto vai apresentando propostas concretas sobre temas bem definidos, como aconteceu com a proposta de financiamento do deficit da segurança social, a oposição à ideia da criação de círculos eleitorais uninominais e a oposição à política de concentração nos meios de comunicação social.

Garcia Pereira, líder do PCTP-MRPP, repete a candidatura de 2001. Entre o grupo dos “outsiders” este será, indubitavelmente, o mais “outsider” de todos. Advogado de créditos firmados e patrono de muitas causas que poucos se arriscariam a defender, tem construído uma reputação de político eficiente, idêntica à que tem como jurista, porém, para a eleição em causa é o que menos peso apresenta, sem que por isso desmereça do direito de fazer ouvir a sua voz e a sua opinião.

No conjunto pode-se dizer que estes três candidatos poderão representar a diferença entre uma eleição numa primeira volta, ou a necessidade de uma segunda que defina qual o futuro PR.

terça-feira, 17 de janeiro de 2006

PRESIDENCIAIS III

Continuando na senda dos dias anteriores é chegado o momento de falar sobre o terceiro dos candidatos com possibilidades de ser eleito.

Após a formalização do apoio do PS à candidatura de Mário Soares, Manuel Alegre decidiu avançar com a sua própria candidatura em Setembro de 2005.

Sem apoios partidários declarados, a candidatura de Manuel Alegre estará a apresentar uma inegável atracção para muitos eleitores que não se revêem em qualquer das actuais estruturas partidárias. Do mesmo modo o percurso literário e político do candidato poderá estar na base dos apoios que tem vindo a receber, muito em particular da área artística e científica.

Parlamentar e militante do PS desde longa data, a Manuel Alegre se devem algumas das melhores intervenções políticas nos congressos socialistas, marcando sempre presença pelas suas convicções e assumindo muitas vezes o papel de memória e consciência política e social do grupo.

Não sendo um tribuno, no sentido político do termo, Manuel Alegre apresenta a vantagem de um perfil humanista e moderado, que poderá constituir um eficiente contraponto ao perfil tecnocrático e autocrático de Cavaco Silva e ao perfil de político tribunício de Mário Soares.

Dos debates televisivos realizados ficou a ideia de um Manuel Alegre voluntarioso mas por vezes pouco consistente, como sucedeu com Cavaco Silva, possuidor de convicções arreigadas mas, por vezes, de difícil explicação, no frente-a-frente com Mário Soares. Lançou na campanha o seu conceito de magistratura de exigência e defende que o PR tem que funcionar como provedor da democracia.

Pela sua natureza de intelectual e humanista, Manuel Alegre apresenta-se mais como o candidato do coração que o da razão, mas quantas vezes não nos deixámos nós conduzir, e bem, pelo coração?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

PRESIDENCIAIS II

Depois de ontem ter deixado algumas das dúvidas que me assaltam a respeito do candidato presidencial a que as sondagens já atribuem a vitória, gostava de continuar este tipo de reflexão a propósito de outro.

Tal como Cavaco Silva também Mário Soares recebeu o apoio de um partido – o PS – embora este assuma desde a primeira hora a importância desse mesmo apoio, contrariamente àquele.
Após um longo período de hesitações entre as hostes do PS, divididas quanto à questão presidencial (quiçá entre apoiar um candidato próprio ou Cavaco Silva), as pressões do PC para a formalização de uma candidatura de “esquerda” e o anseio, manifestado de forma ainda pouco convicta por Manuel Alegre, a direcção socialista acabou por se decidir pelo apoio à candidatura de Soares.

Desde o início se fizeram ouvir vozes críticas apontando como principal defeito a adiantada idade do candidato. Facto inegável a que este foi respondendo com a sua reconhecida capacidade para “dar a volta” às dificuldades e iniciando desde logo uma maratona de deslocações, visitas, contactos, entrevistas, etc., etc., com o objectivo de passar a figurar no panorama noticioso nacional.

Não esquecendo que saíra da vida política activa há cerca de dez anos (quando completou o segundo mandato seguido como PR) Soares foi-se desdobrando na tentativa de explicar porque concorria a novo mandato. Evitando sempre aquela que talvez seja a razão fundamental (o PS parecia não ter mais ninguém disponível após as recusas de Guterres e Vitorino), procurou centrar a questão da candidatura no sentido de evitar a eleição de Cavaco Silva.

Em termos práticos Soares apresenta-se com a inegável vantagem de já ter exercido o cargo (facto não displicente), mostrando-se particularmente activo no contacto directo com as populações e francamente capaz de enfrentar de igual para igual os restantes candidatos. Durante o período da realização dos debates televisivos foi inegável que os mais interessantes foram aqueles em que ele ou Francisco Louçã participaram.

Despida de grandes temas, a campanha de Soares respeita o princípio que ele próprio procurou enunciar no debate televisivo com Cavaco Silva – o PR não governa, é apenas uma figura de moderação da cena política nacional, devendo igualmente assegurar um papel de mobilizador – tem-se revelado pouco atractiva e inovadora.

Paradoxalmente Soares ainda não conseguiu explicar de forma convincente as razões da sua candidatura; assim, mesmo reconhecendo-lhe vastas capacidades para o exercício do cargo (de que aliás já deu provas), entendo que são precisas mais razões para o integrar no meu leque de possíveis escolhas para o próximo inquilino de Belém.

domingo, 15 de janeiro de 2006

PRIVATIZAÇÕES E INTERESSE PÚBLICO

O JORNAL DE NOTÍCIAS publica hoje um artigo onde refere a vetusta idade dos autocarros utilizados pelas empresas de transporte rodoviário de passageiros em Portugal.

Entre outras “novidades” refere que bom número dessas viaturas apresentam idades entre os 9 e os 20 anos, foram adquiridas em países onde já não é permitida a sua circulação, por terem ultrapassado o limite de quilometragem legal, e não cumprem as actuais normas europeias sobre emissão de gases.

Numa palavra as transportadoras nacionais estão a adquirir a sucata rodoviária de países como a Holanda, a Suécia e a Alemanha.

Como se não bastasse esta informação, aliás confirmada pelas estatísticas da DGV (Direcção Geral de Viação), são ainda adiantados mais motivos de preocupação como o facto de estas viaturas serem sujeitas a inspecções muito ligeiras (seja pela importância que as transportadoras representam enquanto clientes dos centros de inspecção seja porque alguns dos proprietários desses centros partilham interesses com transportadoras) e utilizadas maioritariamente no transporte de crianças e adolescentes.

Tudo isto já é sobejamente preocupante, mas parece-me insuficiente para descrever o estado actual do parque de viaturas das empresas de transporte rodoviário de passageiros. Este caracteriza-se pela referida idade vetusta da maioria das viaturas (basta olhar atentamente pelos autocarros que circulam pelas estradas do nosso país, onde até alguns “expressos” já começam a sofrer do mesmo problema), pela manifesta falta de condições de segurança (quantos de nós não nos cruzámos, ou viajámos, já em autocarros com manifestas deficiências de suspensão – um lado mais baixo que o outro), de higiene (de quantos em quantos anos é que os seus interiores serão realmente limpos) e de conforto (a maioria deles transforma-se em saunas ambulantes no Verão, por terem sido concebidos para países incomparavelmente mais frios que o nosso, e conheço alguns onde chove no seu interior).

Até pode ser que as viaturas importadas se revelem economicamente interessantes para os donos das empresas de camionagem, pelo menos enquanto nós, os passageiros, não nos recusarmos a viajar nelas, mas se tal acontece não é apenas pela falta de legislação que proteja os utentes e restante utilizadores das estradas nacionais, é também porque nos “anos de ouro” da economia nacional tivemos governos que procederam à privatização de tudo quanto fosse empresa interessante para os investidores privados, sem nunca ter acautelado os reais interesses dos cidadãos do país que diziam dirigir para o progresso e a modernidade.

Foi graças ao desempenho dos governos cavaquistas e à sua ânsia de fazer beneficiar alguns investidores que sectores fundamentais da actividade económica acabaram sob gestão privada, sem terem sido tomados o mínimo de cuidados que garantissem que serviços de natureza pública, como é o caso dos transportes de passageiros, dos serviços de comunicações, da produção e distribuição de energias, etc., etc., continuasse a assegurar essa função de forma minimamente digna.

PRESIDENCIAIS I

Entrámos na recta final da maratona presidencial. Embora oficialmente a campanha eleitoral dure apenas duas semanas, desde o final do Verão passado que alguns candidatos iniciaram o processo e um há que, por interpostas figuras, iniciou a campanha há muito mais tempo.

A diversidade de estratégias para a abordagem deste ponto da vida política nacional não lhe retira nem importância nem valor, antes poderia contribuir para um debate sobre o futuro que pretendemos para o país.

Ora, é precisamente na questão do debate, melhor na sua ausência, que começam os nossos problemas. Os problemas para os eleitores que deverão proceder à escolha (ao fim e ao cabo votar é isso mesmo) e para os candidatos e os seus directórios políticos que têm de alguma preencher esse mesmo vazio com um discurso adequado e eficaz.

No caso dos primeiros é bem sabido que muitos ainda continuam a optar pela solução mais simples votando no candidato da “cor” da sua filiação ou preferência, outros guiar-se-ão pelas sondagens ou pela “imagem” que a comunicação social (leia-se televisão) lhes der e lhes pareça mais agradável; o terceiro e último grupo é constituído por aqueles que procurarão colher informação, avaliar opções, pesar “prós e contras” decidindo-se pelo candidato que julguem mais adequado à função.

Na ausência de um efectivo debate entre o pensamento e as estratégias de cada candidato, quando quase todos (pelo menos aqueles que apresentam reais hipóteses de eleição ou passagem a uma segunda volta, porque há que reconhecer aos “pequenos candidatos” o mérito de se fazerem ouvir sobre questões mais concretas mesmo que de forma polémica) persistem em discursos mais ou menos vagos e de apresentação de ideias gerais que todos subscreveremos, resta-nos recorrer à memória e relembrar opções que cada um tomou em situações anteriores.

1 – Em termos concretos Cavaco Silva tem passado todo o tempo a falar da sua intenção de vir a ser um elemento de mobilização para vencer a crise económica, mas simultaneamente diz que será um factor de estabilidade política.

Para quem defende, como parece ser o caso dele (mas é seguramente o da globalidade da sua comitiva), que a actual crise económica resulta das más opções do governo socialista de António Guterres (que recorde-se sucedeu aos governos do próprio Cavaco quando este resolveu abandonar a função), continua por explicar como irá agora cooperar com um governo do partido que responsabiliza pela situação? Como será possível assegurar a tal estabilidade num clima de confronto?

2 – Cavaco Silva vai dizendo que pretende manter um contacto com os portugueses e ouvir as suas vozes, nunca explicando como o pensa fazer.

Será que pretende criar um endereço na Internet para comunicação directa? Qualquer coisa do tipo DIGOANIBAL.COM? Ou um mais institucional DIGAAOPRESIDENTE.COM?

3 – Cavaco Silva também se tem referido à necessidade de criar um clima de confiança, de reforçar a consciência cívica dos cidadãos e de melhorar a qualidade da nossa democracia e a credibilidade e o prestígio das suas instituições fundamentais.

Porém, aquilo que conhecemos do perfil e da actuação do candidato sugere grandes dúvidas. Não é Cavaco Silva aquela figura que nunca se engana e raramente tem dúvidas?
Quem, com este tipo de perfil autocrático e arrogante pode alguma vez contribuir para reforçar a consciência cívica dos portugueses?

Será com atitudes autocráticas, do tipo “posso, quero e mando”, que veremos melhorada a qualidade da nossa democracia e aumentada a credibilidade e o prestígio das instituições democráticas?

Será com um presidente proto-autoritário que todos passaremos a ver desfilar no panorama político nacional e local as figuras mais empenhadas na resolução dos problemas do país, ou pelo contrário vamos continuar a ver alcandoradas nos degraus do poder o pior que o regime democrático pode produzir – a mesma cáfila de oportunistas e pseudo-técnicos com que os governos de Cavaco Silva enxamearam primeiro os ministérios e depois as principais empresas deste país?

Porque pertenço ao grupo dos eleitores que pensam antes de votar e porque ainda consigo conservar memória do passado recente de Cavaco Silva (e que não conseguisse a Internet abunda de registos e informação da época) digo hoje como disse há meses
aqui - NÃO SEI POR ONDE VOU, MAS COM ESTA COMPANHIA NÃO VOU POR AÍ…

sábado, 14 de janeiro de 2006

O DESCONTROLO E A AUSÊNCIA DE ÉTICA

Tinha pensado encerrar o meu “post” de ontem com uma frase a que recorro em certas ocasiões: “Ainda havemos de voltar a falar disto!”, mas achei que seria mais útil utilizar este espaço nos próximos dias para abordar questões ligadas com o acto eleitoral que se aproxima do que insistir na questão da inépcia do Procurador-Geral da República e da última “bomba” jornalística do “24 Horas”, porém, apesar de convicto de que seria mais importante e útil reflectir sobre os candidatos à eleição presidencial, notícias hoje vindas a lume levam-me a retomar o tema de ontem.

A Portugal Telecom veio esclarecer que a informação fornecida ao Ministério Público (sob a forma de ficheiro informático) respeitava a uma listagem de números contactados a partir de um telefone fixo de que era assinante Paulo Pedroso. Como na época este era secretário de estado a respectiva assinatura era suportado pelo Estado, daí a informação colhida conter os números de outros telefones em idênticas circunstâncias. A PT acrescenta ainda que a informação adicional não estava directamente acessível mas sim ocultada mediante a aplicação de um procedimento informático de segurança – um filtro.

Para quem desconheça tudo, mas mesmo tudo, da utilização de computadores este esclarecimento poderá indicar que quem fez a “consulta” ao ficheiro terá tido que proceder a complicados (para não dizer esotéricos) procedimentos informáticos, logo tratar-se-á seguramente de um “hacker” (pirata informático) especialista na violação de conteúdos informáticos. Nada mais errado, o que na realidade a PT fez foi transferir para um ficheiro a informação solicitada sem o devido cuidado de dele eliminar a que não respeitava ao número pedido, antes procedendo a uma simples rotina de ocultação dessa informação adicional. Como qualquer utilizador corrente de uma folha de cálculo do tipo Excel sabe, para visualizar os dados ocultos basta uma simples desactivação do filtro, conhecimentos que aparentemente o funcionário da PT ignora.

Quando esta vem dizer que se o Ministério Público não tivesse pedido expressamente a informação em suporte magnético teria recebido, como é vulgar, uma listagem em suporte papel na qual não constaria outra informação além da solicitada, está a revelar que os seus quadros de funcionários são incapazes ou incompetentes para, utilizando as ferramentas informáticas actuais, garantir a segurança da confidencialidade das nossas comunicações diárias.

Tudo isto começa a assumir contornos de crescente gravidade e originar a formulação de mais dúvidas que certezas.

A delegada do Ministério Público que solicitou a informação em suporte informático saberia que por esta via poderia ter acesso a informação adicional, sem incorrer na necessidade de a solicitar oficialmente?

Os quadros do Ministério Público serão tão incompetentes (informaticamente falando) que ninguém detectou esta situação? Se a detectaram (facto perfeitamente natural) porque não procederam à pura e simples eliminação dos registos não solicitados, permitindo que estes circulassem inclusivamente por escritórios de advogados (um dos quais confirmou tê-los tido à sua disposição durante dois dias e ter recorrido aos serviços de um informático para a sua leitura) e permanecessem no processo à disposição dos seus utilizadores?

Se a PT costuma fornecer este tipo de informação (factura detalhada a pedido do assinante ou da Justiça) em suporte papel e, segundo declara, dispõe de rotinas informáticas adequadas para a respectiva produção mas não para a produção em suporte magnético, a quem no interior da sua estrutura foi pedida a respectiva produção? Não foi seguramente a ninguém da área informática (recuso-me a admitir que alguém com um mínimo de conhecimentos nesta área produzisse um trabalho com tão pouca qualidade e segurança), talvez a algum jovem “tarefeiro” ou “estagiário” que agora irá sofrer a ira do seu ignorante e incompetente responsável directo?

De forma genérica este conjunto de questões merece uma pronta actuação dos responsáveis pelo Ministério Público, porque mesmo admitindo que a sua delegada do ignorava a existência da informação adicional indevidamente disponibilizada pela PT, é difícil admitir que ninguém naquele organismo (minimamente conhecedor do funcionamento de programas informáticos básicos) a tenha detectado, pelo que é todo o organismo que no seu conjunto terá que ser posto em causa e ver revistos todos os seus métodos de trabalho e mecanismos de segurança.
No caso da PT é urgente que a respectiva administração proceda à imediata substituição de toda a estrutura directiva do seu departamento informático que, pela amostra junta, não apresenta um mínimo de condições para garantir a eficácia do seu trabalho e ainda menos a segurança da informação a que tem acesso.

Estas questões mais que levantar um conjunto de dúvidas visam chamar a atenção para a total ausência de ética e de rigor profissional da parte do Ministério Público (tanto mais que não se trata do primeiro caso de informações intencional ou descuidadamente incluídas em processos judiciais) e de uma empresa com a dimensão e a relevância da PT.

PS: Porque estamos em vésperas de eleição de um novo Presidente da República vejamos o que dizem os candidatos sobre esta situação.

Manuel Alegre e Garcia Pereira defendem a substituição do PGR, Jerónimo de Sousa diz que há que apurar a verdade e conduzir até final o inquérito que o PGR abriu, Francisco Louçã, que noutras ocasiões defendeu a destituição do PGR, diz que é preciso conhecer o teor da conversa entre este e o PR, Mário Soares questiona a situação mas não avança modelo de actuação e Cavaco Silva continua a achar que os mandatos são para cumprir até ao fim!

PPS: Nos tempos da monarquia o rei também governava até à morte e era substituído pelo filho…

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

DIREITOS E GARANTIAS EM PORTUGAL

Vários órgãos de comunicação nacional fazem hoje eco da manchete do jornal “24 HORAS” que noticia o facto do chamado “Processo Casa Pia” conter registos de várias dezenas de chamadas telefónicas realizadas entre Dezembro de 2001 e Maio de 2002 a partir de telefones privados, sendo grande parte de números confidenciais.

Ao que parece entre os números vigiados contam-se os do Presidente da República, do Primeiro-ministro, do Presidente da Assembleia da República, de políticos não especificados e de magistrados (com particular incidência os do Supremo Tribunal de Justiça); tanto quanto terá conseguido apurar o autor da peça jornalística a Portugal Telecom diz que não dispensou a informação sem o respectivo mandato judicial, mas que no processo não figura qualquer documento justificativo da mesma.

Ao longo do dia a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado desmentindo a notícia e informando que não foi pedida informação à Portugal Telecom nem existe no processo qualquer despacho nesse sentido, que nos termos em que se encontra redigido parece mais um sofisma que uma explicação ou um desmentido.

Em termos gerais o que qualquer cidadão não pode deixar de pensar é como foi possível a obtenção da informação de que o jornal alega ter cópia, tanto mais que esta carecia de autorização judicial que jornal e PGR dizem não ter existido.

Sem autorização judicial nada distingue o diligente agente da Polícia Judiciária que apresentou o pedido à PT de qualquer outro cidadão, pelo que é de admitir que as empresas nacionais “prestem” alguns serviços de natureza legal muito duvidosa, razão pela qual qualquer cidadão no interior das fronteiras nacionais corre sérios riscos de ver a sua privacidade devassada em nome de um qualquer princípio desconhecido e sem quaisquer garantias de segurança e sigilo sobre essa mesma informação.

O Presidente Jorge Sampaio terá exigido ao Procurador-Geral da República o apuramento de responsabilidades em mais este “caso”, que há semelhança de outros também deverá acabar no rol do esquecimento ajudado pela voragem de novas notícias bombásticas.

Para a história ficará mais um episódio, revelador do estado de degradação a que chegou a justiça e os seus agentes em Portugal, da inoperância dos mecanismos de protecção dos direitos e garantias individuais neste país e da evidente incapacidade de um magistrado que é suposto assumir o papel de garante de um estado de direito que pelos visto não existe entre nós.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

A SEGURANÇA E OS DIREITOS HUMANOS

Não é apenas no campo das relações internacionais que os EUA mantêm uma prática ambígua e criticável. Para além da há muito praticada política de dois pesos e duas medidas relativamente aos seus parceiros internacionais (em função da distribuição entre amigos e não amigos), também no domínio interno se notam o mesmo tipo de sinais.

Já ontem aqui abordei uma das pontas (na vertente externa) deste problema a propósito da questão nuclear iraniana e hoje proponho-me continuar, agora na vertente interna, área onde começo por recordar antigas práticas, como a seguida até aos anos 60 do século passado relativamente à comunidade negra norte-americana (não completamente resolvida até aos dias de hoje, como se pode constatar após a destruição de New Orleans no Verão passado) e onde actualmente campeia uma vasta polémica em torno das escutas telefónicas praticadas sem mandato judicial pelos serviços de segurança interna (NSA – Agência de Segurança Nacional).

Problema originado pela luta contra o terrorismo, decretada após o 11 de Setembro de 2001, que começa, até no panorama interno norte-americano, a assumir contornos de quase paranóia. É histórico o facto das administrações americanas, pelo menos as politicamente mais instáveis, recorrerem ao empolamento de um “inimigo” externo como forma de manutenção e consolidação do seu poder interno, porém o que agora se está a passar ultrapassa tudo o que se conhecia.

Segundo recente revelações de um agente da NSA a administração americana está a proceder a algo que se assemelha mais à mítica figura do “Big Brother”, criado por George Orwell, que tudo ouve e tudo vê do que a procedimentos de segurança. Aquele organismo está a utilizar programas que analisam comunicações segundo chaves ou palavras pré-seleccionadas e sempre que uma é localizada todos os contactos feitos para ou a partir dessa fonte de comunicação passam a ser analisadas em pormenor. Em termos práticos se qualquer pessoa contar ao telefone uma simples anedota mencionando o nome de Bin Laden, aquele número e todos os que com ele alguma vez se relacionarem passam a estar sob vigilância directa.

Pode-se argumentar, como o faz a administração de George Bush, que tal acontece para protecção dos cidadãos; mas até onde vai o conceito de protecção? Sem controlo judicial quem garante a segurança das conversações gravadas? Quem assegura que estas não possam ser utilizadas para fins diversos da mera detecção de actividades criminosas?

São questões deste tipo, directamente relacionadas com os direitos e as liberdades individuais que começam a fazer-se ouvir sobre esta prática indiscriminada e descontrolada. Mesmo os americanos que apoiaram a aplicação de legislação particularmente restritiva no capítulo dos direitos e liberdades, como é o caso do “Patriot Act” aprovado pouco depois do ataque ao World Trade Center, começam a questionar-se sobre os limites entre a necessidade de protecção e o abuso de poder de que este tipo de práticas se reveste.

A questão da legalidade das escutas telefónicas também tem tido o seu relevo em Portugal bem como críticas ao seu sistema, mais pelo facto daquelas nem sempre apresentarem o devido acompanhamento judicial e por algumas delas (as mais mediáticas ou politicamente mais “interessantes”) acabarem por ser publicamente divulgadas. Esta é uma questão obviamente grave mas que não assume (pelo menos até agora nada tem surgido que o faça pressupor) foros idênticos ao que se passa nos EUA, uma vez que mesmo envolvendo um número desproporcionado de vigiados (o Procurador Geral da República já admitiu que deverão ser cerca de oito mil as pessoas sob escuta) e já tendo provocado alguma agitação nos círculos políticos (questão da divulgação de escutas a Ferro Rodrigues ex-líder do PS) ainda se encontra longe de um processo de vigilância electrónica permanente e global.

O caso americano revela à saciedade até onde pode ir a prepotência de um poder teoricamente eleito para servir e proteger a população de um estado. Há muito que sucessivos governos americanos vêm revelando a mais elementar falta de pudor ético e moral, nomeadamente quando persistem em não reconhecer o Tribunal Penal Internacional (que o mesmo é dizer que o país que maior número de tropas dispõe nos quatro cantos do mundo não permite que os que as compõem possam ser sujeitos a julgamentos de acusações sobre crimes de guerra ou outras violações dos direitos humanos), enquanto continuam a criticar e a invadir estados sob o argumento de que estes violam os direitos humanos.

A dualidade de critérios, até no cumprimento de regras internacionais comummente aceites por quase todas as nações, como é o caso da Convenção de Genebra, é particularmente manifesta no tratamento dos prisioneiros resultantes da invasão do Afeganistão, relativamente aos quais a administração americana defende o princípio de que não se tratam de prisioneiros de guerra mas sim de terroristas, pelo que não tem permitido a intervenção de organismos humanitários como a Cruz Vermelha nas prisões especiais (como é o caso da de Guantanamo) onde são mantidos sem julgamento há mais de quatro anos, não lhes permite o acesso a advogados de nacionalidade diferente da americana e utiliza, para interrogatórios, instalações em países onde é permitida a prática da tortura.

Sobre esta última questão o Congresso norte-americano aprovou recentemente legislação que, contrariamente à até agora em vigor, proíbe expressamente tal prática a cidadãos americanos em qualquer parte do mundo. Infelizmente iremos assistir a novo malabarismo – para a obtenção das chamadas informações vitais os serviços americanos vão seguramente passar a “entregar” os seus presos a algozes estrangeiros (não abrangidos pelas novas limitações), torneando assim a letra da lei e garantindo que o fluxo de”informação” não seja interrompido.

No combate ao terrorismo, como em muitas outras situações, os EUA persistem na utilização da razão da força em vez da força da razão, não sendo por isso de estranhar que cada vez mais se apelide a sua actuação de poder imperial.