sábado, 29 de setembro de 2007

A IMPORTÂNCIA DOS BONZOS

Ao décimo dia de manifestações contra a ditadura militar em Myanmar, os todo-poderosos militares decidiram subir mais um degrau na escalada da confrontação e pela primeira vez abriram fogo sobre os manifestantes. Saldo da opção: uma dezena de mortos, segundo fontes oficiais, várias dezenas, segundo fontes da oposição.

Pese embora as divergências nos números, estes não são nada que se compare com os mais de 3.000 de mortos e desaparecidos que ocorreram em 1988 aquando da última grande movimentação popular contra a ditadura militar que em 1962 colocara no poder o general U Ne Win. Três milhares de vidas humanas custaram o afastamento daquela figura que no mesmo ano seria substituída pelo general Saw Maung, em consequência de novo golpe militar.

O movimento de 1988, que ficou para a história como o Levantamento 8-8-88[1], teve origem no descontentamento popular em resultado das más condições económicas e da manifesta incapacidade dos militares para resolverem a situação. Então como agora a população desta antiga colónia inglesa[2] veio em massa para a rua exigir o fim do governo militar. Apesar do malogro da iniciativa, realizar-se-iam eleições em 1990, cujos resultados – esmagadora vitória da Liga Nacional para a Democracia (LND) que alcançou 80% dos lugares parlamentares – foram prontamente anulados pelo partido dos militares (Conselho para a Restauração do Estado Lei e Ordem) que recusou ceder o poder.

O regime, liderado desde 1992 pelo general Than Shwe, além de ter mudado a designação do partido no poder para Conselho para o Estado Paz e Desenvolvimento e de ter prometido uma nova constituição[3] pouco mais fez pelo que volta agora a confrontar-se com a oposição popular.
O que torna particularmente interessante o acompanhamento da evolução da situação naquele país, além do natural desejo de ver resolvida uma situação política particularmente anti-natural – em qualquer região do mundo os aparelhos militares existem para fins de protecção (ou projecção de força) e não para assegurar funções legislativas ou executivas, para as quais estão evidentemente desajustados – é ver a forma como nele actua o aparelho religioso. Myanmar, país do sudoeste asiático, é predominantemente budista e a influência da estrutura religiosa sempre foi determinante em todos os momentos de maior relevância política.

O movimento independentista que se opôs à colonização britânica contou com a empenhada participação dos monges budistas (bonzos), tendo o mesmo acontecido em 1988.

Tal como então, também desta vez o movimento de contestação contra a junta militar conheceu evidente crescimento após as primeiras aparições de bonzos nas manifestações. A importância destes resulta do facto das populações continuarem ainda hoje a reconhecer os seus religiosos como verdadeira reserva moral da sociedade e de historicamente estes sempre se terem manifestado em defesa das populações que servem e de quem dependem exclusivamente[4].

A recente decisão dos bonzos de iniciarem um processo de recusa em aceitar esmolas dos militares pode bem constituir um golpe definitivo nas esperanças de preservação dos militares no poder.

Não é pois de estranhar que até no Ocidente se veja a crise birmanesa sob um prisma muito particular…

tanto mais que nos tempos actuais existem novos meios de difusão da informação – a Internet – de que se têm socorrido alguns birmaneses para fazer chegar ao resto do mundo o relato do que por lá se passa.

Não é pois de estranhar que além de um jornalista japonês morto (uma das primeiras vítimas mortais) a junta militar esteja a tentar por todos os meios impedir o funcionamento da Net no seu território e a sua utilização enquanto veículo de difusão dos acontecimentos.

As reduzidas ligações comerciais de Myanmar, que quase se limitam ao triângulo China, Índia e Tailândia, tornam particularmente ineficaz o recurso aos mecanismos diplomáticos habituais bem como à política de sanções económicas tão do agrado de americanos e europeus.

Após o fracasso da iniciativa britânica para obter uma condenação pelo Conselho de Segurança da ONU – solução a que a China se opôs sob a alegação, não sem fundamento, que a actual crise não constituindo uma ameaça à segurança internacional ou regional não passará de um problema de ordem interna – apenas aqueles três países poderão influenciar o regime militar birmanês, o que só acontecerá quando sentirem os seus interesses económicos ameaçados; até lá o LND e a sua principal figura – Aung San Suu Kyi[5] – apenas poderão contar com as suas próprias forças e com a ainda grande influência dos bonzos.

A luta poderá ser desigual, mas a recente decisão dos bonzos de recusarem esmolas[6] dos militares, em resposta à repressão e às prisões a que têm sido sujeitos, parece começar a fazer alguns estragos no moral das tropas, pelo menos fazendo fé em notícias como esta difundida pelo DIÁRIO DIGITAL, que dando conta das primeiras insubordinações tornam ainda mais difíceis as respostas a perguntas simples como:

Irão os governantes militares dar ouvidos aos incontáveis apelos à calma e ao diálogo?

Poderá o regime vacilar sob o peso da fúria popular ou em resultado de divisões no interior do exército, ou conseguirá perpetuar-se através de um processo de aterrorização da população como o fez em 1988?

Como muito bem resume um correspondente da BBC NEWS na região, Jonathan Head: «Ignoramos qual destes cenários é mais plausível pela simples razão que é impossível conhecer o pensamento da reduzida clique de generais que dirige o país» [7]
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[1] Consequência das grandes manifestações de 8 de Agosto que culminaram com o afastamento de Ne Win.
[2] Então designada como Birmânia, o território esteve sob colonização inglesa entre 1886 e 1948 e sob administração provincial conjunta com a Índia. Após a Segunda Guerra Mundial e a ocupação japonesa acabou por alcançar uma independência que nunca conheceu tempos fáceis.
[3] Prometida em 1992, quinze anos volvidos o regime militar ainda não conseguiu elaborar o documento final.
[4] A importância dos monges não deriva apenas de um fenómeno de maior religiosidade das populações mas fundamentalmente das comunidades budistas sempre terem estabelecido um relacionamento muito estreito com os grupos religiosos. Não só estes dependem exclusivamente das populações para a satisfação das suas necessidades básicas (alimentação e vestuário) como estas dependem dessas dádivas para o reconhecimento dos seus méritos.
[5] Aung San Suu Kyi, é a líder da oposição e activista dos direitos humanos premiada com o Nobel da Paz em 1991. Natural de Rangun, é filha de Aung San o herói nacional da independência da Birmânia que foi assassinado quando esta tinha apenas dois anos de idade; regressou ao país por altura do Levantamento 8-8-88 tendo-se tornado rapidamente a líder do movimento de contestação ao regime militar. Após a vitória eleitoral da LND, Suu Kyi viu-se remetida a prisão domiciliária pela junta militar que governa o seu país. Após a atribuição do Prémio Sakharov, em 1990, e do Nobel da Paz no ano seguinte, o governo militar decidiu levantar, em 1995, a pena de prisão domiciliária que lhe imposera, como sinal de abertura democrática dirigido à comunidade internacional, mas as suas liberdades individuais continuam muito limitadas. (adaptado de Wikipédia)
[6] Nas comunidades budistas a esmola reveste-se ainda hoje de uma importante função espiritual e os monges mantém viva a tradição de procederem à recolha diária dos seus únicos meios de subsistência.
[7] Ver o artigo de opinião, na íntegra, aqui.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

NUNCA É TARDE PARA APRENDER

Palavra que dificilmente algum dia pensei “sair a terreno” para defender Pedro Santana Lopes, mas depois da sua atitude de ontem aqui estou a fazê-lo.

Por incrível que possa parecer, sobretudo depois do que lhe vimos fazer enquanto primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes terá feito ontem pela dignificação da politica e dos políticos nacionais mais do que seria de esperar e em absoluta contradição com o que a imagem dos seus colegas Marques Mendes e Luís Filipe Menezes. Ao recusar-se a continuar uma entrevista para que fora convidado pela SIC NOTÍCIAS, após aquela estação decidir “meter no ar” imagens em directo da chegada a Lisboa de um treinador de futebol, Santana Lopes mostrou que há que exigir critérios aos meios de informação e não aceitar seja o que for para aparecer “no boneco”.

Talvez se tivesse feito isso mesmo enquanto exerceu a função de primeiro-ministro não se visse sujeito ao que se viu.

Diz-se que nunca é tarde para aprender… talvez outros políticos aprendam também a lição e além de não pactuarem com muito do que os “jornalistas” lhes fazem, também aproveitem o ensejo para acabarem com a excessiva promiscuidade que grassa no nosso país entre a “coisa pública” e o “mundo do futebol”.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

ATÉ O FMI...

Não completamente extintos os ecos das notícias das dificuldades sentidas por banqueiros franceses e ingleses (BNP Paribas, através do encerramento no dia 9 de Agosto de três dos seus fundos de investimento e Northern Rock) e após a decisão do FED de descer a taxa de referência em 0,5%, surgiu o FMI[1] a dar conta de mudanças na apreciação que semestralmente elabora sobre a evolução da economia mundial, motivada pelo clima que se vive no sector financeiro mundial.

Contrariando a generalidade dos discursos optimistas, o Global Financial Stability Report, que aquele organismo publica semestralmente, vem confirmar a possibilidade da desaceleração do crescimento económico ao mesmo tempo que admite que os desequilíbrios provocados pela actual conjuntura serão mais graves e profundos que o inicialmente esperado.

É voz popular que uma desgraça nunca vem só, e no caso concreto a este avolumar de más notícias juntou-se a contínua desvalorização do USDólar face ao Euro e, cúmulo dos cúmulos, após as beatíficas declarações do ministro das finanças português, proferidas nos últimos dias, eis que hoje mesmo o BPI informou[2] a sua decisão de extinção do Fundo BPI Renda Trimestral.

Por muito que tenham sido ponderados os interesses dos participantes e que a administração do banco assegure o integral reembolso de capital e o pagamento do rendimento referente ao trimestre que agora se vence, apenas os mais ingénuos acreditarão que não foram razões de natureza financeira – dificuldades resultantes dos activos que compõem a carteira daquele fundo – as que estiveram subjacentes à decisão e que este pode apenas ter sido o primeiro sinal.

Bem podem os responsáveis políticos e os gurus e analistas financeiros virem a terreno defender e explicar que tudo continua bem na dolarlândia, enquanto o avolumar de pequenas e grandes notícias continua a demonstrar o contrário.

Sigamos os próximos episódios...
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[1] Ver, por exemplo, esta notícia do DIÁRIO DIGITAL
[2] Ver notícia do DIÁRIO ECONÓMICO

domingo, 23 de setembro de 2007

FELIZ REGRESSO ÀS AULAS

Coincidindo com o período de abertura de mais um ano escolar, veio esta semana a DECO tornar público um estudo que realizou sobre um conjunto de estabelecimentos de ensino no nosso país que concluiu que:
  • 80% das escolas revelam problemas de aquecimento e de qualidade do ar;
  • 33% das escolas ainda apresentam, na sua construção, placas de fibrocimento com amianto.
Da observação de uma vintena de escolas, um pouco por todo o país, concluem os autores do estudo que no geral as escolas são frias, húmidas, têm pouca iluminação e ar de má qualidade. Algo que longe de constituir novidade (quem já esqueceu as condições muitas vezes deploráveis das escolas onde estudou e onde os seus filhos hoje estudam) deveria ser encarado como um alerta e uma oportunidade para melhorar a situação do ensino em Portugal.

Por muitos computadores portáteis que sejam distribuídos por professores e alunos, por muitos programas de combate ao insucesso escolar (muitas vezes traduzidos apenas em maior facilitismo no processo de avaliação de competências) e por muitas iniciativas para a certificação de competências profissionais, o que persiste enquanto realidade é que diariamente enviamos os nossos jovens para escolas com fracas condições de trabalho.

Não que resida aqui a principal causa explicativa da elevada taxa de abandono e insucesso escolar, mas nenhum responsável pela educação, confortavelmente instalado no seu edifício climatizado, deveria duvidar que tem a sua importância.

Ora precisamente isto é o que parece apontar a reacção do Ministério da Educação que numa curta nota do seu Gabinete de Comunicação argumenta com «…insuficiências, deficiências e falta de rigor [da DECO] na produção destes pretensos estudos, levam o ME a não lhe reconhecer qualquer capacidade técnica para o efeito» e escuda-se no reduzido número de escolas observadas (20 das 12 mil escolas existentes no País, segundo a mesma nota) para desvalorizar os resultados.

Se pode ser compreensível a preocupação do ME na “defesa” do seu trabalho, não é menos verdade que as escolas a que o estudo da DECO refere que revelaram a presença de amianto se localizam quase todas em grandes centros populacionais – Porto, Amadora, Cacém, Caldas da Rainha, Ponte da Barca e Quarteira – o que deveria, no mínimo, dar lugar a um pouco mais de humildade e a uma explicação.

Estas explicações são tanto mais necessárias quanto há vários anos muitas Associações de Pais têm confrontado o Ministério da Educação e as Autarquias no sentido de verem corrigida uma situação que há muito se sabe fortemente prejudicial da saúde pública. A própria Assembleia da República recomendou em 2003 já a realização de um inventário dos edifícios públicos em cuja construção tenham sido utilizadas fibras de amianto e a respectiva substituição, mas, como habitual, não só aquele inventário não é do conhecimento público como, está demonstrado pelo trabalho da DECO, ainda existem situações por corrigir.

Quantas mais das 11.980 escolas nacionais se apresentam em situação idêntica?

Bem pode o ME insinuar que este trabalho da DECO visa desacreditar o sistema público de educação (presumindo-se que em benefício do ensino privado), porque se esta o consegue fazer é, em grande medida, por responsabilidade do ME que assumindo aqui uma posição de arrogância mais não faz que tentar que todos enfiemos a cabeça na areia e esqueçamos o inegável direito à informação e à saúde.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O QUE SE IRÁ SEGUIR

A notícia correu célere ao final do dia de ontem: o FED cortou a sua taxa directora em 50 pontos básicos.

Tanto bastou para que as principais bolsas mundiais começassem a registar ganhos e a recuperar das perdas sofridas nas sessões anteriores. Tal como nos contos de fadas, tudo está bem quando acaba bem!

Mas estará?

O que mudou após o anúncio pelo FED da descida da taxa directora de 5,25% para 4,75%, além do facto de aparentemente o custo dos financiamentos ter baixado um pouco? Quem se interrogou sobre o que pode significar esta decisão do FED?

Quando nas horas que antecedeu o anúncio os operadores do mercado já davam como um dado adquirido o corte na taxa, quem pode afirmar que esta decisão de Ben Bernanke constitui um passo importante para combater a crise que assola o mercado de capitais e não um simples reconhecimento de que a crise que atravessamos é bem mais profunda que os dirigentes do FED e do BCE nos querem fazer crer?

É verdade que se o FED apenas tivesse cortado um quarto de ponto na taxa eu estaria agora a escrever que o ajustamento era manifestamente insuficiente, mas isso porque o reconhecimento de que a crise é bem mais vasta que o que se quer fazer crer não é novidade para mim[1]; contrariamente ao que escreve hoje o LE MONDE a descida da taxa directora do FED (por mais significativa que fosse) não irá evitar uma recessão, pelo simples facto que a crise não se circunscreve ao mercado de capitais e a sua verdadeira origem está muito além da crise originada no sector imobiliário americano de alto risco (subprime). Quando em meados do ano o LEAP – Laboratoire Européen d’Anticipation Politique anunciou que a economia americana já entrara em recessão pouca gente (ou nenhuma) lhe atribuiu o mínimo de importância e mesmo agora tudo parece continuar no melhor dos mundos.

Fingindo ignorar as reais razões – a debilidade da economia norte-americana e o crescimento exponencial da sua dívida externa – os mercados procuram manter um clima de normalidade (indispensável à sua própria sustentação), mas a contínua desvalorização do USDólar face ao euro e a consequente subida do preço do crude não pode senão ser reflexo de uma realidade que parecendo tardar a ser entendida se degrada de dia para dia.

É óbvio que nos primeiros dias iremos assistir a alguma recuperação no mercado de capitais, mas quando os efeitos começarem a fazer-se sentir na retracção do investimento estrangeiro (principalmente chinês e árabe) nos activos denominados em dólares e a administração americana começar a encontrar crescentes dificuldades na colocação dos seus T-Bils[2] talvez então os analistas mais perspicazes comecem a falar em crise.

Se este é um efeito a acompanhar com especial atenção, não menos importante vai ser a observação da actuação dos bancos; a julgar pelas notícias que vão dando conta das dificuldades sentidas por alguns destes na obtenção de crédito junto dos seus pares (convém não esquecer que continua por contabilizar o efeito da quebra originada no mercado subprime nos activos dos bancos e o que os banqueiros são especialmente avessos ao risco) não será de estranhar que nos próximos dias se venha a registar uma tendência para o agravamento dos spreads, que facilmente poderá anular a queda nas taxas que deveria ocorrer em reacção à descida anunciada pelo FED e agravará ainda mais o custo dos financiamentos numa Europa onde o BCE (caso persista na linha de pensamento até agora usada) não deverá ajustar sua taxa de referência.
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[1] Para o confirmar bastará ler (ou reler) os seguintes posts:«HAVERÁ FUTURO NA CRISE?», de 1 de Setembro, «CRISE? QUAL CRISE...», de 29 de Agosto, «AUDÁCIA, MAIS AUDÁCIA», de 22 de Agosto e «A MÃO INVISÍVEL», de 9 de Agosto.
[2] Treasury bills (ou T-bills) são títulos de dívida pública norte-americana com maturidades iguais ou inferiores a um ano, do tipo cupão-zero (o rendimento resulta da diferença entre o preço de compra e o de amortização), normalmente considerados sem risco. Outros títulos de dívida americana são os Treasury notes (ou T-Notes) com maturidades entre dois e dez anos e pagamento semestral de cupões; as Treasury bonds (T-Bonds, ou long bond) também pagam juros semestralmente e têm maturidades entre dez e trinta anos.

sábado, 15 de setembro de 2007

HISTÓRIAS DA VIDA REAL NA PALESTINA ACTUAL

No início deste mês a localidade palestiniana de Bil’in voltou a ser notícia em muitos jornais ocidentais, pelo menos naqueles que melhor ou pior têm acompanhado a luta dos seus habitantes contra a construção de um muro de separação decidido pelo governo israelita.

Localizada próximo de Ramallah (12 km) e a escassos 4 km da linha de separação entre Israel e a Cisjordânia ou Margem Ocidental, passou para o controle israelita em 1967, após a Guerra dos Seis Dias. Regressou ao controlo palestiniano em 1995 após os Acordos de Oslo[1], mas confronta-se desde 2005 com a divisão originada pelo muro de separação unilateralmente erguido por Israel.

A sua população, maioritariamente composta por agricultores, vê-se desde a construção do muro privada do acesso aos terrenos agrícolas de que depende (conforme se comprova pela imagem a área anexada representa cerca de 60% do espaço de jurisdição de Bil’in), pelo que desde a primeira hora os seus habitantes se têm manifestado contra mais esta arbitrariedade israelita.

De forma mais ou menos pacífica a população tem organizado manifestações junto ao estaleiro de construção a que o exército israelita habitualmente responde com balas de borracha, gases lacrimogéneos e sucessivas prisões dos seus líderes mais destacados. Com a convicção reforçada pelo direito internacional (o Tribunal Internacional de Justiça já condenou a construção do muro) e o apoio de algumas organizações judaicas, como a B’tselem, a Gush Shalom, a Anarchists Against the Wall e internacionais, como o International Solidarity Movement, Ahmed Issa Abdullah Yassin, o líder da comunidade deu início a um processo legal para obter a suspensão da construção.

Foi precisamente agora conhecida a decisão do Supremo Tribunal de Israel que, não reconhecendo como provadas as alegadas necessidades securitárias e de ordem militar, apresentadas pelo governo israelita, considerou a construção do muro como altamente prejudicial para os aldeãos de Bil’in e ordenou o redesenho do seu percurso.

Esta vitória foi celebrada pela comunidade palestiniana, mas nada pode ser dado como menos adquirido. Além de existirem muitos outros locais onde a construção do muro de separação mais não constitui que uma nova ofensiva judaica para a apropriação ilegal de terras, nada garante que o redesenho do muro em Bil’in venha a respeitar os direitos das populações locais.

Contrariando as leis internacionais (nomeadamente a Convenção de Genebra) que proíbem a anexação permanente de terras nos territórios militarmente ocupados e a prática de actos discriminatórios sobre as respectivas populações, os sucessivos governos israelitas mais não têm feito que agir no sentido de assegurarem a maior ocupação territorial possível ao mesmo tempo de procuram expulsar por todos os meios os seus legítimos proprietários.

Mesmo sem recuarmos muito no tempo, a principal razão para a falta de entendimento entre os dois povos deriva fundamentalmente de questões sobre a propriedade da terra, a expulsão dos seus habitantes naturais, o direito de regresso e o controlo das fontes de água. A estratégia israelita de implantação de colonatos nos territórios ocupados (sejam eles a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, na Palestina, os Montes Golan, na Síria, e as Quintas de Sheba, no sul do Líbano) segue critérios de natureza política e estratégica bem diferentes dos que seriam ditados pelas sempre invocadas razões de segurança; no essencial o que Israel visa é o controlo das escassas fontes de água na região e, numa segunda instância, a inviabilização prática da existência do estado palestiniano.

Este último desiderato é particularmente visível se atentarmos num mapa da distribuição destes colonatos e das vias de acesso que os israelitas pretendem manter em usufruto exclusivo. Criando uma rede de vias proibidas aos palestinianos, mais do que hostilizá-los no seu próprio território o que Israel pretende é inviabilizar o funcionamento de uma das economias mais débeis no mundo, enquanto, cúmulo da hipocrisia, nos fóruns internacionais continua a apresentar-se como uma nação em perigo e sob permanente ameaça dos seus vizinhos hostis.

A simples comparação entre as condições de vida nas povoações palestinianas, como Bil’in, e nos colonatos judaicos, de que Mattityahu Mizra próximo de Bil’in é exemplo

facilita a compreensão do que realmente sucede naquela zona do Médio Oriente, onde desde a ocupação israelita de 1967 (na sequência da Guerra dos Seis Dias) os palestinianos legítimos proprietários de terras e casas foram declarados “ausentes”[2] e ao abrigo da legislação judaica impedidos de regressar à suas casas após o final dos confrontos. Empurrados para campos de refugiados ou para os países vizinhos (só na Jordânia estima-se que vivam mais de 4 milhões de palestinianos), impedidos de regressar às suas terras ou até mesmo à Cisjordânia, milhões de palestinianos continuam a ser condenados a viver em condições mínimas de sobrevivência.

A decisão de construção do muro de separação, que Israel insiste em justificar como medida de segurança e de prevenção contra ataques suicidas, e cujo desenho pode ser aqui apreciado em toda a sua extensão

não é mais que o último passo no sentido de aumentar o isolamento das débeis comunidades palestinianas.

Após a primeira vaga de apropriações que foi efectuada, em 1948, em consequência do resultado da I Guerra israelo-árabe e do novo processo de apropriações resultante da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com a subida ao poder de Ariel Sharon[3] em 2001 o processo de expansão dos colonatos judaicos conhece uma nova fase. Anunciando-se favorável a uma política de “troca de terra pela paz” ordena o desmantelamento de alguns colonatos na Faixa de Gaza, mas simultaneamente reforça a presença de colonos judeus noutras zonas da Cisjordânia. Sem aceitar abertamente a aplicação dos termos dos Acordos de Oslo, fomentando uma política de constante atrito com Yasser Arafat, ainda assim Sharon, a par com o seu delfim Ehoud Olmert, poderá ter sido dos primeiros políticos israelitas de primeiro plano a reconhecer a inevitabilidade de um futuro domínio palestiniano por via da sua maior taxa de crescimento demográfico.

A dura realidade de num futuro próximo os judeus se verem suplantados pela população palestiniana e as cedências que as lideranças da OLP têm praticado terão estado na origem da nova política israelita que actualmente é definida como uma “retirada unilateral”. A decisão da construção do muro de separação, além de garantir a anexação de mais parcelas de território palestiniano procurará assegurar a perpetuação de uma maioria populacional judaica no interior de Israel.

Esta prática, em muito semelhante à que o regime da minoria branca procurou implementar na África do Sul com a criação de bantustões[4] não é, infelizmente, exclusivo do estado judaico; actualmente outros regimes, como o americano, estão a implementar sistemas idênticos em vários lugares: sob o pretexto da segurança, na fronteira entre os EUA e o México está a ser erguido um muro para travar a imigração clandestina de mexicanos, notícias mais recentes dão conta da intenção de construção de muros nas fronteiras do Iraque com a Arábia Saudita[5] e com a Turquia e até das manifestações de oposição dos iraquianos à construção de um muro de separação entre dois bairros na cidade de Bagdad[6].

Instalada a paranóia securitária, não será de estranhar que de hoje a amanhã dois quaisquer vizinhos malquistos também optem por erguer o seu muro.

E pensar que houve quem acreditasse que 1989 tinha sido o último ano do muro!_____________
[1] Os acordos de Oslo foram uma série de acordos na cidade norueguesa de Oslo entre o governo de Israel e o Presidente da OLP, Yasser Arafat mediados pelo presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton. Assinaram acordos que se comprometiam a unir esforços para a realização da paz entre os dois povos. Estes acordos previam o término dos conflitos, a abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a retirada de Israel do sul do Líbano e a questão do estatuto de Jerusalém. A retirada das forças armadas israelitas da Faixa de Gaza e Cisjordânia, assim como o direito dos palestinianos ao auto-governo nas zonas governadas pela Autoridade Palestiniana. O governo palestiniano duraria interinamente por cinco anos, durante os quais o estatuto seria renegociado (a partir de Maio de 1996) bem como as questões sobre Jerusalém, refugiados, colonatos, segurança e fronteiras. O auto-governo seria dividido em três áreas: uma sob controlo total pela Autoridade palestina, outra sob controlo civil pela Autoridade Palestiniana e controlo militar pelo Exército de Israel e uma última sob controlo total pelo Governo de Israel. (adaptado de Wikipédia)
[2] De acordo com uma lei criada em 1950, os palestinianos que tenham abandonado os seus lares entre 29 de Novembro de 1947 (data da votação pela ONU do plano de divisão da Palestina entre um estado judaico e outro árabe) e 1 de Setembro de 1948 foram considerados como ausentes. Em resultado desta mais de 600.000 hectares de propriedade privadas de cidadãos árabes foram anexadas e colocadas sob a jurisdição de curador (a Apotropos) e cerca de 75.000 palestinianos (1/3 dos cidadãos árabes de Israel na época) que fugiram das suas residências durante as hostilidades viram, após o seu regresso, ser-lhes aplicado o estatuto de “presentes ausentes”, pretexto sob o qual foram igualmente espoliados dos seus bens. (adaptado de Wikipédia)
[3] Ariel Sharon, estadista e militar foi primeiro-ministro de Israel entre Março de 2001 e 2006, membro do partido Likud (direita) e fundador do partido Kadima (centro). Na sua juventude integrou o Haganah (força paramilitar judaica clandestina que lutou contra a administração britânica da Palestina) e posteriormente o IDF (exército israelita); lutou na Guerra do Yom Kippur e em 1982, já como ministro da defesa no governo de Menachem Begin fomenta o conflito entre cristãos maronitas e árabes no vizinho Líbano e foi responsável pelos massacres de 3.000 palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, realizados durante a ocupação do Líbano pelo exército israelita. Obrigado a abandonar o cargo, desempenharia vários cargos ministeriais até à sua eleição em 2001. Figura polémica, viu-se envolvido de forma directa ou indirecta em alguns escândalos políticos e económicos, até que em 2005 funda o Kadima, é reeleito como primeiro-ministro e no início de 2006 sofre um derrame cerebral que o afastou da vida pública. (adaptado de Wikipédia)
[4] Nome porque ficaram conhecidos os pseudo-estados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul, de forma a manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata. (adaptado de Wikipédia)
[5] Ver aqui a notícia do DIÁRIO DIGITAL
[6] Ver aqui a notícia da BBC

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO

Eis como se pode resumir em poucas palavras a actual cena política polaca.

O final da semana passada viu desenrolar-se o mais recente episódio de um caso com configurações quase hollywoodescas, quando Janusz Kaczmarek, o ex-ministro do interior do governo de Jaroslaw Kaczynski, foi detido sob a acusação de obstrução à justiça alguns dias após uma audiência parlamentar durante a qual acusou o chefe do governo de ter ordenado escutas telefónicas a membros do seu próprio governo.

Para melhor entendermos esta troca de acusações, recorde-se que Kaczmarek foi demitido do governo em meados do mês passado sob a acusação de ter tentado bloquear uma investigação ao então ministro da agricultura, Andrzej Lepper, acusado de corrupção. Este, líder do partido Autodefesa, abandonou o governo e a coligação formada com o PiS (partido do Direito e da Justiça, dos irmãos Kaczynski) e o LPR (partido ultra-católico Liga das Famílias) que o suportava.

Apesar de ser há muito conhecido o clima de permanente tensão entre o partido Direito e Justiça e os mais extremistas Liga das Famílias e Autodefesa, os líderes daquele iam conseguindo manter algum clima de unidade na coligação governativa que ao dissolver-se não abrirá apenas um cenário de eleições antecipadas mas também um período de grande confrontação entre os grupos da direita mais radical.

Sem escamotear a gravidade das acusações envolvidas nem por isso deixa de merecer especial relevo a revelação de uma prática (escutas a adversários políticos) que em tempos ditou a resignação de Richard Nixon[1] para evitar o impeachment[2], hipótese que na democrática Polónia parece afastada.

A Dieta (parlamento polaco) já decidiu a sua dissolução e novas eleições estão já marcadas para o próximo mês de Outubro, mas permanece o clima de instabilidade, agitação e troca constante de acusações entre os políticos das principais forças em liça. A própria imprensa polaca tem vindo a denunciar os atropelos que os gémeos Kaczynski (o presidente Lech e o primeiro-ministro Jaroslaw) têm vindo a perpetrar, não sendo de estranhar que tudo façam para se manterem no poder até às eleições antecipadas, cientes do enorme peso que tem o facto de poderem controlar o processo eleitoral.

Conhecidos pelo seu reaccionarismo e paranóia anticomunista, revelaram-se ao longo do tempo de permanência no poder exímios praticantes da arte de permanente ziguezaguear (uns dias defendem uma coisa para nos seguintes defenderem o seu contrário), juntam agora ao seu currículo as piores práticas políticas e, no dizer de muitos conhecedores da realidade polaca, é bem provável que continuemos a ter que os aturar a pós as eleições.

Se é certo que o processo de democratização polaco sempre enfermou de profundas ligações às facções ultra-católicas e nunca pareceu revelar capacidade para vencer as paranóias anticomunistas mais primárias (veja-se o caso da política de lustração e o que a propósito aqui escrevi), nunca estes fenómenos conheceram expressão tão marcada como durante o “consulado” Kaczynski.

Teremos tristemente que concluir que os polacos trinta anos depois da queda do muro de Berlim ainda não estão efectivamente preparados para viver uma democracia plena?

Sinceramente não o creio (e ainda menos o desejo), mas com personagens do calibre destes gémeos vai ser difícil alimentar grandes esperanças e em alguns jornais europeus já se começam a encontrar defensores da ideia de aplicação de sanções à Polónia, nomeadamente a suspensão do seu direito de voto. Mesmo que seja entendível e até possa apresentar efeitos positivos, este é o momento em que a União Europeia mais dispensaria a necessidade de semelhante opção.
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[1] Richard Nixon foi o 37° presidente dos Estados Unidos da América (1969-1974).
Após um primeira derrota em 1960, contra John Kennedy, voltou a candidatar-se pelo Partido Republicano em 1968, vencendo a eleição contra Hubert Humphrey. Foi reeleito em 1972 e a sua passagem pela Casa Branca ficou assinalada pela negociação para a retirada das forças dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnam, aproximou os Estados Unidos da República Popular da China e viajou a Moscovo, onde deu impulso às negociações com a União Soviética sobre a redução de armamento; no plano interno, Nixon travou dura luta contra a inflação, mediante o controle de preços e salários e a redução dos gastos públicos. Em Agosto de 1974 renunciou ao cargo em virtude do escândalo Watergate, pouco antes da votação pelo Congresso da impugnação de seu mandato - o impeachment – vindo a falecer em 13 de Agosto de 1994, aos 81 anos. (adaptado de Wikipédia)
[2] Impeachment é um termo da língua inglesa que designa a impugnação de mandato. É uma figura jurídica que consta do ordenamento jurídico nos países cujos governos não assentam em bases parlamentares (por exemplo os EUA), equivalente à moção de censura, figura jurídica dos regimes parlamentaristas. A sua aplicação resulta de uma acusação pela prática de crimes que podem ser: comuns, de responsabilidade, de abuso de poder ou desrespeito das leis fundamentais (constituição).

terça-feira, 11 de setembro de 2007

11 de Setembro de 2001

Sobre o 11 de Setembro de 2001 já muito se escreveu (eu próprio aqui deixei há um ano três posts[1]) mas muito ainda se escreverá porque a polémica está longe de resolvida.

Há um ano procurei sintetizar muitas das dúvidas que assaltavam (e assaltam) os espíritos de quem queira pensar pela sua própria cabeça. Este ano, e porque há uns meses ocorreu no Brasil um acidente aéreo que também envolveu o embate de uma aeronave, na ocorrência um Airbus A320, contra um imóvel, proponho-vos a observação de algumas imagens deste acidente.

Pondo de lado o aspecto mórbido do desastre concentremo-nos no que as imagens nos mostram. As primeiras, colhidas ainda durante a acção dos bombeiros para extinguirem o incêndio, mostram em primeiro plano os destroços da cauda do avião e o facto de parte significativa do aparelho não ter penetrado na estrutura do edifício.

A segunda sequência, colhida já após a extinção do fogo volta a mostrar com particular evidência a cauda do Airbus, o trem de aterragem e partes da fuselagem (veja-se a sua dimensão pelo pormenor do tamanho dos socorristas que lhe estão próximo).

Trágicos, mas verdadeiros, são estes os resultados e os estragos normalmente resultantes do embate de uma aeronave com um edifício.

Se observarmos agora as imagens que há pouco menos de seis anos foram apresentadas na sequência do “atentado” executado com um Boeing contra o edifício do Pentágono

torna-se bem perceptível porque é que é cada vez maior o número de pessoas que não aceitam a tese do atentado, rejeitam a hipótese de ter ter existido um Boeing 757

e continuam a afirmar que a única coisa que poderia ter embatido contra o Pentágono foi isto…

um míssil de cruzeiro do arsenal norte-americano.

É que não é só a ausência de destroços, nomeadamente dos dois motores (pois como se pode ver na imagem apenas foi encontrado um pequeno reactor idêntico aos usados nos mísseis de cruzeiro), que alimentam esta hipótese,

mas também o facto do edifício sede do poderoso aparelho militar norte-americano estar equipado de sistemas de defesa anti-aérea que AUTOMATICAMENTE teriam tido que atingir o Boeing, mas teriam permanecido inactivos, como aconteceu, em presença de um aparelho que os radares assinalariam como “amigo”.

Depois disto e da verdadeira infâmia que se têm revelado as invasões do Afeganistão e do Iraque, justificadas pelo tal atentado do 11 de Setembro, ainda haverá quem acredite em tudo o que a administração de George W Bush tem dito sobre o assunto?

Não serão cada vez mais urgentes as respostas a questões tão simples como a de saber onde pára o voo da American Airlines que não embateu contra o Pentágono?

Quem ordenou/autorizou o disparo de um míssil sobre o Pentágono?

Durante quanto tempo ainda iremos esperar por respostas? E por justiça?

___________

[1] Pela sua extensão esse texto foi divido em três partes que podem ser lidas nos seguintes endereços: NINE ELEVEN Parte I; NINE ELEVEN Parte II e NINE ELEVEN Parte III

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

MENOS MARINES NO IRAQUE

Tudo parece estar a correr pelo melhor, pelo menos a avaliar pelas declarações que David Petraeus proferiu na sua audição no Congresso norte-americano, de que o plano de combate que o próprio elaborou e está a aplicar no Iraque está a resultar, pelo que em meados de Dezembro (é uma data bonita e próxima do Natal) as tropas americanas poderão ser reduzidas em 4.000 homens (isto depois de este ano terem sido acrescentadas com mais 30.000 homens para conter a insurreição).

Quando no início deste mês o NEW YORK TIMES publicou este cartoon de Jeff Danziger já era perfeitamente espectável que seria este o resultado das conclusões da análise do comandante das tropas americanas no Iraque

Ao claro apelo do soldado: «General… não nos atraiçoe…», Petraeus respondeu segundo os cânones militares – podemos não estar a ganhar rapidamente a guerra, mas também não a estamos a perder… até ver!

Enquanto isto os riscos de propagação do “incêndio” ateado no Iraque continuam a agravar-se; se não bastasse a nomeação, no início deste mês, de Mohamed Ali Aziz Jafari como novo comandante do corpo iraniano de guardas da revolução (pasdarans) que é tido como um militar experiente e de acção e que pode ser entendido como um claro sinal de preparação para uma escalada na confrontação iraniano-americana, nos últimos dias têm-se registado também uma deterioração generalizada das condições de segurança no Paquistão, com a multiplicação de atentados e o aumento das tensões políticas, e ainda o recente incidente aéreo entre a Síria e Israel, com a primeira a renovar acusações de violação do seu espaço aéreo.

Embora o Verão (estação do ano particularmente propícia à subida de temperaturas) esteja a acabar, o Outono pode muito bem vir a ser o mais quente dos últimos anos… e os mercados que não há maneira de estabilizarem!

domingo, 9 de setembro de 2007

PALAVRAS LEVA-AS OS VENTO

Quando faltava pouco mais de uma semana para a apresentação do relatório do comandante das tropas americanas no Iraque, David Petraeus, sobre a situação naquele território, eis que no caminho para a reunião da APEC, marcada para a Austrália, George W Bush fez escala numa base aérea em território iraquiano para uma “visita” às tropas.

Segundo noticiaram várias fontes, Bush terá reunido com os comandantes locais (a BBC e o DN dizem mesmo que Bush reuniu um conselho de guerra no Iraque) e com alguns representantes iraquianos, incluindo o primeiro-ministro Nuri Al Maliki.


Mas mais importante que conhecer a lista das personalidades presentes, que incluiu ainda os secretários de estado Condoleezza Rice e Robert Gates, ou ler o discurso às tropas em parada, no qual Bush reafirmou que os EUA estão no caminho para ganhar a guerra e que só sairão do Iraque numa posição de vencedores (outros que o precederam disseram o mesmo a propósito do Vietname), é analisarmos os resultados das análises que vários observadores vão apresentando. Entre estes destaque-se um que foi apresentado pelo Government Accountability Office, organismo de controlo do Congresso norte-americano, que contrariando as conclusões de um relatório da Casa Branca afirma que apenas três dos dezoito indicadores de sucesso foram alcançados.


Quererá isto dizer na prática que uma vez mais a Casa Branca está a persistir numa estratégia de mentira e clara ocultação dos maus resultados da sua política para o Iraque, ou tudo não passará de mais uma questiúncula de natureza política e ordem interna?

Sendo um facto que a administração Republicana de George W Bush tem agora que se confrontar com um Congresso dominado pelo partido Democrata, nem por isso as notícias que regularmente vão chegando do Iraque permitem concluir que se esteja a verificar algum sucesso na estratégia das tropas americanas. Além do facto comprovado de que o governo liderado pelo xiita Al Maliki continua a não apresentar soluções de natureza legislativa que atenuem as razões para o confronto com a minoria sunita, a própria redução de actividade dos insurrectos continua por demonstrar e a verificar-se, num período de tempo curto pode não significar mais que uma alteração de estratégia ou uma adaptação à maior pressão exercida nos principais centros pelo exército americano.

Sem qualquer sombra de dúvida (mesmo que se aceite como válido o argumento da redução do número de atentados) as populações continuam a enfrentar condições de vida que muito piores do que as tinham antes da invasão americana, mesmo considerando o embargo económico a que os americanos vinham sujeitando o regime de Saddam, e não se vislumbra que o actual governo (há semelhança dos anteriores) revele condições para melhorar essa situação.

Apregoar segurança em bases militares fortemente entrincheiradas ou em zonas exclusivas no interior de uma devastada Bagdad não me parece que constitua grande feito e ainda menor sinal de confiança numa efectiva normalização da vida diária dos iraquianos.

SERVIÇO PÚBLICO

Dentro em pouco vai-se poder assistir in loco à primeira presença de uma equipa amadora na fase final de um Campeonato do Mundo de Rugby.

Portugal, a única equipa amadora presente e a primeira de sempre, vai defrontar a selecção escocesa no estádio Geoffroy-Guichard, em Saint Étienne… mas, lamentavelmente não vai haver hipótese de assistirmos a esse acontecimento porque a transmissão televisiva dos desafios foi reservada à SPORT TV.

Parabéns a todos os responsáveis e a todos os participantes neste processo!

Para deixar bem clara a minha indignação aqui ficam os atletas que não vamos poder ver jogar em canal aberto porque talvez alguém tenha entendido que o feito histórico que foi o seu apuramento em nada se compara aos “feitos” dos nossos melhores atletas.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

BRAÇO DE FERRO

Notícias recentes dão conta das acusações proferidas pelas autoridades americana e alemã contra alegadas intromissões chinesas nos sistemas informáticos do Pentágono e da chancelaria alemã.

A pirataria e a espionagem informática é uma prática tão antiga quanto aquela, um problema bem conhecido da generalidade dos cibernautas (quem pode hoje afirmar que nunca viu uma das suas máquinas “infectada”) e um facto há muito assumido pelos aparelhos militares dos EUA e da China; o que parece ter tornado mais relevante o caso agora relatado é que desta feita o Pentágono terá tido que encerrar os seus sistemas por forma a garantir uma minimização dos prejuízos e, pior, porque, segundo noticia o LE MONDE, a qualidade do ataque demonstrou a capacidade chinesa para lançar ataques susceptíveis de neutralizar o sistema do Pentágono, algo que em cenário de conflito seria altamente prejudicial.

Para se ter uma ideia de quão grave pode ser esta eventualidade refira-se que o FINANTIAL TIMES noticiou que o sistema informático do Pentágono esteve encerrado mais de uma semana após o ataque.

Aparte o curioso da notícia – a maior potência mundial revela as fragilidades do seu sistema informático militar – refira-se que enquanto estas datam do início desta semana o ataque terá sido efectuado em Junho, o que de pronto me sugere a hipótese destas notícias não constituírem mais que a “preparação” do próximo encontro entre George W Bush e Hu Jintao a ocorrer brevemente na Austrália ao abrigo da cimeira da APEC[1].

Embora não constitua novidade esta estratégia de negociação norte-americana e responsáveis chineses tenham de pronto desmentido o “ataque”, nada garante que este não tenha sido uma realidade e não deva ser encarado como mais uma frente de batalha a considerar em futuros cenários de conflito. Os próprios responsáveis do Pentágono que confirmaram a notícia já em tempos admitiram que a China disporia de tecnologia adequada à intercepção de mensagens de correio electrónico, pelo que impuseram aos seus quadros restrições ao uso da tecnologia BlackBerry[2] em países mais sensíveis.

Nesta guerra sino-americana de comunicados, hackers[3], informação e contra-informação, recorde-se que existe uma outra encapotada.

É que enquanto os sistemas de informação ocidentais assentam maioritariamente em plataformas cujos sistemas operativos são de domínio privado (com a multinacional norte-americana MICROSOFT à cabeça), o governo chinês há muito que decidiu basear os seus sistemas no LINUX que é um sistema operativo de fonte aberta, alegando que estes são mais seguros que aqueles cujas especificidades não são do domínio público.

Esta luta tem andado a par com outra que nos meios informáticos se tem travado entre utilizadores do WINDOWS da MICROSOFT e do LINUX. Realidade bem conhecida é que enquanto não têm parado de crescer o número de vírus e outros códigos perniciosos em ambiente WINDOWS, no LINUX o seu número e grau de perigosidade é francamente menor, talvez por neste não existirem grandes possibilidades de lucro com a produção e venda dos famosos antivírus.

Em resumo, talvez não seja exagerado antever um crescendo nesta polémica, tanto mais que, para desespero dos seus milhões de utilizadores, as sucessivas versões do sistema operativo que a MICROSOFT produz continuam a revelar uma gritante fragilidade, a par com o desenrolar da batalha entre americanos e chineses pelo controlo do espaço cibernético. Numa guerra que seguramente não conhecerá quartel quem acabará por vencer: o poder financeiro do Pentágono e da MICROSOFT ou engenho e a proverbial paciência chinesa?

O resultado poderá condicionar o futuro da MICROSOFT, mas deverá marcar ainda mais a estratégia belicista dos EUA, numa fase em que se volta a falar da reactivação do sistema russo de defesa antimíssil e em que o controle do espectro electromagnético é cada vez mais determinante.
___________
[1] A APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation) é um bloco que engloba economias asiáticas, americanas e da Oceânia. A sua cosntituição deveu-se à crescente interdependência das economias da região da Ásia-Pacífico, remonta a 1989, foi criada apenas como um fórum de discussão entre países da ASEAN (Association of the SouthEast Asian Nations) e alguns parceiros económicos da região do Pacífico e converteu-se num bloco económico em 1993 quando os seus 21 membros (Austrália; Brunei; Canadá; Chile; China; Hong Kong; Indonésia; Japão; Coreia do Sul; Malásia; México; Nova Zelândia; Papua-Nova Guiné; Peru; Filipinas; Rússia; Singapura; Taiwan; Tailândia; Estados Unidos da América; Vietname) se comprometeram a transformar o Pacífico numa área de livre comércio e definiram como principal objectivo a redução de taxas e barreiras alfandegárias, promovendo assim o desenvolvimento da economia da região. (in Wikipédia)
[2] O BlackBerry é um aparelho de comunicação móvel, que possui funções de editor de textos, acesso à Internet e e-mail, foi o percursor de uma nova geração de telemóveis dotados de uma série de recursos sofisticados até então limitados aos PDA.
[3] O termo (em inglês no original) hackers designa os indivíduos que elaboram e modificam programas de computadores; correntemente designa programadores maliciosos e ciberpiratas que agem com o intuito de violar ilegal ou imoralmente sistemas informáticos.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

LUSAS CONTRADIÇÕES

A atestar pelas notícias divulgadas nas últimas horas o nosso país continua no seu melhor. Na senda de “bravos de outros tempos”, os “bravos de agora” conseguem que com poucas horas de diferença o quotidiano de cada um de nós seja interrompido com a notícia que Portugal torna-se o 7º melhor país do mundo no e-Government, enquanto quase de imediato somos recordados que o abandono escolar agravou-se em 2006.
Continuamos a viver entre o pior e o melhor; glorificamos aqueles que se afirmam vencedores e esquecemos os que eles espezinham.

Pior, continuamos a ser espezinhados, aplaudimos e pedimos bis!

Só assim se pode entender que confortado com os resultados do estudo agora publicado venha o Coordenador Nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico, Carlos Zorrinho, apregoar aos quatro ventos as maravilhas do progresso tecnológico, enquanto parece ter-se esquecido alguns pequenos detalhes:

  1. o que o estudo da Universidade de Brown avalia são as páginas electrónicas em sites governamentais, ou seja a oferta de canais electrónicos disponibilizada, e não a sua funcionalidade e/ou efectiva utilização;
  2. em qualquer dos casos, quando conhecemos a taxa nacional de abandono escolar dificilmente se poderá admitir que ao número e aparente qualidade dos canais electrónicos criados corresponda uma real e efectiva utilização por uma percentagem expressiva da população;

que os meios de comunicação, que prontamente difundiram a notícia e os comentários daquele responsável, também não demonstraram qualquer esforço para esclarecer.

Verdadeiramente digno de menção e dos maiores encómios seriam se os resultados daquele estudo estivessem a ser acompanhados pelo aumento do grau de literacia da população portuguesa e, principalmente, pela formação de novas gerações imbuídas de novos valores sociais e de competências técnicas acrescidas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

(I)RESPONSABILIDADE

Muito se tem dito e escrito sobre os últimos vetos presidenciais. Os partidos da oposição como o CDS e o PSD, navegando nas muito turvas águas de uma oposição concordante, ávidos de algo que lhes possibilite alguma visibilidade não tardaram a associar as decisões de Cavaco Silva a uma mudança de estratégia presidencial e anunciaram o princípio do fim da coabitação com Sócrates.

Mas, mais importante que o alinhamento político de cada um é recordar que um dos diplomas agora vetados é o que regulamenta a resolução de conflitos entre os cidadãos e o Estado.

Aprovado por unanimidade parlamentar, o novo diploma que visa alterar o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado foi devolvido ao Parlamento por o Presidente da República entender que este pode acarretar uma sobrecarga de trabalho para o aparelho judiciário e criar problemas de funcionamento da administração pública.

Em termos práticos significa isto que o PR estará mais preocupado com os problemas de aplicação prática (questões que são da estrita responsabilidade do governo de José Sócrates) que com a essência da proposta de lei, mas então porquê o veto? É que se há questões difíceis de explicar ao cidadão comum é a actual disparidade de responsabilidades que lhe são exigidas quando o Estado que ele integra goza de uma quase total impunidade.

Cavaco Silva bem podia ter escolhido melhores razões e melhor ocasião para usar o seu direito de veto, é que por mais que se venha a desdobrar em explicações o que vai ficar a pairar é real razão para novo adiamento na entrada em vigor de uma regulamentação que efectivamente introduza algum grau de responsabilidade nas estruturas da administração pública.

A vetusta prática do ”quero, posso e mando”, tão do agrado dos incompetentes e inconscientes que pululam um pouco por todo o lado (e pela amostra até na Presidência da República), parece apostada em persistir por mais algum tempo e agora com o beneplácito presidencial.

sábado, 1 de setembro de 2007

HAVERÁ FUTURO NA CRISE?

Seja qual for a profundidade da crise que atravesse a economia global (pela sua dimensão e pelas suas ramificações a crise financeira que está a afectar a economia norte-americana facilmente se generalizará, tanto mais que tudo o indica estaremos já no dealbar de uma crise económica) é cada vez maior o número de economistas que apontam a necessidade de novas formas de abordagem para o conhecido ciclo expansão – recessão – expansão que as economias mais desenvolvidas se habituaram a registar nos últimos anos.

Por isso, contrariar os habituais optimistas e falar de crise a propósito da actual conjuntura recessiva norte-americana terá que ser muito mais que clamar que o rei vai nu! Muitos sabemos isso há demasiado tempo para bastar afirmar o que achamos evidente.

Se as economias sustentadas em mercados de capitais cada vez mais fortes - ainda que sem o correspondente suporte na respectiva componente produtiva - se revelam cada vez mais frágeis às suas convulsões internas, já deveriam ter originado novas abordagens práticas mas isso é o que de modo algum interessa aos promotores do modelo actual porque significará uma inevitável perca de poder.

Confirmando que, ao contrário do que pretendem os defensores do modelo sustentado na escassez de liquidez financeira, a actual crise é muito mais que uma mera crise de liquidez reveja-se o que em Março deste ano escreviam os analistas do LEAP[1]: «…os EUA estão próximos de se afundar na “Muito Grande Depressão” de 2007 e (…) o ponto de inflexão da crise sistémica global confirma-se para o mês de Abril. As próximas semanas são ser caracterizadas pela extensão do contágio da crise imobiliária ao conjunto da esfera financeira e ao consumo das famílias americanas, originando graves consequências nos resultados de muitos sectores da economia americana e no dólar US».

A fim de se ter uma ideia da dimensão que pode atingir uma crise do dólar US, atente-se na evolução do volume dos activos financerios denominados nesta moeda detidos por estrangeiros. Os quase 13 biliões (1312) de dólares US produzirão uma onda de choque incontível se a moeda americana mantiver a tendência de desvalorização que tem vindo a registar. A interpenetração entre as economias mais avançadas e a forte dependência de muitas moedas em relação ao dólar US vai produzir grandes estragos na economia mundial.

Se tudo isto é cada vez mais um dado adquirido é também cada vez mais pertinente a interrogação sobre a estratégia que os responsáveis mundiais (e os americanos em particular) estão a seguir para contrariar, ou pelos menos minimizar, os efeitos descritos. Espanto dos espantos, perante a crise originada pelo aumento da taxa de insolvência no mercado de crédito imobiliário dos EUA, os governadores dos principais bancos centrais (o americano Ben Bernanke, do FED, e o francês Jean Claude Trichet, do BCE) têm–se limitado a injectar sucessivas doses de moeda no sistema bancário como se tudo se resumisse a uma mera situação conjuntural de falta de liquidez no mercado; seguidores fiéis das tradições e dogmas monetaristas, Bernanke e Trichet têm-se limitado a fazer o que viram os seus antecessores fazer anteriormente... e tudo poderia continuar pelo melhor não fora esta prática derivar de duas concepções erróneas. A primeira é, como vimos, a de que não estão a lidar com uma mera crise de confiança nos mercados de capitais; a segunda é que a moeda injectada nos bancos resulta de um mero artifício contabilístico (logo não vai resolver qualquer problema de falta de liquidez originada nos baixos rendimentos das famílias) gerador de mais juros a pagar ou, pior, resulta da impressão de papel-moeda numa mera operação de produção legal de moeda falsa, que se realizada em excesso produzirá dois efeitos particularmente perversos: irá contribuir para o aumento da inflação (o tal Monstro aterrorizador de banqueiros) e para uma ainda maior desvalorização a prazo da moeda norte-americana e uma maior necessidade de subir as taxas de juro por forma a manter a atractividade dos seus activos junto dos investidores estrangeiros.

Se atentarmos na realidade, ou seja que a crise originada no mercado imobiliário resultou do efeito conjugado das elevadas taxas de juro e do baixo nível de rendimentos das famílias que, em número cada vez maior entram em situação de incumprimento, arrastando consigo os institutos de financiamento imobiliário com maior volume de crédito concedido de alto risco e já distribuído pelos fundos de investimento, de pensões e de especulação (hedge funds), que já estará a atingir os bancos comerciais[2] junto dos quais estes se financiaram, constata-se que a política do FED mais não vai fazer que ampliar os efeitos da crise.

Partindo da leitura da situação de escassez de liquidez que a economia mundial vive, autores como Richard C Cook[3], têm vindo a produzir trabalhos no sentido de explicar a necessidade de uma nova política monetária, não orientada para favorecer os interesses do sector financeiro mas sim para o do equilíbrio do tecido económico.

Num dos seus trabalhos mais recentes, intitulado “CREDIT AS A PUBLIC UTILITY: THE KEY TO MONETARY REFORM”, Richard C. Cook, começa por salientar que «vivemos numa era de desregulamentação, na qual economistas e políticos falam do “mercado” e não do governo, como a via adequada para a tomada de decisões económicas» e continua «...se a economia baseada no mercado é tão boa, porque é que os rendimentos do trabalho têm estagnado, contribuindo para um rápido controlo da riqueza pelos mais ricos, a classe média tem declinado, a pobreza tem crescido, a indústria de base está a desaparecer, a bolha especulativa no imobiliário está a rebentar, os preços dos bens estão inflacionados, as cotações das acções são frágeis mas continuam a subir, financiamos uma guerra no Médio Oriente que nos custa biliões de dólares mediante recurso a dívida externa e os mercados de capitais são dominados por fundos predadores? Porquê e como é que “o mercado” prejudicou tanto a maioria enquanto enriquecia uma minoria?

No topo de tudo isto está o crescimento exponencial da dívida. As famílias americanas nunca, ao longo da sua história, estiveram tão endividadas. O mesmo acontece com o governo federal, os governos estaduais e os poderes locais, assim como os negócios. Os únicos não endividados são as instituições financeiras a quem toda a gente em geral deve dinheiro. Talvez isto é que seja o que se designa por “o mercado”» para concluir que o principal problema reside numa escassez crónica de meios monetários (liquidez) e que esta é consequência de uma actuação do sistema financeiro, que a coberto de um banco central (o FED no caso americano), tem vindo a criar uma situação que torna toda a gente dependente do crédito.

Se este fosse utilizado enquanto instrumento de desenvolvimento – gerador de mais bens e serviços e da consequente melhoria das remunerações salariais – e desnecessário enquanto meio para suprir necessidades de consumo, nem as famílias ou os Estados estariam na situação de sobreendividamento que hoje conhecemos.

Na prática o que Cook defende é o abandono de uma política orientada em benefício de uns quantos mas em prejuízo da vasta maioria, algo que pragmaticamente me parece impossível de alcançar de forma rápida e sem enormes custos e sacrifícios.

Quando corremos o sério risco de vir a ter que enfrentar uma grande crise económica, na sequência das que as economias têm registado no último século, devia ser evidente para todos a necessidade de uma mudança nas políticas que aqui nos conduziram, porém, esperar isso dos políticos que tão diligentemente defenderam este estado das coisas e que terão sido eleitos com o “alto patrocínio” da alta finança parece-me absolutamente impossível.

Muitos continuaremos a defender princípios basilares como os do “governo do povo para o povo” e os benefícios da democracia, mas aqueles que verdadeiramente determinam o futuro que nos espera estarão já muito mais preocupados a arquitectar as formas através das quais se perpetuarão...

Prova disso mesmo são as recentes declarações de George W Bush que admitindo uma intervenção favorável aos cidadãos mais endividados exclui idêntico procedimento relativamente aos especuladores e de Ben Bernanke que prometendo a acção necessária para travar os efeitos adversos na economia em geral mas não servem que para confirmar a existência de um cenário de crise. Se numa próxima intervenção o FED cortar a taxa directora, opção que se me afigura pouco provável[4], não haverá mais lugar a dúvidas quanto à dimensão da crise.
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[1] LEAP (Laboratoire Européen d’Antecipation Politique) é um “think tank” europeu consagrado à elaboração de antevisões políticas e económicas
[2] Ver esta notícia da BBC que reporta o facto de pela segunda vez nas duas últimas semanas o banco Barclays, alegando problemas no sistema de compensação interbancário (que não afectaram mais nenhum banco daquela praça), ter recorrido ao Banco de Inglaterra para obter fundos, cerca de 2 mil milhões de libras, que não terá logrado obter no mercado interbancário.
[3] Richard C. Cook é um estudioso e consultor de empresas de nacionalidade norte-americana. Licenciado na Universidade William and Mary (uma das universidades públicas mais prestigiadas nos EUA) este antigo analista governamental (durante a presidência de Jimmy Carter) que também desempenhou funções na Food and Drug Administration, na NASA (onde esteve envolvido na denúncia dos defeitos que culminaram com o desastre do vai-vem Chalenger) e no Departamento do Tesouro dos EUA abandonou funções governamentais em Janeiro de 2007 e tem desenvolvido desde então uma actividade de escritor, orador e consultor em matérias de administração pública, mudança organizacional e resolução de conflitos. Pelo seu papel nos trabalhos da comissão federal nomeada para a investigação do acidente do Chalenger e na divulgação das respectivas explicações, foi galardoado em 1991 com o prémio Cavallo Foundation Award for Moral Courage in Business and Government.
[4] Ver a explicação no post A MÃO INVISÍVEL.