quinta-feira, 31 de março de 2016

POBRES DE NÓS...

A sucessão de acontecimentos no sector financeiro nacional, onde os mais recentes e visíveis foram o “desaparecimento” do BES e do BANIF, constituem mais um claro sinal do fracasso da solução europeia gizada para combater a denominada crise das dívidas soberanas.


Lembremos que parte da estratégia passava pela recapitalização do sector financeiro e que encerrado o “programa de auxílio” a banca portuguesa ficou longe duma situação melhor que a que vivia nas vésperas do pedido de resgate e em processo de clara concentração, a ponto do ex-presidente do Conselho Económico e Social e actual assessor do presidente da Comissão Europeia, Silva Peneda, ter afirmado que «“Choca-me ter um país estrangeiro a comandar toda a banca portuguesa”».

Muita coisa continua por fazer num sector importante para a actividade económica mas que de modo algum pode ser entendido como o seu factor chave. Claro que muito do crescimento económico que se deseja passa por necessidades de financiamento, mas infelizmente uma banca espartilhada pela falta de capitais próprios e orientada para o lucro imediato está nos antípodas daquela necessidade.

Na época em que tivemos um sector financeiro nacionalizado perdeu-se a oportunidade de o organizar segundo outra lógica que não a do lucro a qualquer preço – extinguiu-se uma instituição de crédito que privilegiava o financiamento a médio e longo prazo (o Banco de Fomento), pactuando-se com o princípio da banca universal e da “livre concorrência” e agora debatemo-nos com a dupla dificuldade duma economia sobre-endividada e estagnada e dum sector financeiro descapitalizado, agravada por integrarmos uma união monetária desprovida de supervisão bancária eficiente, já para não falar duma não menos necessária estratégia conjunta ao nível político e militar – seguindo-se-lhe um processo de privatizações que nunca acautelou outro objectivo que o de ocultar o acumular de défices. Pelo meio assistimos a um ou outro “manifesto público pela defesa do interesse nacional”, invariavelmente esquecido logo que surgia a primeira oportunidade de lucro fácil, agora parcialmente recuperado por quem tendo tipo um papel activo na gestão bancária, como Nogueira Leite, defende agora, num artigo esta semana publicado no DN, que os «...os empresários portugueses deveriam ou avançar com o seu próprio capital ou ajudar a encontrar fontes credíveis de capitalização dos bancos portugueses...», como se esse leque de empresários não estivesse reduzido a um dois dos “super ricos” gerados pelo sistema que nos conduziu à crise que atravessamos.

sábado, 26 de março de 2016

APRENDER A PENSAR

Foi sem qualquer surpresa que li esta semana no NEGÓCIOS uma notícia revelando que os cursos de economia pecam por muita matemática e pouca reflexão, onde “[m]ais de um terço dos créditos das licenciaturas de Economia em Portugal é dedicado à matemática e à gestão, enquanto apenas 1,6% vai para cadeiras de ética, pensamento crítico e de teoria e história do pensamento económico”, considerando que se aplica de forma generalizada nos doze países observados.

Esta questão não é nova – há muito tempo se debate qual o campo onde se deve inserir a ciência económica: o das ciências sociais ou o das ciências exactas – mas ganhou nova visibilidade com o eclodir da crise sistémica e a constatação da incapacidade dos especialistas para a preverem e a combaterem.

A crescente redução da ciência económica aos pressupostos da modelização (técnica que recorre à elaboração de modelos econométricos para a avaliação de hipóteses) tem estado bem patente quer nas explicações de analistas e de mais especialistas quer nas soluções aplicadas para resolver crises como a das dívidas soberanas. Quem se esqueceu já da célebre folha de "Excel" de Vítor Gaspar e dos maravilhosos resultados de crescimento e bem-estar que proporcionou à esmagadora maioria dos portugueses? para não falar da espectacular redução dos desequilíbrios orçamentais e do endividamento público?

Eufemismos à parte, quem consegue entender o uso e abuso duma ferramenta de trabalho (sim, a econometria e os modelos econométricos são simples ferramentas de trabalho) e a sua transformação em deus ex machina pela simples recusa da avaliação crítica dos seus resultados?


Claro que boa parte das razões para a sobrevalorização da componente matemática derivam das inegáveis vantagens que oferece aos defensores da inexistência de alternativas (do tipo da enunciada por Cavaco Silva quando defende o postulado que duas pessoas com idêntica formação e igual informação alcançam sempre o mesmo resultado), mote consolidado pela queda do Muro de Berlim e pelos teóricos do “fim da história” (i.e. Samuel P. Huntington e Francis Fukuyama), mas causas internas ao próprio sistema de ensino também não são de desprezar, pois quer no nível superior quer nos que o antecedem a cultura da análise crítica é inexistente. E como se tal não bastasse importa ainda referir que é bem mais fácil ensinar “matemática” que ensinar “a pensar”, pelo que dificilmente assistiremos a uma alteração qualitativa no ensino/aprendizagem das ciências economias, por muitos e bons que sejam os esforços pessoais dalguns economistas ou de organizações como a «Economia Sem Muros».

terça-feira, 22 de março de 2016

AI BRUXELAS...

O dia de hoje, apesar da tonitruante declaração de Barack Obama em Havana dizendo que «"Vim aqui para enterrar o último resquício da Guerra Fria"», tinha quase tudo para não passar de um dia normal não fosse o facto de termos ficado a saber que o «Terrorismo volta a abalar a Europa, 34 mortos em Bruxelas», num duplo atentado no aeroporto e numa estação de metro, daquela que é a capital política da UE.


Represália, ou não, pela recente detenção do alegado organizador dos atentados de 13 de Novembro em Paris, algumas horas depois o «Daesh assume a autoria dos atentados em Bruxelas», facto que em nada muda as respectivas consequências, nem o habitual cortejo de lamentações oficiais ou o aumento do xenofobismo.

Os líderes políticos voltam a falar na necessidade da maior solidariedade, esquecendo quão rebaixaram esses padrões no caso das economias do sul da Europa e na aplicação de políticas punitivas de gregos, portugueses e espanhóis, não sendo pois de estranhar que voltemos a ouvir a mesma ladainha contra os muçulmanos e os imigrantes, que subam de tom os apelos ao fim da livre circulação de pessoas no espaço europeu (que não dos sacrossantos “capitais”, pois esses não põem bombas nem crescerão sem as manigâncias fiscais que essa mesma liberdade lhes confere) mas o que raramente se diz é que os perpetradores dos atentados são cidadãos europeus, que a Europa falhou na sua política de integração, e que Bruxelas é há muito tempo conhecida como a placa giratória do contrabando de armamento originário dos Balcãs ou que as polícias europeias continuam a revelar-se incapazes de partilhar informação.

Iremos assistir à proliferação dos mecanismos de controlo dos cidadãos (sempre em nome duma segurança inalcançável) e à redução das suas liberdades e garantias, mas nunca à elaboração duma verdadeira política de segurança europeia e, cereja no topo do bolo, ainda ouvimos dos russos que o atentado em Bruxelas é culpa da política errada do combate ao terrorismo.


sábado, 19 de março de 2016

OS BRASILEIROS SÃO MUITO IMAGINATIVOS

Depois do escândalo Petrobras e com o avolumar de notícias sobre o envolvimento do ex-presidente Lula da Silva no escândalo Lava-Jato (investigação sobre subornos que envolve empresas e membros dos principais partidos) a ponto de se ter anunciado que a «Procuradoria de São Paulo acusa Lula da Silva de lavagem de dinheiro».

Sabendo-se que a «Justiça brasileira pede prisão preventiva de Lula da Silva» de pronto começaram a circular rumores da sua nomeação para o governo, como forma de garantir a sua imunidade.


Perante a informação de que «Há indícios “significativos” contra Lula da Silva» foi natural a reacção onde «Milhões de brasileiros pedem impugnação de Dilma Roussef e prisão de Lula da Silva»; houve confrontos entre críticos e apoiantes permitindo assim que «Lula denuncia "actos injustificáveis de violência" e pede justiça "para todos"», mas as dúvidas continuam a avolumar-se, mesmo quando se justifica o comentário do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que não teve qualquer dúvida em afirmar que a «Nomeação de Lula da Silva para ministro é "um erro"».

Quando toda esta agitação ainda está em fase de enchimento e mesmo concordando que a «Nomeação de Lula da Silva revela "imoralidade" e "desespero"» do operário-presidente que cumpriu em boa parte a promessa de mudar para melhor o Brasil, não é menos certo que parecem insuficientes os argumentos para o “impeachment” da presidente Dilma Roussef (não existe prova do seu envolvimento em casos de corrupção) e o próprio papel da Justiça brasileira pode ser questionado, não tanto porque o «Juiz que suspendeu nomeação de Lula participou em manifs contra Dilma» mas principalmente por comentários públicos (via Facebook apelou «Ajude a derrubar a dilma e volte a viajar para Miami e Orlando. Se ela cair o dólar cai junto») dum populismo barato, básico e impróprio dum magistrado.

Com todo o clima de contestação nas ruas, onde se sucedem as manifestações contra e a favor de Dilma e Lula, quando se avizinha o debate sobre a destituição de Dilma, um processo que arranca no pior momento e que bem podia dispensar mais o rocambolesco episódio das sucessivas tomadas de posse e respectivas suspensões judiciais, num espectáculo que, repita-se, não dignifica nem o poder executivo nem o judicial num país que atravessa uma cada vez mais evidente crise de crescimento económico, mas cujo «Carnaval político põe mercados a sambar»...

quarta-feira, 16 de março de 2016

PROBLEMAS ANTIGOS, SOLUÇÕES NOVAS

Esta semana voltou a falar-se de demografia a propósito da divulgação das últimas estimativas do Eurostat, segundo as quais «Portugal tem a mais baixa taxa de fertilidade da União Europeia».


Embora estes dados se refiram a 2014, o mais preocupante é que revelam que fomos o país que registou a maior quebra na taxa de fertilidade entre 2001 e 2014; claro que a crise terá tido o seu contributo e em especial no que respeitou á degradação das condições de vida dos mais jovens, bem traduzido no facto da idade média de nascimento do primeiro filho ser 29,2 anos para as portuguesas.

Agora que também no capítulo demográfico se começam a verificar os resultados das políticas económicas de natureza ordoliberal que reduziram ou destruíram estruturas de apoio social, é cada vez mais urgente lançar o debate em torno da escolha do futuro. A este ritmo teremos a breve trecho uma sociedade irreversivelmente envelhecida e insustentável (até do simples ponto de vista existencial) cujos actuais dirigentes recusam ver a realidade – a qual, lembre-se,continua a ser aquela onde «Em dois meses houve 83 empresas a fazer despedimentos colectivos» – que poderiam ajudar a inverter com o relançamento de políticas orientadas para as pessoas, abrindo, por exemplo, um debate sério e construtivo sobre um novo modelo de organização do trabalho e a questão do rendimento básico (ver o “post” homónimo).

Na sua ausência e quando estes preocupantes resultados se estendem à generalidade dos membros da UE, aumentando a urgência na procura uma solução rápida, será que os líderes europeus esperam que a vaga de imigrantes, originários de países com outras culturas, seja suficiente para inverter esta tendência?

sábado, 12 de março de 2016

NEM “SES” NEM “MAS”

A crer nos meios de comunicação nacional a semana que agora termina teria ficado marcada pela tomada de posse do novo Presidente República e pela era de esperança que prometeu abrir – se é que é isso que pretendeu ao afirmar que «"Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios"» –, mas por mim prefiro destacar a evidente diferença de actuação entre o actual e o anterior governo no que respeita ao relacionamento com Bruxelas.

No início da semana o Comissário Europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, fez saber que era convicção da Comissão Europeia que, relativamente ao OGE em vias de aprovação, as medidas adicionais “têm de ser implementadas”, relançando a esperança de quem ainda espera ver alterado aquele OGE e o descrédito sobre o governo de António Costa.


Perante a reafirmação vinda de Bruxelas de que «Medidas orçamentais adicionais são mesmo para ser implementadas» e que Pierre «Moscovici vem a Lisboa discutir plano B com Costa e Centeno», António Costa manteve a mesma linha de discurso reafirmando que «Nada indica que sejam necessárias medidas adicionais» ou «Costa insiste que "não há nenhum plano B"» e no final da visita o comissário lá teve que admitir que Bruxelas não interfere nas decisões do Governo, apenas dá conselhos...

Mesmo que nada disto garanta o bom rumo da execução orçamental – alguém se recorda do último orçamento que não teve rectificativos ou cumpriu o que nele se projectava – sempre ressalta a clara diferença de postura entre quem se submete caninamente aos ditames dos “poderosos”, ou quem tenta fazer valer as suas ideias e os seus princípios.

Não estou seguro se, como garantia o EXPRESSO, Marcelo Rebelo de Sousa vai ser o anti-Cavaco, mas ao que tudo indica Costa está a conseguir ser um anti-Passos Coelho!

terça-feira, 8 de março de 2016

ADEUS CAVACO

Está prestes a encerrar-se aquela que ficará para a História como uma das décadas mais tristes deste País; claro que não foi a única (nem será, infelizmente, a última) mas uma sucessão de eventos iniciados com o despoletar duma crise sistémica global agravada pelos erros conceptuais duma união monetária sem liderança política e acompanhada da inépcia das elites governativas europeia e nacional, nem sequer explica a calamidade da passagem de Cavaco Silva por Belém.


O que se lhe seguirá pode constituir ainda uma incógnita para muita gente, poderá até parecer algo de muito melhor (também não será difícil depois de termos descido tão baixo), mas dificilmente apagará a imagem de péssimo presidente deixada por Cavaco Silva, sem qualquer dúvida o pior da III República.

Depois da década passada como chefe de Governo (1985-1995), que ficou assinalada como o período de maior afluxo de ajudas comunitárias –  traduzidas na destruição do sector primário da economia nacional, na explosão do sector terciário e, na tradição do melhor oportunismo bacoco, na opção por uma “política do betão” desprovida de visão estratégica – e de implantação dum modelo de liberalismo económico que resultou num “vale tudo” oportunista, não é estranho que durante a sua presidência se tenha assistido ao eclodir de casos como o BPN e a meteórica ascensão de “Relvas” e “Varas”; estranho é que além de nunca ter esclarecido minimamente algumas situações controversas em que se viu envolvido (o “negócio” das acções do BPN cujo preço de venda foi fixado pelo “seu amigo” Oliveira e Costa, o facto de não ter demitido do Conselho de Estado o seu amigo Dias Loureiro logo que foi confirmado o seu envolvimento num processo de evasão e fraude fiscal no âmbito da venda da Pleiade à Sociedade Lusa de Negócios ou a lucrativa troca da casa algarvia com uma construtora ligada ao “universo BPN”) ainda tenha tido a desfaçatez de em plena hecatombe social, ditada por um resgate financeiro imposto para a protecção e salvaguarda da banca europeia e perante o impedimento legal de acumular o vencimento da função que exercia com a reforma que recebia, de não optar pelo vencimento do cargo e o arrojo de, no final do mandato afirmar que agiu "sempre" de "acordo com o superior interesse nacional".

Cavaco Silva não é apenas um político criticável devido às suas convicções políticas e ideológicas, é sobretudo um mau exemplo pelas suas convicções e opções sobranceiras – celebrizadas na tonitruante declaração: «Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas» – e pela evidente ausência dum padrão ético republicano que sempre farão dele uma personagem desadequada para as funções que tem desempenhado.

quinta-feira, 3 de março de 2016

RISCOS IMPORTANTES

Muito se continua a ouvir e a escrever sobre o OGE.

Desde as abalizadas opiniões do Conselho das Finanças Públicas (organismo independente que fiscaliza o cumprimento das regras orçamentais e a sustentabilidade das finanças públicas nacionais), avisando que o OE apresenta riscos importantes ou que o «Governo arrisca buraco de quase 600 milhões nos impostos indirectos», e do Conselho Económico e Social (órgão constitucional de consulta e concertação social tendo por principais objectivos a promoção da participação dos agentes económicos e sociais nos processos de tomada de decisão dos órgãos de soberania, no âmbito de matérias socioeconómicas, sendo, por excelência, o espaço de diálogo entre o Governo, os Parceiros Sociais e restantes representantes da sociedade civil organizada), que vê uma ameaça à economia e emprego na subida da carga fiscal, até à inefável Moody’s, que veio recentemente constatar que «"O crescimento em Portugal está a abrandar, não a acelerar"», como se o Mundo geral vivesse algum período de franco e claro crescimento.


A objectividade e o interesse destas (e doutras) opiniões são facilmente reconhecíveis, estranhando-se apenas que todas se foquem muito no que “irá correr mal” e pouco ou nada contribuam para a reflexão do “porque é que vai correr mal”!

Dirão, e bem, que tal não é a função o CFP, mas o mesmo não poderão argumentar relativamente ao CES nem à tão “nossa amiga” Moody’s e ainda menos à comunicação social que simplesmente divulga estas “caixas” sem outros comentários ou análises.

Todos sabemos que o Orçamento apresentado pelo governo de António Costa tem fortes probabilidades de, há semelhança dos que os precederam, falhar rotundamente nos principais objectivos, o que continuamos sem ver explicado é a razão dos desvios e no caso específico a razão para a sistemática quebra na formação bruta de capital fixo – rubrica das contas nacionais que regista o valor dos bens de capital adquiridos pelas empresas e pelo Estado usados na produção doutros bens (máquinas, equipamentos e material de construção); não incluindo as transacções financeiras (compra de acções, obrigações e outros activos financeiros) trata-se afinal dum indicador que mede o investimento produtivo na economia – que a economia portuguesa vem registando e que estará na origem dos fracos crescimentos registados.

Segundo o portal PORDATA a FBCF não tem parado de decrescer desde 2008, quer em valor absoluto quer em percentagem do PIB e, mesmo quando se constata que o valor estimado para 2014 representa apenas 62,8% do registado em 2008, esta é uma realidade que pouco ou nada parece preocupar os responsáveis políticos nacionais e comunitários que preferem falar em investimento (que inclui a componente não produtiva, financeira e especulativa) e no importante papel do sector bancário quando o modelo de investimento baseado em crédito se revela esgotado.

Pena é que continuemos a olhar apenas para os riscos que importam aos outros e pouco ou nada aos que nos deviam importar a todos!

terça-feira, 1 de março de 2016

UM MAU EXEMPLO

Quase cinco anos volvidos sobre a catástrofe (terramoto de 8,9 na escala de Richter seguido de tsunami) que no dia 11 de Março de 2011 atingiu a região japonesa de Tohoku, provocando danos irreparáveis numa central nuclear da TEPCO (Tokyo Electric Power Co), e depois do Ministério Público de Tóquio ter recusado por duas vezes apresentar quaixas contra a empresa, eis que surge a notícia que «Três ex-dirigentes da operadora de Fukushima vão ser julgados por negligência».

A catástrofe natural, ampliada pelo desastre nuclear que se lhe seguiu, resultou em quase 16 mil mortos e mais de 2500 desaparecidos e na confirmada contaminação das águas do Pacífico. Esta fuga radioactiva, classificada ao mesmo nível da que atingiu a central russa de Tchernobyl, reacendeu a polémica em torno do uso da energia nuclear levando mesmo vários países a anunciar moratórias nos seus programas de energia nuclear.

A tardia chamada à responsabilidade de três ex-dirigentes da TEPCO está perfeitamente em linha com a actuação das autoridades, pois «Tóquio levou quase 5 anos a reconhecer primeira morte por cancro» na sequência da fuga de material radioactivo da central de Fukushima Daiichi, num processo de relativa mistificação dos perigos que ainda assim não impediu que de pronto se tivesse referido que o «Japão faz soar alarme nuclear no mundo», ainda que as consequências prática não tenham acompanhado o nível de preocupação geral.

O acidente nuclear ocorrido em 1986 em Tchernobyl serviu na ocasião para salientar as graves limitações duma gestão soviética em acelerada decadência, pelo que pouco efeito teve no debate sobre o uso da energia nuclear; com o acidente em Fukushima a reacção da comunidade internacional foi um pouco diferente mas seguramente não o desejável.


O julgamento agora anunciado irá seguramente assistir à repetição dos conhecidos argumentos a favor ou contra o uso da energia nuclear, com a habitual emotividade mas sempre longe duma indispensável objectividade que tem a ver com a necessidade de procura de fontes de produção de energia alternativas aos combustíveis fósseis; bom seria se a discussão se orientasse não para a diabolização duma alternativa mas para a necessidade de controlos muito apertados sobre as entidades, públicas e privadas, que usam a energia nuclear. Mas isso equivaleria a equiparar o acidente de Fukushima com o de Tchernobyl (ambos foram classificados com o grau mais elevado na Escala Internacional de Acidentes Nucleares) e concluir que se o primeiro resultou do fracasso dum modelo de gestão fortemente centralizado, o segundo resultou principalmente do laxismo dos poderes públicos face aos interesses privados do lucro a qualquer custo.