quinta-feira, 30 de julho de 2009

REALIDADES E FANTASIAS

Na sequência de animadoras notícias provenientes do mercado imobiliário norte-americano1 e da recente publicação pelo INE do Índice de Custos de Construção, rapidamente a imprensa nacional (escrita e audiovisual) escreveu coisas como: «Preço das casas em Portugal regista primeiro aumento desde 2007» ou «Valor das casas sobe pela primeira vez desde 2007», esquecendo de forma conveniente que os dados fornecidos por aquele organismo público referem especificamente um aumento do valor médio da avaliação bancária de Habitação.
Por outras palavras, enquanto as notícias originadas do outro lado do Atlântico referem uma aparente inversão na tendência de quebra dos preços da habitação, com o NEW YORK TIMES a escrever que «após três anos em queda, as casas parece terem-se tornado suficientemente baratas para atrair compradores, o que está a contribuir para a estabilização dos preços e a gerar esperança que o mercado imobiliário esteja a começar a recuperar», os títulos nacionais referidos anunciam uma subida dos preços no sector, escamoteando que a fonte de informação não se refere aos preços de mercado mas sim aos de avaliação bancária para efeitos de crédito. E o mais interessante é que ambos os títulos foram originados em publicações de natureza económica (o JORNAL DE NEGÓCIOS e o ECONÓMICO, respectivamente) já que os jornais generalistas, como o DIÁRIO DE NOTÍCIAS ou o PUBLICO são bem mais precisos ou comedidos quando optaram por escrever que «Bancos: 1ª subida das avaliação das casas desde 2007», ou «Portugal e EUA travam descida nos preços na habitação».

Esta chamada de atenção parece-me amplamente justificada porque nem a situação dos mercados imobiliários nacional e americano é comparável, nem a informação disponibilizada pelo INE permite concluir que aquele mercado nacional esteja a recuperar.

E as razões para isso são múltiplas.

Primeiro; o indicador fornecido pelo INE revela apenas que os bancos estarão a subir os valores de avaliação que praticam, o que não significa que o valor das habitações esteja a subir, nem que aquele valor de referência possa e deva ser utilizado como tal pelos agentes do mercado. O valor de avaliação por m2 praticado pelos bancos que deveria reflectir um valor justo (de equilíbrio entre oferta e procura) para o imobiliário, reflecte normalmente uma de duas realidades: o anseio de ver aumentados os montantes do crédito contratado (por via do acrescido valor da garantia – o imóvel – a ele associado) ou o receio de ver o valor dos bens executados insuficiente para a cobertura dos créditos malparados.

Segundo; ao contrário do que ocorreu com o mercado imobiliário norte-americano, que desde 2006 já registou uma quebra nos preços superior a 30%, no mercado nacional (cuja crise é anterior à crise iniciada com o “subprime” e deriva de um claro desajustamento entre a quantidade oferecida e a procurada) a descida nos preços, se a houve, passou quase despercebida, pelo que o indispensável ajustamento entre a oferta em excesso e uma procura descapitalizada continua por alcançar.

Terceiro; a razão para a aparente melhoria deriva, principalmente, da necessidade do sector financeiro nacional apresentar um melhor rácio de cobertura para o crescente crédito malparado e assim reduzir as necessidades de mais capital para provisionar aqueles riscos.

Uma primeira conclusão que se pode tirar de tudo isto é que a imprensa económica precisará de notícias animadoras! Mas será só isso? ou as notícias são afinal mais um sinal do grande estado depressivo da nossa economia e da ineficácia das políticas de recuperação ensaidas?

É óbvio que existem múltiplos e poderosos interesses em ver reanimar o sector da construção civil, a começar pelas próprias empresas do sector – que além dos problemas criados pela estagnação do mercado poderão ainda vir a enfrentar os resultantes do abrandamento das promessas das grandes obras públicas – continuando pelos sectores económicos mais ligado ao imobiliário – nomeadamente o da banca – e concluindo com o partido no governo que além do mais enfrenta eleições para breve.
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1 Entre outras destaquem-se esta do THE NEW YORK TIMES ou esta do WASHINGTON POST que davam conta de sinais de retoma no mercado imobiliário norte-americano.

terça-feira, 28 de julho de 2009

TIROS NOS PÉS

Por este andar esta “silly season” será imemorável.

Como se não bastasse o facto de vivermos um acesso período pré-eleioral e de ainda recentemente o primeiro ministro José Sócrates ter declarado com pompa e circunstância que «Está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor no défice do que eu», eis que no passado fim-de-semana, a tradicional Festa do PSD-Madeira trouxe-nos muito mais que o inefável Alberto João Jardim e as suas habituais ”boutades” pseudo-políticas.

Desta feita os homens do PND local preparavam-se para sobrevoar o local da festa laranja com um dirigível quando, após uma primeira e fracassada tentativa das forças da ordem impedirem o voo, foi o «Zepelim do PND atingido com três tiros» e obrigado a permanecer no solo.

Enquanto os dirigentes dos dois partidos já anunciaram iniciativas de natureza legal (o PND formalizou queixa contra desconhecidos, mas ameaça apontar Alberto João como principal responsável caso obtenha as gravações de declarações que o presidente do governo regional terá proferio no parlamento madeirense, enquanto, conforme afirma o DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA, o «PSD vai processar responsáveis por objecto voador») o rocambolesco episódio vai continuando a fazer-nos rir...

Mas atenção, o principal “suspeito” (habitual naquela região e neste tipo de actuação) é o mesmo impoluto cidadão, probo político e honesto dirigente regional, que há dias pretendia ver proibidas as tendências autoritárias1...

Palavras para quê? É o Alberto João no seu melhor...
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1 Em meados deste mês a TSF dava-nos a notícia de que «Jardim defende alteração da Constituição para proibir comunismo»

domingo, 26 de julho de 2009

INFELIZMENTE É DOMINGO!

Depois da recente aprovação pelos parlamentos francês e português de alterações à legislação laboral, sobre o trabalho ao domingo (em França)...

...e o trabalho doméstico de menores de 16 anos (em Portugal)1, restará alguma dúvida em algum espírito menos atento, que a actual conjuntura de crise económica está a ser aproveitada para uma nova ofensiva contra alguns ganhos sociais?2

Depois de termos assistido ao recurso aos orçamentos públicos para “salvar” os banqueiros que prosseguiram estratégias altamente especulativas, começámos a ouvir diariamente notícias sobre falências, despedimentos e “layoffs”, enquanto de quando em vez vão surgindo outras sobre a necessidade de reduzir os salários para viabilizar as empresas – tudo inserido numa estratégia que visa a manutenção dos lucros do lado do capital e a transferência dos custos para o trabalho – parece termos chegado agora à fase de consignar na legislação os ganhos de mais esta crise.

E esta é apenas mais uma etapa no processo através do qual os interesses que lucraram com as políticas de deslocalização empresarial e de globalização dos mercados se preparam para iniciar a fase de recuperação económica que aguardam ansiosamente em situação de ainda maior vantagem e tudo isto com o apoio dos políticos que fizeram eleger à sombra de promessas de melhorias globais.

Agora que se aproxima nova ronda eleitoral é uma óptima oportunidade para todos nós reflectirmos sobre aqueles que elegemos, sobre a forma como nos levaram ao engano e sobre como não repetirmos o mesmo erro... ou outro idêntico.

Mais do que avaliarmos as promessas de benesses, ou as de rigor e seriedade, deveremos exigir dos políticos e dos partidos a sufrágio princípios simples e concretos sobre programas governativos e visões claras do que entendem ser o melhor futuro.

Quer a maioria tente voltar a refugiar-se nos chavões eleitorais, nas promessas de mundos e fundos e em agradáveis cenários de mel e rosas ou em frases vagas e dúbias envoltas em roupagens de verdade e transparência, caberá aos eleitores a indispensável tarefa de recordar aquele que foi o seu passado próximo e as respectivas passagens pelos corredores do poder... vão ver que tudo ficará muito mais fácil!
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1 Notícias sobre estas matérias podem ser lidas no LE MONDE e no DN.
2 A avaliar por notícias recentes, como estas do PUBLICO ou do JORNAL DE NEGÓCIOS, os jovens europeus contam-se entre as camadas da populações mais atingidas pelo desemprego e, a avaliar pelos efeitos que as medidas agora tomadas poderão ter, a tendência não será para a melhoria.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

...A CAMINHO DA PRÓXIMA CRISE

Os problemas das economias não se resumem hoje – nem se resumiram nunca – ao “estado de saúde” dos respectivos mercados bolsistas. Embora seja cada vez mais incontornável a importância daqueles mercados – restando ainda apurar qual a fiabilidade macroeconómica dos seus resultados – a crise que as economias mundiais hoje atravessam mais do que aconselham acrescidos cuidados e reservas nessa observação.

Esta máxima deve ser tida em especial atenção por todos quando lemos notícias como esta do
THE NEW YORK TIMES que garante que «Dois gigantes emergem das ruínas de Wall Street», ou as que recentemente foram dando conta dos resultados dos grandes bancos norte-americanos no segundo trimestre deste ano1...

...revelando o que parece ser o regresso aos tempos áureos de Wall Street.

Os ventos poderão ser de particular feição para aqueles agentes financeiros que nunca exerceram outra actividade que não a de multiplicar créditos e especular sobre a possível evolução das empresas e das economias, mas como o demonstram os principais indicadores económicos e uma ou outra notícia o vai referindo2, a situação por terras do Tio Sam encontra-se muito longe do paraíso que alguns persistem em lobrigar.

Até mesmo entre nós há quem não perca a primeira oportunidade para “animar” o seus leitores e escreva3 que as «...bolsas europeias sobem pela sétima sessão consecutiva, registando o mais longo ciclo de subidas desde Agosto de 2007, graças aos resultados acima do esperado e aos indicadores económicos positivos. «...» A motivar os ganhos na Europa estão os resultados apresentados pelas empresas, em particular pelos bancos norte-americanos, que superaram todos os números que circulavam no mercado», talvez sem se aperceber que no essencial explicou a subida das bolsas por um fenómeno meramente emotivo e que pouco ou nada tem de real ou de sustentável4.

Senão vejamos...

Os bancos norte-americanos que agora apresentaram grandes resultados positivos são, não só aqueles em que a administração Bush injectou milhares de milhões de dólares para reequilibrar as suas tesourarias deficitárias mas ainda ajudou na aquisição de outros bancos de menor dimensão ou em situação financeira mais calamitosa.

Na prática, o que as notícias nos dizem é que os banqueiros de Wall Street já reiniciaram aquilo que melhor sabem fazer – especular – e que com isso estarão a ganhar muito dinheiro – tanto mais que a intervenção pública lhes assegurou financiamento a baixo preço e a aceitação social para a redução dos custos de estrutura, obtida à custa de despedimentos – mas também a contribuir para o adiamento da recuperação das economias porque, confirmam que o verdadeiro empenho dos governos tem sido a recuperação do sector financeiro e não a definição de um novo modelo de desenvolvimento económico.

A persistência em não aplicar medidas de efectiva reforma que reconduza o sistema financeiro ao papel que deve desempenhar na economia – o de distribuição de recursos financeiros entre aforradores e investidores – não contribui apenas para adiar o início da fase de recuperação, pode comprometê-la seriamente caso aumente o fosso entre as receitas da actividade especulativa e as das actividades produtivas.

Na actual conjuntura, manter uma política que recuse uma efectiva reforma do sistema financeiro poderá ser do interesse de Wall Street, mas seguramente virá a revelar-se ruinosa para os restantes sectores da economia e constitui um embrião garantido para o eclodir de nova crise. Como escreveu Paul Krugman num artigo recentemente publicado noutra edição do THE NEW YORK TIMES5, a propósito das alegrias da Goldman Sachs, «...ao apoiar o sector financeiro sem o reformar, Washington optou por nada fazer para nos proteger a todos de uma nova crise, de facto tornou-a bem mais provável».
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1 De que é exemplo esta notícia do ECONÓMICO que assegura que «Wall Street vive maior ciclo de ganhos em dois anos».
2 Ver a propósito o “post” «ASSIM VAI A AMÉRICA...».
3 A notícia pode ser lida aqui, na página do ECONÓMICO.
4 Embora mais centrado na perspectiva dos mercados de capitais, ver o “post” «CUIDADO COM AS EUFORIAS», no qual em Outubro de 2008 e em plena crise financeira já chamava a atenção para os primeiros sinais de que as elites financeiras não só nada haviam aprendido com mais aquela lição como se preparavam activamente para retomarem as práticas lesivas que originaram a crise que então se estava a agigantar.
5 O artigo «THE JOY OF SACHS» pode ser lido aqui.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

HÁ 40 ANOS... UM PASSO GIGANTE

A comemoração do 40º aniversário do primeiro passo do Homem na Lua deveria ser um motivo de orgulho para o conjunto da Humanidade...

porém, aquilo que observamos no Planeta cuja força de atracção aprendemos a vencer é que ainda não conseguimos resolver muitos dos seus problemas básicos.

Além das crescentes tensões político-religiosas, quiçá originadas nos conflitos económicos e no apogeu do individualismo e da ganância sobre todas as coisas, iremos continuar a assistir a uma exploração assimétrica dos recursos naturais e mantermos uma parte significativa da Humanidade a viver em condições miseráveis enquanto caminhamos – a passos largos – para a privatização de recursos tão básicos e essenciais como a água!

Será a luz do Sol o próximo passo?

domingo, 19 de julho de 2009

ASSIM VAI A AMÉRICA…

Que os sinais de recuperação económica tardam em aparecer parece-me bem evidente, mesmo quando alguns meios de comunicação não perdem a oportunidade de fazer manchete com uma ou outra notícia mais optimista e sensacionalista1.

Exemplo do clima depressivo que se vive um pouco por todo o lado pode bem ser
esta notícia do THE NEW YORK TIMES que relata a situação “sui generis” de uma localidade norte-americana que pondera implementar uma política de concentração dos seus habitantes por forma a reduzir os custos fixos e a “devolver” à natureza as áreas assim desocupadas.

Este fenómeno de redução dos espaços populacionais representa uma solução naturalmente ditada pela redução de uma população forçada a abandonar as casas judicialmente executadas para pagamento das suas dívidas e pelo crescimento do desemprego.

Uma noção da verdadeira dimensão social deste fenómeno, cujo número oficial (dados do BUREAU OF LABOR STATISTICS referentes a Junho de 2009 e que podem ser confirmados aqui) é de 14,7 milhões de desempregados, representando 9,5% da população activa, mas que observada de forma mais desagregada revela enormes disparidades em função da idade (os jovens apresentam uma taxa de 24%) e da origem étnica...

facto que será ainda mais grave quando se constata que o SHADOW GOVERNMENT STATISTICS2 estima que a taxa de desemprego pode já ter ultrapassado os 20%.

Para melhor entender a dura realidade das populações recorde-se que o fenómeno do actual desemprego na economia americana resulta de factores (o desemprego originado no processo de deslocalização das unidades produtivas para o sudoeste asiático, iniciado na década de 1990, e agora agravado pela retracção comercial originada na crise financeira) que se têm vindo a prolongar no tempo.

Mas a situação anteriormente descrita, que conhece na localidade de Flint (vizinha de Detroit e grandemente afectada pela profunda crise que atravessa o sector da construção automóvel norte-americana) o seu principal expoente, afecta muitas outras localidade e existem até estados federias que vivem verdadeiras situações de falência financeira.

Exemplo disso mesmo é a situação do estado da Califórnia, o principal contribuinte para o produto nacional norte-americano, que no final do mês de Junho suspendeu todos os pagamentos a fornecedores, substituindo-os por notas de dívida. Com uma dívida estimada em mais 26 mil milhões de dólares, o estado governado pelo “Exterminador” Arnold Schwarzenegger é um dos 48 estados federados que no conjunto apresentam uma dívida superior a 160 mil milhões de dólares e que se debatem com a obrigatoriedade legal de não apresentarem orçamentos deficitários. Confrontados com a retracção nas economias e com a correspondente redução nas receitas fiscais, os governos estaduais e locais limitam-se a repercutir a quebra de receitas em despesas como a educação e o apoio social, agravando ainda mais os já debilitados orçamentos das famílias mais carenciadas e ampliando o efeito sobre a redução do consumo.

As conhecidas divergência políticas entre Democratas (favoráveis a um aumento da carga fiscal) e Republicanos (ferozes oponentes a semelhante medida) tem conduzido a situações de impasse que além de agravarem as dificuldades das equipas de gestão local estão a conduzir o governabilidade dos estados federados a verdadeiros becos sem saída.

O desespero de algumas equipas estaduais é tal que além da referida ideia de concentrar as populações como forma de controlo e redução dos gastos com o fornecimento de serviços como o saneamento, a iluminação pública e a segurança, já há quem defenda a liberalização do comércio das chamadas drogas leves como via para o aumento das receitas fiscais3, opção que não deixa de ser interessante de analisar quando os seus promotores são os mesmos dogmáticos que, em nome de uma pseudo defesa da saúde pública, aplicaram limitações ao consumo de tabaco.

Enquanto os estados federais lutam pela sua própria sobrevivência económica, os banqueiros de Wall Street têm vindo a publicar os restados do último trimestre e, espanto, alguns já voltaram aos volumosos lucros de antes do início da crise; segundo o THE NEW YORK TIMES4, o JP MORGAN CHASE e o GOLDMAN SACHS não só estão a conseguir vencer a crise como de novo a obter grandes lucros, mas isso será o mote para o próximo “post”...
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1 Exemplo, entre outros, pode bem ser a notícia do ECONÓMICO que assegura que fruto das suas mais recentes previsões «Roubini leva Wall Street à quarta sessão de ganhos».
2 John Williams é um economista de Oakland que há cerca de cinco anos gere a página Shadow Government Statistics na Net, na qual apresenta índices e estimativas estatísticas alternativas às disponibilizadas pelos organismos oficiais por entender que os dados oficiais têm vindo a ser manipulados de forma a apresentarem resultados mais favoráveis.
3 Exemplo disto mesmo é esta notícia do jornal francês LE FIGARO: «Les États américains face à la crise budgétaire».
4 Ver a notícia publicada há dois dias: «Two Giants Emerge From Wall Street Ruins».

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O PASSO SEGUINTE...

Concluído mais um ano lectivo e publicados os resultados dos exames dos 9º e 12º anos de escolaridade, volta a repetir-se a troca de argumentos e acusações entre Governo e Oposição sobre aqueles resultados.

Encarniçam-se os argumentos em torno das subidas e descidas das médias e das taxas de aprovação, com especial destaque para as habituais disciplinas de Português e Matemática, bem como as mais recentes alterações ao Estatuto do Aluno (cuja versão data já desta legislatura) têm sido objecto de alguma contestação, como foi exemplo a recente apreciação da Assembleia da República de uma petição propondo, nomeadamente, uma maior responsabilização dos encarregados de educação incluindo a aplicação de medidas sancionatórias1. Fazem-se ouvir novos e velhos argumentos em torno da questão, particularmente num ano em que as relações entre o Ministério da Educação e os professores foram, no mínimo, tensas, mas persiste por realizar aquele que deveria ter sido, quiçá, o primeiro passo na estruturação do sistema educativo nacional – um debate profundo que conduzisse à elaboração de um enquadramento legal da educação que resistisse às sucessivas alterações das políticas educativas que cada um dos 17 Governos Constitucionais (fora os 6 Provisórios) da III República entendeu por bem seguir.

Por muito importantes que sejam as questões do aproveitamento escolar e do comportamento dos alunos, apenas um sistema educativo que o conjunto da Sociedade entenda como válido e útil poderá enfrentar os naturais desafios que se colocam à sua actividade (educação e formação dos futuros cidadãos) e dotar a Sociedade de membros com as adequadas competências ao seu funcionamento e desenvolvimento.

Disto mesmo é particular reflexo as elevadas taxas de desemprego entre as camadas mais jovens da população portuguesa – seja pela falta de competências adquiridas, seja pelo desajustamento das adquiridas face às necessidades empresariais – ou, pior, a famigerada geração dos licenciados a trabalharem em caixas de supermercado e remunerados pelo salário mínimo nacional...

...fenómeno que além de desmotivador (para os que o sofrem na pele e para os mais jovens que a ele assistem) pode ainda ser entendido como o total fracasso das políticas educativas – incapazes de formarem trabalhadores ajustados às necessidades das unidades produtivas – e/ou um miserável aproveitamento pelos empresários de uma vasta força de trabalho desprovida de qualquer protecção social e política.

Visto nesta perspectiva, bem andaria o parlamento se além de debater uma eventual necessidade de penalizar os encarregados de educação também debatesse questões candentes como as que aqui deixei enunciadas, além de outras igualmente pertinentes, mas de natureza mais prática, como sejam:

  1. a criação de condições legais para que os encarregados de educação possam acompanhar os seus educandos durante os horários de trabalho, sem que se vejam sujeitos a penalizações e outras represálias profissionais;
  2. uma profunda revisão dos modelos de gestão das escolas, que no modelo actual é um feudo exclusivo dos professores, pois embora a legislação preveja a participação dos encarregados de educação (a par com outras entidades externas, como as autarquias e os centros de emprego) reserva á partida a maioria dos lugares em órgãos como a Assembleia de Escola e o Conselho Pedagógico para o corpo docente;

a par com questões de natureza social e pedagógica. Fosse a Escola e todo o processo de aprendizagem e aquisição de competências algo efectivamente valorizado pela Sociedade e o acesso ao mercado de trabalho, a valorização profissional e a ascensão nas carreiras profissionais resultado da formação e das competências ao invés do habitual sistema do “compadrio”... fosse a Escola mais inclusiva e atractiva (com programas mais apelativos e actividades mais criativas, em espaços adequados e devidamente dotados dos equipamentos necessários) e talvez o fenómeno do abandono escolar se revelasse menos evidente.
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1 A propósito desta petição vejam-se notícias como estas publicadas no PUBLICO - «Petição pela responsabilização dos pais debatida hoje no plenário da AR» e «Autor de petição sobre responsabilização dos pais satisfeito com discussão no parlamento» - na página da RÁDIO RENASCENÇA - «Petição pela responsabilização dos pais debatida hoje» - e no DN - «Autor da petição ficou feliz "por não estar sozinho"» e «Direita admite punições para pais de alunos problemáticos » - e ainda o DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA da sessão do dia 8 de Julho.

terça-feira, 14 de julho de 2009

QUANTO VALE UM BOM INQUÉRITO?

Foi a pergunta que de pronto me surgiu ao ler esta notícia do DN (Utentes querem melhor pavimento nas auto-estradas) que refere os resultados de um inquérito efectuado pelo Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias (InIR) a pouco mais de 3 mil utentes daquelas vias de comunicação e que a notícia resume da seguinte forma: a maioria, 72%, está satisfeita com essas infra-estruturas.

Os esforços para conhecer o teor o inquérito resultaram infrutíferos, pois tudo o que a página do InIR publica é um curto texto com as conclusões do estudo (pode ser lido aqui) o que reforça a pergunta com que abri este “post”. Quando todos conhecemos as condições em que funcionam as auto-estradas desta país, começando por:

  1. a fraca qualidade dos pisos e do seu próprio traçado;
  2. as constantes obras que somos obrigados a suportar (no sentido restrito e no sentido financeiro), muitas delas realizadas logo após as inaugurações;
  3. a fraca segurança contra a intromissão de animais na via e a sistemática “volatilização” das respectivas provas materiais;
  4. os deficientes serviços de apoio e assistência aos utilizadores;

para não falar no escândalo de que se reveste o facto de serem cobradas portagens em vias que foram construídas com dinheiros públicos (ou comunitários) e prazenteiramente entregues a empresas privadas para mais fácil exploração (dos bolsos dos condutores).

Á laia de sugestão aos senhores do InIR, que tal realizarem um inquérito a TODOS os utilizadores, e não a uns meros e nada representativos três mil) das auto-estradas nacionais – a BRISA até dispõe de um base de dados (ou será outra empresa que por si a gere) de todos os utilizadores da ViaVerde – incluindo nele questões verdadeiramente pertinentes como: a opinião sobre as portagens e o esquema actualmente utilizado para a sua fixação; a qualidade das vias (piso, sinalização, segurança) e dos serviços das concessionárias; a prática de cobrança de portagens em troços em obras e os limites de velocidade actualmente em vigor?

Talvez as conclusões não fossem resumíveis em meras quatro páginas, nem o famigerado grau de satisfação fossem os agora tão convenientemente apregoados 72%.

É que mesmo para enganar os tolos é preciso alguma maestria.

domingo, 12 de julho de 2009

MAIS DO MESMO

O que deveria ter sido a notícia da semana – a cimeira do G8 que teve lugar em Itália – acabou por ser (como muita gente previa) uma não notícia, tal o vazio de novidades... que nem os habituais cabeçalhos da imprensa disfarçaram, nem os caricaturistas deixaram escapar o evidente desentendimento e desarticulação entre os grandes líderes mundiais.

Os que alimentaram algumas expectativas para esta reunião do G8 (uma fórmula e um modelo que a crise económica tornou obsoleto enquanto fórum de verdadeiras decisões) não deixaram de sublinhar que o papel mais importante que poderá almejar será na elaboração de um novo modelo de regulação para a esfera financeira, mas à excepção de:

  1. um aparente concenso em torno da rejeição de políticas proteccionistas (veremos até que ponto o aprofundar da crise económica não fará soçobrar esta piedosa intenção);
  2. uma politicamente correcta declaração em favor do ambiente;
  3. o aumento da ajuda aos países mais pobres (medida que, mesmo orientada em moldes diferentes, não poderá deixar de ser entendida como extensão da apologia dos benefícios do comércio internacional);

nada mais se ouviu em resultado de uma reunião que deveria ter abordado muitas outras questões.

Entre estas conta-se, além do já referido e indispensável modelo de regulação financeira, a necessidade urgente de preparar a substituição do dólar norte-americano como moeda internacional hegemónica; esta questão não terá sequer sido abordada (em perfeita sintonia com os interesses norte-americanos), facto a que não foi seguramente estranha a súbita partida do presidente chinês, Hu Jintao, forçado a regressar a Pequim para enfrentar a questão dos tumultos que na região autónoma de Xinjiang opõem Uigures e chineses Han1 e que, do ponto de vista norte-americano de protecção da sua moeda, não podiam ter eclodido em melhor ocasião.

Com ou sem uma directa intervenção da China o dólar norte-americano caminha a passos largos para a inevitável substituição enquanto moeda de pagamentos internacionais2; nem os malabarismos de Obama e da sua administração conseguirão contrariar o inevitável e as hesitações (e os artifícios a que têm recorrido) para adiar a indispensável revisão do modelo de regulação apenas resultarão no aprofundamento da crise económica mundial e na crescente fragilidade da moeda norte-americana.
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1Xinjiang é uma província situada no noroeste da China, que dispõe de um estatuto de região autónoma, tal como o vizinho Tibet com o qual faz fronteira, cuja população se divide entre as etnias Uigur, de origem turcomena e de religião islâmica e Han, de origem chinesa.
2Exemplo disto mesmo é esta notícia da BLOOMBERG que sob título «Medvedev Shows Off Sample Coin of New ‘World Currency’ at G-8», vai deixando alguma informação sobre as necessidades e os anseios dos BRIC.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

TEVE A OUSADIA DE DIZER...

Os períodos do ano em que habitualmente interrompemos as rotinas diárias, que vulgarmente designamos por férias, são inegáveis oportunidades para reorganizar as ideias e tantas vezes a muita informação que nos rodeia.

Foi precisamente quando o fazia que “tropecei” num texto cujo título me despertou a atenção - «OIL, ISLAM AND WOMEN» - e cujo interesse me parece inalterado, embora a sua publicação na American Political Science Review date de Fevereito de 2008; no artigo, o autor (Michael L. Ross, professor de ciência política na Universidade da Califórnia) teve a ousadia de dizer que, contrariamente à ideia vulgarizada, o Islão não é responsável pela fraca emancipação das mulheres, e que o verdadeiro responsável é a riqueza originada pelo petróleo, pois esta tem permitido a preservação e o aprofundamento de culturas patriarcais.

Segundo aquele investigador têm sido as crescentes receitas do petróleo e do gás, enriquecendo umas poucas oligarquias que têm determinado um maior afastamento das mulheres do mercado de trabalho e, consequentemente, o seu empobrecimento (financeiro e cultural) e o seu isolamento político e social. Entre os argumentos invocados destaca o facto de ser nos países exportadores de petróleo que a situação das mulheres é a pior e dá como exemplos o que ocorre em países vizinhos do Norte de África, como a Tunísia e a Argélia, onde a segunda, rica em hidrocarbonetos, apresenta um rendimento per capita superior mas uma nenor representatividade política das mulheres, ao inverso do que sucede na primeira.

Esta polémica não deve ser encarada de forma displicente, tanto mais que a história recente dos movimentos de emancipção feminina nos países ocidentais demonstrou a enorme importância que teve o facto das mulheres terem visto facilitado o seu ingresso no mercado do trabalho em virtude dos dois conflitos mundiais que reduziram a participação masculina enquanto aumentavam (e de que maneira) a necessidade de incrementar a produção industrial para o esforço de guerra.

Mesmo quando parecem haver alguns sinais de suavização no discurso oficial do Ocidente, a importância do texto e a actualidade que ainda hoje mantém justificam a referência que aqui deixo e o convite a uma leitura integral do texto.

sábado, 4 de julho de 2009

A SILLY SEASON TEMPORÃ

Tornou-se habitual associar os frívolos acontecimentos políticos da época estival (ampliados, à falta de melhor, pela comunicação social à qualidade de notícias de primeira grandeza) ao fenómeno da “silly season”; esta prática anglo-saxónica que remonta aos finais do século XIX, conhece a partir dos mais recente acontecimentos nacionais de uma variante.

Tal como as infecções bacteriológicas também a “silly season” começa a registar mutações e a ocorrerem fenómenos temporões como o que ditou a demissão de Manuel Pinho, ministro da economia no governo de José Sócrates.

Porque só uma “silly season” é que pode explicar a demissão de um ministro que entre outras alarvidades anunciara em Outubro de 2006 o fim da crise para no ano seguinte defender as vantagens comparativas nacionais junto de empresários chineses com o argumento dos custos salariais no país serem inferirores à média europeia.

Se resistiu a isto, porquê demiti-lo agora por ter insultado um deputado da oposição?

Se não vivesemos de meras aparências, a incompetência tantas vezes revelada por Manuel Pinho não deveria ser muito mais grave que um insulto?

Este é bem um episódio revelador do mundo de aparências em que vivemos...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

PROBLEMAS DE QUE SE DEVE FALAR... MAS DE FORMA TRANSPARENTE

Fora eu egocêntrico vaidoso e diria, depois de ler a última crónica que César das Neves publicou no DN, sob o título «PROBLEMAS DE QUE NÃO SE FALA», que o insigne professor é um leitor atento dos escritos que aqui vou deixando. É que logo após a publicação no passado domingo do “post” «PORTUGAL MANIFESTA-SE» veio aquele dar à estampa a sua visão dos problemas que assolam o país e tardam a encontrar solução.

Sem pretender iniciar qualquer tipo de polémica – todos sabem que em termos gerais me situo quase nos antípodas do pensamento de César das Neves – sempre aqui deixo dois ou três comentários ao que este ecreveu que me parecem pertinentes.
Concordando com a importância do factor populacional, embora não o considere a primeira prioridade, e com o absurdo da inexistência de uma política estrutrurada de apoio à natalidade não posso de modo algum deixar passar em claro a clara manipulação que o autor procura exercer sobre os seus leitores quando mistura a inexistência de políticas consistentes e sustentadas de apoio à família e à fertilidade com a legalização do interrupção voluntária da gravidez, com a aplicação de legislação menos penalizadora dos divórcios, ou com o que define como a promoção da homossexualidade.

Como tantos outros correlegionários absolutamente convictos da superioridade dos seus valores, César das Neves comete o inaceitável erro argumentativo de assimilar a despenalização com a promoção ou o incentivo. Não prender nem condenar mulheres que em situação extrema recorrem à interrupção de uma gravidez não desejada não é, em caso algum, o mesmo que incentivá-las a essa prática; pôr cobro ao estigma e drama social que durante a vigência do mui católico e apostólico Estado Novo vingou sobre os casais de facto separados – este sim promovendo a mentira e a farsa de casamentos sem existência real – e permitir que aquele contrato seja dissolvido quase da mesma forma como é celebrado (pela vontade das partes), não é o mesmo que promover o divórcio e impedir as pessoas de se casarem; acabar com a discrimação com que as sociedades tradicionais têm tratado a homossexualidade não é, de modo nenhum, o mesmo que promovê-la como valor basilar. Mas, com a convicção natural daqueles que raramnte têm dúvidas e nunca se enganam, César das Neves pretende misturar tudo como se os seus leitores não passassem ainda dos analfabetos humildes que a sua Igreja pretende venham ter direito ao reino dos céus... depois de mortos!

O segundo grande problema que elegeu é o do envelhecimento da população. Directamente derivado do primeiro, mas também em resultado da melhoria das condições de vida e de cuidados de saúde das populações, César das Neves aborda-o até numa perspectiva social e deixa-nos a curiosa reflexão sobre o medonho desperdício que a rodeia, quando afirma que «Portugal não pode tratar uma percentagem crescente da sua população, a mais experiente e sabedora, como se estivesse "fora de prazo"» e tem razão, mas... quem é que lançou a revolucionária ideia de que um trabalhador a partir dos 40/50 anos já não apresenta grande utilidade e que a sua produtividade decrescente deixou de apresentar intresse para o seu empregador? Quem, defendeu a ideia das vantagens de custo e de docilidade na contratação dos mais jovens; quem, senão a escola ideológica em que se insere o próprio autor?

Mas a cereja no bolo da argumentação do Prof. César das Neves é a atitude; a atitude com que no país se encaram os problemas relativos ao progresso, nomeadamente o facto dos portugueses terem adoptado «...os níveis de consumo e exigência europeus sem aceitarem os níveis de produtividade e as exigências europeias»; daí a justificar o endividamento nacional é um pequeno passo que o autor dá sem o mínimo rebuço nem hesitação. Se isto até pode ser entendível como consequência natural da sua linha de pensamento, já a afirmação seguinte, a de que «[a] consequência é a crise que nos assola há 15 anos, precisamente desde que mudámos a atitude», é particularmente grave pois além de marcada pelas suas opções ideológicas constitui um julgamento em causa própria pois a atitude que refere ter sido mudada foi a do “raramente tenho dúvidas e nunca me engano” adoptada por um governo originado numa maioria parlamentar unipartidári e do qual o Prof foi um dos mais insignes conselheiros.

Para terminar o Prof assegura que «[t]emos um Estado que ignora a linha estratégica do País e os grandes problemas nacionais. Não sabe o que quer no futuro nem como lá se chega, mas ocupa-se com embalagens de iogurtes, fumo nos edifícios, cadeirinhas nos automóveis e educação sexual. Os governantes tratam do que nos compete, sem fazerem o que lhes compete. Vivemos num equilibrismo mediático e em escaramuças pontuais, esquecendo os desígnios básicos» o que sendo uma indesmentível realidade não deixa de constituir mais uma forma de distorcer uma realidade muito mais grave: tudo isto remonta há várias décadas, incluindo o período de tempo em que também o autor foi co-responsável pelo governo do país. Isto dito bem pode agora afirmar que com este estado de coisas «...o debate eleitoral só pode passar ao lado dos grandes problemas nacionais» pois na realidade, com a preocupação que revela de branquear o passado pouco ou nada contribui para o dinamizar.