terça-feira, 30 de março de 2010

TERROR NA RÚSSIA?

Novo atentado no metro de Moscovo volta a trazer à primeira ordem do dia as questões (e as paranóias) securitárias, bem expressas na notícia da TSF que assegura que «Medvedev propõe endurecimento da legislação anti-terrorista».
Embora aquele atentado ocorrido em duas estações diferentes e com curtos intervalos de tempo encaixe, aparentemente, no “modus operandi” dos extremistas islâmicos, a pronta acusação das autoridades russas aos extremistas chechenos liderados por Doku Umorov e a ausência de qualquer reivindicação, devem ser encarados com as devidas cautelas.

Este atentado, como sugere Miguel Monjardino (
citado nesta notícia do I), deve merecer especial atenção, tanto mais que ocorreu poucos dias após o anúncio de um novo acordo russo-americano para a redução dos arsenais nucleares[1], numa fase em que Putin e Medvedev enfrentam nova onda de oposição interna e quando algumas notícias na imprensa deixam entender que os serviços secretos russos (FSB) podem ter fracassado na tentativa de desactivarem as acções[2].

Mais do que aguardar uma eventual reivindicação do atentado, as atenções devem concentrar-se nas notícias que surjam dos corredores do Kremlin e de um eventual endurecimento de posições e de acções militares.
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[1] A noticia, difundida pelo PUBLICO, pode ser lida aqui.
[2] Quer o PUBLICO, na notícia «Moscovo em luto pelas 39 vítimas de duplo atentado», quer o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, na notícia «Moscovo vive manhã de terror na linha vermelha» levantam a possibilidade do FSB ter tido informação atempada sobre a iniciativa, mas as suas acções parecem ter sido infrutíferas para impedir o atentado.

sábado, 27 de março de 2010

O CAMINHO DESTA EUROPA

Depois de mais uma cimeira europeia que teve a situação financeira da Grécia como tema principal e quando continuam a surgir notícias de que os «Alemães rejeitam que país salve a economia grega», não será exagero reflectir no caminho que esta Europa parece querer trilhar.

Mesmo descontando o facto de que algumas declarações provenientes do outro lado Reno – como esta em que «Alemães sugerem que Grécia deve vender as ilhas para pagar a dívida» –, são fundamentalmente para consumo interno e destinadas a assegurar bons resultados eleitorais locais, nem por isso deixam de ser reveladoras da pior das mentalidades e da forma mais arcaica de concepção do desenvolvimento e aprofundamento do processo europeu.

Sem deixar de compreender a necessidade de não transformar um processo de solidariedade numa ideia de facilitismo e de que qualquer que seja a “asneira” de um Estado-membro o grupo estará sempre disponível para o apoiar, importa que a ideia de uma Europa solidária e apostada num processo de união baseado na participação igualitária de todos os Estados seja retomada.

Muitas coisas parecem incompreensíveis no actual panorama europeu; desde a postura sobranceira da Sra Merkel – pressurosa em defender a “opinião” dos seus eleitores alemães e em forçar a prevaricadora Grécia a uma situação de clara humilhação, como nunca se mostrou em “castigar” os banqueiros que ajudaram a ampliar e a difundir a actual crise – até à aparente posição de conflito assumida pelo Presidente da Comissão que já afirmou esperar que resulte da próxima cimeira «uma decisão para saber como gerir a Grécia»[1], passando pelo incompreensível abandono da defesa do Euro.

É que, para todos os efeitos, as notícias que abundam na imprensa económica ou na generalista sobre a fragilidade da economia grega, os ataques especulativos que os especialistas financeiros têm levado a cabo contra o Euro e o aproveitamento político que os acérrimos defensores do dólar americano e da libra inglesa têm tirado desta situação, se numa primeira fase até pode ser acolhido como benéfico pelos sectores exportadores europeus (beneficiados pela descida da cotação do preço internacional das mercadorias que querem vender), será inevitavelmente prejudicial para todos quando reflectido no aumento dos custos das matérias-primas e, principalmente, dos combustíveis (produto de cuja importação a UE está especialmente dependente). Mais, a fragilidade do Euro e a consequente revalorização do dólar americano interessará especialmente quem detenha activos denominados nesta moeda, ou seja o sector financeiro internacional, que o mesmo é dizer a precisa Wall Street que todos arrastou na sua visão especulativa da actividade económica.

É por tudo isto que importava que a UE tivesse agora líderes com a visão e a capacidade para aproveitarem as contradições que minam o actual modelo económico global e lançassem as bases de um modelo menos suportado no sistema financeiro; ora isso é que parece de todo afastado quando se lê que «Merkel quer ajudas à Grécia no âmbito do FMI» e quando continuam por tomar as medidas que conduzam efectivamente os Estados a recuperarem um efectivo controlo sobre a criação de moeda, o que só será possível com uma moeda forte e um igualmente forte sentido de unidade pan-europeia.
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[1] A citação e a posição de Durão Barroso podem ser lidas nesta notícia do PUBLICO.

terça-feira, 23 de março de 2010

MUDANÇA OU TALVEZ NÃO...

Embora haja quem ache, como o PUBLICO, que «Obama faz história com aprovação da reforma da saúde» ou de forma mais contida, como o I, que a «Reforma da Saúde histórica aprovada no Congresso dos EUA» constitui um marco assinalável, qual o seu verdadeiro significado?

Será a reforma proposta por Obama – e agora aprovada pelo Congresso – algo de significativamente radical e perigosamente comunista como pretendem os Republicanos? ou tão somente uma pequena melhoria no degradante panorama da saúde nos EUA?

Para um país que apresenta um PIB correspondente a 30% do PIB Mundial, apenas ultrapassado pelo da UE e que ascende a quase o triplo do do Japão (o terceiro maior), que conta com mais de 50 milhões de pessoas sem cobertura de saúde (o equivalente a cerca de 20% da população sem qualquer assistência médica), será natural que a reforma agora aprovada seja comparada às que ocorreram em 1935, com a criação da Segurança Social, ou em 1965, com a criação do Medicare1, mas cujo verdadeiro alcance também merece ser avaliado.

Muito iludido andará quem pense que com a nova lei os problemas da falta de assistência médica ficarão resolvidos e que, há semelhança do que existe na Europa, os americanos passarão a dispor de um serviço nacional de saúde. O que na realidade a nova lei irá proporcionar é o alargamento das coberturas de saúde a franjas da população que pelos fracos rendimentos ou historiais clínicos viam até agora ser-lhes recusado o acesso ao seguro de saúde.

Na prática – e contrariamente ao que propagandeiam os Republicanos – o novo sistema em pouco vai diferir do actual e ainda menos prejudicará as companhias de seguros (salvo no ponto em que as impede de recusar seguros de saúde a pessoas com antecedentes cínicos), as quais deverão até ser as maiores beneficiadas, pois o governo substituir-se-á às famílias e passará a assegurar o pagamento às seguradoras.

É evidente que os custos públicos subirão, mas não é menos evidente que o mesmo deverá acontecer aos lucros das seguradoras.

Perante este cenário continuarão a fazer sentido as críticas dos Republicanos e dos sectores mais conservadores da sociedade americana?

Segundo a sua lógica de pensamento (aquela que foi introduzida no continente pelos fundadores puritanos2) deverá imperar o princípio de cada um por si e de que ninguém deve ver os seus rendimentos onerados para assegurar o bem estar de terceiros, pelo que as críticas continuarão a ser legítimas e não deverão descer de tom sob pena de perderem parte importante da sua base de sustentação política (os estados rurais do interior e do sul) e, pior, boa parte da sua própria razão de ser num ano de eleições para o Congresso
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1 O sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA e destinado às pessoas de idade igual ou superior a 65 anos ou que verifiquem certos critérios de rendimento. Este sistema é complementado pelo chamado Medicaid especialmente destinado às populações com menores rendimentos, situação que não garante o acesso ao programa, pois este cobre apenas 40% daquele segmento.
2 Não esquecer que os célebres Pilgrim Fathers eram constituídos por fanáticos calvinistas, defensores da teoria da predestinação, que rumaram da Europa em fuga das perseguições religiosas.

sábado, 20 de março de 2010

McCARTHY ESTÁ DE VOLTA

Quando continuam bem vivas entre nós as discussões em torno da liberdade de informação, talvez mereça a pena a leitura de um recente editorial do NEW YORK TIMES que sob o título «Rewriting History in Texas» reflecte sobre a grave questão do conteúdo do manuais escolares e do verdadeiro atentado à informação e ao conhecimento que se prepara naquele estado dos EUA, onde o respectivo Conselho de Educação resolveu introduzir modificações nos manuais escolares conducentes a reintroduzir equilíbrios (na opinião de um dos membro influentes daquele conselho) que os académicos enviusaram com as suas perspectivas demasiado “esquerdistas”.

Não fosse o facto do estado do Texas, com os seus quase 5 milhões de alunos, ter uma grande influência em matéria de educação sobre o resto do país
[1] e a pretensão deste dito Conselho de Educação (liderado por um dentista) de transformar os manuais escolares em “palas” para burros talvez se transformasse apenas em alvo de troça generalizada.

Mas quando entre as correcções propostas por estes modernos mccarthistas[2] se conta o engrandecimento do papel do ex-presidente Reagan enquanto arquitecto da moderna América e o apagamento doutro ex-presidente, Franklin D. Roosevelt, responsável pela política do “New Deal”[3] ou a substituição das referências a Thomas Jefferson[4] pelas de ideólogos religiosos, a questão não pode continuar a ser encarada de forma leviana, tanto mais que este é o país onde se continua a insistir na ideia de ensinar nas escolas a teoria do criacionismo[5] em oposição à teoria evolucionista desenvolvida no século XIX por Charles Darwin.

Como muito bem salienta um indignado leitor do NEW YORK TIMES, «o objectivo da educação não é doutrinar, mas informar. A cidadania necessita de aprender a compreender, a pensar de forma crítica, a pôr questões e a fazer julgamentos»[6], o que deixa a leve esperança de que a opinião pública norte-americana consiga impedir entrada em vigor da proposta durante o período de consulta pública que decorre.
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[1] O facto de ser um dos estados mais populosos leva a que as editoras dos manuais escolares tendam a espalhar pelo resto do território as normas definida no Texas.
[2] Referência a Joseph McCarthy, senador, responsável pelo lançamento, na década de 1950, no auge da chamada Guerra Fria, de uma verdadeira caça às bruxas (ou literalmente aos comunistas) que em nome de valores como o patriotismo e o “american way of life” levaram à humilhação e mesmo ao ostracismo grande número de intelectuais e artistas apresentados como anti-americanos.
[3] Designação pela qual ficaram conhecidos os programas de inspiração keynesiana, implementados nos EUA durante a presidência de Franklin D Roosevelt e com os quais este pretendeu reformar a economia do país e combater os efeitos da Grande Depressão.
[4] Thomas Jefferson foi o principal redactor da Declaração de Independência e 3º Presidente dos EUA; defensor dos princípios do republicanismo e da separação entre o Estado e a Igreja.
[5] Corrente que defende a ideia de criação da Terra e das suas diversas formas de vida de acordo com as fontes bíblicas.
[6] A citação foi retirada de uma das cartas de leitores recebidas no jornal e reunidas sob o título «The Battle Over Textbooks in Texas».

quarta-feira, 17 de março de 2010

COM PAPAS E BOLOS…

Uma leitura apressada de títulos – como este do PUBLICO que informa que «Israel e EUA enfrentam "crise de proporções históricas"», ou este: «'Deep crisis' in Israel-US ties», de idêntico teor da BBC – poderão induzir nos leitores mais incautos (ou desinformados) a ideia de que os tradicionalmente estreitos laços entre Washington e Tel-Aviv poderão estar a sofrer um duro revés.

O incidente – anúncio da continuação do programa de expansão dos colonatos judaicos
[1] em território palestiniano durante uma visita de Joe Biden, o vice-presidente americano – pouco mais pode ser que um “fait divers” destinado talvez a esconder a ineficácia da “mediação” norte-americana que insiste na realização de novas conversações entre israelitas e palestinianos, sem que existam quaisquer razões de fundo (mudança de posição das partes) que as justifiquem.

Habituados que estamos ao tradicional diálogo de surdos (pontualmente interrompido pela intervenção de um notável de uma ou outra parte que introduza alguma réstia de esperança prontamente adiada), à divisão semeada entre os palestinianos e à estratégia israelita de avanços e recuos, tudo isto sob o olhar atento e benevolente do “amigo americano” de Israel, notícias daquele jaez merecem uma análise mais profunda que a proporcionada pelas parangonas noticiosas.

Não só pelo folclore político que originou – desculpas apresentadas pelo chefe do gabinete israelita e outros políticos, ameaça de abandono da coligação governamental pelo Avoda (Partido Trabalhista), chamada à Casa Branca do embaixador israelita em Washington – mas principalmente pelo espaço de manobra de abriu à diplomacia brasileira.

Pois é, embora pouco noticiado entre nós, à visita do vice Joe Biden sucedeu a de Lula da Silva e este apresentando-se numa posição menos pró-judaica poderá abrir algumas portas entre o sector palestiniano menos radical, até porque são bem conhecidas no mundo árabe as “afinidades” económicas com o regime iraniano, que ainda assim não impedem que o Brasil seja o principal parceiro económico de Israel na América Latina.

Este complicado jogo de equilíbrios e de interesses não deve servir para ofuscar a crescente importância do Brasil na cena internacional[2] e ainda menos esconder a mais que provável existência de uma estratégia concertada com Washington, que no essencial deverá permitir transmitir a ideia de algum arrefecimento nas relações EUA- Israel, mas que na realidade de não passarão de mais uma encenação para atrair os líderes palestinianos para a mesa das negociações, em busca de um acordo que continue a permitir a expansão e a hegemonia judaica na região.

Enquanto o “amigo americano” finge ralhar com o seu malcomportado fiel amigo, a Europa há muito deixou de constituir um elemento de peso na região[3] e no diferendo é a nova coqueluche da geopolítica mundial (o emergente Brasil) que se apresenta como possível elo de ligação entre judeus e palestinianos, pugnando pelo reatamento das famigeradas negociações (tão caras a americanos e judeus) conducentes à criação do estado palestiniano.

Sucede porém, que continuam por resolver as questões fundamentais da divergência entre judeus e palestinianos, dois povos, talvez demasiado agarrados ao passado, que disputam a mesma terra e não conseguem resolver a forma de a dividir ou de a partilhar. Com o beneplácito de americanos e europeus (e sob a recorrente chantagem do Holocausto) o povo judeu nega aos vizinhos palestinianos todo o palmo de terra que puder – prática sempre presente, seja na política de expansão dos colonatos (de mais a mais ilegais ao abriga das leis internacionais que proíbem a ocupação definitiva de territórios militarmente ocupados), seja na manutenção das populações palestinianas num verdadeiro regime de “apartheid” –, afirma aceitar a criação dum estado palestiniano mas não enjeita a mínima oportunidade de o tornar economicamente inviável; em contrapartida os palestinianos que não parecerem dispostos a aceitar as condições israelitas (incluindo abdicar do direito de regresso dos milhares de refugiados e da instalação da sua capital na metade oriental de Jerusalém), não revelam capacidade para concertarem as suas diferentes tendências político-religiosas e ainda menos apoios internacionais para fazerem inflectir as posições israelitas.

Assim, a solução – dois povos, dois estados – continua a ser impingida ao Mundo como viável e benéfica para a paz mundial. Porém, quem aprofunde um pouco a realidade na região rapidamente concluirá que esta solução apenas assegurará a manutenção do Estado de Israel e originará mais um estado árabe de reduzida ou nula viabilidade e perpetuamente dependente do auxílio financeiro internacional, tais são as limitações que Israel quer impor sobre o futuro vizinho.

A esta hipótese, além de controversa e de improvável exequibilidade, que esbarra na dificuldade medonha que constitui a divisão da terra e que os palestinianos insistem em associar à questão do regresso dos desalojados durante os conflitos militares anteriores e que se espalham aos milhares pelos territórios vizinhos e pelo resto do Mundo, continua por contrapor a da inclusão dos dois povos num único estado que respeite as diferenças culturais e religiosas mas assegure um futuro e uma existência pacífica para todos.
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[1] Refira-se que ao invés do que sugerem as notícias correntes o que está em causa não são apenas as 1600 novas habitações judaicas no colonato de Rabat Shlomo (Jerusalém Oriental), mas também as 850 a implantar em Gilo, as 600 em Pisgat Zeev, a expulsão de palestinianos em Sheik Jarrah ou a demolição de mais de oito dezenas de habitações palestinianas em Silwan; a estes deados importa ainda acrescentar que a generalidade dos colonatos a expandir será ocupada pelos grupos judaicos mais radicais (ligados ou não ao partido ultra radical, Shas), responsáveis (a par com os seus homólogos islâmicos) pela manutenção de um clima de crispação e de tensão entre os dois povos.
[2] Da mesma forma deve ser entendida a decisão do ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman (líder do partido nacionalista Yisrael Beitenu), que conforme notícia da BBC NEWS decidiu boicotar a presença de Lula da Silva no país; esta decisão que privilegia questões de natureza interna (como muitas vezes é comum nos governos de coligações muito alargadas) não reduz o seu significado político, nem altera a crescente importância do Brasil na cana internacional.
[3] Mesmo considerando que, como noticiou a BBC, Catherine Ashton (representante da UE para os assuntos externos) condenou o anunciado projecto de expansão, a relevância da UE no Médio Oriente há muito que se encontra reduzida a pouco mais que zero (veja-se o papel de Tony Blair no famigerado Quarteto para a Paz), mesmo mantendo o papel de principal contribuinte para a ajuda internacional aos palestinianos.

domingo, 14 de março de 2010

PEC NÃO… PED

Dificilmente se poderá deixar de considerar a apresentação do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) como uma das principais notícias nacionais da semana, mesmo que se julgue abusiva a designação para um programa que pouco se preocupa com o crescimento, para centrar a sua atenção no desendividamento.

Isso mesmo pode ser facilmente confirmado através da rápida leitura da notícia «O PEC em 5 minutos» proporcionada pelo ECONÓMICO, e é uma imagem que o DN também não enjeitou quando, a propósito do tema, avisa que «Portugal será o país que menos cresce na Zona Euro».

Por muito que se entenda a necessidade de contenção dos desequilíbrios orçamentais e de que em grande medida estes apenas podem ser eficazmente combatidos por via da redução das despesas públicas, isso não significa que a componente de investimento gerador de desenvolvimento e motor de crescimento económico deva ser automaticamente reduzida.
O que os sucessivos governos do PS e do PSD nos têm habituado é à realização de grandes investimentos públicos – os faraónicos Centros Culturais de Belém, as EXPO, as pontes e as auto-estradas quase desprovidas de uso (enquanto as estradas nacionais, vias indispensáveis à circulação local, são abandonadas à degradação), os incontáveis estádios de futebol, os TGV’s e os aeroportos, justificados por estudos de duvidosa credibilidade e baseados em dados comprovadamente irreais, de reduzida ou nula capacidade geradora de desenvolvimento (salvo para promotores e construtores) mas quase sempre originadores de novos endividamentos ou das famosas parcerias público-privadas, que invariavelmente redundam em maiores custos para o erário público – quando o que as populações efectivamente necessitam são de investimentos de proximidade, nos campos da saúde, da educação e do apoio à terceira idade, de redes viárias seguras, de redes de transportes ajustadas às suas necessidades locais... quase tudo menos aquilo que tem sido feito.

Perante um cenário em que o governo de José Sócrates deverá voltar a poder contar com o quase garantido apoio do PSD e do CDS (partidos que envergonhadamente viabilizaram o Orçamento Geral do Estado, através da abstenção mas sem nele se comprometerem) não será de estranhar que apenas o PCP e o Bloco de Esquerda apresentem propostas concretas de alternativa àquele programa
[1].

Aparentemente desconexa desta questão, mas com ligações bem mais profundas do que nos querem fazer crer e igualmente merecedora da melhor atenção (coisa que os meios de comunicação nacional quase relegaram para os limbos do esquecimento) é o resultado do referendo que no último fim-de-semana teve lugar na Islândia sobre a pretensão inglesa e holandesa de verem as suas finanças ressarcidas dos 3,8 mil milhões de euros com que indemnizaram os respectivos cidadãos, clientes do banco islandês online (o ICESAVE) que faliu em 2008.

A massiva resposta negativa dos cidadãos islandeses (mais de 90% dos 190 mil votantes[2]) não deixa qualquer dúvida sobre o significado do resultado, particularmente quando muitos islandeses assumiram publicamente que o seu voto não significa uma recusa absoluta de pagamento mas apenas a discordância quanto ao prazo, às condições e à arrogância dos governos ingleses e holandês, que no caso do primeiro chegaram a invocar, em 2008, legislação antiterrorista para congelar activos islandeses no país.

Em situação aparentemente bem mais desesperada que a nossa, os islandeses (contrariando as intenções dos políticos locais) deram um claro sinal daquele que pode ser um caminho a trilhar no futuro: obrigar o sector financeiro e aqueles que acumularam os lucros dos “anos de ouro” a participar no esforço de reequilíbrio geral em proporção correspondente aos riscos que assumiram e aos ganhos que acumularam.

Ainda que possa parecer idealista este tipo de argumentação está a ganhar cada vez mais adeptos e o seu número tende a crescer na proporção directa da insensibilidade dos políticos que, depois de terem pactuado com a desregulamentação dos mercados financeiros, as fugas de capitais para os “offshores”, a deslocalização das empresas para os santuários da mão-de-obra barata, não revelaram a menor hesitação quando recorreram a fundos públicos para salvar bancos e o conjunto do sector financeiro ou para “investir” em projectos megalómanos e de muito duvidosa viabilidade económica, pretendem agora, em nome do sacrossanto reequilíbrio orçamental, impor medidas fiscais e reduzir regalias sociais àqueles que pouco contribuíram ou beneficiaram da chamada globalização.

Exemplos bem actuais da crescente oposição à continuação das soluções de marcado pendor neoliberal, podem ser encontradas na Grécia, país que tem vindo a registar um crescendo de agitação social e cujo acompanhamento futuro deve ser feito com particular atenção.
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[1] Os dois documentos em cauda podem ser encontrados nas páginas da internet; aqui o do PCP e aqui o do Bloco.
[2] Face a uma população de cerca de 320 mil habitantes, a taxa de participação foi de cerca de 60%.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A BANCA NO BANCO DOS REIS

A propósito das recentes intenções da administração Obama de sobretaxar a banca norte-americana, no sentido de obter um ressarcimento mais rápido das centenas de milhões dólares de fundos públicos distribuídos ao abrigo do programa TARP, escreveu Miguel Ángel Belloso[1] um artigo publicado pelo I ONLINE[2], cuja leitura recomendo vivamente.

Sob o sugestivo título «
A banca no banco dos réus», o economista informa os seus leitores que «[o] presidente Obama criou uma taxa sobre passivos para obrigar os bancos a pagar o dinheiro público investido na sua salvação. Mas no final os bancos vão cobrar tudo aos clientes», não deixando, assim, qualquer margem de dúvida sobre a inutilidade de qualquer medida tendente a fazer regressar à origem os fundos tão prodigamente dispensados para “salvar” o sistema financeiro.

Puro e duro (como convém a qualquer liberal que se preze), o que Belloso assegura logo de início é que nunca Wall Street teve qualquer intenção de pagar os fundos com os quais a administração Bush e o então secretário de estado Henry Paulson[3] pretenderam combater a crise financeira originada no rebentamento da bolha especulativa do “subprime”, nem existe qualquer hipótese de que tal venha a ocorrer, pois qualquer tentativa redundará nos banqueiros a transferirem os custos para os seus clientes.

Talvez receando que algum leitor menos atento (ou talvez mais bem intencionado) não tenha entendido o cabal alcance da sua afirmação, Belloso, vai um pouco mais longe e três parágrafos depois retoma o discurso do espantalho da redução do crédito – mecanismo a que no seu entender os banqueiros também poderão recorrer – para explicar que a iniciativa de Obama estará condenada ao fracasso.

Por incrível que possa parecer, o autor tem razão. O sistema financeiro dispõe de todos os mecanismos para assegurar que, caso o reembolso dos fundos públicos venha a ser reclamado, aquele acabe inevitavelmente por ser “pago” por alguém que não quem dele beneficiou.

Não só os bancos podem criar parte significativa dos fundos para tal necessários[4], como rapidamente agirão sobre as taxas de juro, os “spreads” e o comissionamento por forma a aumentarem os seus resultados e até os lucros.

Apenas a implementação de legislação mais restritiva sobre a actividade e sobre o quase monopólio da criação de moeda que os bancos hoje detém[5], poderá assegurar que os responsáveis pela actual crise global venham a ser coagidos a algum reembolso dos fundos públicos com que foram agraciados.

É claro que para um liberal da têmpera de Miguel Ángel Belloso, esta ideia é ainda mais perniciosa que a já muito criticada intenção de voltar a limitar o campo de actuação dos bancos (separando as actividades bancárias básicas, também ditas comerciais, das actividades mais especulativas normalmente atribuídas aos bancos de investimento) e que aquele critica como geradoras de ineficiências e com o consequente encarecimento do crédito.

Belloso, que no fundo não ignora a medonha responsabilidade da actuação do sistema financeiro, sempre vai admitindo que se houver que fazer algo que seja uma «...vigilância mais estreita e cabal dos riscos assumidos pela banca...», mas nunca a opção pelo «...enorme desdobramento de proibições».
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[1] Miguel Ángel Belloso é um economista espanhol, director da revista ACTUALIDAD ECONOMICA, pertença do grupo UNIDAD EDITORIAL, que conta entre outros títulos os jornais EL MUNDO (generalista), EXPANSIÓN (económico) e MARCA (desportivo), além do nacional DIÁRIO ECONÓMICO.
[2] A versão original (em castelhano) foi inicialmente publicada no “blog” do autor, muito apropriadamente chamado “APUNTES LIBERALES DE UN CHICO DE DERECHAS” e pode ser lida aqui.
[3] Henry Paulson, produto de Harvard e actual professor na Johns Hopkins University, foi presidente-executivo da Goldman Sachs (um dos maiores bancos de investimento e um dos actores principais na bolha especulativa do “subprime”), lugar que deixou para ocupar o de secretário de estado do tesouro na administração Bush, período durante o qual foi o rosto visível do TARP (Troubled Asset Relief Program) que foi nem mais nem menos que a via para a transferência de fundos públicos para o sector financeiro a fim de evitar a sua falência.
[4] Sobre a questão da criação de moeda pelos bancos ver o que sobre o assunto escrevi há quase um ano, no «post» «TENHAM FÉ... MAS PREPAREM-SE PARA O PIOR».
[5] Sobre a necessidade de limitar o poder do sistema financeiro e de fazer regressar à esfera pública o poder de criação da moeda, ver o «post» «ELES NEM SABEM O QUE DIZEM».

sábado, 6 de março de 2010

A MÁ-FÉ E A AUSÊNCIA DE LUZ NA ESCURIDÃO

Se for verdadeiro o aforismo popular que anuncia que «rir faz bem à saúde», a leitura dos jornais nacionais continuará a ser um excelente paliativo para os crescentemente caros serviços públicos de saúde e, quiçá, até um importante contributo para a redução dos encargos com aqueles serviços, para a consequente redução do orçamento do Estado e do endividamento público.

Vem tudo isto a propósito duma notícia do
ECONÓMICO que faz eco de declarações do Presidente da República, Cavaco Silva, que numa entrevista ao jornal catalão 'La Vanguardia' disse que «Houve “má fé” na comparação entre Portugal e Grécia», comentário que, vindo de quem vem, não deixa de ter o seu lado cómico; não apenas por ser emitido por um reputado economista, autor reconhecido na área das finanças públicas e tradicional defensor do primado do mercado e dos seus equilíbrios automáticos, como ainda rotula a sua correligionária, ex-ministra de confiança e, por enquanto, líder do maior partido da oposição, do mais torpe que há, pois há dias esta afirmou durante uma conferência promovida pela Câmara de Comércio Luso Francesa, segundo notícia do CORREIO DA MANHÃ, que «Portugal "está no mesmo caminho" da Grécia».

Quando os sinais de crise se avolumam nos horizontes económicos e cada vez parece mais provável a concretização de cenários pessimistas, como o que prevê o início de um novo ciclo recessivo originado agora nas dificuldades financeiras dos estados que arrastarão um ainda muito fragilizado sistema financeiro para nova onda de falências (agora inevitavelmente mais visível face à incapacidade dos próprios estados voltarem a acorrer em sua defesa) e para uma fase de subida das taxas de juro, continua a haver altos responsáveis políticos que persistem no recurso a um discurso escamoteador da realidade.

Entre estes (e sem ultrapassarmos o cenário europeu) saliente-se o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que mesmo perante um cenário instigado ou agravado pelos meios financeiros anglo-saxónicos, em vez de os denunciar e propor-se combatê-los de forma decidida, insiste na ideia do relançamento da economia europeia sem uma prévia correcção das razões que nos conduziram ao estado em que nos encontramos.

Á luz da realidade revelada pela crise global e depois da socialização dos prejuízos financeiros mundiais, apontar, como o faz a Comissão Barroso, para um novo modelo económico baseado no conhecimento, numa economia eficiente em termos energéticos e numa elevada taxa de emprego enquanto se deixa imutável todo o sistema financeiro e em especial o seu papel de exclusivo financiador económico não é apenas desaconselhável, é criminoso!

É que tão ridículo e inócuo quanto os comentários de Manuela Ferreira Leite e de Cavaco Silva, são as propostas de Durão Barroso e dos seus pares, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Silvio Berlusconi ou Gordon Brown, que por muito louváveis ou bem intencionados que sejam dificilmente produzirão efeitos concretos no combate contra a crise económica que vivemos.

Com os líderes europeus visivelmente perdidos no labirinto financeiro que ajudaram a construir, com a crise económico-financeira a alastrar já para a área social – cujos sinais de agitação e insegurança são bem evidentes nas notícias de greves e manifestações em curso ou programadas – e podendo ainda estender-se aos focos de tensão internacional, parecem-me bem avisadas as palavras de Paul Krugman – mesmo sabendo que o autor não perfilha, nem de perto, os princípios que defendo para atacar o problema[1] – recomendando que não «...aceitar uma má reforma e denunciar as pessoas responsáveis pelo facto é melhor que pactuar com uma reforma cosmética que só serve para mascarar a incapacidade de agir»[2].
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[1] Que entre outros «posts» podem sem lidos em «Eles nem sabem o que dizem»
[2] A citação foi retirada do artigo publicado no I e intitulado «Desafio final da reforma financeira»; o artigo original pode ser lido no New York Times, sob o título: «Financial Reform Endgame».

quarta-feira, 3 de março de 2010

POLÍTICA DE FALA-BARATO

Não deixa de não ser curioso o facto de nos dias que se seguiram à publicação do mais recente estudo sociológico sobre a situação política portuguesa[1] que aponta para um acentuado decréscimo na confiança que os eleitores depositam nos eleitos, continuarem a surgir comentadores apelando precisamente à antecipação de eleições; porém, é isso mesmo que faz Pedro Marques Lopes na sua última crónica no DN, cujo título não podia ser mais elucidativo: «É preciso convocar eleições antecipadas logo que possível».

Defende o autor que é insustentável pretender governar sem apoio parlamentar maioritário e que a situação económica do país não admite a actuação de um governo que não possa aplicar as medidas impopulares que se impõem, sustentando a sua argumentação no facto de no actual quadro parlamentar não existir a hipótese de coligação porque «...foi dito claramente – e mais tarde repetido ao primeiro-ministro – por todos os partidos, em sede de campanha eleitoral, que rejeitavam a hipótese de se coligar...», porque se sabe «...que o BE e o PCP não estão, em situação nenhuma, dispostos a fazer parte de qualquer tipo de entendimento...» e porque a alternativa restante seria a formação de um bloco central, opção já descartada por dois dos três candidatos à liderança do PSD.

Julgando suficientemente fundamentada a sua tese, conclui que só a convocação de novas eleições poderá evitar os dois anos de pântano político que teremos pela frente, mas talvez algum rebate de consciência o tenha levado a juntar mais uma condição para o sucesso da sua proposta: a de que «...os partidos tenham uma atitude responsável perante o momento que vivemos. Que digam qual a linha que defendem, que coligações estarão dispostos a fazer antes ou pós-eleitorais, que compromissos duradouros poderão assumir na Assembleia da República ou que muito claramente explicitem que ficarão satisfeitos se tudo ficar na mesma».

Sucede porém, que isso foi precisamente o que não fizeram os partidos que concorreram às eleições realizadas em Setembro último, perante o resultado do pleito e a passividade dum Presidente da República que não soube, ou não quis, criar as condições para obviar à formação de um governo minoritário.

Se forem fidedignas as conclusões do estudo dos dois investigadores do ISCTE, que ainda não li mas que o PUBLICO resumiu como revelando que a «...satisfação dos portugueses com a democracia bateu no fundo...», que estes «...não gostam de maiorias absolutas de um só partido...» e que manifestam «...reservas ao monopólio dos partidos e gostariam de participar mais» na vida política, bem se pode dizer que contrariamente ao que pretende Pedro Marques Lopes, a realização de eleições antecipadas pouco deverá adiantar.

Além do óbvio argumento (que o autor também refere, mas descarta prontamente) do custo de mais um acto eleitoral, existe ainda o precedente criado em 2005 com a substituição de Durão Barroso por Santana Lopes, que embora legal constituiu um evidente atropelo à ideia correntemente difundida pela comunicação social de que existem candidatos ao cargo de primeiro-ministro (se assim fosse aquela substituição teria sido manifesta ilegal) e a fortíssima possibilidade de tudo continuar na mesma, seja mediante nova vitória do PS ou o regresso do PSD ao poder.

É que, caso Vasco Graça Moura (outro articulista do DN da mesma linha política de Pedro Marques Lopes) tenha apresentado na sua mais recente crónica[2] um diagnóstico ajustado para o país, o que dele devemos concluir é que o cenário de antecipação do calendário eleitoral apenas fará sentido se as forças políticas em liça assumirem uma postura diferente e quando os eleitores revelarem a disposição de confiarem o seu futuro a agentes diversos daqueles que até agora têm merecido a sua confiança.

Como várias vezes aqui tenho deixado escrito, escolher entre PS e PSD não constitui uma verdadeira alternativa ou sequer uma opção diferente, pois na essência ambos os agrupamentos políticos perfilham as mesmas soluções.
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[1] "Representação política - O caso português em perspectiva comparada", da responsabilidade de André Freire e José Manuel Leite Viegas, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, e editado pela Sextante Editora.
[2] Ver a crónica “Morangos de escabeche”, que Vasco Graça Moura inicia com o seguinte parágrafo: «É sempre a mesma coisa: um país que não sai da cepa torta, uns governantes que não sabem o que andam a fazer, uma incapacidade de concepção e de tomada de medidas sérias de fundo, uns políticos de oposição que não querem assumir a responsabilidade de derrubar o Governo, um conjunto de insatisfações imediatistas e corporativas, um constante sacudir da água dos capotes, um falhanço generalizado em todos os planos, uma parlapatice desmultiplicada para mascarar a realidade…»