quarta-feira, 29 de março de 2006

O DILEMA DOS JOVENS OU DOS OUTROS?

Enquanto continua a crescer o número de participantes nas manifestações, levadas a cabo um pouco por toda a França, mantém-se a intransigência do governo liderado por Dominique de Villepin em não abandonar ou suspender a aplicação do CPE - Contrat de Première Embauche (contrato de primeiro emprego).

Ontem, qualquer coisa entre um milhão e três milhões de franceses (conforme a fonte de informação) manifestou-se nas ruas de várias cidades contra a proposta do governo de impor um período experimental de dois anos nos contratos de trabalho para os jovens até aos 26 anos. Esta grande movimentação apenas foi conseguida com a entrada nas fileiras dos sindicatos e do apelo, bem sucedido, a greves parcelares.

Com o engrossar dos protestos estão também a ocorrer situações de aproveitamento por grupos mais radicais, estando a polícia francesa a tentar separar os manifestantes dos provocadores de desacatos. A este cenário que se vive nas ruas e que alguma imprensa procura aproximar ao registado em Novembro de 2005, há que juntar aquele que atravessa os partidos políticos e principalmente o do governo (UMP), traduzido na “luta” entre o primeiro-ministro Villepin e o ministro e presidente do UMP, Nicolas Sarkozy, ambos potenciais candidatos à sucessão do presidente Jacques Chirac.

No que respeita à origem da onda de protestos, o CPE, os seus principais opositores criticam-no por entenderem que constitui um convite à precariedade do emprego dos mais jovens, asserção que o governo rejeita por entender que a proposta constitui uma excelente forma de combater o desemprego entre a população mais jovem e com menores habilitações.

Neste extremar de posições entre partidários e críticos da proposta e quando grassam ventos de cariz particularmente liberal de outros estados membros da UE (vejam-se os comentários oriundos de Londres e Bona que dão particular ênfase ao facto de nos respectivos países as regras de emprego serem ainda mais liberais) parece-me inevitável a intervenção de Jacques Chirac no sentido de proporcionar uma base de diálogo que permita a ultrapassagem desta crise.
Mesmo ficando por esclarecer se a mera liberalização das regras laborais será suficiente para ajudar a reduzir o desemprego em França, a abertura de canais de diálogo é indispensável sob pena de se assistir à radicalização da contestação e de simultaneamente Villepin estar a proporcionar fortes argumentos a Sarkozy na sua pretensão à corrida ao Eliseu.

Esta situação é igualmente paradigmática de como um diplomata de carreira (Villepin), habituado a delicados processos de negociação, parece ter esquecido o essencial quando se pretende fazer passar uma solução menos consensual – conquistar, com argumentação inteligente e válida, os potenciais opositores. Quando Villepin pretende impor uma medida que, por melhor intencionada que possa ser, parece não merecer aceitação dos seus principais destinatários, há que praticar uma hábil estratégia de recuo que possibilite a consolidação da iniciativa e quiçá a conquista de segmentos dos seus opositores. Fechando-se numa posição irredutível o que Villepin e Chirac se aprestam a obter é uma situação cujo último beneficiário será Nicolas Sarkozy, a conhecida «alma gémea» de Charles Pasqua (ex-ministro do interior de má memória).

Não me parece que a juventude francesa receie (com maior ou menor grau de razão) um processo de liberalização do mercado de trabalho (como pretendem os comentadores ingleses e alemães) mas sim a introdução de critérios de pura arbitrariedade com a dispensa de fundamentação para o despedimento, até porque se a verdadeira razão para o governo francês pretender aplicar esta medida é a de reduzir o desemprego entre os jovens, porque não estendê-la ao conjunto de todos os trabalhadores?

Ou será que os tecnocratas franceses também partilham o princípio de «liberalizar sim, mas não tanto...», até porque isso poderia provocar uma sublevação de todos os sindicatos.

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