sábado, 29 de outubro de 2011

A OTOMANIZAÇÃO DO MAGHREB?


Quando poucos dias após a morte de Kadhafi, na sequência das eleições do passado fim-de-semana, na vizinha Tunísia se começa a desenhar um cenário de vitória do Ennhada, partido islâmico dito moderado que se assume publicamente como tendo por inspiração o AKP turco (o partido do primeiro-ministro Erdogan) ainda fará sentido alimentar a esperança de ver o movimento da chamada “primavera árabe” desabrochar na implantação de regimes democráticos decalcados do modelo ocidental?


Muitos são os sinais que apontam para a baixa probabilidade de semelhante acontecimento, que não apenas aqueles que os serviços noticiosos europeus vão divulgando. Além da polémica que parecem querer alimentar sobre a forma como terá morrido Kadhafi (depois de primeiro se ter levantado a hipótese desta ter ocorrido em consequência do bombardeamento por aviões franceses dum coluna de viaturas, para em seguida se assegurar que tinham sido forças terrestres líbias e acabar concluindo que o ditador terá sido capturado vivo, seviciado e executado sumariamente) pouco se têm analisado as perspectivas de futuro para a região, além da constatação duma crescente influência do regime turco[1] que não enjeitará a hipótese de repetir o controlo que já deteve sobre o Maghreb[2].

Para melhor se entender a situação, talvez a leitura dum interessante artigo de opinião recentemente publicado no LE MONDE[3], assinado por um escritor libanês de expressão francesa que reflecte sobre a realidade regional e a “Primavera Árabe”:

«Depois de Ben Ali e Kadhafi, a "Primavera islâmica"?

por Alexandre Najjar, escritor e advogado, responsável do "L'Orient littéraire"

Ele poderia ter terminado no exílio na Venezuela de Hugo Chávez, poderia ter-se suicidado, como Hitler ou Goebbels. Mas morreu em Sirte, a sua cidade natal, onde esteve escondido durante semanas, tal como os "ratos" que muitas vezes evocava para descrever os jovens insurgentes que exigiam a sua queda.

Morreu linchado por rebeldes revoltados que, na aplicação da lei da selva, não conseguiram comportar-se com mais dignidade do que ele; morreu depois de um cerco que resultou na perda de centenas de insurgentes e civis, porque, preso numa redoma que o impedia de olhar para a verdade e admitir a sua loucura e a derrota, ainda acreditava, teimosamente, em si próprio porque a sua megalomania não lhe permitia admitir a derrota e porque estava convencido de que exércitos de mercenários africanos voariam para o resgatar e para mudar a situação a seu favor!

Alguns felicitam-se pelo seu desaparecimento, dizendo que o julgamento teria despertado demónios antigos, derramando azeite sobre o fogo e atingindo líderes locais e estrangeiros. Esquecem que julgar Kadhafi era necessário para saber mais informações sobre os actos terroristas cometidos nos últimos 42 anos (o atentado de Lockerbie e do DC-10 da UTA, a explosão na discoteca La Belle, em Berlim oeste, em 1986, o rapto do imã xiita Moussa Sadr... a lista é muito longa!) e para fazer justiça às famílias das vítimas: desaparecendo, o tirano levou consigo alguns segredos muito grandes...

Hoje, uma página foi virada. A libertação foi oficialmente proclamada em Benghazi. Mas tudo está por fazer: a reconciliação nacional, sem ajuste de contas; o desarmamento da população e a criação de um exército regular; a formação de um governo provisório segundo as regras da declaração constitucional; a eleição de uma Assembleia Constituinte e a elaboração de uma Constituição; a escolha de um presidente; a reformulação das leis; a reforma institucional; o estabelecimento de um plano de recuperação económica; a reconstrução ...

Estará o Conselho Nacional de Transição (CNT) em condições de congregar os líbios quando os críticos afirmam que não tem controle sobre a juventude na rua? Como construir uma democracia num país que, por causa do antigo sistema criado por Kadhafi, ignora os seus princípios mais básicos?
Qual será o papel das potências ocidentais - e Orientais! -, determinadas a reivindicar a sua fatia do bolo económico? E quanto aos petrodólares que o tirano escondeu em contas no exterior, em investimentos em África e noutros lugares, que são propriedade dum povo líbio empobrecido pela guerra?

A estas questões sérias, uma dúvida ainda mais preocupante, se acrescenta: correremos o risco dum aproveitamento da revolução pelos islamitas? Declarações infelizes e prematuras do chefe do CNT sobre “sharia” e um retorno à poligamia têm causado confusão nas mentes - e chocado a maioria das mulheres líbias que contribuíram activamente para o sucesso da revolução. Conjuntamente com a vitória do partido Ennahda na Tunísia e com o aumento do papel da Irmandade Muçulmana no Egipto, é uma ilustração eloquente da onda que varre os países islâmicos, recentemente libertados da tirania.

O maremoto era previsível? Sem dúvida. Durante anos, uma "religiosidade" galopante conquistou as populações árabes confrontadas com a miséria e asfixia provocadas pelas ditaduras. Refúgio e consolo, a religião tornou-se a esperança da salvação de milhões de árabes, sujeitos ainda ao ataque metodicamente praticado por canais proselitistas de TV por satélite.

Além disso, muitas ditaduras não hesitaram em explorar os partidos islâmicos, utilizando-os por vezes para exercer a seu tradicional chantagem ("Ditadura ou fundamentalismo"), outras vezes para criar um embrião de oposição dando a ilusão de uma aparência de democracia...

Perante esta situação, as opiniões divergem. Alguns acreditam que toda revolução passa inevitavelmente por uma fase de fanatismo e de que a democracia precisa de tempo para se enraizar.
Outros acreditam que os islâmicos estão encurralado e têm de dialogar com as forças progressistas e modernistas, tomando como exemplo o modelo turco. No caso da Líbia, a situação é muito mais delicada porque os grupos islâmicos, que durante muito tempo sofreram perseguição por Kadhafi, estão armados até os dentes e quer ir além do que a chefia do CNT achou por bem oferecer-lhes com o seu discurso infeliz de Benghazi e encorajados pelo sucesso da Ennahda na Tunísia, vão certamente querer impor as suas ideias aos moderados do novo regime...

Advinha-se que os desafios que temos pela frente serão difíceis de superar. A França, que desempenhou um papel fundamental na libertação da Líbia, sempre se mostrou muito interessada nessa região estratégica que inclui a Tunísia, Argélia, Chade, Egipto, Sudão e Níger, e que, não esqueçamos, é o centro de imigração ilegal, verdadeira calamidade para a Europa, vai garantir, com o melhor de sua capacidade, que a nova Líbia se construa sobre uma base sólida e que não volte a ser o ninho do terrorismo internacional.

Animada com a vitória, deverá também intensificar os esforços para acabar com o genocídio do povo sírio, cometido por um regime que se sente intocável por causa do escandaloso apoio que recebe da Rússia e da China, e que diariamente amplia os limites do horror.

Agora livre de Kadhafi, a comunidade internacional deve vir em socorro dos insurgentes sírios, esmagados pelos tanques, força aérea e marinha, ou levados para verdadeiros campos de concentração. Porque senão pode perder o crédito que ganhou com a campanha da Líbia ao fechar os olhos para os crimes do tirano de Damasco - um tirano que, no cômputo geral, não tem nada a invejar ao seu homólogo líbio.»

responda cabalmente à pergunta que há dias Bernardo Pires de Lima nos deixou para reflexão: «Que Tunísia?»


[1] Isso mesmo é expresso por Bernardo Pires de Lima no artigo «Eixo Ancara-Tunes», publicado no DN.
[2] A presença turca na Tunísia remonta ao século XVI e estendeu-se por três séculos, até que a bancarrota em 1869 ditou o início do protectorado francês que terminaria em Março de 1956 com a independência.
[3] Ressalve-se que a tradução é da minha exclusiva responsabilidade.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

EUROZONA


Num clima de instabilidade financeira e de impasse político, os líderes da UE voltam a reunir para debater e anunciar a solução final para a crise da Zona Euro. Não fosse esta a mais recente das “decisões finais” e talvez aqueles ainda beneficiassem, mau grado as fortes dúvidas, de alguma credibilidade para alcançarem o fim a que se propuseram: resolver a crise que assola a Zona Euro.

Enquanto a crise continua a agravar-se e enquanto os líderes persistirem em ver a realidade sob a mesma perspectiva, dificilmente se registará alguma mudança credível na situação.


Seja por acção dos “mercados especuladores” (como de quando em vez gostam de afirmar) seja por outra razão que se recusam a querer assumir(a de que a economia global vive uma crise sistémica), a ausência de medidas que efectivamente contrariem a actuação dos especuladores (como seja o fortalecimento da regulamentação dos mercados ou, melhor ainda, a pura e simples extinção dos paraísos fiscais e demais santuários financeiros) e façam regressar alguma normalidade aos mercados tardam e na sua ausência continua a vigorar a lei da selva financeira que os defensores do desregulado liberalismo económico foram implementando pelos quatro cantos do mundo.

Insistindo que atravessamos uma crise de liquidez ou de confiança (e não uma crise global que o sistema financeiro transmitiu ao resto da economia por via dos resgates públicos de que beneficiaram), os líderes europeus (e os congéneres do G20) não reúnem condições nem credibilidade para implementar as mudanças que se exigem. Politicamente débeis, hesitam sobre o caminho a tomar enquanto recusam firmemente qualquer iniciativa que perturbe o modelo acumulação financeiro que tem vivido das transferências da riqueza criada pelos produtores de bens transaccionáveis e que sustentado num processo de alavancagem financeira se lançou numa espiral especulativa sem risco nem castigo... pois quando os prejuízos se perfilam, prontamente se acolhem sob uma protecção estatal, beatificada pelo anúncio de que a sua falência originaria o cataclismo final.

Como em situações anteriores, também agora que (finalmente) parece ganhar força a ideia de que um dos estados-membros não reunirá condições para solver os seus compromissos, a solução gizada passará por um perdão parcial da dívida acompanhada da injecção de capitais públicos nos bancos detentores dessa mesma dívida. Por outras palavras, o estado grego vai ser dispensado de pagar parte da dívida que muitas vezes os próprios bancos “aconselharam” a emitir e estes vão ser “indemnizados” pelos estados (incluindo, claro, o próprio faltoso) e assim, com um passe de mágica, a dívida subscrita pelo estado grego transformar-se-á em dívida subscrita pelos estados europeus, permitindo aos bancos adiar novamente e por uns tempos a evidência das suas inadequadas estratégias de investimento.

Mas numa zona económica que partilha uma mesma divisa entre economias com profundas disparidades e potencialidades, esta engenharia financeira está condenada a curto prazo, não só porque existem mais estados-membros em dificuldades (Portugal, Irlanda, Espanha, Itália, etc. etc.) que disseminarão as suas dificuldades aos restantes mas também porque alimentam a perspectiva de mais ganhos a quem tem “apostado” na fragilização do conjunto.

Vendados (senão vendidos) pelos dogmas do neoliberalismo e da eficácia dos mercados, preocupados com a sua manutenção no poder, os líderes europeus voltam a transmitir um sinal de fragilidade e de incapacidade. Eleitos para defenderem o interesse geral, os políticos que dirigem os destinos europeus revelam-se uma vez mais como fiéis depositários dos interesses dum sector financeiro internacional que se julga acima de qualquer risco e pensa sobreviver até a uma estratégia autofágica, a expensas do bem-estar geral.

Esta heresia económica (ao que parece as regras do mercado livre e da punição para a incompetência e os erros de gestão não se aplicarão ao sector financeiro), que nos últimos anos desviou biliões de unidades monetárias que poderiam ter mantido em funcionamento inúmeras das empresas que regularmente encerram e lançam no desemprego milhões de trabalhadores por esse mundo fora, irá continuar a vigorar até quando?

O que será preciso presenciarmos para que finalmente os responsáveis políticos entendam que uma crise da dimensão da actual só poderá ser enfrentada mediante novas estratégias que realizem um corte radical com o modelo responsável por nos conduzir ao estado actual?

Quando entenderão Merkel, Sarkozy e os restantes que apenas uma mudança radical no paradigma do financiamento público, fazendo regressar o poder de criação de moeda à esfera pública e democratizando o crédito mediante a aplicação do conceito de bem público, poderá contribuir para a minimização dos efeitos da crise que atravessamos?

sábado, 22 de outubro de 2011

A ALTERNATIVA


A crise nacional e os políticos que a protagonizam há vários anos fizeram saltar para os seus discursos e comentários diários a grande tese da ausência de alternativa à política seguida pelo governo de Passos Coelho, tal como antes fizeram com os famigerados PEC do governo de José Sócrates.

Sem pretender esgotar o tema (que de tão vasto desviaria, como o desvia, as atenções do essencial) sempre recordo aqui que o actual primeiro-ministro e o PSD criticaram o anterior governo do PS por este recorrer sistematicamente ao aumento da carga fiscal como via para o equilíbrio orçamental. Fizeram-se eleger com base no argumento de que uma vez no poder privilegiariam a redução da despesa pública em detrimento do habitual aumento de impostos.

A esta mentira (evidente nos aumentos do IVA e demais impostos e na não actualização dos escalões de rendimento no IRS) acrescentaram a imoral iniquidade da redução dos vencimentos na função pública e no sector empresarial do Estado e ainda o fazem acompanhar do falacioso argumento da inexistência de alternativa.

Este dogma, porque se trata dum argumento nunca explicado ou demonstrado, baseia-se na concepção neoliberal do Mundo (que Agostinho Lopes, citado por Santiago Castilho no artigo «Um neoliberal é isto, Álvaro!» publicado na edição de 17 de Agosto do PUBLICO, definiu como algo que sustenta em “...três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técniva e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho...”) que na ausência de capacidade argumentativa e sustentado no poder dos meios de comunicação, tem silenciado o debate das ideias.

A prova que ao contrário do que pretendem os seguidores do dogma neoliberal existem outras alternativas é-nos dada pelos testemunhos de povos e governantes que se viram forçados a seguir os ditames do Consenso de Washington[1] e que hoje dão testemunho dos malefícios que sofreram, como noticiou o NEGÓCIOS em Março deste ano quando em visita a Portugal o ex-presidente brasileiro Lula da Silva disse que “O FMI não resolve o problema de Portugal, como não resolveu o problema do Brasil, como não resolveu outros problemas”, ou um mês de depois se pode ler no I ON LINE a afirmação dum professor de economia grego que assegurou que: “Cortar salários não é uma reforma. Entra-se num ciclo vicioso, como na Grécia”. Outra demonstração prática da existência de alternativas é a que corajosamente estão a levar a cabo os cidadãos islandeses que recusam saldar a dívida externa sem a sua prévia auditoria e a negociação de acordos de pagamento.

Alternativa, é igualmente o que procuram os milhões de “indignados” que por esse Mundo fora tentam fazer ouvir a sua voz, mesmo quando ela soa de forma anacrónica e, como não se cansam de repetir os apólogos e panegiristas do neoliberalismo, sem discurso e ideias coerentes. A vontade colectiva, quando deixada florescer e frutificar, pode começar por soar de forma desarmoniosa, mas tal como uma orquestra sem maestro acabará por encontrar o seu próprio som e uma harmonia que dificilmente poderia ser imposta de fora, porque lhes é específica e por todos entendida e aceite.

Alguém um dia disse que o caminho faz-se caminhando e esse devia ser hoje o lema de quem tiver que governar o destino dos povos confrontados com uma crise duma dimensão tal que só após o seu rescaldo será possível aquilatar se foi maior ou não que a famosa Grande Depressão do século XX; até lá a única preocupação dos líderes deveria ser a de conduzir a bom porto a vida do maior número possível de pessoas nas melhores condições possíveis, mesmo que isso implique pensar de forma diferente e, principalmente na necessidade dum novo modelo de distribuição da riqueza mais equitativo que o actual.


A urgência na construção dum novo arquétipo é tanto maior quanto a nova proposta de redução de salários na função pública não foi formulada com o anunciado objectivo de redução do défice, antes com o não confesso objectivo de aumentar os ganhos das empresas (e dos seus accionistas)[2], a par com o aumento do horário de trabalho em meia hora diária. 

E quanto a não haver alternativa deixo aqui o comentário de Nicolau Santos[3]: “Não há alternativa? Há sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça”, a observação de Ricardo Costa, que candidamente recorda que depois de termos sido «Recordistas nos adiamentos, queremos agora ser recordistas na correção do défice. Não tenho grandes dúvidas sobre o caminho a seguir, mas tenho imensas sobre a velocidade da viagem. Cortar o défice, recapitalizar a banca e reformar a economia no meio de uma recessão e de uma crise de dívida pública são coisas que nunca foram feitas em simultâneo» e a lembrança de que a crise, mesmo reconhecendo os profundos desiquilíbrios estruturais da economia portuguesa, não é de origem nacional e a sua solução apenas poderá ser efectiva quando concertada a uma dimensão bem maior.

Enquanto membros da UE e da Zona Euro seria de esperar que parte da solução fosse arquitectada no seio desse grupo, porém, a julgar pelas recentes declarações de Jean-Claude Junker, o presidente do Eurogrupo, a «A Zona Euro está a dar uma imagem desastrosa» e as notícias sobre a inconclusão da reunião que terá lugar este fim-de-semana é apenas uma repetição das incapacidades já reveladas em situações anteriores.

Assim, situando-se a origem da crise na fragilidade do sector financeiro mundial, qualquer solução, até a mais decalcada do Consenso de Washington, só terá sucesso se for aplicada a nível global e a posição dos membros da UE e da Zona Euro apenas poderá ser a de construir uma alternativa que não seja obrigatoriamente as que Alemanha e França têm tentado impor.


[1] Consenso de Washington é um conjunto de medidas – composto por dez regras básicas: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Livre formação das Taxas de Juro e de Câmbios; Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); Investimento estrangeiro directo, com eliminação de restricções; Privatização das empresas públicas; Desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual – formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades (adaptado de Wikipédia)
[2] Embora não confesso na hora de apresentação da proposta do OGE, segundo notícia do DN «Passos ‘conta’ com corte nos salários dos privados» e a preocupação que Cavaco Silva manifestou na abertura do IV Congresso Nacional dos Economistas ao afirmar que «Suspensão de subsídios viola equidade fiscal» pode resumir-se ao seu desejo de ver a medida oficialmente estendida ao sector privado.
[3] O texto, intitulado «Uma raiva a nascer-me nos dentes» foi publicado numa compilação do EXPRESSO sobre a proposta de OGE para 2012, a par com outros da autoria de Pedro Adão e Silva, Miguel Sousa Tavares, Ricardo Costa e Daniel Oliveira.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O GRANDE EMBUSTE


O grande desígnio nacional, invocado na apresentação da proposta de OGE para 2012 como sendo a necessidade de recuperar a credibilidade financeira internacional através do reequilíbrio orçamental público, não passa de mais um embuste, como se pode constatar das palavras do próprio ministro das finanças, que sem grande hesitação ou pudor, já assegurou que «Suspensão de subsídios “não é de curta duração”».

A estratégia neoliberal de Passo Coelho, se alguma vez passou despercebida para alguns, acaba de ser revelada de forma clara por Vítor Gaspar (o tecnocrata “importado” directamente de Bruxelas) quando assegura que a economia já deverá crescer 1,2% em 2013 mas mantém para esse ano a redução das remunerações na função pública; é que, assumindo-se claramente como o representante dos credores na assembleia ministerial – facto que permite até questionar se ainda teremos algum governo ou apenas meras marionetas articuladas a partir de Frankfurt e Washington[1] – defende até ao absurdo uma estratégia de redução dos encargos salariais como via para a recuperação da competitividade e, claro, do aumentos dos lucros empresariais.


Aliás, o sentimento de generalizada revolta ou incredulidade face à proposta apresentada, que após um tímido anúncio dum «Congelamento salarial no sector público em 2012 e 2013» rapidamente se converteu numa redução de salários e pensões da ordem dos 16,7%, pode bem ser sintetizada no título do NEGÓCIOS que assegura que «Nada nem ninguém contribuirá tanto como a Função Pública e pensionistas».

E o pior disto é que, contrariando o discurso oficial de que a “austeridade” se justifica e de que é generalizada, no mesmo dia em que Passos Coelho pré-anunciava as medidas se podia ler na imprensa que «Governo dá perdão fiscal a capitais ilegais no estrangeiro» ou, como ontem foi publicado, que «Pensões vitalícias dos antigos gestores escapam a cortes» e ainda tentam convencer-nos que tal se deve tão somente ao facto desta serem pagas em duodécimos (que conveniente...) e de que o «Governo propõe que ex-políticos paguem “contribuição solidária”», seguramente por se tratarem de impolutos cidadãos e reconhecidos pelo seu comportamento ético acima de qualquer suspeita...

Depois disto e de lermos que até a generalidade de comentadores se mostra revoltada com a injustiça das medidas[2] haverá quem se espante perante a afirmação da CGTP de que «Proposta do governo é declaração de guerra» ou que, constatadas as inúmeras mentiras e intenções não confessas[3], não ponha em dúvida a validade da projecções macro-económicas que fundamentaram a proposta de orçamento e nomeadamente o facto de que o «Governo prevê recessão de 2,8% em 2012»?

Sabendo-se, como afirma o NEGÓCIOS, que «Portugal gasta mais de 8 mil milhões de euros com juros da dívida em 2012», ou, como escreve o PUBLICO que «Orçamento vai empurrar a economia para pior recessão desde 1975», continuará a fazer sentido ler que Vítor «Gaspar recusa peremptoriamente renegociar a dívida» e ainda duvidar da real intenção dum governo que se fez eleger com base em duas claras mistificações: a da seriedade e integridade face às mentiras propaladas por José Sócrates e a de a solução para o descalabro orçamental passava por reduzir as “gorduras do Estado” (em momento algum ele ou qualquer um dos seus apoiantes mais próximos fez referência às “gorduras dos contribuintes”) e nunca por aumentar os impostos.

Agora que a clara conclusão é a de Passos Coelho mente da mesma forma que Sócrates mentiu e quando, como noticia o ECONÓMICO, até «Bruxelas diz que objectivo de Portugal para 2011 está em risco» e aponta o fracasso na redução da despesa, ainda restarão dúvidas sobre a incapacidade deste governo assegurar o que antecessor também não assegurou: a defesa dos interesses da população nacional?


[1] Frankfurt e Washington são, respectivamente as sedes do BCE e do FMI, entidades que a par com o FEEF, integram os prestativos “emprestadores” que estão a livrar o país da fúria dos mercados financeiros.
[2] Exemplos não faltam; desde esta notícia do ECONÓMICO, que sintetiza opiniões de vários economistas, até este pequeno resumo do que um conjunto de colaboradores do EXPRESSO pensa sobre o Orçamento de Estado.
[3] Mas que declarações como a de Pedro Ferraz da Costa, presidente do Forum para a Competitividade e antigo presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, dizendo que o «Orçamento é bom para a competitividade», ou as de Francisco van Zeller, presidente do Conselho para a Promoção da Internacionalização e ex-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, que admitiu a suspensão dos ubsídios no privado (nesta notícia do ECONÓMICO) acabam por desmascarar, mesmo quando confundem competitividade com aumento dos lucros ou num beatífico contributo para não aumentarem o desemprego.