terça-feira, 30 de janeiro de 2007

DESPENALIZAÇÃO DA IVG – INÍCIO DA CAMPANHA

Quase nove anos volvidos sobre uma primeira consulta, vão os eleitores portugueses voltar a pronunciar-se sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, no próximo dia 11 de Fevereiro.

Apesar da respectiva campanha apenas agora ter começado, muito tem sido escrito e dito a propósito da questão. Há dias escrevia Maria José Nogueira Pinto no DIÁRIO DE NOTÍCIAS que a «...questão do aborto não é preta nem branca», esquecendo talvez que a questão a referendar não é sobre o aborto mas sobre a possível alteração do quadro legal português que persiste em criminalizar aquela prática.

A pergunta que formalmente surgirá nos boletins de voto:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

pode ser alvo de várias interpretações e não tem faltado quem venha a público contribuir para a confusão. Nu e cru, estou em crer que ninguém responderá ser favorável à prática do aborto, pelo menos enquanto método contraceptivo (papel que muitas vezes lhe é atribuído pelos indefectíveis do NÃO), como ninguém concordará com a aplicação da pena de prisão que o nosso código penal fixa para aquele crime.

O cerne da questão, que muitos persistem em escamotear, prende-se precisamente com a condenação cível em que incorrem as portuguesas que tenham a infelicidade de serem denunciadas por um qualquer cidadão mais zeloso da moral e dos bons costumes...

Àquelas cidadãs de pouco ou nada servirão argumentos como o de que não existem mulheres efectivamente confinadas às quatro paredes de uma prisão pela prática de aborto, pelo menos enquanto isso resultar apenas do bom senso dos juízes que as julgarem.

Que sociedade pode funcionar alicerçada num quadro penal que prevendo sanções, espera que os magistrados encarregues da sua aplicação demonstrem a benevolência adequada às suas expectativas?

Se ao que parece existe um consenso generalizado contra a penalização do aborto, porquê insistir na ideia de que a sua prática, enquanto acto legal, deve continuar a ser negada?

Talvez na ausência de melhores argumentos (e porque no fundo acabarão por também comungar do sentimento generalizado contra a penalização do acto), os indefectíveis do NÃO persistem no argumento do primado da defesa da vida – considerando que o embrião será desde logo uma forma autónoma de vida, algo que a avaliar pela opinião do Conselho Inglês de Bioética que propõe que aos nados com menos de 22 semanas de gestação não sejam aplicados cuidados médicos devido à reduzida taxa de sucesso (cerca de 1%), carece comprovação científica – em detrimento da vontade da mulher.

Aqui – a questão do livre arbítrio – parece radicar o busílis da questão.

Enquanto os defensores do SIM entendem o primado da vontade da mulher, os do NÃO parecem mais apostados na defesa do “elo mais fraco”, como se o recurso ao aborto seja algo que qualquer mulher encare com leviandade ou, pior, como se as mulheres não dispusessem de capacidades para decidir sobre algo tão pessoal e íntimo como a interrupção de uma gravidez.

Talvez o que mais afaste os defensores do NÃO seja o velho slogan do “direito sobre o seu próprio corpo” que muitos dos seus opositores reclamam (slogan profundamente feminista, logo aterrorizante para os conceitos mais conservadores) e lançam como um grito de liberdade. Se a estes temores adicionarmos o peso que a Igreja católica ainda hoje mantém na sociedade portuguesa, estará encontrada a resposta para o “fervor” que muitos dos opositores à despenalização do aborto exibem.

Longe de querer negar seja a quem for o direito à sua opinião (o tal livre arbítrio) e à defesa dos seus princípios (sejam eles de natureza ética, moral ou religiosa), não posso deixar de esperar uma radicalização em torno da discussão do tema do referendo. Os primeiros sinais já se começaram a tornar evidentes desde que os opositores à despenalização se organizaram em movimentos que tomaram por “leit motiv” a defesa da vida, como se da vitória do SIM resultasse um quadro social segundo o qual TODAS AS MULHERES FOSSEM OBRIGADAS A ABORTAR.

Perante esta evidente deturpação da realidade (o mais correcto seria designá-la por abjecta manipulação) e pelo quase inevitável desfilar de imagens (quem não recebeu já inúmeros mails onde abundam fotografias de “fetos maravilhas” e de indescritíveis resultados de abortos?) o período da campanha voltará a não cumprir o seu objectivo principal – esclarecer e informar os eleitores sobre o teor da questão em referendo – deixando-lhes a liberdade de avaliar e escolher em consciência a resposta que entendem como melhor.

A confirmarem-se as minhas piores expectativas corre-se o risco de na noite de 11 de Fevereiro voltarmos a obter um resultado inconclusivo.

E não terá sido isto o que pretenderam aqueles que lançaram esta iniciativa?

Porque é que, tratando-se a questão em escrutínio de um mero problema de natureza jurídica, não procedeu a Assembleia da República à alteração legal?

Porque é que os deputados, sempre tão ciosos na defesa do importante papel legislador, optaram agora (ou, ainda pior, deixaram que alguém optasse por eles) por remeter aos eleitores o ónus da decisão?

domingo, 28 de janeiro de 2007

AS “DORES DE PARTO” EM WASHINGTON

Enquanto o clima de generalizada insegurança continua a alastrar, com especial incidência para o Médio Oriente, zona onde além do Iraque (e do quase vizinho Afeganistão) agora já se registam confrontos civis no Líbano e na Palestina, surgiu ontem a notícia (pouco ou mal divulgada) de uma manifestação em Washington contra a política belicista da Casa Branca.

Dezenas de milhares de americanos (segundo informa a insuspeita CNN) marcharam pelas ruas em direcção ao Capitólio exigindo o regresso das tropas americanas e o fim da ocupação do Iraque.

Além das sempre mediáticas figuras de Hollywood, o mais impressionante terá sido o número de manifestantes que terá recordado a muitos os tempos de outra guerra de má memória: a do Vietname.

Mesmo sabendo que não será com manifestações deste tipo (por maiores e mais mediáticas que possam ser) que os actuais condutores da politica externa norte americana abandonarão as suas convicções de «mudar o Mundo» e «instalar a Democracia» no Médio Oriente, talvez seja importante reconhecê-las como um primeiro passo dado pelos milhares de americanos que começam a exigir dos seus governantes (Casa Branca e Congresso) o reconhecimento do princípio basilar da Liberdade – A LIBERDADE INDIVIDUAL ACABA ONDE COMEÇA A DOS OUTROS.

Embora não tenha sido apenas este o princípio que os neoconservadores americanos esqueceram, talvez a crescente pressão da opinião pública americana possa começar a abrir algumas brechas no muro de intolerância e autismo que tem presidido às decisões da actual administração da Casa Branca.

Imagens como esta, onde cidadãos americanos questionam de forma cada vez mais aberta a política de mentiras da sua administração (não esquecer que a principal razão invocada por George W Bush para a invasão do Iraque foram as afirmações nunca comprovadas do apoio de Saddam à Al-Qaeda e o facto daquele possuir armas de destruição em massa) e a ineficácia revelada na crise gerada pelo furacão Katrina, podem muito bem ser um primeiro sinal de marcação das suas liberdades individuais.

Infelizmente, por mais interessante que seja de acompanhar a evolução desta asserção, o facto real é que o número de mortos civis nos países ocupados pelas tropas americanas (e pelos aliados da NATO) continua a crescer e que a insegurança criada já se espalhou a países como o Líbano e aos territórios palestinianos, o qual após a invasão israelita do verão passado vive agora uma situação de quase guerra civil. Em ambos os casos está por demais evidente a influência da política americana e dos seus aliados israelitas bem como o desejo de permanente atrito entre os estados da zona, claramente manifestado nas declarações proferidas pela secretária de estado norte-americano, Condoleezza Rice, quando se referiu à devastação provocada pela invasão israelita do Líbano como as «dores de parto de uma nova ordem local».

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

NOTAS MARGINAIS AO FÓRUM DE DAVOS

Iniciada no passado dia 24 mais uma reunião do Fórum Económico Mundial, que este ano pretende apresentar-se sob uma nova perspectiva – a da globalização “social” – rapidamente registou um número suficiente de acontecimentos (verdadeiros “happenings” ao tradicional gosto anglo-saxónico) que não devem deixar de merecer reflexão.

Começando na própria intenção de alargar a reflexão às necessidades das economias subdesenvolvidas (como se por mais mutações que possa sofrer o pensamento liberal e neoliberal alguma vez admita contemplar outras preocupações além da maximização dos seus lucros) e aos problemas ecológicos (cada vez mais prementes e de bom tom), passando pelas declarações proferidas pelo vice-presidente iraquiano – Adel Abdel Mehdi – que qualificou a invasão do seu país pelos americanos como uma decisão idiota e culminando no anúncio da criação de uma zona de mercado livre a funcionar entre Israel, a Palestina e a Jordânia.

É natural que para promotores e participantes no Fórum, quem manifeste estupor ou cepticismo, perante este amontoado de novidades, não pode deixar de ser alguém completamente empedernido e perdido para os desafios do Mundo Global em que dizem que vivemos. Porém os factos descritos justificam uma outra leitura além das notícias telegráficas que os divulgaram.

Se mesmo os mais fervorosos adeptos dos princípios liberais e neoliberais encontrarem algumas dificuldades para justificarem esta súbita preocupação com as populações dos países que há muito condenaram a um estado de mera sobrevivência, haverá sempre a hipótese de se reclamarem de um papel renovador, algo a que também poderão recorrer para justificar as recém adquiridas preocupações ambientais, mesmo quando estas colidirem de forma mais ou menos directa com o seu “santo dos santos”, a maximização dos lucros.

Mais difícil de explicar serão as declarações de Abdel Mehdi e a apresentação da iniciativa israelo-jordano-palestiniana. A primeira será enquadrável no âmbito de uma muito ocidental prática do politicamente correcto ou no da confirmação do total descalabro que será o governo iraquiano; a segunda estará seguramente reservado um papel no anedotário mundial, na medida em que não existe memória da existência de um mercado livre num estado militarmente ocupado.

Por incrível que possa parecer, a reunião em curso do mais mediático e globalizante dos “think tank” mundiais corre o sério risco de ficar marcada apenas por notas marginais como estas.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

SERÁ ASSIM TÃO ESTRANHO?

Já aqui referi em algumas ocasiões a manifesta incapacidade dos governantes que temos conhecido agirem no sentido do bem comum. Citar esses casos seria um exercício fastidioso, mas qualquer um de nós rapidamente recordará múltiplos exemplos.

Vem esta introdução a propósito de um artigo de Gustavo Cardoso (professor do ISCTE) hoje inserto no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que muito a propósito intitulou de «O ESTRANHO CASO DAS NOTAS DE UM EURO» e cuja leitura recomendo vivamente.
Em poucas palavras (muito menos que as que eu gastaria para o mesmo efeito) explica o fenómeno que todos bem sentimos nas nossas “carteiras” quando vimos substituído o escudo pelo euro e «...em Portugal preços de cem escudos converteram-se em preços de um euro, em Espanha preços de 500 pesetas converteram-se em preços de cinco euros e em Itália cinco mil liras em cinco euros.
As implicações dessa evolução, não reflectida nas taxas de inflação de alguns países europeus, são óbvias e negativas para todos, excepto para os que comercializavam produtos em que o aumento ocorreu. Para os cidadãos uma menor actualização salarial, para o Estado menores receitas de impostos sobre vastos sectores da economia (que terão declarado valores abaixo do real)...».
O artigo pecará apenas por não referir de forma ainda mais clara e expressiva que o erro não terá estado na criação de uma moeda única (passo importante para constituição de um verdadeiro mercado integrado), mas sim na forma como a generalidade dos membros dos governos dos países da Europa do Sul prefere sobrelevar os seus interesses económicos e sociais em prejuízo dos da generalidade das populações.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

CIENTISTAS DESCOBREM PARTE «ALTRUÍSTA» DO CÉREBRO

«Uma equipa de cientistas da Universidade Duke, EUA, descobriu a parte do cérebro que determina se uma pessoa será mais egoísta ou altruísta, num estudo divulgado na Nature Neuroscience.

O altruísmo – tendência para ajudar os outros sem uma vantagem óbvia para si próprio – parece estar ligado a uma área do cérebro designada de sulco temporal.

Através de electroencefalogramas, os investigadores norte-americanos estabeleceram uma relação entre aquela região do cérebro e o comportamento abnegado que alguns indivíduos apresentam.

«...» Os cientistas estão agora a explorar formas de estudar o desenvolvimento dessa região do cérebro no início da vida do indivíduo, acreditando que essa informação possa ajudar a explicar como são estabelecidas as tendências altruístas.»

A confirmar-se o teor desta notícia do DIÁRIO DIGITAL poderão estar, a breve trecho, resolvidos todos os nossos problemas.

Para tal bastará que exijamos de todos os candidatos a políticos e a futuros governantes que façam prova (clinicamente comprovada por entidade estrangeira fidedigna) de disporem de um sulco temporal sobredesenvolvido.

Para os defensores mais acérrimos (e retrógrados) dos actuais processos aleatórios, como o eleitoral, poder-se-à manter esse sistema desde que a ele apenas possam concorrer candidatos que preencham aquela condição.

E ainda há quem diga que o futuro que nos espera é negro...

domingo, 21 de janeiro de 2007

NOVAMENTE O SEGREDO DE JUSTIÇA

Não terá havido meio de comunicação que não tenha noticiado pronta e abundantemente o facto de já ter estado a circular na Internet o despacho em que, após a audição de nova testemunha, a Procuradora-geral adjunta Maria José Morgado fundamentou a reabertura do processo Apito Dourado.

Tal como em situações anteriores voltou à primeira linha da actualidade nacional a questão do segredo de justiça, ou melhor da sua violação e da habitual ausência de sanções para os infractores. Enquanto se trocam acusações entre o ministério público, advogados e funcionários de justiça, parece-me de recordar que num país que não tem hesitado no agravamento de sanções para outro tipo de infracções (veja-se o caso da circulação rodoviária) é de estranhar que nada de análogo tenha sequer sido ensaiado para este tipo de situações, ou será porque estas envolvem “personalidades” de maior peso?

Verdade se diga que quer no caso Apito Dourado quer no caso Casa Pia o constante atropelo das regras tem-se assemelhado mais a uma utilização de manobras de diversão e de criação de factos paralelos (desviando a atenção do essencial) que a outra coisa.

Se este constante “ruído” em torno dos processos mais mediáticos não se destinar a algo mais que aumentar ainda mais a já fragilizada credibilidade da justiça portuguesa, parece-me mais do que adequado recuperar aqui aquele velho princípio, omnipresente nos romances policiais e nos filmes série B americanos e perguntar: quem lucra com o crime?

A todos quantos pretendam ver aplicado um mínimo de Justiça no nosso país cabe a resposta e a responsabilidade de exigir que os responsáveis recebam o castigo devido.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

SÃO TODOS ARTISTAS PORTUGUESES!

Foi ontem tornada pública a decisão do grupo parlamentar do PS de não incluir no “pacote legislativo” contra a corrupção, a apresentar à Assembleia da República, algumas das propostas defendidas por João Cravinho, por não as considerar consistentes e adequadas.

Segundo o DIÁRIO DE NOTÍCIAS entre as medidas propostas mas não aceites, contar-se-ão a que visava combater enriquecimento ilícito de titulares de cargos públicos e políticos e a que propunha a criação de uma Comissão Independente para a Prevenção da Corrupção.

A avaliar pelas reacções de alguns dos intervenientes, o debate no seio daquele grupo parlamentar deve ter sido “animado”, a ponto do ainda deputado e futuro administrador do BERD, já ter manifestado intenção de entregar por iniciativa individual os dois projectos de diploma na mesa da Assembleia da República.

Responsáveis do PS (Alberto Martins, líder do grupo parlamentar, e Vera Jardim) já tiveram o cuidado de anunciar que as decisões tomadas sobre a matéria foram de modo consensual (isto é, são serão apresentadas no hemiciclo as propostas com que toda a gente concordou) e que as propostas que não mereceram aceitação não serão esquecidas, continuando a ser discutidas no seio daquele grupo.

João Cravinho, expressando-se num português mais claro, desabafou: «Cheguei ao limite dos meus poderes enquanto deputado», o que infelizmente vem confirmar o que escrevi aqui.

Não estranho que a reacção da bancada socialista tenha sido adversa às propostas de Cravinho – afinal a quem de “motu proprio” ocorrerá limitar as suas próprias potencialidades de lucro? Vivemos ou não numa sociedade liberal e que incentiva a iniciativa privada?

Se dúvidas houvesse que a generalidade dos deputados socialistas não manifestam qualquer interesse em ver avançar nenhum tipo de possibilidade de limitação da sua livre iniciativa (matéria em que terão seguramente largo apoio da generalidade das restantes bancadas), ruíram perante a afirmação de Alberto Martins de que os projectos que Cravinho entregar em nome pessoal na mesa da AR não irão ter o apoio do partido, nem chegarão a ser levados à conferência de líderes para serem agendados para debate e discussão em plenário parlamentar, porque o grupo parlamentar só agendará matérias da sua autoria e aprovação.

DÚVIDAS PARA QUÊ? SÃO TODOS ARTISTAS PORTUGUESES!

No final do mês João Cravinho rumará ao Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento e nós continuaremos entregues às diatribes e arbitrariedades daqueles que elegemos para nos representarem e governarem, que anualmente actualizam principescamente os seus vencimentos (enquanto a generalidade nos vemos obrigados a gerir vencimentos cada vez mais degradados pela inflação e pela pesada carga fiscal) e para cúmulo se arrogam o direito de se julgarem acima da lei.

Até quando permaneceremos calados, assistindo de escândalo em escândalo à ascensão de políticos cada vez mais medíocres?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

SUCESSOS E INSUCESSOS DAS APLICAÇÕES LOCAIS DA ESTRATÉGIA DO TERROR

A sensação (e a realidade) do aumento da insegurança mundial, em grande parte resultante da “Guerra contra o Terror” lançada em 2001 pela administração Bush, mais que uma dura realidade está a agravar o problema do terrorismo e dos meios a aplicar para o combater.

Analisando de forma pragmática o Mundo em que vivemos, talvez os níveis de segurança não sejam inferiores aos registados em períodos anteriores, mas garantidamente todos nos achamos menos seguros. Tratando-se o medo de um fenómeno de natureza psicológica, não admira que o simples clamor em torno do fenómeno do terrorismo logo se converta numa quase histeria.

Tudo isto a propósito do que se tem vivido na nossa vizinha Espanha a propósito do atentado que a ETA realizou no final do ano passado e com o qual interrompeu o cessar-fogo unilateral que declarara havia cerca de um ano. Pior que os dois mortos registados e os elevados prejuízos materiais estão a ser as reacções da sociedade espanhola que, desde o quase frenesi da direita representada no PPE e que não quer deixar fugir a oportunidade de vingar o atentado de 11 de Março de 2004 que lhe custou a continuidade no governo, passando pela reacção do PSOE (cujos dirigentes tentam agora assumir o papel de “virgens” enganadas) e dos grupos «abertzale»[1] (uns mais favoráveis que outros à construção de uma solução pacífica e negociada), parece viver um momento de comunhão contra a ETA, mais sustentado pela emoção que pela razão.

A análise do atentado, que alguns analistas e órgãos de comunicação já apelidaram do maior erro de sempre da ETA (que num ambiente de posições menos fanáticas poderia até ser explorado em benefício do processo de normalização política) não se deve resumir à dura realidade dos mortos e ainda menos à quase fanática campanha lançada pelas associações de vítimas da ETA exigindo firmeza contra a organização.

A firmeza, termo que em castelhano tem mais aplicação na vertente repressiva que na negocial, redundará num seguro fracasso de um processo negocial que mal dera os primeiros passos. Os reduzidos progressos (nulos na opinião da ETA) do processo negocial poderão ter estado na origem do atentado, não sendo de excluir que esses mesmos fracos resultados signifiquem no interior da ETA uma crescente ascensão dos defensores de uma via mais “dura”.

Se houve lições a colher do processo de paz conduzido com sucesso na Irlanda, uma das mais importantes é que, aconteça o que acontecer, nunca deverão ser encerradas as vias de diálogo sob pena da facção mais aberta ao diálogo ver reduzida a sua influência e, consequentemente, as hipóteses de sucesso da iniciativa; outra é a da importância no fortalecimento da facção moderada de forma a assegurar a existência e disponibilidade de contraparte no processo de negociações.

Tanto quanto é do conhecimento público, após a declaração unilateral de cessar-fogo ter-se-ão realizado algumas reuniões entre representantes do governo de Zapatero e da ETA. Embora ninguém esperasse resultados rápidos, já no verão passado se começaram a sentir alguns sinais de incomodidade dos nacionalistas perante os parcos resultados alcançados. Sabendo-se que uma das principais reivindicações da ETA é a transferência dos presos políticos para locais de detenção no país basco (uma das práticas visando a fragmentação do grupo e a minimização da contestação no interior das prisões foi a da distribuição dos presos por pontos geograficamente distantes) e que nesta matéria nada tinha sido feito, eram crescentes os sinais de insatisfação entre militantes, presos e familiares. Optando por tratar a ETA como um grupo unitário e mantendo a marginalização das organizações políticas que lhe estão próximas (de que é exemplo a ilegalização do Herri Batasuna) as possibilidades de sucesso do processo negocial foram automaticamente reduzidas e, tarde ou cedo, o eclodir de novas acções violentas seria uma realidade.

Para agravar ainda mais a situação, a actual conjuntura mundial joga em desfavor dos que pugnam por soluções negociadas. Fruto da estratégia norte-americana de combate ao terrorismo, definindo este como uma entidade abstracta e sem qualquer tipo de sensibilidade, e em consequência da elaboração de uma lista de organizações terroristas, ao sabor da ocasião e dos interesses dos governos “amigos, aumentaram-se as barreiras aos processos negociais. Englobando num mesmo “saco” organizações com origens e objectivos totalmente diversos, globalizou-se o fenómeno do terrorismo e ter-se-ão reduzido as esperanças de encerrar por via negocial bom número de “conflitos” locais.

Enquanto a população espanhola sair à rua gritando “slogans” contra o terrorismo da ETA como se de uma organização diabólica se tratasse, verificar-se-á no plano interno uma crescente probabilidade do PPE vir a vencer as próximas eleições, enquanto no plano externo os teóricos e defensores «do quanto pior melhor» terão assegurado a sua continuidade bem como a de um clima de instabilidade global propício à manutenção e aprofundamento das políticas que têm conduzido à propagação do tal “terror” que dizem combater.

E não se pense que apenas fenómenos com a gravidade do atentado no aeroporto de Barajas servem para justificar o desejável clima de insegurança; na sua ausência existe sempre a possibilidade de recorrer à difusão de notícias sobre o desmantelamento policial de uma qualquer rede terrorista que se preparava para fazer explodir aviões com explosivos líquidos...
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[1] A expressão «abertzale» em euskera significa «amante da pátria» ou «partidário da pátria». Resultou da fusão do termo «aberri(a)» (pátria)com o sufixo «-(t) zale» (o que ama, é amigo de, aficionado a ou que se dedica a algo). Embora a tradução mais literal fosse «patriota», utiliza-se como sinónimo de “nacionalista basco”. No xadrez político espanhol, sobretudo fora do País Basco, utiliza-se frequentemente para referir específicamente os membros e simpatizantes de organizações como Herri Batasuna, Euskal Herritarrok ou Batasuna, embora outros grupos nacionalistas bascos como Aralar, PNV, EA ou Batazrre também se considerem como abertzales. (Tradução livre de Wikipedia)

domingo, 14 de janeiro de 2007

EM FRENTE COM O DIÁLOGO DA BALA

Foi finalmente revelado na passada quinta-feira o plano Bush para acabar com a guerra no Iraque.

Poderia tratar-se do tema de mais um programa de humor, mas infelizmente não! Ao que tudo indica George W Bush pretende mesmo resolver o “problema iraquiano” com o envio de mais 21.500 soldados. Trata-se de um plano que encaixa perfeitamente no esquema mental daqueles bebedores inveterados que recomendam o tratamento de uma ressaca com a mesma dose de bebida que a originou.

Num momento em que o reconhecimento do erro que foi a invasão do Iraque (publicamente assumido por George W Bush no discurso de apresentação da nova estratégia) exigiria que até as mais brutais asneiras fossem enfrentadas de forma pragmática e realista, sucede o contrário; com este plano a administração americana não só insiste no seu total irrealismo como peca ainda por uma total ausência de pragmatismo.

Se esta tivesse ouvido os seus especialistas e conselheiros militares e de segurança, ao invés dos inflamados discursos dos neoconservadores e das suas teorias do caos construtivo, a opção pelo combate ao terrorismo – admitindo que tudo, mas rigorosamente tudo, o que aconteceu em 11 de Setembro de 2001, foi obra da Al-Qaeda – teria passado:

- por desencadear acções militares orientadas para a destruição dos campos de formação e doutrinamento da Al-Qaeda;

- por desencadear acções policiais para a detecção e o desmantelamento das redes de operacionais;

- pelo desenvolvimento de estratégias visando a eliminação das suas fontes e redes de financiamento;

- pela acção diplomática no sentido de eliminar ou reduzir os apoios disponibilizados por países e governos que a terminologia neoconservadora designa por estados-párias.

Estas acções teriam registado, mais ou menos, o apoio da generalidade da comunidade internacional e deveriam ter-se já hoje traduzido numa significativa melhoria das condições de segurança global. O seu sucesso seria tanto maior quanto as medidas mais duras e repressivas fossem acompanhadas de outras de carácter económico visando a melhoria das condições de vida das populações entre as quais os grupos mais radicais encontram terreno fértil para expandir os seus ideais.

Ao invés disto, após o ataque ao Afeganistão – acção militar que se saldou por uma quase total ausência de resultados práticos, na medida em que a substituição do regime fundamentalista dos taliban por um regime fantoche onde pontifica o ocidentalizado Karzai, mas o poder continua a ser exercido pelos “senhores da guerra” locais e a estrutura de comando da Al-Qaeda terá permanecido intacta – a administração Bush optou por se lançar numa injustificada campanha militar contra o Iraque de Saddam Hussein, numa estratégia que desde a primeira hora mereceu grandes reservas por parte da estrutura militar norte-americana e que para a generalidade da população mundial se assemelhava mais a uma vingança pessoal (o pai Bush, nos tempos que passou pela Casa Branca, pareceu incapaz de eliminar Saddam Hussein) que a qualquer outra coisa.

Desde as primeiros ameaças de invasão do Iraque que algumas vozes, mais ou menos esclarecidas, no próprio interior dos EUA foram manifestando as suas dúvidas sobre a utilidade de semelhante estratégia como política de combate eficaz ao terrorismo. Submetidas pelo peso das estruturas internas ou submissas aos ditames das hierarquias instituídas (no caso das cadeias intermédias de comando no Pentágono) demitindo-se em sinal de protesto (como fizeram alguns dos conselheiros mais assertivos, caso de Richard Clarke que foi membro e líder do Departamento de Segurança Interna sob as administrações de George Bush, Bill Clinton e George W Bush), ou incapazes de resistirem às campanhas de difamação orquestradas pelos neoconservadores, as vozes de oposição foram sendo silenciadas e a ideia de invadir o Iraque foi-se assumindo como o leitmotiv da guerra contra o terrorismo.

Cumprido o desiderato de depor Saddam Hussein mas absolutamente incapazes de compreenderem a dinâmica de oposição interna à sua presença naquele território, os EUA foram-se atolando numa guerrilha entre facções políticas, religiosas e nacionalistas da qual continuam sem entender a essência (nem fazer qualquer esforço nesse sentido) nem sequer aplicar uma estratégia militar de sucesso. Refira-se a propósito que nos primeiros planos elaborados pelos estrategas do Pentágono se referia a necessidade de utilizar uma força de invasão militar da ordem do meio milhão de soldados, mas que as pressões políticas e o permanente receio de um elevado número de baixas acabaram por conduzir ao lançamento do assalto com apenas ¼ das forças julgadas necessárias.

Sem a possibilidade de contarem no Iraque com o auxílio de forças aliadas internas (no caso do Afeganistão a maior parte dos combates de infantaria foram assegurados pelas forças da Aliança do Norte, grupo que se opunha aos taliban, limitando-se as forças americanas às acções das forças especiais), graças à política e às acções militares levadas a cabo por Saddam e pela Turquia contra os curdos, os generais americanos no terreno foram apelando à desistência das tropas e dos comandantes iraquianos até terem alcançado Bagdad. Tomada a capital e dissolvido o governo de Saddam e do partido Baas, uma das primeiras medidas tomadas foi a da dissolução do exército iraquiano e a da expurgação de todos os militantes daquele partido do aparelho de estado. Este vazio total e o “assalto” aos lugares de poder que com o beneplácito do ocupante foi realizado pela maioria xiita, empurrou a minoria sunita (base tradicional de apoio de Saddam e do Baas) para uma resistência que pouco a pouco se foi fortalecendo.

Outro exemplo da enorme falta de capacidade para lidar com a situação foi a execução de Saddam Hussein, a qual ocorreu no final de 2006 após um rápido julgamento por um tribunal iraquiano que desde a primeira hora foi internacionalmente reconhecido como muito pouco justo e isento e durante o qual aconteceu um pouco de tudo (desde a substituição de um juiz julgado demasiado brando até à morte de vários advogados de defesa) a que se seguiu a recusa em tempo recorde de um apelo apresentado pela defesa; Saddam foi executado em muito menos tempo que o que demora a escrevê-lo e transformado de ditador sanguinário em mártir árabe.

Num Iraque a ferro e fogo, onde a administração Bush pouco ou nada tem feito para acalmar a luta pelo poder, iremos assistir a um reforço do contingente americano, numa fase da vida política norte-americana onde as dificuldades do presidente perante um Congresso hostil (dominado pelo partido Democrata após as eleições de Outubro passado) deverão crescer à medida que se aproxima o fim do seu mandato.

Contrariando a opinião pública americana, que cada vez menos se mostra favorável ao prolongamento da guerra no Iraque, a opinião de inúmeros políticos e analistas, a do Congresso e a da própria comissão que nomeou para estudar soluções para a situação (a Comissão Baker) sobre cujo relatório já aqui me pronunciei, George W Bush persiste na ideia de alcançar uma vitória militar no Iraque.

Esta teimosia poderia ser benigna caso estivesse em disputa um qualquer torneio desportivo local, mas aquilo com que a equipa presidencial americana está a jogar directamente é com a vida de milhões de cidadãos árabes em especial e com a de todos nós em última instância.

Com a persistência na aplicação de estratégias desajustadas (pelo menos a julgar pelos objectivos anunciados) e com a teimosia própria dos alienados George W Bush não ficará para história apenas como o presidente que não foi eleito mas também como aquele que contribuiu em muito para legar às gerações futuras um Mundo mais instável, perigoso e muito menos seguro que o que recebeu do seu antecessor. Como se não bastasse a estratégia ruinosa de querer implantar modelos de democracia ocidental pela força das armas, em regiões do globo que tradicionalmente se regem por outros valores, ainda insiste em englobar problemáticas tão diversas quanto o conflito israelo-palestiniano, a radicalização do islamismo e o controlo e o acesso às fontes de hidrocarbonetos numa única problemática – a da guerra ao terrorismo.

Incapazes de reconhecerem as diferenças entre as várias correntes do islamismo, enredados numa política de apoio declarado e faccioso às manobras que os partidos da direita israelita têm vindo a realizar para alimentar o ódio e a divisão entre palestinianos e israelitas e entre os palestinianos, os membros desta administração americana têm vindo a alimentar crescente oposição até em sectores onde até há pouco tempo a sua influência era notável.

Reduzindo a cada vez menos o capital de confiança de que dispunham junto de muitos dos governos árabes mais moderados (muitos dos quais são alvo de críticas e atentados por organizações extremistas) os EUA correm um risco crescente de verem resumida a sua influência ao seu enorme poderio militar. O mesmo autismo e cegueira política têm sido aplicados relativamente ao conjunto dos países que constituem os seus tradicionais aliados na cena internacional, não sendo por isso de estranhar a deterioração das relações EUA-UE (por muitos esforços que deste lado do oceano se façam para escamotear esta realidade), nem o agravar de tensões com a Rússia e a China.

Englobando no mesmo conjunto problemáticas tão diversas como a luta contra a Al-Qaeda, a “democratização” do Iraque e a transformação da Coreia do Norte (e possivelmente do Irão) em potência nuclear, a actual administração americana com a sua atávica incapacidade de compreender os “outros” e uma insaciável sede pelo controlo mundial do petróleo, poderá estar a conduzir-nos a todos para aquilo que julgámos resolvido com a queda do Muro de Berlim – um conflito de dimensão global.

sábado, 13 de janeiro de 2007

GRITAREI MESMO QUE A VOZ ME DOA

É o mínimo que me ocorre dizer quando nos meios de comunicação nacional abundam as notícias sobre o facto de um juiz português ter proposto a aplicação de uma pena especial a um cidadão dito “especial”.
Pelo menos é nesses termos que aparece justificado o facto de a um jogador profissional de futebol não ter sido aplicada de imediato a pena prevista no novo Código da Estrada para a infracção de condução sob a influência de álcool ou substâncias psicotrópicas; para melhor esclarecimento vamos aos factos: na madrugada de ontem foi verificada durante uma operação de fiscalização de rotina que um condutor, jogador profissional de futebol, apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,44 g/l, quando o máximo permitido por lei é de 0,5 g/l. Na sequência da ocorrência ao referido condutor foi efectuada uma contra-análise que fixou aquela taxa em 1,33 g/l.

De pronto, na manhã seguinte, foi o infractor presente a um juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que decidiu aplicar ao infractor a pena de 40 horas de trabalho comunitário em substituição da normalmente aplicada nestes casos.

Mesmo tratando-se de uma proposta – a decisão daquele tribunal carece ainda da aprovação de um juiz do Tribunal de Instrução Criminal – o facto é que nos termos da alínea j) do artigo 146º do Código da Estrada a infracção cometida é classificada como contra-ordenação muito grave (taxa de alcoolemia superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l)) à qual corresponde, nos termos do artigo seguinte daquele código, a sanção de inibição de condução por um período mínimo de dois meses e máximo de dois anos.

Independentemente de factores atenuantes – quem em situações análogas não apresenta semelhantes factores – o que ouvimos todos os dias são as pesadas sanções impostas aos condutores nacionais pelas mínimas infracções (há já quem englobe o Código da Estrada entre os factores importantes de combate ao deficit orçamental, tal é a profusão de coimas, o valor dos respectivos montantes e a sanha com que agentes fiscalizadores e juízes o aplicam), pelo que ver neste caso concreto reduzida a pena sob a alegação de que se trata de uma figura pública e que o Código de Processo Penal prevê o expediente de conversão de sanções em serviços úteis às comunidades assemelha-se de imediato a um processo de claro, ostensivo e inexplicável favorecimento.

Não tenho qualquer tipo de receio (ético ou legal) em escrever com todas as letras que SÃO COISAS COMO ESTAS QUE MINAM A CONFIANÇA (a pouca confiança) QUE OS CIDADÃOS AINDA POSSAM TER NAS INSTITUIÇÕES NACIONAIS.

Vou mesmo um pouco mais longe e asseguro que se alguma vez for surpreendido por uma acção de fiscalização policial da qual resulte qualquer tipo de condenação, exigirei do juiz a aplicação da norma do Código de Processo Penal que possibilitou a este cidadão (que por acaso, ou não, até é estrangeiro), na medida em que até prova em contrário a Constituição da República Portuguesa ainda continua a prever, no ponto 1 do seu artigo 13º, que todos os cidadãos são iguais em direitos e deveres.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

É O QUE ESTÁ A DAR

Este verdadeiro modismo de linguagem traduz, na essência, o que se passa entre nós. Seja ao nível do económico, do social ou do político, de há uns anos a esta parte o que toda a gente parece querer (e com o que parece preocupar-se) é pertencer ao grupo (ao grupo que vive bem, ao grupo que está na moda ou ao grupo que está no poder) que ganha dinheiro fácil e esperar que venham melhores tempos, para ganhar ainda mais.

Esta mentalidade é algo de muito antigo (desde o final dos ciclos da pimenta e do ouro do Brasil) e está na origem da forma como Portugal tem vivido a última metade da sua existência – aspirando por ganhos fáceis e rápidos e responsabilizando os «outros» quando as coisas correm mal (o que obviamente acontece de forma regular e vivemos o mais recente exemplo com o esbanjamento dos fundos de coesão da UE). Apenas esta nossa natureza pode explicar fenómenos como a popularidade registada por jogos como o EUROMILHÕES e o facto do sector de actividade económica mais procurado ser o terciário, aquele onde toda a gente compra e vende mas onde pouco ou nada se produz ou acrescenta.

Vem esta minha divagação a propósito da leitura da crónica de há uns dias de Perez Metelo no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, na qual o autor apelava à necessidade de divulgação de opiniões e práticas mais optimistas, ao invés do que normalmente acontece, como contributo para o crescimento da economia portuguesa.

Este apelo, vindo de alguém que há vários anos vem primando pelo cuidado em divulgar as questões do foro económico de forma acessível a todos, evitando aquele linguajar “economês” que apenas serve para afastar as pessoas e manter a discussão de questões importantes num círculo mais ou menos restrito de eleitos, ganha maior relevância até porque confirma a tal natural tendência para responsabilizar os «outros» pelos nossos fracassos. Se é correcto esperar dos membros de qualquer governo (e dos que lhe sejam próximos) mensagens optimistas e sobrelevadoras do que de positivo se entende que está ser feito e é normal que os oponentes políticos desenvolvam o discurso contrário, já a generalidade dos cidadãos deverá afinar o seu discurso por aquilo que “sente” no seu dia-a-dia.

Aqui é que se inicia a minha divergência pessoal sobre os discursos que governos e oposição normalmente fazem. Sendo entendível que cada um procure fazer valer os seus pontos de vista é exigível que além da “clubite” vigore também um apurado sentido de ética e de veracidade nas respectivas intervenções. A título de exemplo (negativo) veja-se o que ocorreu em 2002, quando previamente à sua nomeação como primeiro-ministro, Durão Barroso, criticou (e bem) o discurso socialista de Guterres e do “oásis económico” para depois o substituir pelo “discurso da tanga”, numa clara estratégia de quanto pior melhor e para no futuro poder capitalizar politicamente as eventuais melhorias.

Embora ninguém possa esquecer a realidade que é constituída pelos ciclos eleitorais (virtualidade e/ou pecha do sistema democrático) devemos todos exigir dos políticos (estejam eles no governo ou na oposição) que acima das suas disputas partidárias coloquem o interesse geral dos cidadãos que os elegem. Sempre que estes surjam em qualquer meio de comunicação a divulgar novidades ou a tecer comentários, deveremos sobrepor a nossa capacidade racional acima da facilidade de tomarmos como bom o que acabámos de ouvir ou ler. Para tanto, mais do que criticar, baseando-nos no facto do político não pertencer ao grupo que recebe as nossas simpatias, deveremos procurar o máximo de informação, começando por a exigir a esses mesmos políticos, de forma a avaliarmos os seus verdadeiros efeitos.

Por exemplo, quem tenha lido a nota do Ministério da Educação que dá conta dos resultados positivos do combate ao insucesso e abandono escolares, baseando-se no aumento da população escolar em 21 mil alunos (com particular destaque para os alunos do ensino secundário e do 3º ciclo do ensino básico), deverá congratular-se com o aumento do número de jovens em formação, mas deverá igualmente questionar a qualidade e sobretudo a aplicabilidade prática dessa formação para a inserção daqueles jovens no mercado de trabalho. Esta informação é tanto mais necessária quanto hoje mesmo o DIÁRIO DE NOTÍCIAS refere o facto da iniciativa de registo de patentes ser maior a partir das universidades portuguesas que das empresas.

Em resumo, continuamos “bombardeados” pela mais díspar informação e na quase total ausência das indispensáveis competências para a filtrarmos e dela retermos o que verdadeiramente for essencial para orientarmos e formularmos as nossas próprias expectativas quanto à evolução próxima do nosso país.

Talvez esteja a ser “mais papista que o Papa” porque o que realmente se pretende é que acreditemos naquilo que nos dizem em vez de pensarmos pela nossa própria cabeça.

domingo, 7 de janeiro de 2007

CARRASCO E VÍTIMA?

Mais de uma semana volvida sobre a execução de Saddam Hussein, ainda persiste a polémica e o debate em torno daquele acontecimento.

Tenho-me abstido de abordar o assunto por entender que este reveste uma importância menor quando comparado com o número de mortes ocorridas no Iraque, desde as determinadas pelo próprio Saddam, as que resultaram do conflito com o Irão e com os EUA (sejam da I Guerra do Golfo sejam da actual), e porque Saddam Hussein não passou de mais um “peão” no grande jogo de interesses que nos últimos anos se disputa no Médio Oriente.

Sem querer menosprezar o seu papel na região, Saddam terá sido sobretudo hábil a jogar nas contradições dos grandes interesses na região mas terá subestimado alguns dos limites que esses mesmos interesses estariam dispostos a ceder e perdeu. Nunca logrou alcançar o estatuto de líder dos árabes, mas depois de morto (em especial da forma como o foi e da dignidade que soube exibir ao mundo) poderá tornar-se ainda mais poderoso e perigoso.

Aqui reside precisamente o mais perverso dos efeitos da aplicação de sentenças como a da pena de morte. Longe de servir o efeito de punir o criminoso, acaba por o glorificar e fazer recair sobre o algoz o epíteto (e o efeito) de criminoso.

Saddam que foi responsável pela morte de milhares de pessoas (milhões de incluirmos as vítimas dos conflitos bélicos que originou), acabou condenado à pena máxima pela morte de pouco mais de um centenas de habitantes de uma localidade xiita quando os seus principais crimes de genocídio foram perpetrados contra a minoria curda que vive no Iraque. Este anacronismo fundamenta cada vez mais as acusações de que o julgamento e a condenação não passaram de uma tentativa de mascarar uma simples vingança – a maioria xiita, reprimida desde a constituição do país pelos ingleses, não desperdiçou a oportunidade fornecida pela ocupação americana para vincar bem a sua nova posição de dominância.

Para os muitos comentadores e políticos que por esse “mundo civilizado” fora têm condenado a barbárie da execução importa recordar que os valores locais são muito distintos dos deles (o valor da vida humana no Iraque actual deve ser igual ou inferior à vida de um palestiniano para um israelita) e que historicamente a forma normal de acesso ao poder entre os povos árabes sempre foi uma via “guerreira” o que pressupõe a eliminação física dos adversários. Sem sentimentalismos baratos e analisando de forma fria o problema, não me espantou a condenação nem a aplicação da sentença; o que me espanta é a forma quase hipócrita como muitos dos governos ocidentais a têm condenado.

Curioso é que à hipocrisia ocidental juntou-se a desfaçatez do actual governo iraquiano, que pela voz do seu primeiro-ministro, Nouri Al-Maliki, vem ameaçar de represálias aqueles que o criticam, como se os iraquianos fossem os detentores de alguma verdade absoluta e se o seu governo representasse algo mais que a vontade americana.

Aliás esta situação de subordinação e subalternidade do actual governo iraquiano é algo que há muito é conhecido e que os humoristas têm retratado de forma mais ou menos evidente, como é exemplo este “cartoon” cuja legenda «VÁRIAS CONDENAÇÕES À MORTE NO PROCESSO DE SADDAM» é bem elucidativa.


Tal como aconteceu antes com a morte de Al-Zarqawi, o alegado representante da Al-Qaeda no Iraque, também a morte de Saddam não deverá por termo à violência, podendo até funcionar como rastilho para a sua propagação entre a comunidade sunita que se sentirá cada vez mais pressionada por aquilo que entende como um claro conluio entre americanos e xiitas.

Muito inteligente foi o apelo de Saddam, formulado momentos antes da execução, que procurou deixar o aviso contra a influência iraniana na política interna do Iraque. Mas o pior é que esta situação pode bem ser uma das principais responsáveis pela violência que se vive naquele país, porque ao criar uma situação de vazio de poder e sem dispor de uma alternativa credível – os aparelhos de estado árabes são normalmente frágeis e muito dependentes de uma personalidade forte à sua cabeça – os EUA condenaram o Iraque a uma situação de instabilidade até ao surgimento de um novo “homem forte”.

Ao ter partido para um processo de ocupação militar, visando o derrube do regime de Saddam mas sem a criação de uma alternativa viável, e ao não querer entender esta realidade a administração norte-americana mais não tem feito que prolongar os efeitos devastadores que inundam os noticiário televisivos e a que hipocritamente a equipa de George W Bush designa por processo de democratização.

sábado, 6 de janeiro de 2007

“JÁ SEI QUE VÃO DIZER QUE ME COMPRARAM”

Esta é a frase de João Cravinho com que o EXPRESSO titula um artigo onde noticia a “transferência” daquele deputado do PS para o BERD (Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento) e a mesma que a edição on-line do PUBLICO escolheu para destaque.


Francamente se diga que foi o mesmo que me ocorreu quando ouvi a notícia num noticiário radiofónico e que o que me foi dado ler no
DIÁRIO DE NOTÍCIAS não me tranquilizou completamente.

O empenho revelado por Cravinho em condicionar o início das suas novas funções com a aprovação do pacote legislativo anti-corrupção, apenas o dignifica mas não garante que o muito que haverá a fazer quer ao nível legislativo quer ao nível fiscalizador mereça o mesmo tipo de atenção e cuidado que teria com o seu autor por perto.

Compreendo perfeitamente o interesse (pessoal e profissional) de João Cravinho em vir a integrar os quadros do BERD, mas o momento para abandonar o Parlamento não poderia ter sido melhor escolhido?

Mesmo sem pretender questionar a hombridade do deputado, não teria sido possível que tudo isto tivesse um “ar” menos comprometedor?

É que em novo aprendi duas máximas que devem ser especialmente respeitadas na esfera onde João Cravinho se movimenta:

«EM POLÍTICA O QUE PARECE É!»
e
«À MULHER DE CÉSAR NÃO BASTA SER SÉRIA, TEM QUE O PARECER!»

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

IREMOS TER UMA NOVA ONU?


A primeira grande notícia deste novo ano, a nível internacional, é sem dúvida o início de actividade do novo secretário-geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, que substitui o ganês Kofi Annan.

Ao fim de 10 anos à frente dos destinos da ONU, Annan não foi reconduzido no cargo por ter perdido a confiança dos EUA na sequência da ausência de apoio daquela organização à invasão do Iraque.

Não será de excluir que a queda em desgraça de Annan tenha estado na origem do anúncio da sucessão de alguns “escândalos”, como o caso que envolveu o programa iraquiano «petróleo por alimentos» e o seu próprio filho (Kojo Annan); embora desde a primeira hora sempre a ONU se tenha visto rodeada de casos desta natureza e nenhum secretário-geral tenha escapado incólume a acusações de favorecimento e protecção de altos responsáveis da organização.

Se nas vésperas da sua saída Annan proferiu um discurso particularmente duro contra a política externa da actual administração norte-americana, e posteriormente classificou a invasão do Iraque como o pior momento dos seus dois mandatos, muito mais poderia ter feito. Talvez que se desde o início tivesse condenado aquele acto, a situação no terreno fosse hoje diferente, mas, em 2003, Annan ainda acalentaria esperanças de voltar a ser reeleito.

O facto evidente dos sucessivos secretários gerais que a ONU conheceu sempre terem sido escolhidos em função dos interesses das superpotências (e em especial dos EUA) não constitui novidade e o próprio Annan ainda deverá recordar a forma como substituiu o egípcio Boutros Boutros-Ghali que um dia reconheceu ter demorado muito tempo a compreender que «...os EUA vêem pouca utilidade na diplomacia. O poder é suficiente. Só os fracos dependem da diplomacia... O Império Romano não necessitava da diplomacia e os EUA também não».

A importância de Kofi Annan para a resolução de alguns dos problemas estruturais da ONU pode ter sido grande, mas na prática a reforma da organização continua por fazer. A ONU continua a apresentar-se como reflexo de uma realidade – a emergente da II Guerra Mundial – que há muito se encontra ultrapassada; os EUA poderão ser cada vez mais a potência hegemónica (logo, prestando cada vez menos importância à ONU), mas potências emergentes como a Índia e o Brasil e os derrotados naquele conflito (Alemanha e Japão) mostram-se cada vez mais pressionantes na exigência de um lugar no Conselho de Segurança.

As primeiras notícias dão conta de que o novo secretário-geral parece muito alheado desta realidade, pelo menos a avaliar pelas suas declarações a propósito da execução de Saddam Hussein. Não condenando a acção, ao contrário do que fizeram a generalidade das nações ocidentais e é política habitual da ONU, abriu uma controvérsia e pronunciou-se em sentido contrário do seu representante especial no Iraque, o paquistanês Ashraf Qazi, que no próprio dia da execução ergueu a voz contra a aplicação da pena capital, mesmo nos casos de crimes de guerra ou de genocídio.

Eventuais polémicas e notícias de divisões no seio da ONU serão questões de somenos importância para os EUA, que ao tudo indica escolheram bem o sucessor de Kofi Annan, a menos que à semelhança dos seus antecessores também Ki-moon venha algum dia a querer ser independente... Para já este será um cenário meramente especulativo, tanto mais que Ki-moon é originário de um país muito próximo dos EUA devendo ser um importante aliado na questão nuclear norte-coreana.

Facto é que ainda está a decorrer a disputa pelos principais cargos na nova equipa, sendo já certos os nomes do novo chefe de gabinete, o indiano Vijay Nambiar, que foi conselheiro especial de Annan, e de Michele Montas, a haitiana ex-porta-voz da Assembleia Geral. Enquanto se aguarda a nomeação da mexicana Alicia Barcena para o cargo de subsecretária geral para a administração e a gestão e de um diplomata chinês como subsecretário geral para os assuntos económicos e sociais, desconhece-se ainda quem irá ocupar os cargos de secretário geral adjunto e a direcção dos departamentos dos assuntos políticos e da manutenção da paz. Conforme noticiava ontem o «LE MONDE», na corrida para os principais postos estarão os EUA, a Grã-Bretanha e a França.

Para quem acreditar em milagres ou coisa parecida, talvez possa saber a resposta quando a equipa estiver completa, para os restantes e expectativa é nula porque sabemos bem a resposta.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

ANO NOVO… VIDA VELHA

Ainda mal começou o ano e já as perspectivas de mudança e de correcção dos velhos erros sofreram uma primeira e violenta machadada.

A Madeira - o tal jardim maravilhoso que persiste em querer viver à custa dos outros - e o seu inefável governante, Alberto João Jardim, proporcionaram aos milhares de visitantes da região o Maior Espectáculo Pirotécnico do Mundo e nova coqueluche do «Guiness World Records».

Nada mal para um país do Comunidade Europeia que presenteia os seus trabalhadores com um dos níveis salariais mais baixos da União Europeia (felizmente com a entrada hoje registada da Roménia e da Bulgária vamos conseguir ficar um pouco mais próximo da média) e para uma região que vive à custa das transferências de fundos do orçamento nacional, conseguir realizar o”milagre” de “esturrar” UM MILHÃO E DUZENTOS MIL EUROS no curto espaço de 8 minutos.

A fazermos figura de ricos (queimando 17 toneladas de fogo de artifício, mesmo quando compradas a uma empresa nacional) continuamos a ser os maiores!

A construirmos algo que realmente melhore o nosso futuro e o dos nossos filhos é que é pior.

Neste capítulo continuamos à espera de quem o faça por nós, seja esperando pelo regresso do D. Sebastião, seja acreditando que um dia um qualquer político criado e formado no seio dos nossos partidos maioritários se venha a revelar um messias económico ou um mago financeiro e transforme o nosso proverbial atavismo em dinamismo e capacidade de discernimento.

Até lá, continuamos limitados às tristes figuras que nos têm governado (desde o que bradava que o deixassem trabalhar, até ao que agora promete mundos e fundos num futuro que não vemos enquanto continua a reduzir salários reais e benefícios sociais e passando pelo que hesitou todo o tempo que lá esteve, o que criticou o discurso do oásis para passar a fazer o discurso da tanga e fugiu daqui na primeira oportunidade que teve e aquele que ainda hoje ninguém entendeu como é que lá chegou) e com poucas ou nenhumas perspectivas de virmos a conhecer outros melhores.

Sim, porque não creio que estruturas como a que criou um Alberto João Jardim, cujo governo regional só neste final de ano gastou 6,6 milhões de euros em animação turística (e não me venham dizer que a indústria hoteleira madeirense vai pagar mais que isso de impostos), possam algum dia originar alguém com capacidade para orientar este país e os seus habitantes em direcção diferente da que temos conhecido.