quarta-feira, 26 de julho de 2017

OS RISCOS DO FMI

Mais uma edição do World Economic Outlook, divulgada pelo FMI na passada segunda-feira, corre nas páginas dos jornais, que destacam que o «FMI confirma retoma mundial e revê em alta crescimento da zona euro».

A par desta aparente boa notícia (que vem na sequência e confirmação da expectativa formulada em Abril), aquele organismo não deixa de alertar para «Os 10 riscos que ameaçam a economia mundial, segundo o FMI»:
  1. incertezas sobre Trump e o Brexit;
  2. tensões financeiras na China;
  3. tensões geopolíticas que incentivem políticas proteccionistas e outros factores não económicos;
  4. orientação restritiva da política monetária nas economias desenvolvidas (EUA e zona Euro);
  5. situação do sector bancário da zona Euro;
  6. recuo da regulação financeira;
  7. crescimento persistentemente fraco da produtividade;
  8. desequilíbrios nas contas externas de algumas das principais economias;
  9. desigualdade crescente provocada pela globalização, digitalização e um crescimento não inclusivo;
  10. abandono do multilateralismo, nomeadamente com a ascensão do protecionismo e das políticas de soma nula.
Embora outros factores apontados apenas às economias mais desenvolvidas – persistência num excesso de capacidade produtiva; envelhecimento populacional; fraco investimento; crescimento lento da produtividade; baixa inflação (inferior à meta dos 2%); risco de  rápida ‘normalização’ da política monetária da Reserva Federal norte-americana; resistência à subida dos salários; desequilíbrios na balança externa (sejam défices ou superhavits); crescimento não inclusivo (estagnação dos rendimentos reais médios) e aumento da desigualdade ao longo das últimas décadas – também devessem ser estendido ao conjunto da economia mundial (globalização oblige) e quase todos merecessem análise mais detalhada, gostava de me fixar, por agora, apenas num deles: o recuo da regulação financeira.

Esta afirmação é apenas mais um sinal da medonha hipocrisia que sempre rodeou a actuação do FMI. Organismo criado, a par com o Banco Mundial, na sequência da Conferência de Bretton-Woods que serviram de base ao sistema económico e financeiro do pós-guerra e destinado a apoiar a reconstrução do fistema monetário internacional, acabou a financiar os desequilíbrios das balanças de pagamentos dos cinco continentes segundo uma ortoxia própria (o Consenso de Washinton, que se pode resumir como conjunto de medidas – composto por dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma tributária; livre formação das taxas de juro e de câmbios; abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); investimento estrangeiro directo, com eliminação de restricções; privatização das empresas públicas; desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); direito à propriedade intelectual – formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades) que sempre aplicaram de forma dogmática onde que que fossem “chamados” a intervir e que o transformou no principal no baluarte da globalização e da desregulamentação...


Nada que os impeça agora de derramarem “lágrimas de crocodilo” sobre o recuo duma regulamentação financeira que eles próprios sempre impuseram e de nunca terem permitido a menor discussão sobre o assunto, porque o Consenso de Washinton é que está correcto e cosntitui uma verdade universal!

Mês após mês, ano após ano, relatório após relatório, os técnicos do FMI não param sequer para perceber que o que o seu trabalho possa ter de eventualmente positivo perde-se de imediato perante a hipocrisia dos seus dogmas e postulados. E pior, fosse na América Latina ou no Sudoeste Asiático, na Rússia ou mais recentemente na Europa, nunca as políticas recomendadas pelo FMI tiveram outro objectivo senão o do aumento da desigualdade.

sábado, 22 de julho de 2017

ALDRABICES

No quadro da apresentação dum candidato à Câmara do Funchal, o primeiro-ministro António Costa afirmou que os «Lesados do Banif confiaram "num sistema que os aldrabou"»,o que só poderá espantar por vir de onde vem: um chefe de Governo que há semelhança dos antecessores tem mantido intactas as prerrogativas dum sistema financeiro vocacionado para servir os interesses do capital especulativo.


Os chamados “lesados do BANIF” (como acontece com os “lesados do BES” e outros “lesados por outros bancos”) surgiram na sequência de processos de resolução dos bancos cujos clientes adquiriram produtos financeiros (acções, papel comercial e outros títulos financeiros) que sofreram degradações acentuadas de valor. Infelizmente este não é um tema novo nem ficará seguramente esgotado com qualquer que seja a solução proposta para compensação daqueles “lesados” que na sua maioria são clientes particulares (pequenos aforradores) aliciados pela perspectiva de ganhos superiores aos dos depósitos a prazo ou dos títulos do Tesouro.

E aqui começam dois problemas; os bancos venderam aos seus clientes de retalho (maioritariamente sem a cultura financeira indispensável à correcta avaliação dos riscos envolvidos) produtos financeiros nos quais detinham interesses directos (eram emitidos pelo próprio banco ou por empresas suas participadas), aliciando-os com a perspectiva de ganhos acima do normal. Segundo, fizeram-no através da respectiva rede comercial usando empregados igualmente desconhecedores dos riscos associados aos produtos que estavam a vender, aliciados a fazê-lo graças a mecanismos de prémios ou , pior, mediante pura e dura coacção psicológica.

Nada disto constitui problema novo (veja-se o post «A BANCA NA JUSTIÇA?», que escrevi em Abril de 2007 a propósito dum “problema” então surgido no BCP com a venda na rede de retalho de acções do próprio banco, onde o despautério chegou ao ponto de “oferecer” crédito para a realização da operação) nem a solução poderá deixar de passar por uma radical mudança na regulamentação da actividade bancária que imponha a separação entre a actividade de banca comercial (captação de depósitos e colocação de crédito) e a da banca de investimento.

É claro que «António Costa não tem dúvidas de que lesados do Banif foram aldrabados», nem eu tenho a mínima dúvida que este é um tema que continuará sem solução óbvia à vista, tanto mais que é um problema geral duma economia onde a especulação continua a importar mais que o investimento produtivo.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

PODEMOS CONFIAR?

O Comissário Europeu, Pierre Moscovici, passou por cá e terá dito que o «crescimento de Portugal poderá ficar acima de 2,5% este ano» (previsão que revê muito em alta a anterior estimativa de 1,8%); eufórico, o sr. «Moscovici considera “impressionante” progresso de Portugal. “Podemos confiar nesta economia”»... mas será que podemos confiar no Sr Moscovici?


É que os entusiastas de agora são os mesmos que antes nos impuseram a “canga” duma austeridade que o inefável duo Passos Coelho/Paulo Portas transformaram numa inenarrável “austeridade expansionista” e que afirmaram aos quatro ventos (ou a quem lhes desse ouvidos) que não havia alternativa! Como já tenho referido algumas vezes (por exemplo no post «AFINAL HÁ ALTERNATIVA»), o melhor da passagem de António Costa por São Bento é a comprovação de que existem alternativas... podem nem sequer ser as melhores, mas são alternativas.

A minha desconfiança perante tanto entusiasmo resulta principalmente de continuar a pensar que o principal problema do país – a monumental dívida (pública e privada) – persiste e pouco ou nada tem sido feito para a solucionar, ou sequer contrariar. E em especial porque tal só será exequível num cenário europeu que recentre as suas preocupações numa redefinição das “regras do jogo” onde todo o mecanismo de funcionamento da moeda única seja revisto e corrigido, como escrevi (entre outros) nos posts «O PAPEL DOS BANCOS CENTRAIS» e «AS PROPOSTAS DOS “ECONOMISTAS ATERRADOS” - III», de forma a transformar o BCE no principal financiador dos Estados.

terça-feira, 11 de julho de 2017

SENTIDO

Enquanto continua por esclarecer o assalto aos paióis de Tancos e grassa algum mal-estar nas fileiras castrenses, proliferam as notícias, os comentários e as polémicas sobre o assunto, parecendo cada vez mais evidente que o «Furto de armamento em Tancos humilha Exército» e adequada a atitude onde o CEME, «General Rovisco Duarte afasta responsabilidade do Governo no assalto a Tancos».


Além das notícias que dão um grupo de «Mercenários suspeitos de assalto em Tancos» e deixando no ar a possibilidade de concluio com militares no activo, ainda tivémos que suportar o vexame de saber que a imprensa de «Espanha divulga a lista de material roubado em Tancos», continuamos a assistir aos comentário diários de quem opina sobre tudo e pouco sabe sobre o assunto, como bem se refere neste artigo de opinião do EXPRESSO.

No campo das explicações apontam-se a redução das despesas com gastos militares, sendo especialmente caras a PSD e CDS as que culpam o recurso às cativações orçamentais praticadas pelo actual governo esquecendo que a referida política de redução vem sendo praticada há décadas e que nos últimos anos foi imposição da “troika”; ao invés Sarsfield Cabral refere no seu artigo «Repensar o serviço militar» a perca de importância social (com evidentes reflexos na esfera orçamental) da estrutura militar e lembra a estranha opção pelo fim do Serviço Militar Obrigatório, decidido em 2004 pelo então ministro da Defesa, Paulo Portas.

É claro que o sucedido é fruto dum conjunto de factores, onde avultam todos os enunciados – redução dos gastos militares, desprestígio e dificuldade no preenchimento dos quadros – e talvez mais um que ainda não vi referido: o aviltamento generalizado resultante da aplicação duma política de “austeridade-expansionista” justificada como se duma expiação colectiva se tratasse. Reduzir em simultâneo o rendimento das famílias e as prestações sociais como forma de punição da sociedade (não se traduz apenas em efeitos económicos mas também na redução da auto-estima colectiva) e estará agora a revelar a sua pior face, pelo que corremos o risco deste grave episódio constituir apenas o primeiro de vários...

quarta-feira, 5 de julho de 2017

COSMÉTICA DE ALTO RISCO

Com a aproximação da próxima cimeira do G20, que terá lugar este fim-de-semana em Hamburgo, e depois de notícias onde se assegura que «Trump prepara guerra comercial global antes da cimeira do G20» eis que o mesmo preparou uma pequena paragem na Polónia para melhorar a sua imagem.

Isto mesmo foi anunciado pelo LE MONDE numa notícia onde não esquece de referir a grande proximidade de ideias entre o partido no poder em Varsóvia (o PiS, Partido da Lei e da Justiça liderado pelo inefável Jaroslaw Kaczynski) e o próprio Trump, com especial destaque para as ideias populistas anti-emigração e anti-islâmicas, o nacionalismo e o soberanismo. Estas posições, claramente assumidas pelo governo da senhora Beata Szydlo em questões como emigração e as liberdades cívicas, ver-se-ão reforçadas com a visita dum presidente americano que espera em troca um “banho de popularidade” para efeitos de propaganda interna numa altura em que até se diz que os «Americanos confiam mais na CNN que em Donald Trump».


Claro que existem outras razões para esta opção de Donald Trump – fala-se de interesses norte-americanos no fornecimento de gás e da polémica questão duma NATO onde a Polónia parece ser um dos poucos países que cumpre a tal quota dos 2% do PIB em gastos militares – e a situação na Europa não pode deixar de ser uma delas, tanto mais que está prevista a participação de Trump numa reunião da Cimeira dos Três Mares (uma iniciativa polaca e croata que agrega uma dúzia de estados entre os mares Báltico, Adriático e Negro, organizada para retratar a Polónia como uma espécie de líder regional em oposição ao eixo Paris-Berlim) algo que é visto com enorme suspeita no resto da Europa.

Mas será que o Brexit em desenvolvimento (com o que isso significará duma ainda maior convergência de interesses entre o Reino Unido e os EUA) e uma estratégia americana aparentemente errática pode, como hoje mesmo escreveu Adriano Moreira no DN, “...ter efeitos colaterais positivos, porque a pressentida quebra da solidariedade atlântica, pela incerta visão do parceiro americano, tem sinais de reanimar a solidariedade da União...”, ou o seu resultado será um aprofundamento da crise de liderança da UE, quando ninguém esconde que a «Visita de Trump à Polónia aumenta receios de mais divisões na Europa»?

sábado, 1 de julho de 2017

ALÔ, ALÔ!?!?

Se no plano económico não têm faltado boas notícias para o governo de António Costa, agora que até o «FMI aplaude progressos e diz que meta do défice pode ser atingida “confortavelmente”», já no plano político as últimas semanas têm sido madrastas.

Primeiro foi aquele fatídico incêndio florestal que ceifou mais de meia dezena de vidas e depois o estranho caso do assalto aos paióis de Tancos. Se neste último o «Ministro da Defesa assume "responsabilidade política" pelo assalto a paióis em Tancos», no primeiro continuamos a assistir ao espectáculo diário do pingue-pongue de desculpas entre os diferentes intervenientes sem que até agora a respectiva ministra, Constança Urbano de Sousa, tenha dado o menor sinal de entender o cerne do problema: um ou vários dos organismos que tutela falharam em situação de elevada pressão. Enquanto o seu colega de governo, Azeredo Lopes, já veio assumir publicamente as suas responsabilidades – nem que seja pelo simples facto de dirigir o ministério que tutela o exército e as instalações objecto de furto – a Ministra da Administração Interna estará talvez à espera que seja o Primeiro Ministro a apontar-lhe a solução.


É claro, para quem queira analisar as duas ocorrências com um mínimo de objectividade, que os infaustos acontecimentos poderiam ter ocorrido neste ou noutro qualquer governo; a falta de ordenamento florestal, o abandono dos campos e desertificação do interior do país datam de há décadas sem que tal pareça alguma vez ter incomodado estes ou os anteriores governantes. A insistência na opção por uma estratégia de combate aos incêndios no lugar da sua prevenção foi escolha de vários governos, assim como o foi a do famigerado sistema SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal), envolto em polémicas (seja pelos custos, estimados em mais de 500 milhões de euros, seja pelas ligações ao universo BPN de alguns “parceiros” no negócio ou pelas recorrentes queixas sobre as suas falhas) desde a primeira hora.

Importante agora era que desta vez não ficassem dúvidas sobre os efectivos esforços para colmatar os erros e que as explicações não se resumam, como habitual, a um confortável processo de difusão de culpas. Isto é o mínimo a esperar para que o governo, que tão bem tem sabido demonstrar que, ao contrário do que afirmavam Passos Coelho e Paulo Portas, havia alternativas na aplicação duma política de contenção orçamental que não a transformasse num processo de radical empobrecimento dos portugueses, mantenha a credibilidade que soube conquistar.